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Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

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Agenda 01/10/2002 às 00:00

1. Os serviços públicos e a Constituição de 1988

O perfeito não está ao alcance do ser humano. Mas nem por isso deixamos de tentar melhorar a cada dia, com a certeza de que estamos nos aproximando, cada vez mais, daquele conceito, que é reservado a Deus. E, nessa evolução, o Direito acompanha a contingência a que estão sujeitos os rumos das relações sociais, adaptando-se às novas realidades.

Quer no âmbito do que se convencionou chamar de direito público, quer no âmbito do direito privado, em geral tais modificações se operam na medida em que se alternam os modelos estatais adotados. Ipso facto, sem medo de errar, podemos afirmar que o Estado é o grande termômetro dessas alterações no âmbito do direito positivo. Na medida em que, verbis gratia, o Estado ganha contornos intervencionistas, o direito civil se enrijece com um maior número de regras de ordem pública, perdendo cada vez mais espaço o princípio da autonomia da vontade.

No Brasil, essas alterações sempre se fizeram sentir como um eco das vozes internacionais. Tomemos como exemplo a Constituição de 1824, uma espécie de "cala boca" dirigido aos liberais influenciados pelas vitórias nos Estados Unidos (1776) e na França (1789). Obviamente que a insatisfação geral motivou a manutenção das pressões pela queda da Monarquia e pela instauração do modelo republicano, que viria a ser implantado em 1889, culminando com a promulgação da Constituição liberal de 1891.

Mais recentemente, ao livrar-nos das correntes da ditadura militar, a liberdade surgiu como palavra de ordem, e vem sendo utilizada até pelos mais francos opressores, que hoje posam de democratas. Em decorrência, no âmbito da relação Direito-Economia, volta com mais força o princípio da livre iniciativa, que a Constituição de 1988 vem chamar de fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1.º, IV), regendo, ao lado de outros, a ordem econômica do País (art. 170, caput).

Do ponto de vista pragmático, vemos o Estado perder a qualidade de empresário, pois sua incompetência se revelou devastadora, e reservar para si, em essência, a condição de agente normativo e regulador da atividade econômica (art. 174 da CRFB/88).

Entretanto, o liberalismo clássico, que, com os seus conhecidos tropeços, caiu, na primeira metade do século XX, e deu lugar ao crescimento da doutrina socialista, não foi prestigiado. A novel Constituição democrática, atenta aos ensinamentos do grande Konrad Hesse [1], adotou o que se poderia chamar de "antítese principiológica", combinando princípios aparentemente antagônicos, com vistas a dar maior estabilidade à Lex Fundamentalis e aproximar o sistema constitucional mais e mais da virtude, conceito que traz em seu núcleo, desde Aristóteles, a idéia de moderação.

Assim, a Constituição de 1988 prestigiou o princípio da livre iniciativa, mas reservou para o Estado a titularidade de algumas atividades econômicas consideradas de interesse público. Essas atividades, que têm sido classificadas pela doutrina administrativista como serviço de utilidade pública, não são próprias do Estado, podendo, por isso, ser delegadas aos particulares. Só permanecem, necessariamente, com o Estado as atividades próprias, como segurança pública, diplomacia, etc.

São exemplos de atividades econômicas, cuja titularidade a Constituição reservou ao Estado: serviços de telecomunicações, serviços de radio fusão sonora e de sons e imagens, serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, etc. (art. 21, XI e XII da CRFB/88).

Repare que é reservada ao Estado a titularidade de tais serviços, podendo ser transferido aos particulares o exercício, nos termos do art. 21, XI e XII da CRFB/88. E os instrumentos a serem utilizados para se fazer operar essa transferência são as seguintes e conhecidas figuras: concessão, permissão e autorização. Estas serão analisadas ao seu tempo.

Importante, aqui, é fixar que o princípio da livre iniciativa não se aplica a essas atividades de titularidade do Estado, uma vez que o exercício pelos particulares dependerá de aquiescência do Poder Público.

Assim, o cenário que temos hoje no Brasil reflete uma tendência internacional. O Estado mínimo, mas, ao mesmo tempo, gestor do bem-estar social, traz consigo a vantagem de não se esquivar de suas responsabilidades básicas e de não se deixar afundar em dívidas que podem ser convertidas em renda com a utilização de um programa sério de desestatização.


2. Programa Nacional de Desestatização

Diferentemente da simples descentralização, que consiste na transferência da execução de determinado serviço público, ou de utilidade pública, a uma entidade da Administração Indireta (autarquia, fundação pública, empresa pública ou sociedade de economia mista), a desestatização afasta o Estado, quer pessoalmente quer por intermédio de suas pessoas administrativas, da execução daqueles serviços, que são postos nas mãos dos particulares, sob sua vigilância. "É a retirada da presença do Estado de atividades reservadas constitucionalmente à iniciativa privada (princípio da livre iniciativa) ou de setores em que ela possa atuar com maior eficiência (princípio da economicidade)" [2].

A Lei n.º 8.031/90 trouxe para mais próximo da realidade aquele anseio, que era também social, e inaugurou a nova fase do Estado brasileiro, estruturando o Programa Nacional de Desestatização e elencando, em seu art. 1.º, os objetivos fundamentais que justificaram a nova postura do Estado frente à ordem econômica. São eles: I - reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; II - contribuir para a redução da dívida pública, concorrendo para o saneamento das finanças do setor público; III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; IV - contribuir para a modernização do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia; V - permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais; VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o programa.

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Os instrumentos a serem utilizados para o alcance desses objetivos também foram discriminados pelo citado diploma legal, em seu art. 4.º, a saber: I - alienação de participação societária, inclusive de controle acionário, preferencialmente mediante a pulverização de ações junto ao público, empregados, acionistas, fornecedores e consumidores; II - abertura de capital; III - aumento de capital com renúncia ou cessão, total ou parcial, de direitos de subscrição; IV - transformação, incorporação, fusão ou cisão; V - alienação, arrendamento, locação, comodato ou cessão de bens e instalações; VI - dissolução de empresas ou desativação parcial de seus empreendimentos, com a conseqüente alienação de seus ativos.

Repare que, até então, não se havia falado em concessão de serviços públicos a empresas privadas pré-existentes. O máximo que se tinha planejado era a saída do Estado do quadro societário de empresas em que ele se fazia presente. Isto porque a primeira providência, em termos de prioridade, era essa, qual seja, a desvinculação do Estado.

O art. 7.º da Lei n.º 8.031/90 estipulou que a privatização de empresas que prestam serviços públicos pressupõe a delegação, pelo Poder Público, da concessão ou permissão do serviço objeto da exploração. Até aí, nada de diferente. A única preocupação era com a continuidade do serviço público.

Somente a partir da edição da Lei n.º 8.987/95 ficou aberta concretamente a disposição de incluir empresas originariamente privadas no programa de execução de serviços públicos (ou de utilidade pública), atendendo-se, então, ao disposto no art. 170 da CRFB/88, in verbis: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...). Parágrafo único - É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em Lei".

Obviamente que não se pode concluir, a partir disso, que a figura das concessões (em sentido lato) somente surgiu a partir da edição da referida lei. O que se deve entender é que, a partir desse marco, iniciou-se uma nova fase no âmbito do Direito Administrativo, no tocante ao tema concessão de serviços públicos, implantando-se uma nova filosofia de regulamentação das atividades econômicas que têm um quid de interesse público. Agora, a transferência do exercício de tais atividades não se faz mais aos entes integrantes da administração indireta (delegação legal), mas aos particulares, mais preocupados com a eficiência do que com a política partidária [3].


3. As concessões, permissões e autorizações de serviço público

Como dissemos anteriormente, a entrega do exercício de certas atividades, que trazem consigo um interesse mais do que simplesmente econômico, classificadas pelo ordenamento jurídico como de interesse público, aos particulares deve ser feita através de concessão, permissão ou autorização do Poder Público. Mas o que são exatamente esses institutos e no que se diferem?

Nos dizeres de José dos Santos Carvalho Filho, "concessão de serviço público é o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere a pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários" [4].

Classicamente, a concessão se difere da permissão pelo fato de esta última não conferir ao particular a mesma estabilidade, já que é instituída por ato administrativo unilateral (e não contrato), sendo precária, portanto. Em outras palavras, a permissão de serviço público sempre se caracterizou por ser "ato administrativo unilateral, discricionário e precário, revogável a qualquer tempo, sem que assista ao permissionário direito a qualquer indenização" [5]. Em função dessa menor estabilidade, sempre foi utilizada em serviços que não demandam investimentos muito vultosos.

A par da permissão tradicional, parte da doutrina administrativista admitia também a existência das chamadas permissões condicionadas, que estipulavam prazos fixos em favor do permissionário, de sorte que sua revogação, se perpetrada antes de findo aquele, implicava o dever de indenizar. Neste sentido o magnífico Hely Lopes Meirelles [6].

Com a edição da Lei n.º 8.987/95, profundo anacronismo tomou conta do tema em apreço, já que os termos consagrados pela doutrina passaram a ser utilizados indiscriminadamente, ocasionando contradições inconciliáveis pela via da interpretação gramatical. A título ilustrativo, confira-se a redação do art. 40 do citado diploma legal: "A permissão de serviço público será formalizada mediante contrato de adesão, que observará os termos desta Lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente".

Ora, ou se entende contratual a figura da permissão e se adotam, coerentemente, as conseqüências decorrentes dessa qualificação; ou se inclui (ou mantém) a precariedade no conceito de tal instituto jurídico. O que não se pode admitir é um contrato precário, posto que isto é uma contradição em termos.

Em razão desse paradoxo literal, que não é admitido às leis num sistema de direito positivo como é o nosso, parte da doutrina resolveu a questão da seguinte forma: "A lei n.º 8.987/95 cometeu grave erronia, prevendo que as permissões seriam formalizadas através de contrato de adesão (art. 40). Apesar da meção, entendemos que as permissões continuam a ser atos administrativos" [7]. O que se fez, na verdade, além de manter o conteúdo consagrado pela doutrina, foi prestigiar o conceito utilizado pela mesma lei em seu art. 2.º, IV, ipsis litteris: "Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se (IV) permissão de serviço público a delegação, a título precário, mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco".

Por fim, temos ainda as chamadas autorizações, que são atos administrativos pelos quais a Administração Pública consente com o exercício de determinada atividade pelo particular ou com a utilização de certo bem público, desde que não advenha qualquer prejuízo para a coletividade. Distingue-se das permissões pelo fato de o interesse público não motivar diretamente o ato administrativo de autorização, mas sim o interesse do particular. O interesse público aqui é residual. No mais, identificam-se os dois institutos, pois as autorizações também são concedidas a título precário, discricionariamente, por ato administrativo unilateral, não rendendo a revogação direito a qualquer indenização.

Antes de encerrar esse item, cabe lembrar que a permissão e a concessão serão sempre precedidas de licitação, salvo as exceções expressamente previstas, com vistas a preservar os princípios da igualdade de oportunidades (destinado aos particulares) e da melhor proposta (destinado ao Poder Público), além dos demais previstos no art. 14 da Lei n.º 8.987/95.

Feitas essas observações, vejamos como foi tratada a delegação de serviços de energia elétrica no meio deste novo cenário jurídico.


4. A energia elétrica no panorama geral das delegações negociais

A inclusão dos serviços de energia elétrica neste novo cenário da economia nacional se deu com a edição da Lei n.º 9.074/95, que estabeleceu em seu art. 4.º: "As concessões, permissões e autorizações de exploração de serviços e instalações de energia elétrica e de aproveitamento energético dos cursos de água serão contratadas, prorrogadas ou outorgadas nos termos desta e da Lei n.º 8.987/95, e das demais".

A utilização indistinta dos termos concessão, permissão e autorização pelo citado dispositivo legal dá alguma insegurança ao intérprete, que fica sem saber, exatamente, que tipo de delegação negocial deverá ser utilizado para cada caso.

Os §§ 2.º e 3.º do citado dispositivo legal tratam da concessão tanto para a geração de energia elétrica como para a sua transmissão e distribuição, considerando-se estas as três fases desse procedimento complexo de prestação de serviço público de energia elétrica [8].

Mais à frente, os arts. 5.º e 7.º tentam distinguir as hipóteses em que serão utilizadas, por um lado, a concessão e, por outro, a autorização do serviço público.

Neste passo, estariam sujeitos à concessão: I) o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 1.000 KW e implantação de usinas termelétricas de potência superior a 5.000 KW, destinados à execução de serviço público; II) o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 1.000 KW, destinados à produção independente de energia elétrica; III) de uso de bem público, o aproveitamento de potenciais hidráulicos de potência superior a 10.000 KW, destinado ao uso exclusivo do autoprodutor, resguardado direito adquirido relativo às concessões existentes.

Seriam, por outro lado, objeto de autorização: I) a implantação de potenciais hidráulicos, de potência superior a 5.000 KW, destinada ao uso exclusivo do autoprodutor; II) o aproveitamento de potenciais hidráulicos, de potência superior a 1.000 KW e igual ou inferior a 10.000 KW, destinados ao uso exclusivo do autoprodutor.

Quando se começa, então, a encontrar alguma coerência lógica no corpo da legislação em análise, depara-se o intérprete com mais uma aberração jurídica. Observe-se, a propósito, a redação do seu art. 6.º, ipsis litteris: "As usinas termelétricas destinadas à produção independente poderão ser objeto de concessão mediante licitação ou autorização".

Ora, o texto legal dá a entender que a autorização seria uma espécie de concessão que dispensa a prévia licitação. Entretanto, como já vimos, toda concessão será precedida da necessária licitação, por exigência do art. 175 da CRFB/88. E, por outro lado, as autorizações são, ao lado das concessões, espécie de delegação negocial e não de concessão.

Diante de tanta falta de técnica legislativa, fica comprometida a análise puramente literal do texto legal analisado, sendo inafastável a vinculação da interpretação aos conceitos doutrinários, única forma de dar unidade e inteligibilidade ao conjunto normativo que rege a matéria em análise.

Por outro lado, o intérprete não pode se desvincular totalmente da lei, já que é este o objeto do labor interpretativo. Desse modo, para desenvolver um trabalho com valor doutrinário e também pragmático, buscaremos conciliar os termos usados pelo legislador com o rigor doutrinário, para que se possa alcançar um resultado válido e oponível a qualquer pessoa, inclusive as de direito público responsáveis pela concessão do serviço de energia elétrica [9].

Como se pode perceber, o problema maior se encontra na interpretação do art. 6.º da Lei n.º 9.074/95, que trata dos produtores independentes de energia elétrica. E esta é a figura central do presente estudo.

Passemos, doravante, então, à análise restrita, no que for possível, dos produtores independentes de energia elétrica.


5. Os produtores independentes de energia elétrica

A teor do disposto no art. 11 da Lei n.º 9.074/95, considera-se "produtor independente de energia elétrica a pessoa jurídica ou empresas reunidas em Consórcio que recebem concessão ou autorização do poder concedente, para produzir energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida, por sua conta e risco".

A partir desse conceito, vários temas serão desenvolvidos. Entretanto, por uma questão de organização, iniciemos do seguinte ponto: afinal, quando deverá ser utilizada a concessão ou a autorização em relação ao produtor independente?

O Decreto n.º 2.003/96, que regulamenta a produção de energia elétrica por produtor independente e por autoprodutor, também tratou do assunto (art. 3.º, I e art. 4.º, I), repetindo as situações já previstas na lei regulamentada, mas com um adicional. Seria, então, em relação ao produtor independente, objeto de: 1) concessão: o aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a 1.000 KW; 2) autorização: a implantação de usina termelétrica de potência superior a 5.000 KW.

O adicional a que nos referimos é a segunda hipótese, que amplia a situação da autorização prevista pelo art. 7.º da Lei n.º 9.074/95. O fato é que, nesse dispositivo legal, só se contempla com a autorização o autorpodutor, não podendo ser incluído, via decreto regulamentar, na mesma situação o produtor independente

Portanto, seria ilegal o disposto no art. 4.º, I do Decreto n.º 2.003/96. Entretanto, cabe, ainda, analisar a situação sob a ótica do art. 6.º da Lei n.º 9.074/95, com vistas a solucionar tal conflito de normas hierarquicamente desiguais.

Neste ponto, a pergunta que se deve fazer é a seguinte: o que quis dizer o legislador com "concessão mediante licitação ou autorização?".

Para se declarar a inconstitucionalidade de um ato do poder público é necessário ao intérprete buscar, antes, no ordenamento jurídico, respostas diferentes para a questão. Isto porque os atos do Poder Público gozam de presunção de legalidade e as leis de presunção de constitucionalidade. Além disso, vigora no âmbito do direito constitucional o princípio da interpretação conforme a Constituição. Tudo isso funciona como obstáculo material à declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.

No presente caso, parece-me que deveremos utilizar artifícios de interpretação jurídica e entender que no art. 6.º da Lei n.º 9.074/95 o comando é o seguinte: "As usinas termelétricas destinadas à produção independente poderão ser objeto de delegação mediante concessão ou autorização".

Assim, livra-se da inconstitucionalidade tal dispositivo, ganha unidade o corpo legislativo que disciplina a matéria e preserva-se a validade do art. 4.º, I do Decreto n.º 2.003/96, que passa a ter base legal no art. 6.º da Lei n.º 9.074/95 e não no art. 7.º, que trata das autorizações para o autoprodutor.

Em suma, simplificando a situação que acabamos de analisar, temos o seguinte quadro de delegação de serviço de energia elétrica aos produtores independentes:

a) Por concessão, o aproveitamento de potencial hidráulico de potência superior a 1.000 KW, com base no art. 5.º, II da Lei n.º 9.074/95 e art. 3.º, I do Decreto n.º 2.003/96 [10]. O inconveniente dessa modalidade de delegação negocial reside na exigência inafastável da prévia licitação. Por outro lado, a vantagem está na estabilidade que o contrato confere ao concessionário.

b) Por autorização, a implantação de usina termelétrica de potência superior a 5.000 KW, com base no art. 6.º da Lei n.º 9.074/95 e art. 4.º, I do Decreto n.º 2.003/96. Aqui, pelo contrário, não se exige licitação; mas o fato de a delegação se fazer por ato administrativo discricionário e a precariedade da relação entre Poder Público e autorizatário causam grande instabilidade ao negócio, que poderá ser impedido a qualquer tempo, por simples despacho da autoridade competente.

Não poderia deixar de ser dito aqui que a legislação prevê duas únicas hipóteses de dispensa de qualquer dessas modalidades de delegação, seja a mais complexa (concessão), seja a mais simples (autorização). A situação seria a de aproveitamento de potenciais hidráulicos, iguais ou inferiores a 1.000 KW, e a implantação de usinas termelétricas de potência igual ou inferior a 5.000 KW, devendo apenas ser comunicado à autoridade competente, para fins de registro (art. 8.º da Lei n.º 9.074/95 e art. 5.º do Decreto n.º 2.003/96).

Os demais temas a que nos referimos ao conceituar os produtores independente serão analisados nos itens 8, 9 e 10. Por hora, analisemos as funções da Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, principalmente no que toca ao aspecto de agente responsável pela gestão das delegações de serviço público de energia elétrica.

Sobre o autor
José Maria Pinheiro Madeira

professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá, professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, professor do CEPAD (Centro de Estudos Pesquisa e Atualização em Direito), professor palestrante do IBEJ (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3341. Acesso em: 25 nov. 2024.

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