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A videoconferência no sistema jurídico brasileiro.

Agenda 23/10/2014 às 10:15

Este texto trata da prática de interrogatório por videoconferência, analisando suas consequências para os direitos do réu e para a eficiência do sistema jurídico.

RESUMO

A videoconferência no interrogatório do réu foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro através das Leis n. 11.690/2008 e 11.900/2009. Contudo, esse tema gerou acirrados debates pelos juristas, haja vista que alguns defendiam a sua inconstitucionalidade alegando a violação dos princípios constitucionais, como o devido processo legal, contraditório, ampla defesa e outros. Este trabalho irá demonstrar as posições favoráveis e contrárias dos doutrinadores, a fim de esclarecer que a realização do interrogatório do réu por videoconferência atende aos objetivos de agilização, economia e desburocratização da justiça.

Palavras- chave: Princípios constitucionais- penais; videoconferência; interrogatório do réu.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende discorrer sobre o interrogatório do réu realizado por videoconferência, inovação regulada pela Lei n. 11.900/09. Essa lei trouxe a previsão de que, excepcionalmente, o magistrado, por decisão suficientemente motivada, poderia realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real

O tema em questão tem sido cada vez mais discutido no cenário atual, até porque com a evolução da sociedade e a tendência de um garantismo penal, faz questionar a sua constitucionalidade.

Muito embora seja a questão cercada de polêmicas, o tema em destaque é de grande importância teórica e prática, haja vista que a realização do interrogatório realizado por videoconferência prima pela segurança, economia e celeridade objetivados pelo processo penal. Contudo, há entendimentos opostos no sentido de que esse interrogatório não preserva os direitos e garantias processuais constitucionais.

Nesse sentido, o presente estudo irá abordar as principais características do interrogatório por videoconferência, seu procedimento e a sua natureza jurídica. Em sequência, irá tratar dos princípios constitucionais- penais, especialmente, o devido processo legal; a ampla defesa; o contraditório e a publicidade.

Por fim, fará uma análise desse instituto no sistema jurídico brasileiro, a fim de concluir que videoconferência é benéfica e vantajosa, desde que utilizada nos limites fixados em lei e asseguradas as garantias individuais.

2. INTERROGATÓRIO DO ACUSADO

2.1 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

Segundo Renato Brasileiro de Lima, o “interrogatório judicial é o ato processual por meio do qual o juiz ouve o acusado sobre sua pessoa e sobre a imputação que lhe é feita”[2].

A natureza jurídica do interrogatório é dúplice, isto é, tem atributo de meio de prova e meio de defesa. Constitui meio de prova, porque o magistrado irá realizar perguntas pertinentes ao esclarecimento dos fatos, assim como também farão a acusação e o advogado do réu. Atente-se que o material eventualmente colhido servirá na formação do livre convencimento do magistrado.

Pacelli afirma que “em uma concepção de processo via da qual o acusado seja um sujeito de direitos, e no contexto de um modelo acusatório, tal como instaurado pelo sistema constitucional das garantias individuais, o interrogatório do acusado encontra-se inserido fundamentalmente no princípio da ampla defesa”. [3]

Na verdade, têm-se uma oportunidade de defesa que se dá ao réu, de forma a possibilitar que ele apresente a sua versão dos fatos, sem que este fique constrangido ou se sinta compelido a fazê-lo.

Em continuidade, Pacelli acrescenta que a conceituação do interrogatório como meio de defesa, e não de provas (ainda que ostente valor probatório), é riquíssima de consequências, elas são:

Em primeiro lugar, permite que se reconheça, na pessoa do acusado e de seu defensor, a titularidade sobre o juízo de conveniência e a oportunidade de prestar ele o (réu), ou não prestar, o seu depoimento. E a eles caberia, então, a escolha a opção mais favorável aos interesses defensivos. E é por isso que não se pode mais falar em condução coercitiva do réu, para fins de interrogatório, parecendo-nos revogada a primeira parte do art.260 do CPP. Fazemos a ressalva em relação à possibilidade de condução coercitiva para o reconhecimento de pessoas, meio de prova perfeitamente possível e admissível em nosso ordenamento.

Em segundo lugar, impõe, como sanção, a nulidade absoluta do processo, se realizado sem que se desse ao réu a oportunidade de se submeter ao interrogatório. Haveria, no caso, manifesta violação da ampla defesa, no que se refere à manifestação da autodefesa. [4]

2.2 CARACTERÍSTICAS DO INTERROGATÓRIO

O interrogatório do réu constitui uma fase de persecução penal que permite ao suposto autor da infração esboçar a sua versão dos fatos acerca da imputação que lhe é dirigida, exercendo, se assim desejar, a autodefesa. Tal instituto está regulamentado pelos arts. 185 a 196 do Código de Processo Penal (CPP).

O acusado terá contato com a autoridade competente, o que lhe autoriza indicar provas, confessar a infração que lhe é imputada, delatar outros, apresentar teses defensivas, bem como valer-se do direito de silêncio.

O interrogatório do réu no procedimento comum apenas acontecerá após a apresentação escrita da defesa, e na audiência una de instrução, depois da inquirição do ofendido, das testemunhas de defesa e de acusação, dos esclarecimentos dos peritos, das acareações. Sob esse mesmo ponto de vista, Pacelli elucida que:

A mudança, sobretudo na imposição de audiência una, determinando a concentração dos atos de prova, imprime ritmo mais célere ao procedimento, ao tempo em que permite ao acusado um exame mais amplo acerca de seu comportamento no processo. Como ele, agora, será o último a ser ouvido, poderá, livremente, escolher a estratégia de autodefesa que melhor consulte aos seus interesses.[5]

As principais características do interrogatório do réu podem ser encontradas nos ensinamentos de Nestor Tavorá[6] e Norberto Avena[7], quais sejam:

a) Ato público: em regra, interrogatório pode ser assistido por qualquer pessoa. Isso ocorre, porque ele se destina à comprovação de que as declarações realizadas pelo réu foram espontâneas. Excepcionalmente, se pode ter o sigilo do interrogatório se necessário, em havendo risco de escândalo, inconveniente grave ou perturbação da ordem;

b) Ato personalíssimo: apenas o réu é que pode ser interrogado, não cabendo sua representação, substituição ou sucessão por qualquer pessoa; 

c) Oralidade: em regra, o interrogatório segue a forma oral. Porém, o Código de Processo Penal prevê exceções a essa característica para pessoas portadoras de necessidades especiais. Para o mudo, as perguntas serão feitas oralmente, as respostas na forma escrita. Para o surdo, as perguntas serão por escrito e as respostas serão orais. Para o surdo-mudo, as perguntas e respostas serão escritas, sendo que, se estes forem analfabetos ou também deficientes visuais intervirá sob compromisso pessoa habilitada a entendê-los. Quanto ao estrangeiro, o interrogatório será realizado através de intérprete;

d) Individualidade: existindo corréus no mesmo processo, eles serão interrogados separadamente. Isso será útil quando houver versões contraditórias, momento em que o juiz poderá acareá-los.

2.3 PROCEDIMENTO

O interrogatório do acusado no procedimento comum será realizado em duas etapas: a primeira será sobre a pessoa do réu e a segunda sobre o fato. Na primeira etapa, o réu será interrogado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais (art.187,caput e §1º do CPP).

Na segunda etapa se aferirá os fatos apresentados no processo. Neste momento o réu poderá aceitar como verdadeira ou negar a imputação que lhe é feita. Se confessar o crime poderá ser questionado acerca dos motivos que o levaram a cometer o delito, das circunstâncias de fato, bem como se outras pessoas participaram.

Caso negue a acusação, no todo ou em parte, poderá prestar esclarecimentos e indicar provas; poderá imputar a acusação a terceiros; terá oportunidade de esclarecer ao tempo dos fatos e se teve notícia dos acontecimentos; se tem conhecimento das provas já apuradas; se tem conhecimento da vítima e as testemunhas, desde quando e se tem algo a alegar contra elas; se tem conhecimento acerca do instrumento do crime e dos demais objetos relacionados a ele; será indagado sobre todos os demais fatos e pormenores que conduzam à elucidação dos antecedentes e circunstâncias da infração, por fim, se tem algo a mais a alegar em sua defesa (art.187, §2º do CPP).

Convém registrar que durante o interrogatório do réu será obrigatório a presença de seu defensor, sob pena de nulidade absoluta. Destaque-se que ausente o advogado constituído pelo réu, o juiz deverá nomear um advogado para assisti-lo neste ato.

O art.185, §5º do CPP garante ao réu, antes do início de seu interrogatório, o direito de entrevista reservada com seu advogado. Tal garantia tem como objetivo dar a possibilidade ao réu (solto ou preso) de ter um ultimo contato com o seu defensor, para que assim possa receber as devidas orientações acerca da postura que deve seguir no momento do seu depoimento ao magistrado.

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Com efeito, Avena pondera:

Essa entrevista, sob a ótica da defesa, assume relevância especial nos procedimentos em que o interrogatório deva ser realizado posteriormente à oitiva da vítima e das testemunhas (como ocorre nos procedimentos ordinário e sumário, ex vi do que dispõem os arts. 400 e 531 do CPP), já que ensejará ao defensor a oportunidade de fornecer ao réu os aconselhamentos necessários para adequar sua versão às provas que já foram produzidas, ou, no mínimo, justificar, sob o enfoque da defesa, fatos ou circunstâncias trazidas ao processo em desfavor da tese defensiva. [8]

3. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS- PENAIS

3.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

A Magna Carta de João Sem Terra do ano de 1215 foi o primeiro ordenamento que fez menção ao princípio do devido processo legal quando se referiu a “law of the land”. O termo atualmente aplicado, “due process of law”, foi usado em lei inglesa de 1354, realizada no reinado de Eduardo III, denominada “Statute of Westminster of the Liberties of London”.

Num momento póstumo, os americanos transladaram esse princípio para a sua Constituição de 1787, no qual ele tem sido empregado diuturnamente, derivando daí sua evolução, o seu conceito e a sua abrangência.

O instituto do devido processo legal foi consagrado na Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, LIV que dispõe: “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, tal garantia traz expressamente o princípio garantidor das liberdades civis.

Observe-se que tal disposição constitucional foi complementada a seguir pelo inciso LV, que reza: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”

José Herval Sampaio Júnior assinala “que esse princípio assume dentro do processo penal uma importância transcendental e que delineia todo o seu agir, limitando inclusive a atividade do legislador” [9], dessa forma, “deve a lei se conformar com os direitos e garantias fundamentais do cidadão” [10], não podendo haver interferência no núcleo protetivo da liberdade do agente, sem que se observem as condições e limites que decorrem da cláusula due process of law. 

Luiz Flávio Gomes discorre que o princípio do devido processo legal oferece duas garantias. São elas: uma garantia material, e não um direito, que consiste em todo cidadão não poder ser privado de sua liberdade e de seus bens sem um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei, isto é, a garantia do justo processo; bem como, uma garantia procedimental, que consiste no prévio conhecimento de regras procedimentais que regulam o justo processo, obrigando, assim, o Estado a respeitá-las.[11]

A respeito do devido processo legal, Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci discorrem:

Sendo, como visto, o processo a garantia outorgada pela Constituição Federal à efetivação do direito (subjetivo material e público) à jurisdição, impõe-se, já agora, sua consideração como encartado no due process of law.

Trata-se esta - em vernáculo, devido processo legal - de difundida locução mediante a qual se determina a imperiosidade, num denominado Estado de Direito, de:

a) elaboração regular e correta da lei, bem como de sua razoabilidade, senso de justiça e enquadramento nas preceituações constitucionais (substantive due process of law, segundo o desdobramento da concepção norte- americana);

b) aplicação judicial da lei através de instrumento hábil à sua interpretação e realização, que é o processo (judicial process); e

c) assecuração, neste, da paridade de armas entre as partes, visando à igualdade substancial. [12]

O devido processo legal se consolida numa garantia conferida pela Constituição Federal, cujo objetivo é a obtenção da proteção dos direitos fundamentais, que são indispensáveis para os indivíduos que vivem em uma sociedade. Neste paradigma, também adentra aos demais direitos subjetivos que despontam dos relacionamentos jurídicos resultante do convívio social, sendo estes lesados ou ameaçados de sofrer lesão.

Os juristas acima referidos complementam afirmando que “o processo se presta à concreção do direito à jurisdição, sua efetivação, com estrita observância dos regramentos ínsitos ao denominado due process of law, importa a possibilidade de inarredável tutela de direito subjetivo material objeto de reconhecimento, satisfação ou assecuração, em Juízo”.[13]

Destaque-se que não basta que o indivíduo tenha direito ao processo, este deve ser regular e garantidor do devido processo legal, bem como de todos os seus corolários. No mais, a garantia do devido processo legal há de existir em todo o desenvolvimento do processo judicial, com a finalidade de que ninguém seja privado de seus direitos.

Ada Pellegrini Grinover ilustra que:

[...] as garantias das partes e do próprio processo são o enfoque completo e harmonioso do conteúdo da cláusula do devido processo legal, que não se limita ao perfil subjetivo da ação e da defesa, como direitos, mas que também acentua o seu perfil objetivo.[14]

Necessário enfatizar que o devido processo legal desdobra-se em uma série de garantias específicas que no âmbito do processo penal asseguram a proteção do acusado e limita os poderes do Estado, a fim de que este não prive os direitos de ninguém.

Ressalte-se, por fim, que bastaria o texto constitucional ter adotado o princípio do devido processo legal, haja vista que dele decorre todos os demais princípios constitucionais do processo, bem como todas as consequências processuais que garantem aos litigantes e aos acusados o direito a um processo e a uma sentença justa.

3.2 PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA

O princípio da ampla defesa também decorre do devido processo legal e está consagrado no art.5º, LV da Constituição Federal juntamente com o contraditório. Deste princípio pode-se deduzir que o Estado tem o dever facultar ao acusado a mais completa defesa em relação à imputação que lhe foi feita. Ressaltando que esse princípio guarda relação com o contraditório.

Com efeito, pode-se afirmar que deste princípio decorre certas garantias processuais, como: dever estatal de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados; o acusado deve ter conhecimento claro da imputação que lhe está sendo feita; o acusado pode apresentar alegações contra a acusação; o acusado pode acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; o acusado deve ser representado por advogado; o acusado pode recorrer de decisões desfavoráveis; entre outras.

Por consequência, Pacelli ensina que:

[...] o contraditório não pode ir além da garantia de participação, isto é, da garantia de a parte poder impugnar- no processo penal, sobretudo a defesa - toda e qualquer alegação contrária a seu interesse, sem, todavia, maiores indagações acerca da concreta efetividade com que se exerce aludida impugnação.[15]

Para Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco:

No processo penal, entendem-se indispensáveis quer a defesa técnica, exercida por advogado, quer a autodefesa, com a possibilidade dada ao acusado de ser interrogado e de presenciar todos os atos instrutórios. Mas enquanto a defesa técnica é indispensável, até mesmo pelo acusado, a autodefesa é um direito disponível pelo réu, que pode optar pelo direito ao silêncio (CF, art. 5º, inc. LXIII). [16]

Pacelli nos informa que a “ampla defesa se concretiza por meio da defesa técnica, da autodefesa, da defesa efetiva, finalmente, por qualquer meio de prova hábil a demonstrar a inocência do acusado”. [17]

A defesa técnica é conseqüência do princípio da ampla defesa, assim sendo, este instituto jurídico exige a participação, em todos os atos do processo, do defensor que deve estar inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Perceba-se que a defesa técnica é tida como um direito indisponível, haja vista que é uma garantia do acusado para proteger os seus interesses, bem como é uma forma de apuração correta dos fatos, para que assim assegure os interesses da coletividade.

Outrossim, a ampla defesa também trata de uma verdadeira paridade de armas, que é indispensável para a concretização do contraditório, bem como da efetiva imparcialidade do juiz.

A defesa técnica age como um mecanismo de proteção do processo penal, instituído para que se assegure o cumprimento das normas processuais e da igualdade das partes. Na verdade, esse instituto jurídico é conseqüência de um ditame de ordem pública, que decorre do princípio do devido processo legal.

Registre-se que junto à defesa técnica, temos outro importante instituto jurídico, em que o acusado irá atuar, a fim de resistir pessoalmente à pretensão que lhe é imputada pelo Estado, que é a denominada autodefesa.

A autodefesa se subdivide em duas outras modalidades, quais sejam: a autodefesa positiva e a autodefesa negativa. A autodefesa positiva é aquela em que o acusado pode praticar atos, declarar, constituir advogado, participar do interrogatório, participar de acareações etc., ou seja, é quando o réu realiza atos, a fim de resistir à pretensão investigativa estatal para que, assim, assegure a sua liberdade.

O interrogatório do réu é um meio de defesa e está abrangido na chamada autodefesa positiva. Observe-se que o interrogatório presume um atuar do acusado e que através dele o magistrado terá conhecimento de elementos úteis para a descoberta da verdade juridicamente válida.

O interrogatório do réu é um ato de defesa, um direito e, não uma obrigação, haja vista que deve ser assegurado ao réu o direito de silêncio e de não auto-incriminação- forma de autodefesa negativa-, sem que isso cause qualquer prejuízo para ele, além do que, o ato realizado deve estar livre de qualquer ameaça ou pressão.

A autodefesa negativa é aquela em que o acusado (sujeito passivo na relação processual penal) pode recusar a se declarar, isto é, ele dispõe do próprio conteúdo do direito de defesa pessoal, o que não ocorre na autodefesa positiva, já que o acusado atua no sentido de resistir aos fatos que lhe estão sendo imputados.

No momento do interrogatório do réu, o magistrado deve adverti-lo que não está obrigado a responder as perguntas que lhe forem feitas (direito de silêncio). Registre-se que se o acusado quiser se calar, este ato é totalmente válido, haja vista que tal direito lhe é assegurado como uma garantia constitucional, e se este não for informado do direito, o ato poderá ser considerado nulo.

A respeito do exercício do direito de silêncio e sobre o interrogatório como atributo da ampla defesa, Pacelli discorre:

O exercício do direito ao silêncio pode ser caracterizado como uma intervenção passiva do acusado, no sentido de uma manifestação defensiva não impugnativa dos fatos articulados pelo Ministério Público, na ação pública, e do querelante, na ação privada. Diz-se passiva pela ausência de impugnação expressa.

Quando, porém, o réu preferir manifestar-se oralmente durante o interrogatório, submetendo-se às perguntas das partes, e agora eventualmente do juiz, ele estará exercitando o que se denomina autodefesa ativa, assim caracterizada pela atuação efetiva do acusado em relação aos fatos a ele imputados.

Seja como for, o que estará em cena é o exercício de uma das várias modalidades de participação da defesa no processo, isto é, o que se estará exercendo (a autodefesa) é um dos “atributos” do princípio da ampla defesa. E, por isso, fazia-se necessária a nomeação de um defensor, o que veio a ser corrigido (ou explicitado) com a Lei nº 10.792/03. [18]

Por fim, pode-se dizer que a ampla defesa é uma garantia constitucional que assegura ao acusado a mais ampla defesa – entenda-se defesa em sentido amplo – dos fatos que lhe estão sendo atribuídos. Observando- se que a ampla defesa pode ocorrer das mais diversas formas, contudo, existem duas modalidades que são de extrema importância no âmbito do processo penal, que são a defesa técnica e a autodefesa.

Destaque-se, por ultimo, que a defesa técnica é um direito indisponível, enquanto a autodefesa é totalmente disponível. Frisando que o acusado pode renunciar a autodefesa, contudo ela é necessária para o magistrado, assim, ele deve sempre conceder a oportunidade do réu exercê-la, cabendo somente a este decidir se irá utilizar ou não a ocasião para efetivar o seu direito.

3.3 PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO

O princípio do contraditório decorre do devido processo legal, figura como um dos postulados mais importantes no processo acusatório e, sob o ponto de vista do sujeito passivo da relação processual penal, harmoniza-se com a garantia constitucional que assegura a ampla defesa do acusado.

Elementar o registro que este princípio também pode ser denominado de princípio “audiatur et altera pars”. Dessa premissa, pode-se deduzir que a defesa não pode sofrer restrições, tendo em vista que tal princípio supõe igualdade entre a acusação e a defesa- princípio da igualdade processual.

Na lição de Norberto Avena, o contraditório trata-se do direito assegurado às partes de serem cientificadas de todos os atos e fatos havidos no curso do processo, podendo se manifestar a respeito e produzir as provas necessárias antes de ser proferida a decisão jurisdicional a respeito.[19]

Nessa linha, compreende-se que o contraditório constitui, fundamentalmente, a manifestação do princípio do estado de direito, no qual assegura o direito à informação em relação a qualquer fato ou alegação contrária aos interesses das partes, bem como o direito à reação a ambos, ensejando a possibilidade de que a resposta seria da mesma intensidade e extensão, isto é, o contraditório garantiria a participação em simétrica paridade.

No âmbito do processo penal é preciso que a informação e a reação possibilitem um contraditório pleno e efetivo. Pleno, porque há de se observar esse princípio durante todo o desenvolvimento do processo. Efetivo, porque é necessário que proporcione às partes os meios para que tenham condições reais de contrariá-los.

No mais, o magistrado, em razão de seu dever de imparcialidade, situa-se entre as partes, mas eqüidistante delas, para que, por meio da parcialidade destas (uma representando a tese e a outra, a antítese), o magistrado possa materializar a síntese, em um processo dialético. 

Registre-se que o contraditório juntamente com a ampla defesa é de suma importância para todo processo penal, isso porque é uma cláusula de garantia criada para a tutela do cidadão diante da persecução penal, encontrando-se, assim, solidamente sobreposto no interesse público a realização de um processo justo e equitativo, única via para a imposição da sanção penal.

Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho explicam que “defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório que brota o exercício da defesa; mas é esta- como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação de defesa e do contraditório”.[20]

Demais disso, o contraditório é um dos princípios mais caros do processo penal, haja vista que sua observância constitui requisito de validade do processo e, caso não seja observado, poderá acarretar a nulidade absoluta do processo, gerando prejuízos ao acusado.

Verificando-se presente a violação desse princípio em relação à acusação, será indispensável argüir expressamente tal irregularidade em recurso, sob pena de preclusão, mesmo que se trate de nulidade absoluta.

3.4 PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE

O princípio da publicidade se encontra disposto nos art. 5º, XXXIII e art. 93, IX da Constituição Federal.

Esse princípio estabelece a garantia de acesso de todo e qualquer cidadão aos atos praticados no curso do processo revela uma clara postura democrática, e tem como objetivo precípuo assegurar a transparência da atividade jurisdicional, oportunizando sua fiscalização não só pelas partes, como por toda comunidade.

A publicidade pode ser dividida em:

a) Ampla, plena, popular, absoluta, externa: os atos processuais são praticados perante as partes, e, ainda, abertos a todo o público. A regra é a da publicidade ampla.

b) Restrita ou interna: há alguma limitação à publicidade dos atos do processo. Os atos processuais serão realizados somente perante as pessoas diretamente interessadas no feito e seus respectivos procuradores, ou ainda, somente perante estes. É a chamada “segredo de justiça”.

4. INTERROGATÓRIO DO RÉU POR VIDEOCONFERÊNCIA

4.1 REQUISITOS

Em regra, o ato (interrogatório) deve ser realizado com a presença física do réu no próprio fórum. Excepcionalmente, o ato poderá ser realizado por videoconferência. Para tanto é indispensável que o juiz aponte sua necessidade, declarando os motivos concretos que justifiquem a realização excepcional da videoconferência (art. 185, §2).  Essa motivação é vinculada uma vez que a própria lei elenca as hipóteses de cabimento do ato. Para realização da videoconferência o juiz pode agir de ofício ou mediante requerimento das partes. A videoconferência não está adstrita ao interrogatório, podendo ser utilizada para a prática de outros atos processuais. Em relação aos interrogatórios por videoconferência realizados antes da vigência da Lei 11.900/09, deve ser reconhecida sua nulidade.

Finalidades do uso da videoconferência: a) Prevenir risco à segurança pública – quando o acusado integrar organização criminosa ou houver a possibilidade de fuga durante o deslocamento; b) Para viabilizar a participação do acusado no ato processual quando houver dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstancia pessoal; c) Para impedir a influência do réu no ânimo das testemunhas ou vítimas; e d) Para responder à gravíssima questão de ordem pública.

Observe-se que da decisão que determinar o interrogatório por videoconferência as partes serão intimadas com 10 dias de antecedência (art. 185, §3).

Ademais, deve haver um advogado no presídio e outro na sala de audiência do fórum. Por consequência, membros do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil devem fiscalizar o local.

Por fim, cumpre salientar que a lei prevê ainda o direito de entrevista prévia com seus defensores e o direito de presença remota do acusado que poderá acompanhar os atos da instrução.

4.2 ANÁLISE DA VIDEOCONFERÊNCIA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

Conforme já exposto, a Lei n. 11.900/09 trouxe uma inovação, o interrogatório por videoconferência. Essa lei logrou-se legitimar o uso desse recurso tecnológico em nossa prática forense, suprindo o vício de ordem formal relacionado à competência para legislar sobre o tema.

No tocante aos debates sobre a matéria, estes tendem a continuar pela presença de inúmeros outros argumentos de ordem material alegados por aqueles que são contrários à utilização desse aparato no âmbito judicial e que o consideram inconstitucional.

Dentre as teses defensivas contrárias, Fernando Capez nos informa que

Dentre as teses defensivas contrárias, afirma-se que o seu emprego reduziria a garantia da autodefesa, pois não proporcionaria ao acusado a serenidade e segurança necessárias para delatar seus comparsas; e de que não haveria a garantia de proteção do acusado contra toda forma de coação ou tortura física ou psicológica. [21]

Em sentido diverso, isto é, que entende ser possível e constitucional o interrogatório por videoconferência, temos o ilustre jurista Renato Brasileiro de Lima que assim assinala:

A nosso juízo, a realização do interrogatório por videoconferência não atende somente aos objetivos de agilização, economia e desburocratização da justiça. Atende também a segurança da sociedade, do magistrado, do membro do Ministério Público, dos defensores, dos presos, das testemunhas e das vítimas, razão pela qual não pode ser tachada de inconstitucional.

Se é verdade que direitos e garantias individuais do cidadão funcionam como limites intransponíveis aos poderes persecutórios do Estado, não menos correto e que tais direitos e garantias não são absolutos, podendo sofrer limitações, desde que tais restrições estejam fundamentadas em lei e se mostrem compatíveis com o principio da proporcionalidade.

Se o modelo garantista de processo pensado por Luigi Ferrajoli vem fundamentado nas premissas da jurisdicionalidade, inderrogabilidade do juízo, separação das atividades de julgar e acusar, presunção de inocência e contradição, forçoso e concluir que o interrogatório por videoconferência também preserva essas cinco linhas mestras.[22]

Podemos citar também que a realização do interrogatório por videoconferência reduz os custos do Estado; prescinde de efetivo da polícia militar; diminui o número de fugas, o que protege a população; aumenta a celeridade da persecução penal, entre outros.

Portanto, a videoconferência assegura também os princípios da duração razoável do processo, da economia processual e da efetividade da tutela jurisdicional.

5. CONCLUSÃO

O presente trabalho abordou o interrogatório do réu realizado por videoconferência, essa inovação foi regulada pela Lei n. 11.900/09. Essa lei trouxe a previsão de que, excepcionalmente, o magistrado, por decisão suficientemente motivada, poderia realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real

Em regra, o interrogatório é realizado de forma presencial, contudo, em situações específicas, será permitido por requisição devidamente fundamentada o interrogatório por videoconferência, que está munida de garantias e prevenções a fim de que o fato da presença virtual seja quase imperceptível a ambas as partes.

Em que pese à polêmica que cerca esse tema, o presente trabalho entende que é possível e constitucional a realização do interrogatório do réu por videoconferência, visto que proporciona agilidade, efetividade e celeridade do processo, observando é claro os direitos e garantias fundamentais individuais.

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[1] Advogada. Especialista em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – Minas Gerais.

[2] LIMA, Renato Brasileiro de. Curso de processo penal. Niterói, RJ: impetus, 2013. p. 644.

[3] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 13. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.393.

[4] Ibidem, p. 393-394.

[5] OLIVEIRA, p.393.

[6] TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal. 3. ed. Salvador: JusPODIVM, 2009.  p. 349-352.

[7] AVENA, Norberto. Processo Penal: Esquematizado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009. p.471-475.

[8] AVENA, p.477.

[9] SAMPAIO JÚNIOR, José Herval. Processo constitucional: nova concepção de jurisdição. São Paulo: Método, 2008. p. 137.

[10] Ibidem, p.137.

[11] GOMES, Luiz Flávio. Direito processual penal. São Paulo: Revista dos Tribunais: IELF, 2005. v.6. p.09.

[12] TUCCI, Rogério Lauria; CRUZ E TUCCI, José Rogério. Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva 1989. p. 16.  

[13] TUCCI, p. 17.

[14] GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 02.

[15] OLIVEIRA,. p.46.

[16] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22. ed, São Paulo: Editora Malheiros, 2006. p.62.

[17] OLIVEIRA, p.48.

[18] OLIVEIRA, p.402.

[19] AVENA. p.22.

[20] GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 63.

[21] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 427.

[22] LIMA, p. 663.

Sobre a autora
Annelise Freitas Macedo Oliveira

Advogada. Especialista em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera - Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia – Minas Gerais.

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