SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.. 9
1 HISTORICIDADE DA FORMAÇÃO DO ESTADO.. 11
1.1 Do estado de natureza e suas características. 11
1.2 Contrato Social De Rousseau. 13
2 A LEI COMO CONDIÇÃO E POSITIVAÇÃO DO PACTO SOCIAL. 18
2.1 O Estado Democrático de Direito e a vontade coletiva. 18
2.2 Do real objetivo das Leis. 23
2.2.1 A influência negativa da vontade geral sobre a criação das leis. 27
2.3 Alguns princípios básicos do Contrato Social na Constituição de 1988. 29
2.4 Democracia representativa e algumas características dos partidos políticos. 34
2.4.1 Desvio de finalidade dos partidos políticos. 38
3 DA POSSIBILIDADE DE RESCISÃO DO CONTRATO SOCIAL. 44
3.1 Da adesão ao contrato. 44
3.2 Do mau governo. 48
3.2.1 Da desobediência civil 52
3.3 Das consequências de um mau governo: A Possibilidades de Rescisão do contrato social e o regresso ao estado de natureza. 57
CONSIDERAÇÕES FINAIS. 63
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 64
INTRODUÇÃO
Kelsen em seus ensinamentos faz distinção entre ser e dever-ser, ou seja, entre as coisas como são e as coisas como devem ser. Definindo “fato” como aquilo que acontece no mundo, Kelsen esclarece sua noção de norma entre dever-ser subjetivo e dever-ser objetivo. Segundo Kelsen, o dever-ser sempre advêm de uma vontade. Em última análise, Kelsen define aquilo que deve ser como o que alguém quer que seja ou como aquilo que alguém quer que outro indivíduo faça. Se alguém quer que certa pessoa faça algo, mas a segunda pessoa não tem nenhuma obrigação de fazer o que a primeira quer que ela faça, então o querer da primeira pessoa significa apenas um dever-ser subjetivo, quer dizer, significa apenas que ela quer que certa pessoa faça certa coisa e que, por isso, ela pensa que essa segunda pessoa deve fazer essa certa coisa.
Em um caso diferente, se a primeira pessoa tem alguma autoridade sobre a segunda ou a segunda pessoa tem alguma obrigação de fazer o que a primeira quer que ela faça, então o querer da primeira pessoa significa não apenas um dever-ser subjetivo, mas também um dever-ser objetivo, quer dizer, não apenas a primeira pessoa quer que a segunda faça certa coisa e, por isso, pensa que ela deve fazer essa certa coisa, mas também essa segunda realmente deve fazer essa coisa.[1]
Nesse diapasão, partindo do instituto do Contrato Social e da soberania do povo, sendo este o que instituiu o Estado, analisaremos o dever ser de nosso ordenamento jurídico, mostrando falhas do Governo no exercício de suas funções, seja como Estado ou corpo político através dos representantes eleitos.
Não pretendemos apoiar a monarquia, nem tampouco o anarquismo, mas para fins de estudo demonstraremos que o povo é o titular do poder e pelo Contrato Social o Estado é seu “subordinado” e o sendo, caso não cumpra com seus deveres o povo pode desconstituí-lo e voltar a exercer a soberania em si mesmos e não mais ser dependente do Estado.
Apontaremos os princípio do Estado de Natureza em que o homem se encontrava antes da instituição do Soberano, apontando o que o levou a instituir um poder sobre si mesmos. Indicaremos a evolução do contrato social no tempo, até sua positivação através de nossa Constituição e leis esparsas. Demonstraremos as falhas do governo no exercício de suas funções e as possibilidades que o povo tem para que assim não o seja.
Por mais que o estado de natureza seja hipotético e não haja hoje espaço para um regresso a ele, demonstraremos que o povo pode, se optar, regressar ao estado de estrema liberdade individual, tendo como lei apenas a razão.
Nosso objetivo é o dever ser, e não o ser. Portanto haverão muitos pareceres filosófico e quiçá utópicos, entretanto para o estudo de nosso ordenamento atual, necessária se faz alguma divagações na filosofia, para que assim entendamos como se dá o funcionamento, ao menos em parte, da máquina estatal, e saibamos identificar algumas de suas funções e o que há de errado no cumprimento delas, para que assim posamos talvez, identificar soluções para as chagas do Estado moderno.
1 HISTORICIDADE DA FORMAÇÃO DO ESTADO
1.1 Do estado de natureza e suas características
O estado de natureza foi o estado primeiro em que o homem se encontrava. Não há data provável de quando se iniciou e de quando teve fim, entretanto para fins acadêmicos e jurídicos é um instituto importante a ser estudado, pois demonstra de forma extrema a falta de um soberano, de um guia, e da própria lei como a conhecemos. Assim se faz necessário seu estudo a fim de compreendermos bem o poder político vigente e, derivando-o de sua origem, considerar em que estado se encontravam por natureza os homens.
Conforme ensinamentos de Jonh Locke em seu livro Dois Tratados do Governo Civil o estado de natureza foi para o homem
“um estado de perfeita liberdade para ordenar as suas ações, dispor das suas posses e pessoas, como bem lhe aprouver, dentro dos limites da lei natural, sem ter de pedir licença, nem depender da vontade de qualquer outro homem. (...) um estado de igualdade em que todo o poder e jurisdição são recíprocos, não tendo um homem mais do que o outro...”[2].
Locke então defende uma igualdade teórica perfeita, onde todos viviam em harmonia e paz pelo estado de natureza, ou estado “virgem” em que se encontravam, sem leis, homens superiores ou hierarquias.
Na mesma obra o autor defende a existência do soberano Senhor, Deus, e tão somente essa soberania, dizendo ainda que o estado de natureza era governado por uma lei natural a que todos estariam sujeitos: a razão. A razão ensinaria a todos que sendo eles iguais e independentes, ninguém poderia lesar o outro e que quando não estivesse em pauta a preservação de si mesmo, na medida do possível o homem deveria preservar o restante da humanidade.
No estado de natureza
“para que se possa impedir que alguns violem os direitos dos outros homens (direito este que a razão estabeleceria) e se prejudiquem mutuamente, e para que se observe a lei natural, que ordena a paz e a preservação da humanidade, a execução da lei natural, neste estado, é colocada na nas mãos de todos e de cada um. Daí resulta que todos os homens tem direito de punir o transgressor da lei natural, tanto quanto for necessário para prevenir a sua violação. Com efeito, a lei natural, como todas as leis que dizem respeito aos homens neste mundo, seria vã, se ninguém no estado de natureza tivesse o poder de executa-la, e assim preservar os inocentes e inibir os infratores.”[3]
Assim, se no estado de natureza qualquer pessoa poderá punir aquele que infringiu a lei natural, todos poderão fazê-lo tendo em vista o estado de perfeita igualdade onde não existe hierarquia e superioridade em relação as pessoas.
Desta premissa devemos nos conter em algumas peculiaridades. Tendo todos, o poder de punir o transgressor não seria razoável que os homens fossem juízes em causa própria, pois o amor próprio tornaria-os parciais com sigo mesmos e para com os seus amigos e parentes e ainda a má natureza, a paixão, e a vingança poderia leva-los a punir o transgressor de forma excessiva.
Dai seguir-se-ia “a confusão e a desordem e que foi por isso, sem duvida, que Deus instituiu os governos para restringir a parcialidade e a violência dos homens.”[4] Porque a partir de quando os homens passassem a ser tendenciosos, o estado de natureza já não seria um estado de paz e harmonia e sim de discórdia e guerra. Desta feita, quando a razão já não conseguia mais dominar o homem e fazê-lo justo, haveria a falência do estado de natureza perfeito. A lei como conhecida hoje não existia e tão pouco existia a coerção na lei existente (natural) que não era obedecida. Deste modo o povo precisava de um novo modelo de “sociedade” a ser seguido, onde os mais fracos não fossem oprimidos pelos fortes e onde obtivessem proteção.
Entretanto conforme Locke
“ não é qualquer pacto que põe fim ao estado de natureza, mas apenas aquele que resultar do acordo conjunto e mútuo entre os homens com o propósito de formar uma comunidade singular e constituir um corpo político singular; os homens podem fazer entre si outras promessas e pactos e, no entanto permanecerem no estado de natureza.”[5]
Desta forma há a possibilidade de que os homens no estado de natureza tenham tentado de tantas formas estabelecerem pactos para se verem livres da injustiça e da opressão do mais forte, tendo todas elas restado inexitosas pelo fato de não vincularem a todos, conforme dito.
Conforme a parcialidade e tendenciosidade foram aumentando, inevitavelmente alguns homens tentaram se impor sobre os demais ameaçando assim a integridade destes, e também a liberdade e igualdade absoluta de que é permeado o estado de natureza, e
“daqui se segue que aquele que tenta submeter outro homem ao seu poder absoluto, coloca-se por este meio num estado de guerra com ele. Tal tentativa deve ser entendida como uma declaração ameaçadora (...) ninguém deseja submeter-me ao seu poder absoluto, a menos que seja para me obrigar pela força (...) fazer de mim um escravo. Estar livre dessa força constitui a única garantia da minha preservação; e a razão dita-me que encare coo inimigo da minha preservação todo aquele que pretender retirar a minha liberdade, que é a barreira protetora da minha preservação.”[6]
Diante do estado de guerra em que se encontravam, os homens resolveram por fim ao mesmo, instituindo sobre si mesmos um soberano, não pela vontade dele mesmo como no estado de guerra, mas pela vontade de todos, a fim de verem protegidos os seus interesses frente aos outros e de reaverem parte da liberdade que já tinham perdido no estado de guerra, assim surgiu o contrato social.
1.2 Contrato Social De Rousseau
O estabelecimento do Contrato social põe fim ao estado de natureza outrora existente, estado este onde cada qual era senhor de si conforme já explanado.
Conforme leciona o Locke
“ O que o homem perde pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tenta e que pode atingir; o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para que não haja equívoco nessas compensações, é preciso distinguir bem a liberdade natural, a qual tem por limites somente as forças do indivíduo, da liberdade civil a qual é limitada pela vontade geral, e a posse, que é apenas o efeito da força ou o direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode ser fundada num titulo positivo.”[7]
Tendo em vista essa possibilidade de se tornarem mais fortes pela união de suas vontades e o estado de guerra em que se encontravam, os homens criaram o Soberano para que este resolvesse seus conflitos e disputas. Dando a ele o poder de tutelá-los, e renunciando o seu poder de auto-tutela, onde cada um tinha indubitavelmente o poder de ser juiz de si mesmo e de punir o infrator da lei natural. O soberano era constituído por cada um dos cidadãos unidos entre si, onde cada um se encontrava comprometido sob uma relação de cunho duplo, primeiramente como membro do soberano em relação aos particulares e como membro do Estado em relação ao Soberano.
Ate certo ponto poder-se-ia dizer que o individual se obrigava a um compromisso consigo mesmo, entretanto equivocada esta está essa premissa, pois ele não se obrigava em relação a si mesmo, ma s sim em relação a um todo de que fazia parte, o Soberano.
Com o estabelecimento do contrato social cada indivíduo se dava ao Soberano a fim de se ver protegido por ele. Essa doação devia ser irrestrita e total, pois, conforme o escritor:
“...a alienação, sendo realizada sem reservas, a união é a mais próxima possível da perfeição e nenhum associado terá mais nada a reclamar, se persistisse quaisquer direitos aos particulares, como não haveria nenhum superior comum que pudesse decidir entre eles e o público, cada um sendo, de certa maneira, seu próprio juiz, pretenderia de imediato sê-lo de todos, o estado de natureza subsistiria e a associação se tornaria necessariamente tirânica ou vã”[8]
Pois conforme dito não é qualquer pacto que poria fim ao estado de natureza, mas apenas um acordo conjunto e mutuo entre os homens para formar um corpo político, o que não haveria se um homem renunciasse menos poderes do que o outro.
Neste sentido vê-se que a base de todo o Estado em que vivemos, levando em consideração a estipulação ou adesão ao Contrato Social entre os seus cidadãos, revela que cada um se da por inteiro, em sua totalidade, sem nenhuma restrição. Desta feita, todo o cuidado necessário à manutenção do interesse coletivo é dever do Estado ou Soberano, sendo ele o responsável por toda sorte de proteção ao seu cidadão. Pois se a multidão se reúne em um só corpo chamado Estado/Soberano, não há como um dos membros ser ofendido sem que se ofenda todo o corpo, assim não há como um cidadão ser ofendido ou ter tolhido seu direito sem que a ofensa não incida sobre o soberano. Logo se o soberano defende o cidadão e ou coletividade, protege a si mesmo concomitantemente.
A instituição do contrato social visa tão somente o bem coletivo do povo que a ele aderiu e criou. Antes, como já demonstrado, havia o estado de natureza, onde o domínio era exercido pelo mais forte, pelo primeiro ocupante e cada um se defendia de todos os outros, sendo, de muitas formas, injusta a posse ou tutela do bem material e imaterial a partir do momento em que o homem se desvinculava da lei natural a agia contra o que a razão ditava ser correto. Como o estado de natureza era a única “lei” que regia o mundo ele não indicaria apenas a posse material, mas toda relação humana possível, assim abrangendo também a propriedade imaterial como dito.
O Pacto Social por sua vez tinha insculpido em seu âmago que o homem, mesmo que tivesse interesse contrário ao do copo deveria renunciar tal desejo em prol da coletividade e, para que o pacto não fosse apenas um formulário inútil, aquele que se recusasse a obedecer à vontade geral seria “obrigado a fazê-lo por todo o corpo: o que não significa outra coisa senão que ele será forçado a ser livre, pois esta é a condição que dando cada cidadão à pátria, o garante contra toda dependência pessoal, condição que constitui o artifício e o jogo da máquina política, e que é a única que legitima os compromissos civis que sem ela, seriam disparatados, tirânicos e sujeitos a maiores abusos.”[9]
E assim estabelece Rousseau:
“A primeira e a mais importante consequência dos princípios até agora estabelecidos é que somente a vontade geral pode dirigir as forças do Estado segundo o objetivo de sua instituição, que é o bem comum, pois se a oposição dos interesses particulares, tornou necessário o estabelecimento das sociedades, foi o acordo desses mesmos interesses que o tornou possível. É o que há de comum nesses interesses diferentes que forma o vinculo social e se não houvesse qualquer ponto em que todos os interesses concordassem, não poderia existir nenhuma sociedade. Ora, é unicamente baseado nesse interesse comum que a sociedade deve ser governada.”[10]
Na medida em que o conjunto de direitos naturais se tornou mais difícil de ser identificado, à medida que o estado de guerra crescia, e à medida que o homem, juiz de si, passou a ser oprimido por outro mais forte, houve a necessidade de um órgão exclusivo para criação dos direitos e proteção da coletividade, assim instituíram o Estado. Segundo o pensamento naturalista, o Estado surge a partir de um estado da natureza através de procedimentos característicos do contrato social. Entre várias teorias, duas formas são dominantes, na explicação da operação do tratado social. Como primeira hipótese, a qual podemos chamar de hobbesiana[11], aqueles que estipulam o contrato renunciam completamente a todos os direitos do estado natural, e o poder civil nasce sem limites. Como segunda hipótese, que podemos chamar Lockeiana[12], o Estado é fundado com o objetivo de assegurar melhor o gozo dos direitos naturais, e, portanto, nasce limitado por um direito preexistente. Na primeira hipótese, o direito natural desaparece completamente para dar vida ao direito positivo; na segunda, o direito positivo é o instrumento para a completa atuação do preexistente direito natural.
Independentemente de qual seja a teoria correta ou qual seja a adotada, o Estado criado a partir do contrato é um ente coletivo, que representa toda a sociedade, e deve priorizar o bem dessa sociedade, pois caso contrário foge de seu propósito e não cumpre sua contraprestação no contrato estabelecido.
Desta feita o contrato social, em suma, tem dois pilares de sustentação, de um lado o povo que entra com a renuncia total do seu poder de auto-tutela e do outro o Estado (que foi constituído pelo povo e para o povo) que deve proteger o bem comum em detrimento da vontade particular e prover todos os meios de defesa do seu cidadão, tendo em vista estes não poderem se defender como outrora faziam.
Pelo Pacto Social o corpo político passa a ter existência, entretanto sem movimento e vontade, pois o que foi instituído e dito ate o momento são apenas diretrizes de como deve ser e de como se iniciou a estrutura do Soberano. Conforme Rousseau, o que dá movimento e vida ao contrato são as leis. A lei é quem determinará o que se poderá fazer para conservação tanto do Estado quanto do bem/vontade coletiva.
Dita o autor que as leis são exatamente as condições da associação civil e que o povo que será e é submetido às leis são os legitimados à sua autoria. Apenas aqueles que se associaram podem ser autores das leis até porque Rousseau afirma que todo governo legítimo é republicano, pois o Soberano será regido pela vontade geral, pelo interesse público, e esse interesse público é que governará o soberano.
Entretanto o Soberano pode concentrar o governo às mãos de um único magistrado, ao que se da o nome de Monarquia; poderá ainda confinar o governo entre um pequeno número de membros de forma que o número de simples cidadãos seja bem maior que o de cidadãos magistrados, o que recebe o nome de Aristocracia; e por último pode confiar o governo a todo o povo ou à maior parte deste, de forma que possa haver mais cidadãos-magistrados que simples cidadãos-particulares, ao que se dá o nome de Democracia.
Rousseau afirma:
“Se tomarmos o termo sob o rigor da acepção, jamais existiu democracia verdadeira e não existirá jamais. É contra a ordem natural a maioria governar e a minoria ser governada. É inimaginável que o povo permaneça continuamente em assembleia para lidar com negócios públicos... ademais quantas coisas difíceis de serem reunidas supõem este governo? Primeiramente, um estado muito pequeno no qual a reunião do povo se fácil e no qual cada cidadão possa sem dificuldade conhecer a todos os outros;...”[13]
Sem delongas, pois o assunto será abordado em momento posterior, com base no transcrito e nos argumentos expostos em todo o capítulo IV do livro III, vê-se a impossibilidade de existência de tal forma de governo no Brasil, um país com cerca de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e 26 entes federados, entretanto somos um pais democrático representativo, onde todo o povo, através de sufrágio universal, escolhe representantes que governem o Soberano, priorizando o bem coletivo em detrimento da vontade particular.
2 A LEI COMO CONDIÇÃO E POSITIVAÇÃO DO PACTO SOCIAL
2.1 O Estado Democrático de Direito e a vontade coletiva
Para se definir Estado Democrático de Direito há a necessidade de se definir primeiramente os dois conceitos distintos nele inseridos que juntos definem exatamente a forma de funcionamento assumida pelo Estado.
O primeiro conceito, a saber, o de “Democrático”, conforme o Dicionário Priberam de Língua Portuguesa significa aquele que se rege pelos princípios da democracia, ou seja, o governo em que o povo exerce a soberania, conforme definição do próprio dicionário. Entretanto no nosso sistema o povo não governa diretamente, pois conforme dito é praticamente impossível a existência de uma democracia pura e real devido às tamanhas dificuldades encontradas para reunião dos cidadãos-magistrados, e por serem eles a maioria do povo. Logo surgiu a ideia de, por forma democrática pura, através do sufrágio universal e secreto os cidadãos elegerem representantes dentre o povo para que estes governassem “em seu lugar”, legislassem e dirigissem o Estado.
Já o “Estado de Direito”, tem as seguintes características conforme Dimoulis:
“O conceito de Estado de Direito apresenta utilidade se for entendido no sentido formal da limitação do Estado por meio do direito. Nessa perspectiva, o conceito permite avaliar se a atuação dos aparelhos estatais se mantém dentro do quadro traçado pelas normas em vigor. Isso não garante o caráter justo do ordenamento jurídico, mas preserva a segurança jurídica, isto é, a previsibilidade das decisões estatais.”[14]
Noutros termos, o próprio Estado, através dos representantes eleitos pelo povo, cria as leis e se submete a elas, sendo por elas limitado tanto o Estado, os representantes do povo e o próprio povo, não havendo nenhum homem ou ente inalcançável pela aplicação da lei. Desse modo, portanto, o poder estatal não é absoluto, pois é totalmente limitado pela lei positiva, pois ela é a única que limita verdadeiramente o poder do Estado, não podendo ser evocadas outras fontes como o direito canônico ou natural para limitá-lo, a não ser que o direito positivo lhes dê esta eficácia. E isso é o que se depreende do que ensina Dimoulis:
“O Estado deve ser não só criador, mas também servidor da lei. Isso significa que não devem governar os homens: devem governar as leis! "A government of laws and not of men", proclama o art. 30 da Constituição de Massachusetts de 1780. O Estado submetido ao próprio direito foi denominado Rechtsstaat (Estado de Direito), segundo o termo cunhado na Alemanha nas primeiras décadas do século XIX. O termo indica a oposição entre o Estado submetido ao direito positivo, no intuito de garantir aos indivíduos seus direitos.” [15]
Desta feita depreende-se que o Estado Democrático de Direito é o estado dirigido pelo povo via representação e que o próprio ente estatal se limita às leis criadas por ele. Assunto este que será abordado mais aprofundadamente no momento oportuno da pesquisa.
Definido o que vem a ser o Estado Democrático de Direito, passemos a falar sobre a importância da vontade coletiva sobre esse ente governado pelo povo na visão de John Rawls em seu livro Uma Teoria da Justiça.
Rawls explica o que ele mesmo chama de “Princípio Aristotélico” como o princípio que descreve a tendência do ser humano de praticar atos complexos em detrimento de atos simples e exemplifica tal princípio com a seguinte observação:
“Assim, o princípio afirma que aquele que consegue fazer ambas as coisas em geral prefere jogar xadrez a damas, que preferiria estudar álgebra a aritmética. (...) Presume-se que as atividades complexas são mais agradáveis porque satisfazem o desejo de variedade e novidade de experiências e deixam espaço para façanhas de engenhosidade e invenção. (...) O princípio Aristotélico é uma motivação. Trata de muitos de nossos desejos principais e explica porque preferimos fazer algumas coisas e não outras, exercendo constante influencia sobre o fluxo das nossas atividades. Ademais expressa uma lei psicológica que rege as mudanças de padrão nos nossos desejos . (...) com o tempo a pessoa virá a preferir atividades mais complexas do que as que pode realizar hoje...”[16]
Tal princípio nos é útil para a presente pesquisa tendo em vista os ensinamentos sobre os planos racionais de vida dos povos defendido por Rawls onde o mesmo afirma que “a definição do bem é puramente formal. Simplesmente declara que o bem da pessoa é definido pelo plano racional de vida que ela escolheria com racionalidade deliberativa dentre a classe máxima de planos.”[17]
Os planos racionais de vida a que Rawls se refere nada mais são que a forma que o homem decide levar a vida de modo a alcançar seus objetivos, metas, planos e os fins esperados. Entretanto, para se chegar a uma conclusão plausível do presente tópico há a necessidade de salientar dois fatos referentes aos planos de vida. Os quais Rawls defende do seguinte modo:
“Em primeiro lugar, há as características amplas dos desejos e das necessidades humanas, sua urgência relativa e ciclos de recorrência, e suas fases de desenvolvimento que sofrem influencias de circunstancias psicológicas e de outra natureza. Em segundo lugar os planos devem se adequar aos requisitos das capacidades e habilidades humanas, suas tendências de maturação e crescimento, e de que forma são mais bem educadas para este ou aquele fim.”[18]
Sendo o povo o instituidor do Estado e aquele que o governa, mesmo que por representação, é claro e evidente que a sua vontade deve ser respeitada tanto quanto possível para manutenção do bem coletivo conforme objetivo fim do Contrato Social.
Ocorre que conforme elucidado por Rawls[19], o bem é subjetivo, pois decorre do plano de vida que a pessoa escolheu, e levando em consideração que são inúmeras as vontades do povo, cada um pode divergir do outro em muitos pontos, entretanto deverão haver pontos em comum entre todos.
Rawls ensina que:
“...presumindo-se que desejamos obter o respeito e a boa vontade das outras pessoas , ou pelo menos que queremos evitar sua hostilidade e desprezo, tenderão a ser preferíveis os planos de vida que promovem não só os nossos, mas também os objetivos delas.”[20]
Deste modo os planos de vida devem ser compatíveis com os princípios de justiça, pois entre todos os planos de vida racionalmente possíveis com certeza aparecerá a justiça como bem comum, pois ninguém racionalmente desejará ser tratado com injustiça assim podemos ter como base da vontade ou bem coletivo o instituto chamado justiça a fim de afunilarmos o estudo.
Entretanto antes de prosseguir, devemos fazer algumas breves diferenciações entre o que é o “bem” e o que é a “justiça” a fim de não incorrermos em erro.
Conforme Rawls existem algumas diferenças básicas entre bem e justo das quais citaremos algumas. O autor afirma que é bom que as concepções do bem de cada indivíduo tenham diferenças significativas entre si, mas isso não acontece com as concepções de justo. Numa sociedade bem organizada e racional os cidadãos defendem os mesmos princípios de justo e tentam chegar ao mesmo juízo em casos específico e semelhantes.
Enquanto nas concepções de bem haverá consulta entre os cidadãos para se descobrir o que é bem/bom para aquele grupo, nos julgamentos de justiça serão consultivas apenas em circunstancias especiais e raras. As concepções de justo tendem a ser as mesmas, pois os cidadãos usam da empatia e analisando a situação julgam não ser justo um ato, pois não achariam justo que tal ato fosse praticado contra eles mesmos.
Os planos de vida adotados pelos cidadãos priorizam suas qualidades e dons naturais, entretanto esses planos devem estar de acordo com os princípios da justiça, “que são descobertos de maneira independente. Assim, as características arbitrárias dos planos de vida não afetam esses princípios, nem como se deve organizar a estrutura básica.” [21]
Deste modo o autor nos leva a entender o que vem a ser o bem coletivo que o contrato social visa proteger. Mostra que o contrato não deve proteger os interesses da maioria, nem tampouco prioriza-los em relação aos da minoria, dizendo:
“Para começar, as convicções intensas da maioria, caso sejam mesmo meras preferências sem sustentação nos princípios de justiça previamente estabelecidos, não tem nenhum peso. A satisfação desse sentimento não tem um valor que se possa pôr na balança contra exigências da liberdade igual. Para reclamar contra a conduta e a convicção de outros, devemos provar que seus atos nos prejudicam, e que as instituições que autorizam o que fazem nos tratam de maneira injusta. E isso significa que devemos recorrer aos princípios que reconheceríamos na posição original. Contra esses princípios, nem a intensidade de um sentimento nem o fato de ser compartilhado pela maioria constam para coisa alguma.”[22](grifo nosso)
Deste modo podemos entender, a partir desse ensinamento, que a vontade coletiva não significa bem coletivo! O bem coletivo está apoiado em princípios muito mais densos que a simples vontade da maioria. E conforme o próprio autor, as instituições que tem a vontade coletiva como o bem maior e o protegem e autorizam as praticas da maioria, mesmo que não fundada nos princípios do contrato social, ou nos princípios da liberdade igual tratam o povo de maneira injusta. Isso porque cobram a contraprestação do contrato social por parte dos cidadãos, mas no fundo não protege o bem maior e sim o bem da maioria, mesmo que isso signifique o esquecimento das minorias injustiçadas e praticamente sem apoio estatal.
A prática da vontade deve ser comprovadamente prejudicial a nós conforme o ensinamento. Nesse diapasão, não há muito que argumentar, pois os fatos são explícitos.
Apenas a título exemplificativo, conforme disponibilizado no site do Governo Federal[23] com dados de 2011 (anexo A), existem 16.267.197 (dezesseis milhões, duzentos e sessenta e sete mil e cento e noventa e sete) pessoas no Brasil que vivem em estado de miserabilidade, ou seja, pessoas que vivem com ate R$ 70,00 (setenta reais) por mês[24]. Onde conforme o próprio governo, o gasto percentual médio com alimentação em relação aos demais gastos em 2008 era de 19,8% da renda. Ou seja, a média nacional de gastos com alimentos é de 19,8% da renda. Assim sendo essas 16 milhões de pessoas tem, seguindo a pesquisa, apenas R$ 13, 86 (treze reais e oitenta e seis centavos) para sua alimentação mensal, o que corresponde a aproximadamente a R$ 0,47 (quarenta e sete centavos) por dia. E mesmo que utilize a totalidade de seus rendimentos com alimentação isso totalizaria a quantia de R$ 2,34 (dois reais e trinta e quatro centavos) por dia para alimentação. Lembrando que nossa constituição positivou tantos outros direitos e garantias e pôs a responsabilidade no Estado para garantir os meios para se praticarem. Mas isso será melhor explanado em momento oportuno.
Deste modo, não há como duvidar que o estado tem apoiado não o bem coletivo, mas sim a vontade da maioria, tendo em vista apenas essas duas pesquisa apresentadas, o que já comprova explicitamente que se tem buscado a satisfação dos desejos da maioria, e não a satisfação dos princípios do contrato social e da liberdade igual.
Assim concluímos o presente tópico com a observação de que os planos de vida dos cidadãos tem influenciado de maneira forte e patente a forma como o governo tem agido diante das situações e fatos. Desprezado o bem coletivo e priorizando simples vontades da maioria como o acúmulo de capital, a defesa de seus próprios “direitos” e vontades!
Os planos racionais de vida dos cidadãos tendem a ser mais complexos tendo em vista as capacidades de cada um dos indivíduos, entretanto os de maior capacidade não podem tender a ter planos complexos ao extremo que suprimam os de pouca capacidade como se vê acontecer. Onde os que tem capacidade “mais elevada” sempre sobem nos seus planos e os de capacidade medíocre não conseguem progredir, seja por influencia do meio em que vivem e da opressão dos “fortes”, ou pela falta de oportunidades, ou ainda por inércia do Estado, que permite que os “fortes” pratiquem atos injustos na sociedade.
O povo é o que governa o Estado, entretanto como vimos, nem sempre a vontade da maioria significa bem comum, tendo em vista que a maioria pode não ter instrução, ou serem perversos, ou ainda cegos pela própria ganância como muitas vezes se da no nosso sistema capitalista. O bem coletivo como vimos, se baseia nos princípios de justiça e nos da liberdade igual, e para que isso seja patente e seja praticável no estado em que vivemos houve a necessidade de o Soberano instituir leis, que conforme dito, são exatamente as condições da associação civil e o próprio Estado, por escolha, resolveu se submeter as suas próprias leis.
E assim como tudo, as leis tem características especificas e não são tão simples. Assim necessário se faz algumas ponderações quanto a elas para guiar a presente pesquisa. E é o que se fará!
2.2 Do real objetivo das Leis
Partindo do princípio que a vontade da maioria não representa em suma o bem coletivo, pois a maioria pode ser ignorante ou pervertida e continuar a oprimir os povos como se dava no estado de guerra; partindo ainda da premissa de que quando cada homem tinha o direito de julgar seu semelhante no estado de natureza e o amor próprio os fazia serem tendenciosos àqueles a quem eles amavam; partindo do princípio que cada qual sendo guiados pela sua própria vontade e desejos, se utilizando da força e astúcia levaram a sociedade em que viviam à completa desordem ocasionando o estado de guerra, houve a necessidade da criação de diretrizes que conduzissem o povo por um caminho que os levassem de volta ao bem estar e a paz que outrora encontravam.
O estado de natureza já não era mais possível, pois sendo eles capazes de atos mais complexos como a propriedade particular, o domínio, a aquisição de patrimônio, a conquista, o uso racional da força a fim de alcançarem seus almejos, e todos os demais atos da liberdade civil, a liberdade natural passou a ser obsoleta, perdendo seu significado.
Com novos planos racionais de vida (ou a princípio irracionais, pois não havia parâmetro algum, ou sequer uma limitação ou ordem) surgindo em todos os cantos, onde cada qual tinha desejos que não poderiam ser alcançados apenas com a liberdade natural, como já dito, houve a necessidade da instituição de um soberano. E, entrelinhas, podemos afirmar que o povo por si só não conseguia se governar, e para tanto instituiu uma autoridade sobre si mesmo, renunciando uma gama de direitos a fim de se verem protegidos de si mesmos.
Até nesse ponto de evolução da sociedade todos tinham em si mesmos os deveres morais naturais e não naturais em maior ou menor nível, e a partir de então os deveres morais não naturais passaram a ter maior importância e evoluíram a fim de instituir ordem sobre o povo, pelo próprio povo.
Nesse sentido ensina David Hume:
“podem se dividir os deveres morais em duas espécies. A primeira compreende aqueles deveres aos quais são conduzidos todos os homens por um instinto ou inclinação natural, que exerce a sua influência independentemente de qualquer ideia de obrigação e de qualquer consideração da utilidade pública ou privada. São desta natureza o amor às crianças, a gratidão aos benfeitores e a compaixão pelos infelizes. (...) A segunda espécie dos deveres morais é a dos que não se fundam em qualquer instinto original natural, resultando inteiramente sentido do dever, quando se considera as necessidade da sociedade humana e a impossibilidade de preservá-la se estes deveres não forem observados. Dessa forma, a justiça, o respeito pela propriedade alheia, a lealdade, o cumprimento das promessas se tornam obrigatórios e exercem autoridade sobre os homens. Porque, sendo evidente que todo homem ama mais a si mesmo do que a qualquer outro indivíduo, ele é levado naturalmente a aumentar sempre que possível as suas posses; e esta sua inclinação só pode ser limitada pela reflexão e pela experiência...” [25]
Os instintos naturais, como dito, são independentes e cada cidadão tem em si mesmos uma tendência a preteri-los. Entretanto os deveres morais não naturais devem ser inculcados nos cidadãos, pois naturalmente eles não seguirão os melhores caminhos no que diz respeito a eles. Como dito pelo autor, cada homem ama mais a si mesmo que aos outros, assim nasceu à necessidade de instituição das leis que são diretrizes e limitadoras da liberdade inicial.
“Acontece com o dever político ou civil de fidelidade exatamente o mesmo que com os deveres naturais de justiça e lealdade. Os nossos instintos primitivos nos levam a conceder a nós mesmos uma liberdade irrestrita ou a tentar dominar os outros; e somente a reflexão pode nos levar a sacrificar esses fortes impulsos em prol dos interesses da paz e da ordem pública. Basta uma pequena dose de experiência e observação para saber que é impossível preservar a sociedade sem a autoridade dos magistrados; e que essa autoridade seria rapidamente desrespeitada se não se fizesse obedecer de maneira mais severa.”[26]
O caos do estado de guerra forçou os homens a se submeterem a uma autoridade comum que os guiasse e protegessem seus interesses comuns. Mas isso só foi possível através da reflexão citada por Hume, onde os homem puderam avaliar o estado em que estavam o que poderiam estar. Por isso, creio, o direito é um dever ser como Kelsen leciona.
Com a instituição do Soberano e o dever que lhe foi dado de proteger e guiar os povos foram instituídas uma infinidade de leis, ou pelo menos em nosso país assim aconteceu, com o intuito de proteger o bem comum, e os institutos que os legisladores entenderam serem de extrema importância. Garantindo a proteção dos seus cidadãos uns dos outros, de si mesmos e até mesmo do próprio soberano, pois todos estão debaixo da lei e devem obediência a ela.
As leis nada mais são que as bases do direito, e da liberdade civil tão almejada na instituição do contrato social. Nesse sentido Émile Durkheim ressalta que:
"a sociedade sem o direito não resistiria, seria anárquica, teria o seu fim. O direito é a grande coluna que sustenta a sociedade. Criado pelo homem, para corrigir a sua imperfeição, o direito representa um grande esforço para adaptar o mundo exterior às suas necessidades de vida."[27]
Paulo Nader define direito como sendo “um conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os critérios de justiça.”[28]
Levando em consideração essa definição de Paulo Nader, os planos de vida dos povos, e os princípios do contrato social já explanados, podemos concluir que as leis como diretrizes não podem ser feitas para agradar ao povo, mas sim para manter a ordem do Estado a fim de este não sucumbir diante dos desejos daqueles.
Por mais que o povo seja aquele que cria as leis mesmo que indiretamente, o Estado não pode e nem deve ceder a todas as exigências dele, afinal o Estado foi instituído justamente para proteger o povo do próprio povo. Assim por vezes o Estado deverá dizer não a ele a fim de protegê-lo de seus desejos destrutivos ou anarquistas.
As leis tem por escopo final a limitação dos entes e cidadãos a ela submetidos. Durkheim fala sobre a lei adaptar o mundo externo às necessidades da vida, entretanto inviável é para a visão contratualista tal afirmação, pois se assim fosse não teríamos nada além de um estado de natureza positivado no papel.
Caso o objetivo das leis fosse mudar o mundo externo estaríamos lutado por algo sobremodo elevado e nossas forças não alcançariam tal almejo. Ademais não foi o mundo externo que foi corrompido pelo estado de guerra e pela ambição do povo, mas sim o próprio povo, então, por qual motivo criaríamos leis que tentassem corromper o mundo deixando-o assim como nós, cidadãos.
Mais acertada é a definição de Paulo Nader, que explicita que o direito e as leis visão não mudar o mundo externo, mais sim o “mundo” interno de cada cidadão, sendo impostas coercitivamente pelo Estado para a realização da segurança, segundo os critérios de justiça.
Vale destacar que Nader diz que as leis devem ser impostas coercitivamente, e levando em conta o ensino de Hume no que diz respeito a autoridade dos magistrados ser rapidamente desrespeitada caso nãos e fizesse obedecer de maneira mais severa vê-se apoiado que a lei deve coagir o homem a agir de forma diversa à sua natureza e não que o mundo deva mudar para adaptar-se ao homem.
Os critérios de justiça a que Nader se refere são os mesmos destacados no tópico anterior onde Rawls afirma que “podemos considerar princípios de justiça como um acordo para não levar em conta certos sentimentos quando avaliamos a conduta de outros.”[29] Para que a simples vontade, mesmo que seja da maioria não seja levada em conta caso seja infundada e visivelmente injusta.
Assim, a lei não deve ser criada para agradar o povo, mas sim para manter a ordem estatal e a paz social, e este é o espírito da lei.
2.2.1 A influência negativa da vontade geral sobre a criação das leis
Conforme já dito, a vontade mesmo que da maioria não tem valor algum para a lei se essa vontade não estiver fundada nos princípios de justiça. Independentemente do plano de vida que o indivíduo escolher, caso não seja compatível com a justiça a lei deverá obrigá-lo a mudar para manutenção da paz e justiça social.
David Hume leciona em seu livro Ensaios Morais, Políticos e Literários:
“Se todos os homens tivessem um respeito inflexível pela justiça, que os levasse a se absterem completamente da propriedade alheia, eles teriam ficado para sempre num estado de liberdade absoluta, sem se sujeitar a qualquer magistrado ou instituição política. Mas, com razão, a natureza humana é considerada incapaz de atingir tal estado de perfeição. Mais; se eles fossem dotados de um entendimento tão perfeito que soubessem sempre quais são seus interesses, nunca seria proposta qualquer outra forma de governo que não se baseasse no consentimento e que não fosse plenamente votada por todos os membros da sociedade. Mas tal estado de perfeição também é totalmente inacessível à natureza humana. A razão, a história e a experiência demonstram que todas as sociedades políticas tiveram uma origem muito menos exata e regular...[30]
O homem nasce mau conforme teoria de Hobbes, e isso já é motivo suficiente para entendermos o porquê por vezes mesmo a vontade da maioria é injusta.
Hume demonstra que o povo não tem firmeza e vagueia em seus pensamentos e desejos e por tal motivo tendem a desrespeitar o próximo e os direitos do próximo. Sua má índole, sua ganância, seu desejo de acumulo de bens e capital por vezes, senão em todas elas, os levam a cometerem injustiças sem fim para que o seu plano de vida seja alcançado e logre êxito.
A Pressão popular não deveria ser levada em conta para a criação de leis, como se tem feito em inúmeros casos. Realmente a nossa legislação não permite a punição de fato anterior à criação da lei, entretanto nosso legislativo deveria filtrar com mais precisão o que chega até ele como clamor público, exatamente pelos fatos já expostos de que a vontade da maioria pode ser injusta, ou simplesmente ser uma vontade sem fundamento algum.
Nosso sistema jurídico está abarrotado de leis que não são cumpridas e a cada dia se criam mais e mais leis. O que vemos não são leis sendo criadas após reflexão e um tempo de estudo. Vemos leis criadas unicamente pela casuística, que atendem um problema momentâneo, e não regulando a essência dos fatos jurídicos a que estão destinadas. Por vezes as leis são criadas apenas para que o Estado se veja livre da pressão popular e não para se limitar verdadeiramente os planos de vida e tratar o problema a fundo. Vemos leis sendo criadas apenas como uma maquiagem do problema.
“Todos os homens são sensíveis à necessidade da justiça para se manter a paz e a ordem; e todos os homens são sensíveis à necessidade de paz e de ordem para a manutenção da sociedade. Ainda assim, apesar dessa necessidade forte e evidente, tamanha é a fragilidade da perseverança em nossa natureza, que parece impossível manter os homens na trilha da justiça, de forma fiel e constante. Algumas circunstancias extraordinárias podem ocorrer, nas quais um homem considere que seus interesses são mais favorecidos pela fraude ou pela pilhagem do que prejudicados pela ofensa feita à união social por uma injustiça que cometa. Mas, muito mais frequentemente, o homem é distraído do seus interesses principais, mais importantes porém mais remotos, pela sedução de tentações imediatas, ainda que, muitas vezes, totalmente insignificantes. Essa grande fraqueza é incurável na natureza humana.”[31]
Como o homem foi aquele que instituiu o Soberano e é ele o legítimo para a criação das leis e para o governo do Estado, há de se convir com o autor que há no homem certa sensibilidade à justiça, tanto quanto uma sensibilidade à necessidade de paz e ordem para que se mantenha de pé toda a instituição soberana erguida sobre os pilares do contrato social, entretanto também temos que concordar com Hume no que diz respeito à facilidade que o homem tem de ser ludibriado por si mesmo diante de tentações imediatas, onde renunciamos toda uma vida por prazeres momentâneos e renunciamos nossos valores de justiça, paz, ordem e liberdade pelo status, poder e simples atos ou bens que sequer necessitamos.
O homem é deveras superficial e em sua superficialidade não sabe, por vezes, definir boas metas e cronogramas a serem seguidos para que se mantenha o estado, e por esse motivo, entre outros, é que o homem influencia negativamente na criação das leis.
Vemos como corolário da democracia representativa a premissa de que o povo escolherá representantes de valor e conhecimento para que estes exerçam a soberania em seu lugar. Deste princípio podemos abstrair o de que nem todo o povo, ou sua grande maioria não é instruída ou capacitada suficientemente para ocupara lugares de representação, devido seu conhecimento e sutilezas. A própria lei limita o poder de elegibilidade em idade e conhecimento, determinando que os elegíveis devam possuir idade mínima variável conforme for a candidatura e que não podem ser analfabetos por exemplo.
Com base nisso Hume afirma:
“Os homens devem, portanto, procurar um paliativo para o que não pode curar. Precisam instituir certos cargos, cujos titulares se chamarão magistrados, com a função específica de proferir sentenças imparciais, punir os transgressores, reparar a fraude e a violência e obrigar os homens, mesmo contra a sua vontade, a respeitar os seus próprios interesses reais e permanentes. Em uma palavra, a OBEDIÊNCIA é um novo dever que deve ser inventado para apoiar aquele da JUSTIÇA, e os laços da equidade devem ser corroborados pelos da submissão.”[32]
Conforme os ensinamentos de Hume, nosso estado criou cargos de magistrados que pudessem emitir sentenças imparciais e pudessem punir os infratores. Mas não seria tão necessária a instituição de magistrados se as leis fossem cumpridas pelo povo. As leis são criadas como diretrizes para o Estado, e assim devem ser cumpridas obedientemente pelo povo e pelo próprio Estado a fim de que o Soberano perdure e cumpra com seus objetivos. Quando o povo influencia demais na criação das leis, elas tendem a enfraquecer e logo enfraquecem o Estado.
O povo solicita muitas exceções, muitas benesses, muitos favores, e por vezes, o que era para ser exceção passa a ser regra na sociedade brasileira. Sem levar em consideração as leis mortas de nosso ordenamento, que por costume e desleixo do Estado deixaram de ser cumpridas pela sociedade.
Assim, a teoria de Hume no que diz respeito aos magistrados deve ser estendida também à aplicação das leis. O povo deve obedecer, e não tentar influenciar as leis de todas as formas imagináveis. Os representantes do povo têm o intuito e dever de criar as leis para manutenção primeiramente do bem coletivo e do Estado. E se assim não o é, haverá meios para obriga-los e serão estudados em momento oportuno na presente pesquisa. Entretanto nossa contrapartida, a saber, a obediência, deve primeiramente ser cumprida para que possamos cobras as contraprestações de nossos representantes, mas não devemos influenciar tanto na criação de leis, pois o corpo político sempre enxergará à frente do povo.
2.3 Alguns princípios básicos do Contrato Social na Constituição de 1988
Conforme visto o Contrato Social foi instituído com o intuito de dar fim ao estado de guerra em que o povo se encontrava. Mesmo que nesse estado cada um tentasse proteger apenas a si mesmo e seus próprios interesses haviam pontos em comum que todos partilhavam, e dai surgem os princípios do contrato social. O pacto foi firmado de forma racional, visando por fim aos conflitos comuns, logo podemos crer que haviam com certeza, pontos principais que fundavam o contrato. São exatamente alguns destes pontos que pretendemos abordar.
O primeiro princípio é descrito por John Rawls e é chamado de princípio da Liberdade Igual onde “cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema mais extenso de iguais liberdades fundamentais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para as outras pessoas”[33], ou seja, deve ser garantido a todos um sistema extenso de liberdades fundamentais, e tais liberdades, na instituição do pacto, se baseavam no estado de natureza, deste modo Locke diz:
“embora seja este um estado de liberdade, não o é de licenciosidade; apesar de ter o homem naquele estado liberdade incontrolável de dispor da própria pessoa e posses, não tem a de destruir-se a si mesmo ou a qualquer criatura que esteja em sua posse, senão quando uso mais nobre do que a simples conservação o exija. O estado de natureza tem uma lei de natureza para governá-lo, que a todos obriga; e a razão, que é essa lei, ensina a todos os homens que tão-só a consultem, sendo todos iguais e independentes, que nenhum deles deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na liberdade ou nas posses.”[34]
Assim vemos que no contrato social houve uma busca por igualdade real entre os povos, para que os de mais posses ou os mais fortes não oprimissem os de menos ou nenhuma posse nem tampouco os fracos como se dava no estado de guerra.
Já vimos que as leis modernas foram criadas para direcionar o Estado e o povo, e é uma forma de proteger o bem coletivo, assim sendo nada mais correto que a positivação de vários princípios a fim de se impor a obediência coercitiva ao povo que o desobedece, pois um direito positivado é por vezes mais fácil de defender que um consuetudinário. Assim nossa Constituição Federal positivou vários princípios e em seu artigo 5º caput quis positivar o princípio da liberdade igual de Rawls e Lock dizendo:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
Assim, o legislador pátrio decidiu proteger o princípio da liberdade igual através da Carta Magna e não satisfeito, proibiu que houvesse qualquer projeto de emenda tendente a abolir tal positivação. Garantido assim a todo nacional e estrangeiro residentes no país o direito à liberdade igual.
Decorre do principio da liberdade igual, o princípio da isonomia, que dita que todos devem ser tratados de forma igualitária pelo Estado. E assim diz Pellegrini:
“A igualdade perante a lei é premissa para a afirmação da igualdade perante o juiz: da norma inscrita no art 5º, caput, da Constituição, brota o princípio da igualdade processual. As partes e os procuradores devem merecer tratamento igualitário, para que tenham as mesmas oportunidades de fazer valer em juízo as suas razões.”[35]
Deste modo, alem de terem garantido um sistema amplo de liberdades, devem ser tratados de forma igualitária pelo Estado na defesa dessas mesmas liberdades.
Outro princípio que, cremos, foi fundamental para a instituição do Pacto é o princípio da propriedade.
No período anterior ao século XX a propriedade era tida como um direito perpétuo, exclusivo e absoluto, entretanto após a segunda guerra mundial a propriedade adquiriu caráter social, tendo intervenção do Estado justamente para garantir esta função.
Até o período pré segunda guerra a propriedade era intocável, justamente para cumprir o princípio advindo do Contrato Social, tendo em vista o temor de um retorno ao estado de guerra, onde a propriedade não era respeitada. Desta forma, creio, o próprio povo limitou o Estado para que este não tocasse em sua propriedade, entretanto com o passar do tempo e o aumento populacional houve necessidade de Intervenção do Estado e o princípio foi reformulado, justamente para atender ao primeiro princípio mencionado, onde todos deveriam ser iguais, e ninguém poderia prejudicar o outro na vida, liberdade, saúde ou posses.
Com a perpetuação irrestrita da propriedade e a não intervenção do Estado, muitos foram prejudicados por não terem acesso à terra por exemplo, e ate hoje, mesmo depois de tanto tempo de instituída a função social da propriedade vemos o Movimento dos Sem Terra com inúmeros manifestos reivindicações junto ao Estado para que vejam seus direitos exercidos. Assim o Estado, mesmo tendo enfraquecido o princípio da propriedade em face do bem coletivo consagra esse princípio nos artigos 5º, XXIII e 173 da Constituição Federal.
Outro princípio importante é o princípio da Intervenção Mínima. Ele dita que o Estado deve usar seu poder punitivo apenas para proteger os bens mais necessários à vida em sociedade. Cremos que tal princípio advém também dos traumas do estado de guerra. O povo limitou o poder de punição do Estado para que este não o oprimisse em todos os ângulos da vida em sociedade, mas tivesse poder de coerção apenas no que dizia respeito aos bens mais importantes.
Nesse sentido leciona Muñoz Conde:
"O poder punitivo do Estado deve estar regido e limitado pelo princípio da intervenção mínima. Com isto, quero dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataques muito graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves do ordenamento jurídico são objeto de outros ramos do direito."[36]
Embora não esteja consagrado na Constituição Federal,pode ser deduzido através dos que estão expressos,tendo em vista que somente é permitido a restrição ou privação de tais direitos, com a aplicação de sanções, se for necessário proteger os direitos fundamentais do homem. Tendo sido consagrado pelo o texto da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão no seu art.VIII quando expressa a lei somente deve ocupar-se de estabelecer ‘penas estritas e evidentemente necessárias’.
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana é o corolário dos princípios do contrato social, pois ele traz em sua definição a suprema proteção ao homem e ao povo, garantindo que ele é o poder mais forte existente dentro do corpo estatal, e como tal deve ser protegido e guardado das ofensas à sua dignidade.
“A dignidade da pessoa humana sempre foi postulada pelo homem na relação Estado-Indivíduo, tal pretensão como mostra o constitucionalismo, serviu de base para o surgimento da formação de Estados com uma constituição escrita a fim de se assegurar os direitos do homem, o que culminou com o estabelecimento dos direitos fundamentais.
Nesse contexto surge o princípio da dignidade da pessoa humana o qual, galga o grau de princípio fundamental, no caso da República Federativa do Brasil, visto estar em mesma esfera de igualdade com os demais fundamentos do Estado como, a soberania, cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.
As regras de interpretação constitucional fundadas na Supremacia e Unidade da Constituição devem ser efetuadas com base a dar efetividade aos ditames constitucionais, visando consagrar o Estado Democrático de Direito.
Desse modo, toda interpretação quer seja das normas da própria constituição ou das normas infraconstitucionais devem observar e respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana. Conseqüência que dá a tal princípio característica de relevância, caracterizando-o assim, como lócus hermenêutico da nova interpretação constitucional, no sentido de que não se trata de ser o mesmo, um princípio absoluto e ou superior aos demais princípios, ainda mais no que se refere aos constitucionais, haja vista não o entendimento pacífico de haver hierarquia de princípios.
Mas sim, pelo fato do mesmo estar no campo hermenêutico, ou seja, da cientificidade do direito o qual estabelece as regras e formas de interpretação.”[37]
Mesmo que no nosso direito não se admita a hierarquia entre princípios, há de se convir que o princípio da dignidade da pessoa humana é norteador de todo o ordenamento, pois ele é o princípio limitador de toda atividade estatal, coletiva e individual, sendo inadmissível sua violação em qualquer nível.
A partir deste princípio se desdobram inúmeras garantias e direitos sejam individuais ou coletivos que vem positivados nos artigos 5º à 11 da nossa constituição, fora outras garantias distribuídas no texto e todos os tratados e convenções internacionais de que o Brasil é signatário como o Pacto de São José da Costa Rica.
Conforme a Constituição Federal garante, todo cidadão tem direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade (art. 5º, caput), à não tortura (inciso III), à livre manifestação do pensamento (inciso IV), à locomoção no território nacional (inciso XV), à prestação de serviços de saúde pelo Estado (art. 30, VII), os direitos sociais de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados (art.6º, caput), entre tantos outros.
Ocorre que como estudaremos o Estado não tem cumprido com suas obrigações frente ao cidadão, ou ao menos não tem cumprido de forma satisfatória. O princípio da Liberdade Igual diz que as liberdades disponíveis ao um devem ser similares às disponíveis a todos os demais, o que não é praticado pelo estado, pois os fracos e pobres não tem espaço pra desenvolvimento tendo em vista o Estado não o apoiar como deveria garantindo meios para que eles tenham acesso a todos os direitos e garantias citados e os outros tantos previstos na constituição.
Exemplo claro de que o Estado esta aquém do esperado é o salário mínimo. O inciso IV do artigo 6º da Constituição Federal dita que:
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
É do saber de todos que o valor pago atualmente não consegue garantir metade dessas necessidades. Um trabalhador assalariado que recebe um salário mínimo não tem condições de manter sua casa e estudar ao mesmo tempo. E levando em consideração que não estude, mas queira adquirir um imóvel, seu salário não permitiria, pois conforme demonstrado no anexo “D” um cidadão com 21 anos de idade, com renda bruta de R$678,00 (valor do salário mínimo), para adquirir um imóvel de R$ 100.000,00, pelos planos do governo através da Caixa Econômica Federal, precisaria dar uma entrada de R$ 51.491,78.
Tal fato é exemplo de outros tantos casos em que o Governo não trata igualmente seus cidadãos, tolhendo o acesso aos direitos e garantias que a Constituição Federal nos dá, e que antes disso o Contrato Social nos garantia.
A liberdade igual não é respeitada, tendo em vista uns terem mais acesso ao exercício de seus direitos e outros sendo privados disso. O princípio da Isonomia tem sido aplicado de forma precária no poder judiciário, onde os ricos e “grandes” vêem seus casos solucionados rapidamente e os pobres e desfavorecidos vêem seus processos se arrastarem por anos a fio. O princípio da propriedade tem evoluído com o tempo, e o Estado tem intervindo de forma sutil, fazendo reformas agrárias pequenas para não abalar nosso sistema capitalista, entretanto tem deixado muitos de seus cidadãos em situações precárias. A intervenção mínima do Estado é o princípio mais aplicado, pois o Estado realmente só tem agido através de provocações, inclusive na criação de leis, que como vimos e ainda veremos geralmente são criadas apenas através da pressão popular e escândalos envolvendo celebridades.
Nesse diapasão, muitos outros princípios têm sido violados pelo Estado, princípios estes basilares do contrato social e de nossa Constituição Federal, fazendo assim com o sistema se fragilize e por fim, possa até mesmo vir a ruir como veremos.
2.4 Democracia representativa e algumas características dos partidos políticos
Como já explanado anteriormente, o Brasil é um pais democrático por representação, onde os cidadãos elegem representantes para que estes governem em seu lugar e exerçam a soberania sobre todo o povo, criando leis e também se submetendo a elas.
No nosso país os partidos políticos são utilizados como meio para que se exerça a democracia representativa, e assim o sendo é um instituto que não poderia deixar de ser abordado na presente pesquisa.
Os partidos políticos são grupos organizados formal e legalmente, com base em formas voluntárias de participação, em uma associação orientada para influenciar ou ocupar o poder político.
Conforme ensina Josoniel Fonsêca[38]:
“Como já assentado, um partido político é uma associação de pessoas organizadas, tendo em vista participar, de modo permanente, do funcionamento das instituições e buscar acesso ao Poder, ou ao menos influenciar no seu exercício, para fazer prevalecer as idéias e os interesses de seus membros. Estas idéias e estes interesses, reputados como os mais convenientes para a comunidade se pretendem sejam convertidos em lei ou em linhas de ação política do Governo.
No regime democrático, são três as finalidade básicas do partido político:
a) Servir de agente catalisador de uma determinada corrente de opinião . Geralmente, há um grande grupo de pessoas, na comunidade, que pensa da mesma maneira sobre certo número de assuntos. No entanto, essas pessoas estão separadas, esse pensamento uniforme, não pode se transformar em ação, especialmente em ação política, que é capaz de fazer com que a orientação desejada termine sendo adotada como lei, como norma obrigatória para todos. É imperioso que haja um grupo mais nítido de pessoas, habilitado a orientar a todos os que pensam da mesma maneira, a fim de reunir suas opiniões e buscar expressá-las em votos, suficientes para levar seus representantes às atividades governamentais.
b) Selecionar e enquadrar os eleitos . A seleção inicial é feita quando são escolhidos os nomes dos candidatos aos postos eletivos, e que é procedida dentro do Partido, seja pelos seus membros de todos os matizes, seja apenas pelos seus líderes. Depois do resultado das eleições - em que os candidatos de um partido normalmente disputam os lugares com os candidatos de outro ou outros partidos - os eleitos deverão estar orientados para seguir e fazer transformar em leis as linhas mestras do programa que representa a orientação do partido. A maneira como o partido exige o comportamento daquele que foi eleito, em termos de disciplina e obediência às diretrizes programáticas, vai definir o aspecto da fidelidade partidária.
c) Educar e informar o eleitor . O partido tem como uma das suas finalidades maiores a de preparar o eleitor para a vida política, a fim de que este esteja sempre suficientemente informado sobre os problemas nacionais, para poder votar conscientemente e, por outro lado, poder exigir dos seus representantes eleitos uma ação firme de acordo com a orientação do próprio partido, em princípio fixada no seu programa. Cabe ao partido mostrar ao eleitor o que é relevante e o que não é o que é prioritário ou não, nas idéias e ações políticas.”[39]
Assim, não vemos nos vários partidos existentes o cumprimento verdadeiro destes fins esperados para o desenvolvimento do povo. Vemos partidos famintos por poder e destaque. A educação eleitor é o objetivo mais esquecido, pois eleitores inteligentes seriam dificilmente comprados e enganados como vemos acontecer em todas as eleições como bocas de urna, compra de voto, e tantas outras vergonhas.
Como já dito no tópico anterior, os princípios do Contrato Social estão sendo violados pelo Estado, e os partidos políticos deveriam intervir, mas ficam inertes, ou apóiam a violação destes.
Hoje, conforme consta no site do Tribunal Superior Eleitoral existem 30 (trinta) partidos políticos registrados[40], sendo que o mais antigo foi criado em 30 de junho de 1981, sendo relativamente novo.
É difícil definir com precisão a natureza dos partidos políticos e assim dita David Hume:
“...vivendo num país da mais alta liberdade, todos os indivíduos podem declarar abertamente todos os seus sentimentos e opiniões: mesmo assim, ficamos perdidos quando precisamos definir a natureza, as pretensões e os princípios das diferentes facções.”[41]
Independentemente do alto grau de liberdade de expressão de que disponhamos, realmente torna-se difícil definir ao certo os desejos e natureza dos partidos existentes. Entretanto algumas observações podem ser feitas com precisão e acerto.
Os partidos, conforme Hume, podem ser divididos em duas espécies básicas:
“As facções podem ser divididas em PESSOAIS e REAIS; isto é, em facções baseadas na amizade pessoal ou na animosidade entre os membros que integram partidos opostos; em facções que se baseiam em determinadas diferenças reais de opinião ou de interesse.”[42]
Não se vê com frequência o governo se dividir se todos os homens que o constituem partilharem a mesma opinião, assim é evidente que partidos se formam a partir de ideias se não opostas, ao menos divergentes, sejam quais forem as diferenças.
As facções pessoais, conforme ensinamentos de Hume, são mais evidentes em “pequenas repúblicas, onde qualquer disputa doméstica é questão de estado. O amor, a vaidade, a emulação, qualquer paixão, bem como a ambição e o ressentimento podem originar uma divisão pública”[43].
As facções reais, de modo peculiar, se dividem em três classes: aquelas de interesse, de princípio ou de afeição.[44]
As de interesse conforme Hume, são aquelas existentes onde duas classes de homens, por exemplo a nobreza e o povo, tem uma autoridade distinta num governos, não muito rigorosamente equilibrado e organizado, onde é natural que os homens defendam interesses distintos, onde não se exigiria conduta diversa tendo em vista o egoísmo do homem.
Os partidos de princípio, sobretudo os baseados em princípios abstratos e especulativo são frutos dos tempos modernos e tem seu fundamento nos princípios do Estado em que estão presentes, no caso de nosso país, nos princípios do nosso direito, como por exemplo os da dignidade da pessoa humana, na função social da terra, na livre iniciativa privada e tantos outros.
Já os partidos de afeição são aqueles que se fundam nos laços especiais dos homens com certas famílias e indivíduos, pelos quais desejam ser governado, o que acontece em países monárquicos.
Seguindo o entendimento de Hume, vemos que no Brasil há predominantemente partidos de princípios, o que se pode observar inclusive pela nomenclatura dos partidos registrados junto ao TSE: PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro); PTB (Partido Trabalhista Brasileiro); PCdoB (Partido Comunista do Brasil), e tantos outros defensores de princípios.
Corrobora com esse entendimento os ensinamentos do Doutrinador Paulo Bonavides, quando o mesmo afirma que “partido político é uma organização de pessoas inspiradas por ideias ou movidas por interesses, que buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para realização dos fins propugnados.”[45]
Na legislação moderna os partidos políticos possuem um importante disciplinamento na Constituição Federal, integrando o Título dos Direitos Fundamentais. A Carta Magna assegura ampla liberdade de criação de partidos políticos, como apoio do princípio fundamental do "pluralismo político", positivado no seu art. 1º, V.
O princípio da liberdade de criação é limitado pelo respeito à soberania nacional, ao regime democrático e aos direitos fundamentais da pessoa humana. Entretanto são indispensáveis ao regime representativo brasileiro, visto todas as candidaturas aos cargos públicos eletivos terão necessariamente que estar vinculadas, aos partidos políticos conforme disciplina o art. 14, V da CF.
Desta feita, os partidos políticos, inicialmente foram criados para que o povo pudesse ser devidamente representado no governo, e que pudessem se associar de forma livre conforme apoia a Constituição, partindo da premissa de que unidos poderiam lograr maior êxito nos seus intentos, lutando juntos por pontos em comum nos seus planos de vida.
O pluralismo político de que a Constituição federal fala consiste na garantia de várias opiniões e ideias com respeito a cada uma delas. Tal princípio ainda aponta para o reconhecimento do legislador pátrio de que a sociedade é constituída por vários grupos com várias opiniões, com diversos centros de poder em vários setores. O princípio do pluralismo político assegura ainda a liberdade de expressão, manifestação e opinião, garantindo a inda a participação do povo na formação da democracia do país.
Decorre do princípio do pluralismo político o pluripartidarismo ou o multipartidarismo que assegura a possibilidade de existência de vários partidos políticos e de que três ou mais partidos possam assumir o controle do governo.
Assim, se cada partido tem o intuito de unir pessoas com o mesmo pensamento e com pontos em comum em seus planos de vida , e esses partidos tendem à tomada do poder por meio eletivo, cada partido tem por escopo a representação de parcelas do povo no governo do Soberano, levando em conta os princípios defendidos por eles.
E são esses princípios defendidos ou não pelos partidos políticos a que queremos nos ater de agora em diante. Necessário se fazia a explanação de algumas peculiaridades para que enfim pudéssemos passar adiante no estudo demonstrando os pontos negativos e prejudiciais que tem os partidos políticos como meio de representação do povo, tendo em vista seu desvio de finalidade.
2.4.1 Desvio de finalidade dos partidos políticos
Nas palavras de Carlos Augusto Alcântara Machado
“No nosso país, lamentavelmente, desde as suas origens, não se vislumbra uma identidade própria dos partidos políticos. Revelaram-se frágeis, incapazes de, a longo prazo, sedimentar uma ideologia individualizada. Como, de forma extremamente lúcida, registrou José Anderson Nascimento em artigo publicado no Jornal da Cidade (Aracaju-SE), edição de 30 de junho a 1º de julho de 2002, ‘a cada golpe dos vários que vitimaram nossa democracia, os partidos políticos também eram levados de roldão. Formaram-se partidos no Brasil sempre de cima para baixo’. Transformaram-se ora em partidos meramente estaduais, representando oligarquias regionais, ora em agremiações partidárias gravitando em torno de seus principais líderes (partidos de uma só pessoa, personalistas).
Não se quer afirmar, de forma amplamente generalizada que, no Brasil, inexistem partidos definidos ideologicamente. Não é isso. Entretanto, a prática vem demonstrando que a história se repete e os partidos passaram a ser utilizados como meras legendas asseguradoras de candidaturas. Todas as vezes que alguém não tem espaço, momentaneamente, num determinado partido, rompe-se e cria-se outro. Foi assim e vem sendo assim: um mero veículo de concretização de aspirações pessoais ou, quando muito, de um grupo dominante. Vigorou e ainda vigora a máxima de que se o partido não é digno de mim, saio e vou criar outro partido.
Hoje convivemos com 30 (trinta) partidos, com registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral. Doze deles com registro provisório da década de 90. Partidos desconhecidos do nosso povo, inclusive o mais esclarecido, tomando por exemplo a comunidade universitária. Alguém já ouviu falar do PCO - Partido da Causa Operária? Ou do PHS – Partido Humanista da Solidariedade? Ou, ainda, do PRTB – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro? Muito poucos.
A Democracia autêntica exige partidos igualmente autênticos.” [46]
Nesse diapasão podemos ainda observar a falta de autenticidade dos partidos políticos no nosso país pela inexistência de partidos antigos, pois como já dito o partido mais antigo de nosso país (PMDB) tem 32 anos. Em contrapartida vemos no corpo político estrangeiro vários partidos centenários, como por exemplo, os partidos “Democratas” e o “Republicano” nos Estados Unidos, onde o primeiro foi fundado em 1836 e o segundo em 1854 e desde então vem disputando o poder e a representação do povo naquele pais.
Como elucida Manoel Gonçalves Ferreira Filho, os partidos brasileiros:
“não passam de conglomerados decorrentes de exigências eleitorais, sem programa definido e, o que é muito pior, sem vida própria. (...) a autenticidade dos partidos é outra das condições da democracia pelos partidos. No Brasil, essa autenticidade parece ser em face da experiência do passado e do presente um sonho remoto, utópico. Traço inegável do caráter nacional brasileiro é a falta de inclinação para a vida cívica e associativa.” [47]
Somente para demonstrar a falta de autenticidade dos nossos partidos, vejamos alguns exemplos:
“1º) O atual PTC (Partido Trabalhista Cristão), inicialmente chamava-se PJ (Partido da Juventude) e depois PRN (Partido da Reconstrução Nacional);
2º) O atual PPB (Partido Progressista Brasileiro) assim nasceu: O PDS (Partido Democrata Social) fundiu-se ao PDC (Partido Democrata Cristão) dando origem ao PPR (Partido Progressista Reformador). O PST (Partido Social Trabalhista incorporou-se ao PTR (Partido Trabalhista Reformador), nascendo o PP (Partido Progressista). Após tudo isso o PPR aglutina-se ao PP, surgindo o PPB. Posteriormente, o PST foi criado mais uma vez.
No que pertine à fidelidade partidária, as deformações também se apresentam de forma incontestável. Na edição do dia 29 de julho de 2002 do Jornal da Globo (Rede Globo de Televisão), foi noticiado que é prática comum no legislativo federal brasileiro as constantes mudanças de partido. Há registros, conforme veiculado pelo telejornal, que pelo menos dois parlamentares (deputados federais) trocaram de partido, somente na atual legislatura, cinco a seis vezes. Constatou-se, ainda, que, no mesmo período, houve duzentas e sessenta e cinco mudanças de filiação partidária entre os parlamentares. É dizer: os parlamentares elegem-se por determinado partido e, num curto espaço de tempo, atendendo interesses puramente pessoais, abandonam-no e buscam outro partido, permanecendo no mandato, mas em partido diverso daquele pelo qual foi eleito. Importante asseverar que a mesma fonte informou que dos quinhentos e treze deputados federais, apenas vinte e oito elegeram-se com os próprios votos. Quatrocentos e oitenta e cinco, em face do quociente eleitoral, necessitaram da legenda. Usam a legenda exclusivamente para pleitear uma candidatura e sagrar-se vitorioso na eleição. Não há nenhuma identidade programática com o partido. Filiam-se ao partido por conveniência e não por afinidade ideológica. Transformam os partidos em meras siglas de aluguel.” [48]
A Constituição Federal determina que é um dever do partido político estabelecer normas de fidelidade partidária. A prática demonstra que o mandamento constitucional transformou-se em letra morta. Assim como é letra morta a maioria das garantias constitucionais, e assim como perdeu sua identidade os partidos hoje existentes.
Os partidos de princípio, como já dito, devem defender nuances dos planos de vida da sociedade, pois apenas assim a República funcionaria e apenas desse modo a Democracia representativa poderia ser exercida verdadeiramente. A Constituição Federal determina que toda candidatura deverá obrigatoriamente estar associada a um partido político, e isso tacitamente diz que a forma com que o povo poderá exercer seu direito de legislar e guia o Estado (pois todo o governo é exercido pelo povo e para o povo) é através da representação de entes políticos, entendidos como os eleitos pelo povo, nos partidos políticos.
Um outro aspecto a ser ponderado diz respeito à representatividade dos partidos políticos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. O pluralismo político e pluripartidarismo são princípios constitucionais, entretanto, alguns critérios devem ser definidos, a fim de se concretizar a vontade constitucional, e para que essa vontade seja cumprida os partidos devem prestar um serviço à democracia e funcionar, efetivamente, como veículos a serviço do Estado Democrático de Direito e da cidadania.
Conforme dados obtidos no site do Senado Federal, no site da Câmara dos Deputados[49], dos trinta partidos cadastrados, vinte e um partidos (DEM; PCdoB; PDT; PHS; PMDB; PMN; PP; PPS; PR; PRB; PRP; PRTB; PSB; PSC; PSD; PSDB; PSOL; PT; PTB; PTdoB e PV) têm bancada na Câmara dos Deputados e no Senado Federal e somente sete (PHS; PMN; PPS; PRB; PRP; PRTB e PTdoB) têm representação exclusivamente na Câmara dos Deputados. 9 não têm nenhuma representação no Congresso Nacional (PCB; PCO; PEN; PPL; PSDC; PSL; PSTU; PTC e PTN).
Ademais vemos partidos que tem representação nas casas, entretanto sua força é tão pequena visivelmente não podem por na mesa o desejo e os anseios daqueles que os elegeram, como são os casos dos partidos PSC, PSOL e PV que tem apenas um representante cada na Câmara dos Deputados, que conta com 513 deputados, sendo então evidente sua falta de força se comparados com os deputados do PT (89) ou do PMDB (76).
Diante de todo o exposto, qual tem sido o real objetivo dos partidos político? Nenhuma outra resposta nos seria mais óbvia que apenas e tão somente a luta pelo poder! A disputa desenfreada por mais e mais poder, a luta para que o Estado seja guiado tão somente pelas vontades dos partidos mais fortes, o que não difere muito do estado de guerra onde o mais forte prevalecia.
David Hume dita:
“Da mesma forma como os legisladores e fundadores de estados devem ser honrados e respeitados pelos homens, devem ser detestados e desprezados os fundadores de seitas e facções; porque a influencia da facção é diametralmente oposta à das leis. As facções subservem o governo, tornam as leis impotentes e provocam a hostilidade mais feroz entre os cidadãos do mesmo país, que deveriam dar uns aos outros proteção e assistência mútua. E o que deve tornar mais odiosos os partidos é a dificuldade de extirpar esses sementes ruins, depois que elas tenham criado raízes num estado.”[50]
Devido ao temor da ditadura que aconteceu no Brasil, foi de certa forma apoiada a criação de partidos ou facções políticas, e após, nossa própria constituição fez questão de consagrar sua obrigatoriedade, o que deveria ter sido extirpado de nosso meio, foi na verdade imposto.
Hume continua:
“Elas se propagam naturalmente durante séculos, e raramente deixam de provocar a dissolução total do governo em que são semeadas. São, alem disso, ervas daninhas que crescem com mais vigor nos solos mais ricos. E, embora os governos absolutos delas não estão inteiramente livres, e forçoso reconhecer que elas nascem com maior facilidade e se propagam mais depressa nos governos livres, onde invariavelmente contaminam o próprio poder legislativo, que seria o único capaz de erradicá-las,, através da aplicação firme de recompensas e castigos.”[51]
Nada mais evidente que a positivação das facções políticas na própria CF pode demonstrar o nível de “contaminação” que os partidos conseguiram no poder legislativo. Eles, que foram criados com o intuito de garantir o bem coletivo, de representar os interesses dos povos, de proteger o povo de si mesmo e do poder do Soberano, hoje estão tão desvirtuados que já não se pode mais definir qual é o seu verdadeiro interesse.
De inicio, lutava-se pelo poder a fim de poderem cumprir seu papel no soberano, entretanto com o passar de poucos anos e com aumento de acúmulo de riquezas no país, tendo em vista que Hume afirma haver maior proliferação de partidos nos países livre e ricos, a luta pelo poder passou a ter apenas esse sentido, o acumulo de poder.
Mesmo sob influencia dos partidos políticos nossa carta magna consagrou diversos direitos e garantias dos cidadãos, o que demonstra que os partidos em si não são maus, mas que possivelmente se viram encantados pela possibilidade do poder pelo poder e não de poder pela proteção do povo.
Creio que o regime militar que durou ate 1985 teve grande e decisiva influencia sobre as criação de leis, e até mesmo sobre a positivação da necessidade de partidos, pois foi uma época em que o povo não podia expressar opiniões, havia censura, perseguição política àqueles que se opunham ao governo e inexistia a tão querida democracia. Assim, tivemos um bom inicio, entretanto no desejo de muito proteger acabou por ser inviável o cumprimento integral das leis promulgadas.
Há uma ampla gama de direitos e garantias, sobre as quais os partidos políticos tem o dever moral e legal de proteger e buscar meios que se façam necessários para a cumprimento de todos, afinal, os mesmo foram criados com esse único propósito, buscando assim o bem estar social e paz tão almejada.
Hoje, não há mais meios plausíveis de se abolir os partidos. O próprio povo já esta dividido dentro o estado e a abolição dos partidos políticos quiçá provocaria uma revolta, sob o pretexto de que se estaria tolhendo a liberdade de expressão ou algo do tipo que é tão temido por remeter à ditadura militar.
Entretanto deve-se buscar meios de se regressar às origens e fazer com que os partidos voltem a priorizar não o poder, mas sim o bem coletivo.
3 DA POSSIBILIDADE DE RESCISÃO DO CONTRATO SOCIAL
Como todo e qualquer contrato criado hoje em dia pode ser rompido por uma ou por ambas as partes, o contrato original também tem suas peculiaridades e possibilidade de rescisão, seja pelo povo ou pelo próprio soberano.
Em fim, após tantas deliberações e conceitos poderemos passar ao estudo das possibilidades de rescisão com Contrato Social.
Desde logo vale frisar que a rescisão do contrato é hipotética e que não há espaço no mundo moderno, a não ser em caso de catástrofe global, para o total regresso ao estado de natureza, pois o homem moderno capitalista é mais tendencioso primeiramente ao estado de guerra e ao caos.
O que passaremos a estudar são as verdadeiras falhas no contrato e suas consequências jurídicas sobre nossa sociedade. As justificativas para os atos desobedientes do povo e as falhas governamentais que geram tais atos.
Como já dito, muito nos foi prometido pela legislação pátria devido ao temor de regresso ao estado totalitário da ditadura militar, entretanto desde que promulgada a Constituição Federal não houveram mudanças significativas na atitude do estado diante das promessas positivadas, entretanto as contrapartidas por parte do povo tem sido cobradas com veemência pelas leis civis, penais e pelos magistrados do país.
Passemos ao estudo.
3.1 Da adesão ao contrato
Não pretendemos mostrar como se deu a adesão do contrato social, pois isso já o foi feito em momento oportuno, mas queremos demonstrar que na verdade a sociedade moderna não aderiu ao contrato. Que apenas a sociedade que o instituiu aderiu e as demais, por costume, medo ou qualquer outro sentimento se submeteu a ele sem sequer questionar.
Russeau indica que ocorreu uma adesão ao contrato por parte do povo, onde cada um se entregou a si esperando a proteção do bem coletivo e a proteção por parte do Estado frente a outro individual que lhe apresentasse ameaça ou agressão.
Entretanto há de se questionar o caráter da adesão ao contrato pelo motivo de que esta geração presente nada teve de participação na estipulação do mesmo, nós nunca estivemos em estado de natureza, não tivemos a oportunidade de opinar ou sequer de demonstrar nosso desejo em relação a tal contrato.
No capitulo II do livro O Contrato Social, Rousseau nos deixa o seguinte ensinamento:
“Aristóteles tinha razão... Todo homem nascido na escravidão nasce para a escravidão – Nada mais certo. Os escravos tudo perdem nos seus grilhões, até o desejo de se livrarem deles. Amam sua servidão... Se há, assim, escravos por natureza, é por que houve escravos contra a natureza. A força produziu os primeiros escravos, a frouxidão destes os perpetuou.”[52]
Deste modo, esta geração é signatária do contrato social devido à primeira geração ter desejado isso, e as demais terem se calado quanto ao teor e cumprimento do mesmo. Com o passar do tempo o contrato tomou força, o Estado se sedimento, e o pacto deixou de ser verbal.
“A obediência e a submissão se tornaram uma coisa tão costumeira que os homens, em sua maioria, jamais procuraram investigar as suas origens ou causas, tal como ocorre em relação à lei da gravidade, ao atrito ou às leis mais universais da natureza. Ou então, se sentem em algum momento tal curiosidade, logo que se conscientizam de que eles próprios e seus antepassados têm estado sujeitos, já há várias épocas e desde tempos imemoriais, a determinada forma de governo ou a uma determinada família, conformam-se prontamente, reconhecendo a sua obrigação de fidelidade.”[53]
Deste modo temos uma escravatura política, onde o povo não questiona o porque do governo e sequer entende o motivo de existir um soberanos sobre si. A população na sua grande maioria não entende os verdadeiros motivos de uma democracia representativa, ou dos partidos políticos e sequer sabem definir ao certo o que vem a ser um estado democrático. Seja por falta de instrução, por falta de interesse ou simplesmente por costume, todos aceitam a forma atual, se não todos pelo menos a maioria, e como na democracia prevalece a vontade da maioria, ainda vivemos como vivemos.
Vimos no inicio da pesquisa que não há uma época provável, ou apenas indicativa de quando o povo vivia no estado de natureza, e que por vezes esse estado é estudado apenas com fim didático e acadêmico. Se é tão antigo o estado de natureza, antigo também é a instituição do contrato social, e nesse sentido diz Hume:
“Costuma-se afirmar que o contrato em que se funda o governo é o contrato original e portanto ele deve ser considerado antigo demais para ser reconhecido pela geração atual.”[54]
Como então se dá a continuidade do poder? Como até os dias de hoje, desde os primórdios o Soberano resiste mesmo em meio a guerras mundiais, guerras civis, golpes estatais e tantas outras mazelas que conhecemos?
Hume leciona:
“pode-se argumentar que o simples fato de continuar vivendo sob o domínio de um príncipe, a quem seria possível abandonar, é um sinal de que cada indivíduo manifesta um consentimento tácito à sua autoridade e uma promessa de obediência; mas este consentimento implícito só pode ocorrer se cada indivíduo acreditar que o assunto depende da sua escolha. Mas, se cada um pensar (como geralmente acontece com todos os homens nascidos sob um governo estabelecido) que tem, dede que nasce, deveres de submissão a um determinado príncipe ou a uma determinada forma de governo, será absurdo inferir um consentimento ou uma escolha, que neste caso, todos negam e repudiam expressamente.”[55]
Nesse diapasão podemos abstrair que o governo continua a perdurar no tempo exatamente porque não é questionado pelo povo, pois se o fosse possivelmente haveriam meios alternativos de governo do país. Entretanto todos que nascem sobre um regime já instituído creem dever obediência a ele mesmo sem compreende-lo. Nesse ponto o povo obedece não por amor ao governo e por entender ser ele o melhor meio de viver em sociedade, mas obedece pelo temor da coerção.
Vemos essa afirmação em povoados que não tem governo, ou em tribos que vivem no estado de natureza ainda hoje e que não tiveram contato algum com a sociedade. Tais pessoas, por vezes oferecerão resistência à conquista, como foi o caso, por exemplo, da descoberta do Brasil, onde os índios ofereceram resistência tamanha que quase foram exterminados pela coroa.[56]
Mas hoje, após tantos anos de colonização, todo indivíduo já nasceu sob o domínio do governo e assim continua por uma ideia de dever, pois seus pais e parentes assim obedecem o soberano. Rousseau afirma o seguinte sobre este fato:
“Todo homens nascido na escravidão nasce para a escravidão – nada mais certo. Os escravos tudo perdem nos seus grilhões, até o desejo de se livrar deles; amam sua servidão como os companheiros de Ulisses amavam seu embrutecimento. Se há, assim, escravos por natureza, é porque houve escravos contra a natureza. A força produziu os primeiros escravos, a frouxidão destes os perpetuou.”[57]
Houve portanto uma adesão ao contrato social devido a necessidade que o povo daquela época via de se proteger do estado de guerra em que se encontravam, assim, a melhor solução era renunciar a liberdade natural pela liberdade civil e instituir um soberano sobre si para que este lhe protegesse. E com o passar do tempo, como um bom instituto, o mesmo perdura ate hoje pela passividade dos que nasceram sob ele.
Houve tentativas de se desfazer o contrato social, como por exemplo, no golpe militar de 1964, entretanto, como já dito, os planos de vida do povo tendem a priorizar atividades mais complexa em detrimento das mais simples, assim, todos que já haviam praticado a democracia repudiavam a ditadura, logo forçaram o governo totalitário da desmoronar.
Se a sociedade moderna não partilhou da formação do contrato social e não questiona a forma de governo presente poderia se afirmar que o estado não tem autoridade sobre o povo conforme trecho de David Hume onde o mesmo afirma que “...por ser tão antigo, e estando já obliterado por mil mudanças de governo e de príncipe, não é lícito supor que ele ainda conserve alguma autoridade”[58]
Entretanto tal afirmação é apenas especulativa, pois conforme dito por Hume, o consentimento tácito é expresso a partir do momento que sabendo ser possível a desvinculação do governo o povo não o faz. Tal autoridade é suficiente para continuidade do estado. Até mesmo pelo fato de, por algumas vezes, o soberano ter sido questionado e até deposto no estado totalitário de 1964, entretanto, pela revolta popular houve o retorno ao estado democrático e representativo de outrora.
3.2 Do mau governo
As leis não devem ser criadas para agradar o povo, mas sim para manter a ordem, entretanto há uma linha tênue entre isso e um estado déspota. O estado não pode criar leis que sejam injustas, pois ele mesmo esta sob o manto da lei. As injustiças não devem ser observadas em comparação apenas com a simples vontade de cada um, ou até mesmo da maioria. A injustiça deve ser analisada conforme as teorias de Rawls, onde os sentimentos serão deixados de lado e será analisado o ato ou fato em si e se ele configura realmente uma injustiça.
A lei, como já dito são as diretrizes do Estado que definem metas e limites para os planos de vida do povo para que se mantenha um Estado justo e harmônico. Entretanto as leis também são parâmetros para o próprio Estado, traçando deveres e direitos para o Soberano conforme características do contrato social. Entretanto, por vezes o Estado não tem cumprido com as determinações que ele mesmo definiu em lei para que assim o fossem.
Nossa Constituição Federal traz em seu corpo uma infinidade de direitos e garantias ao povo, defesas contra o próprio Estado, entretanto vemos essa mesma infinidade direitos sendo praticamente letra morta em nosso ordenamento, pois o Estado não tem se empenhado como deveria para cumpri-las.
Em uma cartilha disponibilizada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos do Mato Grosso há a seguinte redação definindo o que são os direitos humanos:
“Conjunto mínimo de direitos necessários para assegurar a vida digna do ser humano. O rol de direitos humanos é vasto e abrange, entre outros, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à educação, à saúde, à moradia, entre outros. Tais direitos são universais (são de todos, não importando a nacionalidade, credo, etnia, opinião política etc), indivisíveis (não é possível proteger um direito e vulnerar outro) e interdependentes (os direitos se interrelacionam). Direitos humanos são todos aqueles que precisam ser reconhecidos pelo Estado, necessariamente, para que as pessoas vivam com dignidade. O ser humano tem direito à vida, à saúde, à liberdade, à igualdade, à privacidade, à educação, à informação, à alimentação adequada. Esses direitos precisam ser respeitados e é imprescindível que a sociedade os reconheça por meio de seus representantes, que devem estabelecer políticas que os concretizem.”[59]
Com base nessa cartilha que visa a instrução dos cidadãos os direitos são interdependentes e se relacionam, o que indica que caso seja suprimido apenas um deles os outros serão prejudicados. E temos visto que o Estado tem em muitos casos suprimido nossos direitos!
Conforme a Constituição todo cidadão tem inúmeros direitos que devem ser garantidos pelo Estado e os representantes do povo devem instituir políticas que garantam o cumprimento de tais direitos.
Como já dito, todo homem tem direito à moradia, alimentação, educação, saúde, vestuário, higiene, transporte, lazer e Previdência Social, e o salário mínimo instituído pelo Governo deve ser capaz de garantir tudo isso a um cidadão. Daí já começa a se evidenciar as características de um mau governo que nas suas contraprestações, apoiados sob o manto de que há muitos do povo e o governo não conseguirá abranger a todos de forma a garantir todos os direitos, suprimem o direito de todos para que assim consiga alcançar a maioria.
Tal pensamento pode ser correto em curto prazo, mas nossos políticos deveriam lutar arduamente para alcançar todo o povo em pouco tempo, o que não é feito!
Como demonstrado em capítulos anteriores há no Brasil cerca de 16 milhões de pessoas que vivem com apenas R$ 70,00 (setenta reais) por mês, e por mais que seja uma parcela relativamente pequena da sociedade é um numero grande demais tendo em vista o desleixo do Estado, primeiro porque esse valor é muito menor que o salário mínimo e segundo porque como uma pessoa com esses rendimentos consegue ter acesso a todas as garantias como moradia, saúde, alimentação e as demais já citadas?
Rousseau diz o seguinte:
“é que em lugar de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, ao contrário, por uma igualdade moral e legítima a desigualdade física que a natureza poderia ter colocado entre os homens e que, podendo ser desiguais em força ou em gênio, se tornam todos iguais pela convenção e pelo direito. (...) sob maus governos, essa igualdade é aparente e ilusória; só serve para conservar o pobre na sua miséria e o rico em sua usurpação. Na realidade, as leis são sempre úteis àqueles que possuem e prejudiciais àqueles que nada possuem, do que se conclui que o estado social só é vantajoso aos homens na medida em que todos possuam alguma coisa e que nenhum deles possua algo em demasia.”[60]
Desta forma o modo capitalista é bastante tendencioso ao mau governo, pois prega o acumulo de capital e a luta por ele, assim, aqueles que nada possuem permanecem na condição de assalariado com pequenos salários que não permitem seu crescimento intelectual, financeiro e patrimonial, fazendo com que ele permaneça sempre em sua miséria como Rousseau afirmou.
“Montesquieu observara que a falência do Estado seria precedida pela falência moral, a corrupção dos costumes que tornava a conduta inaceitável em banal e generalizava a indiferença aos abusos de poder, até estes se sobreporem à lei, instituindo o despotismo.”[61]
Nesse sentido podemos ver que é iminente a falência do Estado tendo em vista o quadro sintomático da corrupção de princípios e do corpo político em si. Como já dito anteriormente os partidos político que foram criados para proteção do bem comum e da sociedade hoje deixou esses princípios de lado e tem lutado pela aquisição de poder e domínio. Ademais o quadro de corrupção no Brasil tem sido fator alarmante de que há algo errado no corpo político.
Quando o desejo pelo poder toma conta do corpo político, excluindo dele, ou ao menos enfraquecendo os princípios da liberdade igual e principalmente os princípios da justiça vemos a total caracterização do mau estado, onde o povo é deixado praticamente de lado para que a luta pelo poder passe a ser o foco do Soberano.
Conforme pesquisa da ONG Transparência Internacional publicada e 2011 o Brasil é o 73º país mais corrupto do mundo, e numa escala de 0 a 10 na percepção de corrupção, onde 0 significa extremamente corrupto e 10 nada corrupto, o Brasil alcançou o índice de 3,8.[62]
Locke, discorrendo sobre o Estado de guerra, onde os homens não tem recursos como juízes imparciais e instruídos para recorrer e na falta de leis que regulem o fato, diz:
“e mesmo onde existe a possibilidade de aceder a um recurso e a juízes instruídos, mas o remédio é negado por uma perversão manifesta da justiça e por uma contorção descarada das leis para proteger e favorecer a violência e as injúrias de alguns homens ou de um partido, é difícil imaginar outra coisa que não o Estado de Guerra. Pois sempre que se use de violência e se cometa uma injúria, ainda que por mãos designadas para administrar a justiça, é ainda de violência e de injúria que se trata, por mais que sejam disfarçadas com nomes, pretextos ou formas legais. A lei tem como finalidade proteger e indenizar o inocente através da sua aplicação imparcial a todos os que a ela estão sujeitos; sempre que não for administrada bona fide, faz-se guerra as vítimas, as quais não tendo nenhum recurso na terra que lhes preste justiça, são entregues ao único remédio que existe para tais situações, ou seja, o apelo ao céu.”[63]
Nada mais característico de um mau governo que alem de negar a proteção ao seu cidadão deixa como único e ultimo socorro auxílio divino. Ademais, não há muito que discorrer sobre as negações no Estado ao cidadão já citado os 16 milhões de pessoas privadas praticamente de tudo, tendo renda mensal de R$ 70,00 (setenta reais).
Mesmo sendo o governo e o Soberano a declarar guerra ao seu povo negando-lhe proteção e meios dignos de sobrevivência o povo não deve ser passivo. Deve agir.
O mau governo não tem protegido seu povo como deveria, e um grande exemplo disso são as várias leis que são oriundas do clamor público e não do estudo e reflexão do corpo político.
O governo tem uma aparência maquiada de proteção ao povo, onde ele mesmo só age se for instigado a agir, e por vezes cria leis fracas e rasas que não resolvem o problema, mas o amenizam.
Alguns fatos que geram comoção social ou algum problema de ordem nacional são grandes geradores de leis rasas. Tais fatos acontecem desde os primórdios, mas são ignorados ate que uma celebridade seja vítima, como é o caso das leis nº 12.737/2012, que trata sobre delitos informáticos e foi apelidada de “Lei Carolina Dieckmann” por finalmente ter sido aprovada após vazamentos de fotos da atriz de mesmo nome em maio de 2012, e a lei nº 8.930/1994 que modificou a lei de crimes hediondos e foi apelidada de “Lei Daniella Perez”, que por coincidência fora aprovada justamente após a morte dessa atriz graças ao clamor público.
Nesses exemplos duas boas leis foram aprovadas, entretanto somente, e tão somente pela pressão popular. Os crime de internet existem praticamente desde que foram criados os computadores, mas apenas em 2012 o corpo político se pronunciou quanto a eles.
Na luta pelo poder as mazelas da sociedade tem sido ignoradas até o ponto de serem insuportáveis ao povo e este em grande protesto ou pressão pública obriga o Estado a se pronunciar.
O Soberano não foi instituído para ser provocado pelo povo, ele foi criado com o intuito de proteger o povo e tem poder suficiente para agir sem provocação a fim de não permitir situações de perigo para o povo. Tem o dever de instituir leis e de coercitivamente fazer com que os infratores a obedeçam.
Agindo o governo de tal forma ele dá brechas para que o povo o desobedeça, criando suas próprias leis pela falta de posicionamento pelo Estado, agindo por conta própria praticamente como na liberdade natural que outrora possuíam.
3.2.1 Da desobediência civil[64]
Conforme dito, caso o estado não cumpra com seu dever de proteção do povo este por sua vez não lhe deve obediência, ou ao menos assim o deveria ser.
O povo criou o Estado, e as leis devem ser feitas pelo povo através de seus representantes com o objetivo de regular a sociedade e os proteger dos egoísmos de indivíduos que insistem em não se submeter ao soberano, e agridem a ordem pública.
Vemos nos dias de hoje um estado de equilíbrio entre o povo e o soberano, onde o povo vive como tem vivido e o Estado por sua vez maquia suas ações com planos de ajuda ao povo carente.
“Naturalmente, o fato de uma situação ser de equilíbrio, mesmo que seja um equilíbrio estável, não implica que seja justa. Só significa que, dada a avaliação que cada qual faz de sua posição, os indivíduos agem com o intuito de preservá-la. É claro que mesmo um equilíbrio de ódio e hostilidade pode ser estável; cada qual pode achar que qualquer alteração viável será pior. O melhor que cada pessoa pode fazer por si mesma talvez seja uma condição de menos injustiça, e não de bem maior. A avaliação moral das situações de equilíbrio depende das circunstancias de fundo que as caracterizam.”[65]
Num estado de tolerância como Rawls ensina, podem haver inúmeras injustiças, mas o povo, por não conhecer um meio melhor de vida se permite submeter a injustiça para que não advenha sobre si o mal pior.
Há meios viáveis e totalmente legais descritos em nossas leis para que o povo provoque a ação do estado em beneficio próprio, ou em beneficio da coletividade, entretanto esses eram meios de exceções no contrato originário. O Estado não deveria ser instigado a proteger, ele deveria proteger a todo o tempo, entretanto com as experiências de Estados totalitários e tirânicos totalmente intervencionistas o povo optou por deixar o Soberanos “em banho Maria” e aciona-lo apenas em casos de urgência.
Ocorre que com essa pratica criamos um estado preguiçoso e demasiadamente lento. Preocupado com poder e capital e menos com o próprio povo. Muito ligado a relações exteriores e caduco com as relações interiores entre ele mesmo e o seu povo. Como dito, vivemos num estado democrático de direito por meio representativo, uma república federativa, mas a maioria da população sequer sabe o que é isso, pois o Estado não se preocupa em inculcar sua importância na cabeça de seu povo. Esta satisfeito apenas com a obediência passiva e não gera o amor pela pátria nos corações do povo.
Outro ponto importante é a questão da justiça. É realmente justo o Estado em que vivemos? E se o é, quem foi que definiu isso como justo e como se deu?
Na instituição do contrato social houve a necessidade de se estabelecer a definição de justiça, mas quem o definiu e como isso foi feito? “A escolha dessa concepção de justiça é a única solução para o problema definido pela situação original.”[66] Conforme dito, um estado de equilíbrio não significa justiça, mas apenas um equilíbrio entre o povo e o soberano. O que pode caracterizar a hipótese de o contrato social ter sido apenas um meio menos gravoso, ou menos prejudicial de solução de conflitos e não o melhor dos meios.
O governo atual é sempre melhor que o desconhecido, e isso se da pelo temor de novidade que o homem tem, pela saída de sua zona de conforto. Para a instituição do contrato social houve a necessidade de se passar pelo estado de guerra, para que a situação fosse insuportável e exigisse uma mudança. E hoje o homem não mudou, ele sempre espera a catástrofe para que assim possa agir. Assim como o governo também espera a pressão do povo para agir, não conseguindo enxergar mais as mazelas evidentes e gritantes da sociedade como a falta de saúde, alimentação, moradia, salário digno, lazer, vestuário e tantas outras.
Mas poderíamos hoje definir justiça de uma forma melhor que na instituição do contrato.
Hume leciona como já citado que:
“pode-se argumentar que o simples fato de continuar vivendo sob o domínio de um príncipe, a quem seria possível abandonar, é um sinal de que cada indivíduo manifesta um consentimento tácito à sua autoridade e uma promessa de obediência; mas este consentimento implícito só pode ocorrer se cada indivíduo acreditar que o assunto depende da sua escolha.”[67]
Deste modo, caso o povo abra seus olhos para a possibilidade abandonar o soberano e creia que sua submissão depende sim de sua escolha e não do costume que se tem de obedecer, poderá desconstituir o Soberano, exercendo por si só seus direitos ou criando novos meios para tal que sejam mais eficientes que o Estado como conhecemos.
Entretanto para situações menos gravosos existem meios legais para se requisitar melhorias no cumprimento das contrapartidas do Estado. Quando essas requisições por si só não conseguem resolver o problema e qualquer outra reivindicação legal também não o possa existirá a possibilidade de se recorrer ao instituto da desobediência civil conforme dita Rawls:
“Outra condição propícia à desobediência civil é a seguinte. Podemos supor que já se fizeram os apelos normais à maioria política e que fracassaram. Os meios legais para obter reparação de nada serviram. Assim, por exemplo, os partidos políticos existentes mostraram-se indiferentes às reivindicações da minoria ou demonstraram falta de disposição a atende-las. As tentativas de revogar as leis foram ignoradas, e os protestos e as manifestações por meios legais não tiveram êxito. Já que a desobediência civil é o ultimo recurso, devemos ter certeza de que é necessária. Repare-se que não se disse, porem, que foram esgotados todos os meios legais. Seja como for, novos apelos pelos canais usuais podem ser feitos; a liberdade de expressão é sempre possível. Mas se as ações anteriores revelam uma maioria inerte ou apática, e se for razoável imaginar que novas tentativas também serão infrutíferas, uma segunda condição para a desobediência civil justificada é satisfeita.”[68]
No estado em que vivemos é sabido que existem muitas mazelas referentes à saúde, alimentação, vestuário moradia, etc. e “quando há muitas reivindicações igualmente fortes, que juntas excedem o que se pode oferecer, deve-se adotar algum plano justo para que todas sejam equitativamente consideradas.”[69]
Independentemente de quantas sejam as mazelas, é dever do Soberano erradica-las do meio do povo, afinal, no estado de natureza não haviam mazelas e o intuito da instituição do contrato social foi exatamente acabar com as mazelas do estado de guerra.
Quando a lei e os cumpridores das leis são falhos no seu exercício devemos recorrer ao dever moral que outrora nos guiava no estado natural e ao senso de justiça comum a todo ser humano, por tal motivo recorrermos hoje à desobediência civil é uma ótima opção, pois nela recorremos exatamente ao senso de justiça e moral de todo o povo. As minorias injustiçadas recorrem aos seus semelhantes para que sejam atendidos pelo Estado.
“Como sempre suponho que a sociedade em questão seja quase-justa, e isso implica que tenha algum tipo de governo democrático, embora ainda possam existir injustiças graves. Em tal sociedade, presumo que os princípios de justiça sejam, em sua maior parte, publicamente reconhecidos como condições fundamentais da cooperação voluntária entre pessoas livres e iguais. Ao cometermos a desobediência civil, pretendemos, então, apelar ao senso de justiça da maioria para informar que na nossa opinião sincera e ponderada as condições de livre cooperação estão sendo violadas. É um apelo aos outros para que reconsiderem, para que se ponham no nosso lugar e reconheçam que não podem esperar nossa aquiescência indefinidamente nas condições que nos impõem.”[70]
Como a sociedade brasileira é totalmente baseada na democracia e é o povo que cria as leis e o Estado está a elas submetido esse tipo de apelo é o ideal, pois a concepção democrática da sociedade como um sistema de cooperação entre pessoas iguais é bastante forte. Além do que nosso ordenamento prega a isonomia dos povos, o que garante que em face da lei, todos são iguais.
“...se a sociedade for interpretada como sistema de cooperação ente iguais, aqueles atingidos por grave injustiça não precisa, resignar-se. Na verdade, a desobediência civil (e também a objeção de consciência[71]) é um dos recursos estabilizadores de um sistema constitucional, embora seja, por definição um recurso ilegal.”[72]
A desobediência civil, empregada com a devida limitação e bom senso, ajuda a manter e as instituições justas, pois sempre remete o povo às origens e ao seu senso de justiça e razão, e ademais quando o povo resiste às injustiças dentro dos limites da fidelidade à lei, serve para inibir afastamentos da justiça e para corrigi-los quando ocorrem.
“Conforme salienta a doutrina contratualista, os princípios de justiça são os princípios da cooperação voluntária entre iguais. Negar justiça a outrem é recusar-se a reconhecê-lo como igual; ou manifestar uma disposição de explorar as contingencias da fortuna e das casualidades naturais para vantagem para vantagem própria. Em ambos os casos, a injustiça deliberada induz à submissão ou a resistência. A submissão desperta o desprezo daqueles que perpetuam a injustiça e confirma o propósito de fazê-lo, ao passo que a resistência rompe os laços da comunidade. Se, após um bom período de tempo para permitir apelos políticos razoáveis da maneira normal, os cidadãos viessem a contestar por meio da desobediência civil quando ocorressem infrações às liberdades fundamentais, parece que essas liberdades estariam mais, e não menos, garantidas.”[73]
Embora a desobediência civil seja contraria à lei, é, não obstante, uma maneira moralmente correta de manter um regime constitucional, assim esse instituto é a ultima instância a se recorrer antes de a sociedade destituir o soberano devido o não cumprimento de sua contrapartida no contrato social.
A teoria constitucional da desobediência civil se fundamenta unicamente numa concepção de justiça, que deve ser a base de todo o estado e do Soberano conforme já dito em capítulos anteriores. Esse instituto, conforme definição consiste basicamente em um manifesto onde pessoas vão a público não cumprir determinada lei, mas nem sempre o objetivo do instituto será questionar uma lei injusta. Poderá também questionar a injustiça de não se cumprir a lei, como é o caso da proposta.
A desobediência civil proposta visaria portanto um manifesto onde o povo apelaria para seus semelhantes a fim de exigir do Soberano a contraprestação do contrato social que lhes é devida, pois o não cumprimento das leis, entenda-se, das garantias e direitos fundamentais do cidadão, por parte do Estado caracteriza total injustiça, pois este continua soberano e coercitivamente nos obriga a cumprir a renuncia de nossa liberdade natural e em troca nos da leis medíocres que não passam de letras e nada faz para que realmente o bem coletivo se estabeleça realmente, permitindo que os ricos ajam com injustiça contra os pobres e que os fortes subjulguem os fracos sob o manto do capitalismo e excluindo o principio da liberdade igual e de que cada homem, tem, independentemente de suas posses o mesmo poder para com o Estado.
3.3 Das consequências de um mau governo: A Possibilidades de Rescisão do contrato social e o regresso ao estado de natureza
Partindo da desobediência civil, Rawls afirma:
“Pode haver, de fato, diferenças consideráveis nas concepções de justiça dos cidadãos, contanto que essas concepções conduzam a juízos políticos semelhantes. E isso é possível, já que se pode inferir a mesma conclusão partindo-se de premissas diferentes. (...) Finalmente, porém, chega-se a um ponto em que o necessário acordo de julgamento se desfaz e a sociedade se divide em partes mais ou menos distintas que defendem opiniões diversas sobre questões políticas fundamentais. Nesse caso de consenso estritamente fracionado, não há mais base para a desobediência civil. Vamos supor, por exemplo, que aqueles que não apoiam a tolerância e que não tolerariam que outros tivessem poder, queiram protestar contra sua liberdade menor apelando ao senso de justiça da maioria, que defende o princípio da liberdade igual. Embora os que aceitam esse princípio devam, como já vimos, tolerar os intolerantes à medida que a segurança das instituições livres o permita, é provável que não gostem que os intolerantes, caso trocassem de situação, instituam sua própria dominação. A maioria está fadada a achar que sua fidelidade à liberdade igual é explorada por outrem para fins injustos.”[74]
Deste modo torna evidente que é impraticável a desobediência civil num Estado como o Brasil, encharcado de partidos e opiniões deveras divididas e diversificadas onde cada classe busca pelo seu próprio bem e interesses.
Evidente ainda que a premissa de acreditarem que a fidelidade à liberdade igual é explorada por outrem para fins injustos é totalmente aplicada ao povo brasileiro, que busca sempre o seu próprio bem desde a colonização.
Desta feita, como poderíamos então recorrer ao senso de justiça do povo, se o próprio senso de justiça pode estar tão contaminado com o capitalismo e com o desejo por poder?
Partindo desse fato teremos que estudar meios alternativos para que o povo que se vê lesado e não pode recorrer ao restante da sociedade se veja protegido verdadeiramente pelo Estado que eles instituíram.
Rawls afirma que “empregar o aparato coercitivo do Estado para manter instituições manifestamente injustas é, em si, uma forma de força ilegítima à qual os homens tem de resistir no momento apropriado”[75]e nenhum momento seria mais apropriado que o momento que nem mesmo recorrendo aos meios legalmente instituídos e quiçá ate mesmos ao senso de justiça da maioria as injustiças continuarem a ser praticadas como hoje são.
Essa resistência dever ter a mesma força da injustiça cometida para que assim, e tão somente assim possa repelir a injustiça. Não há fundamento para obedecermos um Estado injusto ou que autoriza a prática de atos de injustiça pelo seu povo contra o próprio povo, reduzindo os fracos não só a escravidão do corpo, mas também à escravidão política.
“algum governador hesitará em queimar os subúrbios da sua cidade, caso eles facilitem o avanço do inimigo? Algum general deixará de saquear um país neutro, se assim o exigirem as circunstâncias da guerra e não tinha outra maneira de sustentar o seu exército? Ocorre o mesmo com o dever de fidelidade: e nos ensina o senso comum que, uma vez que o governo nos induz à obediência somente porque ela é favorável à utilidade pública, esse dever terá sempre que se submeter à obrigação primeira e original, nos casos extraordinários em que a obediência resultar de forma evidente na ruína pública. Salus populis suprema Lex: ‘A segurança do povo é lei suprema’.”[76]
Já foi citado que as facções por vezes, senão sempre levam à destruição o país em que se praticam, e por tantos partidos e opiniões fúteis e banais, baseadas apenas em vontades particulares comuns e que tomam força de bem comum sem na verdade o serem vemos a ruína da sociedade brasileira sendo dividida em “castas” onde uns tem privilégios demais e a outros lhes é privado ate o direito ao alimento e a educação.
No tópico que trata sobre as características dos partidos políticos, há observação bem acertada de que os partidos políticos tem como finalidade e dever a educação de seus eleitores e ainda:
“O partido tem como uma das suas finalidades maiores a de preparar o eleitor para a vida política, a fim de que este esteja sempre suficientemente informado sobre os problemas nacionais, para poder votar conscientemente e, por outro lado, poder exigir dos seus representantes eleitos uma ação firme de acordo com a orientação do próprio partido, em princípio fixada no seu programa.”[77]
Entretanto não vemos essa educação em nosso meio, pelo contrario, há uma gama de cores e maquiagens políticas para enganar o povo e alcançar o eleitorado a fim de obter mais e mais poder através dos mandatos.
É patente que a segurança do povo não esta sendo priorizada e por tais motivos necessário se faz a ação deste para que o Estado seja obrigado a cumprir o determinado nas leis no que tange aos direitos e garantias fundamentais.
Hume diz:
“Seria lícito afirmar que um pobre camponês ou artesão tem possibilidade de abandonar livremente o seu país, quando ele não conhece nem a língua nem os costumes estrangeiros e quando vive o seu dia-a-dia apenas com o que ganha em seu trabalho? Seria o mesmo que dizer que um homem, devido ao fato de permanecer a bordo do navio, dá seu livre consentimento à autoridade do capitão, mesmo que tenha sido levado para o navio enquanto dormia e que só possa sair dele atirando-se ao mar e morrendo.”[78]
O povo injustiçado pelo Estado não tem muitas opções para se ver livre do julgo do Soberano, como dito, não participou da escolha desse modo de vida, mas tão somente perpetua o que seus antepassados fizeram mesmo que sem entender sequer o que é um Estado. É o povo que se tornou escravo político e que não conhece a prática de atos complexos da vida civil, preferindo planos de vida inferiores aos superiores por não alcançarem atos mais substanciais dentro da sociedade civil. São escravos livres para abaixarem a cabeça dentro do navio.
Rousseau afirma que:
“Se me limitasse a considerar a força e o efeito que dela deriva, eu diria: se um povo é constrangido a obedecer e obedece, faz bem; mas, se é capaz de abalar o jugo e o abala, faz ainda melhor, pois recuperando sua liberdade mediante o mesmo direito pelo qual ela lhe foi arrebatada, ou vê nele base para retomá-la ou não havia, de modo algum, direito para que dele a subtraíssem. Porem a ordem social é um direito sagrado que serve de base para todos os demais. (...) Ceder à força é um ato de necessidade, não de vontade; é nó máximo, um ato de prudência. Em que sentido será um dever?”[79]
Partindo ainda do princípio descrito por Hume de que se o homem crê que a obediência ao Estado parte de sua escolha ele pode se livrar dessa obediência também pela sua escolha o povo injustiçado não precisa ceder à coerção do Estado nem tampou à injustiça por ele praticada ou permitida, afinal, é o povo que tem a prerrogativa de governar, é dele o direito, mas cedido a um soberano que o representa para que não haja um novo estado de guerra. A transferência desse poder se deu através do Contrato Social, e como todo contrato ele pode ser revogado.
“As clausulas desse contrato são de tal forma determinadas pela natureza do ato que a menor modificação as tornaria vãs e de nenhum efeito”[80] e conforme já explanado, pelo menos por parte do Estado vemos sim vária alterações dos princípios do contrato, a começar pelo descaso com o bem coletivo, preocupando apenas com a vontade da maioria, que tem se mostrado totalmente injusta por manter o pobre na miséria e o rico na sua usurpação.
Tal ato por parte do Estado, com base nos ensinamentos de Rousseau, desencadearia a possibilidade de regresso ao status quo da sociedade, a saber, a modificação das clausulas do contrato social, que hoje é nada mais nada menos que a nossa Constituição Federal e os princípios de nosso ordenamento, ou o seu não cumprimento escancara as portas para que regressemos ao Estado de Natureza, pois o meio pelo qual escolhemos obter a liberdade civil já se tornou inútil ao seu propósito.
O próprio Rousseau prevê em seu livro “Do Contrato Social” a possibilidade de seu rompimento, alem dos trechos já citados, quando diz:
“o corpo político, assim como o corpo humano, já começa a morrer ao nascer e traz em si mesmo as causas da sua destruição. Mas tanto um quanto o outro pode ter uma constituição mais ou menos robusta e capaz de conservá-los durante um tempo mais ou menos longo. A constituição do corpo humano é obra da natureza, a do Estado é obra da arte. Não depende dos homens prolongar a própria vida, mas depende deles prolongar a do Estado o máximo possível, dando-lhe a melhor constituição que possa ter. O mais bem construído acabará, porem, mais tarde do que o outro se nenhum acidente imprevisto acarretar sua perda antes do tempo.
O princípio da vida política reside na autoridade soberana. O poder legislativo é o coração do Estado, o poder executivo, seu cérebro, o qual transmite movimento a todas as partes. O cérebro pode cair vitimado pela paralisia que o indivíduo ainda viverá. Um homem permanece imbecil e vive, mas no momento em que o coração deixar de funcionar o animal morrerá.”[81]
Correlacionado com a teoria de que os partidos políticos envenenam o legislativo conforme defendido por Hume, hoje possuímos um coração doente no Estado e nosso cérebro está preste a cair vitimado pela paralisia por crer que apenas e tão somente apenas o legislativo conseguirá manter o Estado são.
Os partidos políticos, desenfreadamente tem tentado lutar pelo poder e proteger àqueles a quem eles representam criando uma infinidade de leis e decretos. Entretanto o poder executivo não tem cumprido com o seu papel de dar meios possíveis para realização dessas mesmas leis. Deixando praticamente tudo a cargo do legislativo e do judiciário.
Nosso Estado, em minha singela opinião, está às beiras de um colapso, onde o povo não mais aguentará e sacudirá de sobre si o jugo de escravidão e promoverá o fim do Estado, entretanto como Rousseau afirma, devemos lutar até o fim pela manutenção do Estado, o que não quer dizer no entanto que devamos deixa-lo do modo como ele se encontra.
Hume traz um bom exemplo em seu livro:
“Um grupo de indivíduos, que deixasse o seu país natal para morar numa região desabitada qualquer, poderia sonhar com a recuperação de sua liberdade natural; mas logo descobriria que o seu príncipe (ou Estado em nosso caso) continuaria a considerá-lo seu súdito, apesar de se encontrarem numa nova colônia.”[82]
Nesse diapasão temos por certo que o regresso ao estado de natureza é impraticável logicamente falando, e que estamos pendidos mais para o estado de guerra que para o de natureza. Entretanto por mais que se a pesquisa seja apenas ideal conjecturo que é parte fundamental do sistema jurídico brasileiro por ser praticamente sua essência e base não somente para este, mas para qualquer governo mais ou menos livre.
O Estado nunca deixara de ser Estado, e estamos fadados estar sob um soberano que nos guie, pois conforme dito a vontade do homem o engana e pode estar eivada de vícios e dicotomias infindáveis, o que geraria uma situação por vezes pior do que a que nos encontramos.
Entretanto, não obstante a isso, é possível, através da força do povo, não só restaurarmos os partidos políticos para que eles atuem conforme lhes é realmente devido, mas descontaminarmos nosso legislativo para que o mesmo passe atuar não sob pressão e clamor público gerando leis superficiais e ate repetida, mas agindo com esmero e cautela, sob estudos profundos dos temas objetos da lei para que hajam menos leis e mais efetividade no conteúdo e abrangência das mesmas, leis sólidas e densas que resolvam nossos problemas verdadeiramente. E ainda, é possível que reanimemos o próprio executivo, para que o mesmo não crie maquiagens de ação para desenvolvimento social e principalmente igualdade social.
O que é temível é que se chegue ao ponto de uma revolta catastrófica e um retorno a um governo menos livre ou quiçá déspota ou ditatorial como já houve em nosso país.
As leis são as diretrizes de nosso país e de nossos atos, entretanto somos nós, o povo que as fazemos e somos nós os responsáveis por cumpri-las e fazerem ser cumpridas pelo próprio Estado. Uma sociedade inerte gerará um Estado inerte, mas uma sociedade ativa e operante, cumpridora de leis gerará para si um Estado compatível.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegamos ao fim da presente pesquisa e o que podemos afirmar com certeza é que o Estado tem dormido em sua função de proteção ao cidadão e que acertada é a escolha por sacudirmos o julgo de servidão através da obediência passiva seja através da desobediência civil, da objeção de consciência ou qualquer outro meio que consiga garantir o exercício de nossos direitos e garantias que o contrato social nos da e que a Constituição Federal positivou. O povo como gigante que é deve com a força que tem de guiar o Estado deve agir de forma consciente e forte a fim de obrigar o Estado a agir e cumprir suas contraprestações do Pacto Social, pois só assim nosso Estado conseguirá perdurar. Não há possibilidade de um regresso real ao Estado de Natureza, entretanto os atos de nosso Estado nos permitem desconstituí-lo como soberanos e voltarmos nos mesmos a exercer a soberania, ou quiçá instituirmos um novo modo de governo.
Alegro-me em poder dizer que concluo essa pesquisa com grande gozo, pois ao final dela vemos nesses dias nosso povo indo às ruas a fim de manifestar contra a má administração da máquina estatal, exigindo um serviço público de qualidade, e intitulando essas manifestações de “O gigante Acordou”, titulo que não poderia expressar melhor o que esta acontecendo quando nós, o povo, exige que o Estado passe a nos proteger de forma real, e não apenas com uma maquiagem de proteção como tem feito.
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