Com freqüência, pessoas são presas em flagrante durante uma blitz de trânsito por apresentação de carteira nacional de habilitação falsa.
Na maioria das vezes, o delegado de polícia requisita exame pericial e, caso constatada a falsidade, o condutor é autuado em flagrante e recolhido ao cárcere, pois se trata de crime inafiançável.
É pacifico o entendimento que a falsificação que não é capaz de ludibriar o homem comum torna o fato atípico. Há também dissenso quanto à ocorrência do delito nos casos em que é ordenada pelo policial a apresentação do documento, sob o argumento de que se não houve espontaneidade do agente em utilizá-lo, não ocorreu o crime.
Entretanto, tem-se deixado para que o magistrado avalie aludidas circunstâncias, resultando na prisão e encarceramento do condutor supostamente criminoso.
Entendo que nos casos de fiscalização de trânsito (blitz), o juízo de que a falsificação deve ser capaz de ludibriar o homem comum não deve prevalecer. A finalidade de documento falso numa blitz de trânsito tem por objetivo ludibriar os fiscais de trânsito, que são policiais treinados. Pessoas comuns não fiscalizam o trânsito.
Os policiais são preparados para detectar indícios de fraude na documentação exigida para a condução de veículos automotores, sendo correto afirmar que a avaliação de ser a falsidade grosseira ou não, deve ter por parâmetro a probabilidade de ludibriar unicamente os fiscais de trânsito, e não pessoas comuns. Se a falsificação não é capaz de ludibriá-los porque facilmente percebida, não há dúvidas de que se trata de um crime impossível pela impropriedade absoluta do objeto, pois não se consumaria em hipótese alguma.
Diferentemente, é o caso em que os policiais nada detectam de imediato, mas em consulta rotineira ao sistema, recebem a informação de que não há prontuário correlato, dando lhes a certeza da falsificação, ou, então, quando apenas há frágeis indícios da falsidade, sendo necessário exame documentoscópico (perícia) para sua constatação. Nestes casos foi necessário o uso de recursos outros para detectar a fraude. São, então, falsificações com força de ludibriá-los, configurando, por isso, o crime de uso de documento falso.
Lado outro, caso o agente tenha se utilizado de carteira de habilitação falsa para assumir um cargo público, o qual tinha por exigência a condição de ser habilitado, também estaremos diante de um crime de uso de documento falso, pois a falsificação foi capaz de ludibriar os responsáveis pela realização do concurso, que são pessoas comuns e não preparadas para detectar a fraude.
Entendo, por isso, que ao se deparar com pessoa presa em flagrante por uso de carteira nacional de habilitação falsa, deve o delegado de polícia se atentar a quem se destinava a falsificação e se era capaz de ludibriar. Deve indagar o policial que efetuou a prisão como foi constatada a falsidade. Se ele responder que tão logo “bateu” os olhos percebeu a fraude, não há dúvidas de que se trata de falsificação sem força para ludibriá-lo e, por isso, crime impossível.