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Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

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01/10/2002 às 00:00
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6. A Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL

Ao lado de outras agências reguladoras, que surgem modificadas neste novo cenário das concessões de serviços públicos, com maior autonomia e guiadas por princípios modernos de gestão das atividades a elas submetidas, a Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, autarquia federal sob regime especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia, tem por finalidade, nos termos do art. 2.º da Lei n.º 9.427/96, "regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal".

A competência da agência reguladora ora analisada vem especificada no art. 3.º da Lei n.º 9.427/96 e compreende, dentre outros itens: I) a promoção de licitações destinadas à contratação de concessionárias de serviço público para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica e para a outorga de concessão para aproveitamento de potenciais hidráulicos; II) a celebração e gestão dos contratos de concessão ou de permissão de serviços públicos de energia elétrica, de concessão de uso de bem público, a expedição das autorizações, bem como fiscalização, diretamente ou mediante convênios com órgãos estaduais, das concessões e da prestação dos serviços de energia elétrica.

Portanto, todo investidor que pretender iniciar-se na atividade de prestação de serviços de energia elétrica deve ter como ponto de partida um contato com essa autarquia federal, que é portadora de todas as informações acerca dos cronogramas relativos às licitações e das autorizações a que nos referimos no parágrafo anterior [11].

Observe-se, aqui, que a outorga de concessão de energia elétrica pela Agência será a título oneroso. Vale dizer, deverá o concessionário pagar um preço semiprivado [12]pela ANEEL estipulado.

No que se refere à autonomia financeira desta agência reguladora, cabe destacar que terá como receita, além dos recursos ordinários do Tesouro Nacional, dos rendimentos de operações financeiras que realizar e outros que não tocam aos concessionários diretamente, uma taxa de fiscalização sobre serviços de energia elétrica. Entretanto, dada a sua natureza tributária deixaremos para analisá-la no item próprio.

Em relação à função fiscalizadora da ANEEL, dispõe o art. 17 do Decreto n.º 2.335/97 que a agência terá à sua disposição as seguintes penalidades para o caso de descumprimento das normas regulamentares: I) advertência escrita; II) multas em valores atualizados; III) suspensão temporária de participação em licitações para abstenção de novas concessões, permissões ou autorizações, bem como impedimento de contratar com a autarquia; IV) intervenção administrativa; V) revogação da autorização; VI) caducidade da concessão ou permissão.

Obviamente que tais penalidades deverão obedecer ao princípio da legalidade e, principalmente, da proporcionalidade, que impõe ao administrador o dever de dosar a sanção de acordo com a gravidade da infração. E se essa proporção não for observada, "incorrerá a autoridade administrativa em abuso de poder e ensejará a invalidação da medida na via judicial, inclusive através de mandado de segurança" [13].

Observe-se, ainda, que, além da via judicial, poderá o concessionário se valer da esfera administrativa para contraditar as medidas punitivas estipuladas pela ANEEL, já que o princípio do contraditório e da ampla defesa se aplicam nos dois âmbitos (art. 5.º, LV da CRFB/88). E não é só, pois também deve ser previsto nesse procedimento administrativo ao menos uma instância recursal, por exigência do mesmo dispositivo constitucional mencionado.

Em atenção a esses comandos supremos, previu o Decreto n.º 2.335/97 que "os procedimentos administrativos relativos à aplicação de penalidades, de cobrança e pagamento das multas legais e contratuais" observarão o princípio do contraditório e da ampla defesa (art. 17, § 1.º). E no caso de instauração do processo por órgão estadual conveniado, caberá recurso à Diretoria da ANEEL (§ 2.º).

Outra importante função da ANEEL que merece ser destacada aqui é a de dirimir conflitos, no âmbito administrativo, entre concessionárias, permissionárias, autorizadas, produtores independentes, autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores (art. 3.º, V da Lei n.º 9.427/96).

O art. 18 do Decreto n.º 2.335/97, que regulamenta essa disposição legal, prevê a possibilidade de audiência das partes envolvidas. Além disso, a decisão final terá força determinativa, devendo os casos mediados serem utilizados como fonte de regulamentação futura.

Esta é uma admirável inovação no direito público brasileiro, que busca implementar a figura da Administração Consensual, que, "ao invés de decidir unilateralmente, utilizando-se desde logo do ato administrativo, procura ou atrai os indivíduos para o debate de questões de interesse comum, as quais deverão ser solvidas mediante acordo" [14].

Por fim, é de se verificar a possibilidade de a ANEEL promover convênios com os Estados para a execução de atividades complementares de regulação, controle e fiscalização dos serviços e instalações de energia elétrica (arts. 20 e segs. da Lei n.º 9.427/96). Tal regra encontra justificativa no fato de ser vantajosa a presença próxima dos agentes fiscalizadores, tornando mais ágil, inclusive, as suas atuações (art. 19 do Decreto n.º 2.335/97).


7. Relações jurídicas no âmbito da prestação de serviços de energia elétrica

Os delegatários de serviços de utilidade pública se encontram entre o Estado, titular daquela atividade cujo exercício foi transferido, e os usuários dos serviços, que são as pessoas cujas necessidades deverão ser satisfeitas, da melhor maneira possível.

Para se ter uma noção organizada dos principais pontos que devem ser abordados nesse ponto, faremos, aqui, uma subdivisão em dois tópicos, de modo que possamos examinar separadamente as relações entre o poder concedente e o delegatário e as entre este e o usuário do serviço.

7.1. Das relações entre delegatário e poder concedente

A disciplina básica dessa relação jurídica de direito público se encontra na Lei n.º 8.987/95, que trata do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos.

Como tivemos a oportunidade de analisar anteriormente, a Administração Pública estabelece com o particular uma relação obrigacional, cuja fonte é um contrato. Entretanto, não é um contrato como os que obrigam os particulares entre si. Trata-se de um contrato administrativo, cuja característica principal está na prevalência do interesse do poder concedente, em obediência ao princípio da supremacia do interesse público sobre o particular.

José dos Santos Carvalho Filho conceitua contrato administrativo como sendo "o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público" [15].

Neste contexto, ante a existência de interesse público, não prevalece a igualdade entre as partes, que é característica essencial dos contratos no âmbito do direito privado. Ao contrário, a Administração Pública aparece como portadora de um interesse maior, que engloba o do próprio concessionário, nisto se justificando as prerrogativas de que goza na relação.

Como decorrência dessa posição de supremacia da Administração Pública aparecem as chamadas cláusulas exorbitantes, que conferem-na as seguintes prerrogativas: 1) Alteração unilateral do contrato; 2) Rescisão unilateral; 3) Fiscalização da execução do contrato; 4) Aplicação de sanções; 5) Ocupação provisória.

Como observa Leon Frejda Szklarowsky [16], são duas as hipóteses em que se pode verificar a alteração unilateral do contrato: a) quando houver modificação do projeto ou da especificação para melhor adequação técnica aos seus objetivos; b) quando for necessária a modificação do valor contratual, em razão do acréscimo ou diminuição quantitativa do seu objeto.

No primeiro caso, a alteração é qualitativa, e poderá se basear em fatos imprevistos ou inevitáveis, como novidades tecnológicas ou imposições do Estado. Entretanto, ver-se-á a Administração limitada pelos limites do razoável, que informa toda a sua atividade.

Já no segundo caso, a alteração é quantitativa e o contratado fica obrigado a aceitar esses acréscimos ou supressões, respeitada a proporção econômica de que trataremos com mais detalhes adiante.

Em ambas as situações, deverá a Administração nortear sua atuação imperativa com vistas a compelir o delegatário do serviço público a observar o dever de prestar serviço adequado, conceito que abraça a idéia de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (art. 6.º, § 1.º da Lei n.º 8.987/95).

No que tange à possibilidade de rescisão unilateral do contrato pela Administração, deve-se distinguir duas hipóteses, quais sejam: 1) serviço autorizado, hipótese em que se fará por simples ato administrativo discricionário, sem que gere dever de indenizar por parte do Poder Público; 2) serviço concedido, nos casos previstos pelo art. 35 da Lei n.º 8.987/95, rendendo, via de regra, direito a indenização em favor do concessionário.

No primeiro caso, em verdade, não existe contrato. Como tivemos oportunidade de ver, a Administração Pública, quando autoriza uma determinada atividade pelo particular o faz através de mero ato administrativo. Já, no segundo caso, este sim, temos um caso de rescisão de um contrato, aí sim se podendo falar em rescisão unilateral do contrato. Os casos, na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello [17], seriam os seguintes: a) encampação; b) caducidade; c) anulação.

Para não se dar uma visão parcial sobre os casos de extinção da concessão, vejamos quais são deles os vislumbrados pela Lei n.º 8.987/95 e, no seu bojo, os três precitados casos de rescisão unilateral do vínculo obrigacional:

a) Advento do termo contratual: Embora a Lei n.º 8.987/95 seja silente quanto ao máximo de duração dos contratos de concessão, não deixa ela úvidas quanto à necessidade de se ter um prazo predeterminado (art. 18, I). E diferente não haveria de ser, posto eu, ao se conceder determinado serviço público mediante concessão eterna, estar-se-ia muito próximo da transferência da própria titularidade desse serviço, o que, como vimos, não é possível.

Portanto, a salvo possibilidade de se prorrogar o prazo determinado pelo contrato de concessão, alcançado o termo final do ajuste, extingue-se de pleno direito o vínculo entre o poder concedente e a empresa concessionária.

Na verdade, esse não é um dos casos de rescisão unilateral, até porque previsto em contrato. Entretanto, vale a menção já que essa é uma das modalidades de extinção da concessão. Nestes caso, opera-se de pleno direito a extinção, sem necessidade de qualquer interpelação prévia.

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b) Encampação: O art. 37 da Lei n.º 8.987/95 conceitua esse instituto como "a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior" [18]. A menção à indenização se faz levando-se em consideração o fato de o concessionário não ter contribuído de qualquer forma para a extinção [19].

Impende verificar, aqui, que o conceito jurídico de interesse público é indeterminado e só pode ser sopesado por quem tenha competência política para a apreciação das necessidades públicas concretas, que é o Poder Executivo. Neste passo, difícil seria anular uma encampação pelo fato de não se configurar, na espécie, interesse público que a justifique. No entanto, não seria impossível, pois deverá ser motivado o ato administrativo (baseado em lei autorizativa, como se viu) e essa motivação poderá demonstrar, inequivocamente, a ausência desse requisito, caso em que se poderá ter certeza quanto à sua ilegalidade.

Registre-se, aqui, que a teoria dos motivos determinantes terá total aplicabilidade. Vale dizer, baseando-se o ato em determinado motivo, da veracidade dessa motivação dependerá a manutenção da extinção, considerando-se nula a encampação se comprovado que o motivo é inexistente ou falso.

c) Caducidade: Entende-se por caducidade a modalidade de extinção da concessão baseada na inexecução total ou parcial do contrato por parte do concessionário. Aqui, tem-se presente a culpa do prestador do serviço, pelo que não emerge dever de indenizar por parte do poder concedente, salvo em relação aos bens que ficarem retidos em favor da continuidade do serviço público (art. 38, caput e § 5.º da Lei n.º 8.987/95) [20].

Repare que, aqui, o requisito essencial à decretação da medida é objetivo, qual seja, a inexecução do contrato, o que se pode medir pelo contraste entre as cláusulas avençadas e a realidade da prestação do serviço público.

A declaração de caducidade, que se fará mediante decreto do poder concedente, será precedida, necessariamente, de comunicação detalhada acerca do descumprimento dos deveres contratuais ao concessionário, dando-lhe prazo para corrigir as falhas e transgressões apontadas (art. 38, § 2.º da Lei n.º 8.987/95).

Não bastasse o disposto no já citado art. 5.º, LV da CRFB/88, refere-se expressamente o § 1.º do art. 38 à necessidade de se assegurar a ampla defesa ao concessionário, sob pena de nulidade da caducidade, passível de controle jurisdicional através de mandado de segurança.

d) Rescisão: Diferentemente do que ocorre com a caducidade, aqui o descumprimento de deveres contratuais é perpetrado pelo poder concedente. Para extinguir a concessão por esta modalidade, deverá o concessionário ajuizar ação comprovando os fatos alegados.

À semelhança do que ocorre na caducidade, a comprovação do fundamento da extinção é objetivo, bastando demonstrar quais eram os deveres do poder concedente e que eles não foram cumpridos. No entanto, o ônus da prova é do concessionário, autor da ação.

O descumprimento dos deveres contratuais, legais ou regulamentares, aqui, dará ensejo não só à pretensão de extinção da concessão, mas também à da reparação de eventuais danos causados, que deverão ser comprovados no processo judicial (art. 333, I do CPC).

Diga-se, ainda, que o concessionário, em razão do princípio da continuidade do serviço público, não poderá se valer da exeptio non adimplendi contractus, razão pela qual não lhe resta a opção do inadimplemento. Vale dizer, não poderá o concessionário descumprir cláusulas do contrato com fundamento no descumprimento anterior pelo poder concedente. Deste modo, só após o trânsito em julgado da decisão que julgar procedente o pedido de extinção poderá o concessionário paralisar suas atividades (art. 39 da Lei n.º 8.987/95).

Entretanto, parte da doutrina tem entendido que, na hipótese de a continuidade da prestação do serviço causar prejuízo insuportável ao concessionário, poderá este se valer de medida cautelar que o libere de suas obrigações, mediante a comprovação do fumus boni juris e do periulum in mora [21].

e) Anulação: Esta modalidade de extinção, prevista no art. 35, V da Lei n.º 8.987/95, está fundamentada no poder de autotutela da Administração Pública, se a iniciativa for por ela tomada. De outro modo, se a iniciativa for de qualquer outra pessoa, através de ação popular (Lei n.º 4.717/65) ou de Ação Civil Pública, por exemplo, o fundamento será o princípio da legalidade. Donde se conclui que a anulação será baseada sempre em algum vício de ilegalidade que inquine de nulidade a relação contratual.

No caso de o concessionário estar envolvido no fato que gerou o vício, sendo, pois, conivente com ilegalidade, não terá ele nenhum direito a indenização, podendo até ser responsabilizado por eventuais danos causado ao erário público.

De outro lado, se o vício escapar aos poderes de intervenção do concessionário, ficando comprovada a incomunicabilidade entre a sua conduta e a ilegalidade constatada, fará jus a indenização das despesas já efetuadas com a execução do contrato.

Além dos casos analisados, o prof. Celso Antônio Bandeira de Mello [22] cita como casos de extinção do contrato de concessão a falência do concessionário ou a sua morte, no caso de ser comerciante individual [23].

Voltando à análise das cláusulas exorbitantes, tratemos diretamente da ocupação provisória [24], que poderá ter como objeto bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao contrato, quando o ajuste visar à prestação de serviços essenciais. Mais uma vez o que se preserva é a prestação contínua do serviço adequado.

No âmbito, ainda, dessa relação entre poder concedente e concessionário, vale destacar a possibilidade de o primeiro intervir na prestação do serviço pelo segundo na hipótese de se verificar, no curso da atividade fiscalizatória, que o serviço não está ou não continuará sendo prestado de forma adequada. Neste caso, o art. 32 da Lei n.º 8.987/95 permite a ingerência direta do poder concedente na prestação do serviço, de modo que se garanta o cumprimento das normas impostas pelo contrato, pela lei e pelos regulamentos.

Por fim, citem-se as cláusulas essenciais que deverão constar obrigatoriamente do contrato de concessão, tal qual previsto pelo art. 23 da Lei n.º 8.987/95, relativas: I - ao objeto, à área e ao prazo da concessão [25]; II - ao modo, forma e condições de prestação do serviço; III - aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço; IV - ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas; V - aos direitos, garantias e obrigações das partes contratantes, inclusive sobre as previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e das instalações; VI - aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e realização do serviço; VII - à forma de fiscalização, bem como a indicação dos órgão competentes para exercê-la; VIII - às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e a sua forma de aplicação; IX - aos casos de extinção; X - aos bens reversíveis [26]; XI - aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas à concessionária, quando for o caso; XII - às condições para a prorrogação do contrato; XIII - à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas pela concessionária ao poder concedente; XIV - à exigência de publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; XV - ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais.

Como fica claro a partir da leitura desses itens obrigatórios, a Lei n.º 8.987/95 preza muito a qualidade do serviço prestado, até mesmo em atenção ao princípio da eficiência, hoje incorporado ao art. 37 da CRFB/88 pela Emenda Constitucional n.º 19/98, pelo que vale a menção do que se considera serviço adequado: é aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade [27], eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (art. 6.º, § 1.º).

7.2. Relações entre delegatário e usuários

A doutrina civilista tem salientado que o Código do Consumidor (Lei n.º 8.078/90) é uma sobrestrutura jurídica multidisciplinar [28], aplicando-se, por isto, em qualquer ramo do direito, sempre que estiverem presentes os elementos caracterizadores da relação de consumo, quais sejam: 1) subjetivos: a) consumidor; b) fornecedor; 2) objetivos: fornecimento a título oneroso de bens ou serviços; 3) vínculo jurídico, que estabeleça um liame entre os elementos subjetivos e objetivos (arts. 2.º e 3.º).

Dessa forma, tem-se afirmado a aplicabilidade dessa disciplina especial inclusive nas relações entre o Estado e os indivíduos, quando este estiver prestando serviço de utilidade pública, remunerado pelo sistema de tarifas.

É certo que no caso de concessão do serviço público não está incluído o Estado diretamente. Mas a referência se fez no sentido de evidenciar que, se em relação aos serviços de utilidade pública, prestados diretamente pelo Estado, aplica-se o Código do Consumidor, com maior razão este incidirá quando o serviço for prestado por concessionário, que é pessoa jurídica de direito privado [29]. E foi seguindo esse raciocínio que o art. 7.º da Lei n.º 8.987/95 fez referência expressa à Lei n.º 8.078/90.

Assim, todas as regras de prevenção, proteção e defesa do consumidor, tais como a inversão judicial do ônus da prova, a responsabilidade objetiva do fornecedor e outras, terão aplicabilidade nas relações entre usuário e prestador de serviço público de energia elétrica.

Entretanto, é de se destacar que a hipossuficiência e a vulnerabilidade têm sido consideradas características fundamentais para a caracterização da figura do consumidor, para efeito de aplicação das medidas protetivas especiais, pelo que o Código não deverá incidir quando o usuário não for hipossuficiente ou vulnerável, gozando de força igual à do concessionário na hora da negociação contratual [30].

Essa consideração me parece de suma relevância especialmente quando se trata de fornecimento de energia elétrica por produtores independentes, isto em função das pessoas que poderão figurar como usuárias de seus serviços.

Oportunamente, dispõe o art. 12 da Lei n.º 9.074/95 que a venda de energia elétrica por produtor independente poderá ser feita para: I - concessionário de serviço público de energia elétrica; II - consumidor de energia elétrica, nas condições estabelecidas nos arts. 15 e 16 [31]; III - consumidores de energia elétrica, integrantes de complexo industrial ou comercial, aos quais o produtor independente também forneça vapor oriundo de processo de co-geração; IV - conjunto de consumidores de energia elétrica, independentemente de tensão e carga, nas condições previamente ajustadas com o concessionário local de distribuição; V - qualquer consumidor que demonstre ao poder concedente não ter o concessionário local lhe assegurado o fornecimento no prazo de até cento e oitenta dias contado da respectiva solicitação.

Note-se que nos itens I e III acima as figuras chamadas de consumidores não são hipossuficientes ou vulneráveis em relação ao prestador de serviço, possuindo poder de negociação perante este último, de modo que não merecerá a proteção especial do Código do Consumidor.

A par dessa disciplina especial, enumera o art. 7.º da Lei n.º 8.987/95 outros direitos e obrigações dos usuários de serviço delegado: I - receber serviço adequado; II - receber do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos; III - obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários prestadores de serviço, quando for o caso, observadas as normas do poder concedente; IV - levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço prestado; V - comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados pela concessionária na prestação do serviço; VI - contribuir para a permanência para das boas condições dos bens públicos através dos quais lhe são prestados os serviços; VII - ter à sua disposição várias datas para o vencimento de sua prestação periódica, escolhendo o usuário a que melhor lhe parecer.

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Sobre o autor
José Maria Pinheiro Madeira

professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá, professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, professor do CEPAD (Centro de Estudos Pesquisa e Atualização em Direito), professor palestrante do IBEJ (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3341. Acesso em: 26 abr. 2024.

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