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Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL)

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01/10/2002 às 00:00
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8. Regime econômico dos contratos de concessão

Neste item, incluir-se-ão dois pontos muito importantes acerca das concessões de serviço público de energia elétrica, porém não tão complicados. São eles referentes à política tarifária, que disciplina a remuneração dos prestadores dos serviços pelos respectivos usuários, e aos encargos financeiros da exploração dos serviços de energia elétrica.

Primeiramente, sobre a política de tarifas trataremos. E iniciamos observando que ela tem disciplina básica no art. 175, parágrafo único, inciso III da CRFB/88, que diz caber à Lei tal disciplina. Atente-se, ainda, para o fato de a própria Constituição estabelecer que é dever do concessionário manter serviço adequado (inciso IV).

Neste passo, como bem observa Carvalho Filho, "se do concessionário é exigida a obrigação de manter serviço adequado (art. 175, parágrafo único, VI, C.F.), não pode ser relegada a contrapartida da obrigação, ou seja, o direito de receber montante tarifário compatível com essa obrigação" [32], comutativo que é o contrato de concessão.

Apoiando-se nessa lógica de interpretação, estipulou a disciplina genérica da Lei n.º 8.987/95 que "os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de se manter o equilíbrio econômico-financeiro" (art. 9.º, § 2.º).

A regra básica, pois, no âmbito da fixação de novos parâmetros para a cobrança tarifária pelas concessionárias do serviço público, é a manutenção da proporção existente entre as prestações de cada uma das partes que integram a relação contratual, tendo sempre como paradigma de comparação o preço inicial fixado no contrato.

Especificamente em relação aos prestadores de serviço de energia elétrica, o art. 35 da Lei n.º 9.074/95 dispõe que "a estipulação de novos benefícios tarifários pelo poder concedente, fica condicionada à previsão, em lei, da origem dos recursos ou da simultânea revisão da estrutura tarifária do concessionário ou permissionário, de forma a preservar o equilíbrio econômico financeiro do contrato".

Tal regra se aplicará sempre que houver aumento nos custos da prestação do serviço, inclusive por força de aumento ou diminuição da tributação, ressalvados os impostos incidentes sobre a renda, aumentando-se ou diminuindo-se o valor da tarifa, conforme o caso (art. 9.º, § 3.º da Lei n.º 8.987/95).

Além desse aspecto, ainda no âmbito da política tarifária, é de se observar que a Lei n.º 8.987/95 elege como princípio a modicidade das tarifas (art. 6.º, § 1.º), valendo, ainda, como um dos critérios para o julgamento da licitação (art. 15, I).

O outro ponto que é envolvido pelo tema analisado neste item é o que se refere aos encargos financeiros da exploração de energia elétrica. Neste particular, estabelece o art. 16 do Decreto n.º 2.003/96 que "a partir da entrada em operação da central geradora de energia elétrica, o produtor independente e o auto produtor sujeitar-se-ão aos seguintes encargos, conforme definido na legislação específica e no respectivo contrato: I - compensação financeira aos Estados, aos Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, pelo aproveitamento de recursos hídricos, para fins de geração de energia elétrica; II - taxa de fiscalização dos serviços de energia elétrica a ser recolhida nos prazos e valores estabelecidos no edital de licitação e nos respectivos contratos; III - quotas mensais de Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), subconta Sul/Sudeste/ Centro-Oeste ou subconta Norte/Nordeste: a) incidente sobre a parcela de energia consumida por autoprodutor que opere na modalidade integrada no sistema em que estiver conectado; b) incidente sobre as parcelas de energia consumida ou comercializada com consumidor final, nos termos dos incisos II, IV e V do art. 23 deste Decreto [33], por produtor independente que opere na modalidade integrada no sistema em que estiver conectado; IV - quotas mensais de Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), subcontas sistemas isolados, incidentes sobre as parcelas de energia comercializada com consumidor final por produtor independente, nos termos dos incisos II, IV e V do art. 23".


9. Regime dos bens no âmbito da prestação do serviço público de energia elétrica

Aqui, antes de iniciar quaisquer considerações, cabe distinguir os bens próprios das concessionárias, utilizados na prestação dos serviços de energia elétrica, dos que integram o patrimônio da União, já revertidos ou entregues à sua administração. Estes últimos ficarão sob a responsabilidade da concessionária, que, nos termos do art. 34 da Lei n.º 9.074/95, deverá mantê-los e conservá-los, repondo-os ao final do contrato.

No que se refere aos bens particulares utilizados na geração da energia elétrica, estes serão revertidos em favor da União, de acordo com o art. 20 e §§ do Decreto n.º 2.003/96, com base no art. 36 da Lei n.º 8.987/95.

Para melhor compreender esse mecanismo, que visa a favorecer o princípio da continuidade do serviço público, vejamos como se conceitua o instituto da reversão.

Inicialmente, vale observar que o termo não reflete literalmente o significado jurídico que ele alcança no âmbito da legislação em comento, já que dá a falsa impressão de estarem os bens retornando ao patrimônio público [34]. Entretanto, os bens ditos revertidos só passam a integrar o patrimônio público a partir do término do contrato.

Reversão é, pois, a transferência do bem particular ao domínio estatal, por ocasião do término do prazo de concessão e em proveito da continuidade do serviço público.

Entretanto, ao contrário do que se possa imaginar, o concessionário não fica no prejuízo. Será ele integralmente indenizado. E essa indenização poderá ser feita por duas formas: 1.ª - Indenização ao final do contrato; 2.ª - Incorporação do valor dos bens reversíveis (discriminados no contrato, a teor do art. 23, X da Lei n.º 8.987/95) ao preço das tarifas, de modo que a indenização se faça ao longo da prestação do serviço. E se, por algum motivo, restar saldo a indenizar, este será pago ao final, como determina o art. 36 da Lei n.º 8.987/95.

No que se refere ao produtor independente, estipula o § 1.º do art. 20 do Decreto n.º 2.003/96 que "para a determinação do montante da indenização a ser paga serão considerados os valores dos investimentos posteriores, aprovados e realizados, não previstos no projeto original, e a depreciação apurada por auditoria do poder concedente". E "no caso de usinas termelétricas, não será devida indenização dos investimentos realizados, assegurando-se, porém, ao produtor independente e ao autoprodutor remover as instalações"(§ 2.º).

Portanto, não é recomendável a cessão de direito de uso, ainda que onerosamente, de bens a serem utilizados por prestadoras de serviços públicos, posto que estes serão convertidos em patrimônio do poder concedente ao final do contrato.


10. Regime fiscal

O presente tópico comporta análise sob duplo aspecto, quais sejam: 1) o da regularidade fiscal como requisito para habilitação do licitante (art. 27, IV da Lei n.º 8.666/93); 2) o da tributação na geração de energia elétrica.

No que se refere ao primeiro aspecto, iniciamos por uma advertência muito oportuna de Celso Antônio Bandeira de Mello no sentido de que "a licitação não é, nem pode ser via oblíqua para constranger o contribuinte a satisfazer pretensões fiscais" [35]. E isto se afirma em consonância com o princípio da separação dos Poderes (CRFB/88, art. 2.º) que está a impedir que a Administração se valha de procedimentos ilegítimos para cobrar tributos, devendo se valer, antes, única e exclusivamente, da via judicial, através da execução fiscal (Lei n.º 6.830/80).

A este respeito já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, que editou, inclusive, a Súmula n.º 547, in verbis: "Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais". E, interpretando tal enunciado jurisprudencial, Roberto Rosas anota que "o Tribunal Pleno decidiu que a Fazenda deve cobrar seus créditos através de execução fiscal, sem impedir direta ou indiretamente a atividade profissional do contribuinte" [36].

A partir dessas considerações, é de se concluir pela inconstitucionalidade do art. 27 da Lei n.º 8.666/93, que enumera como requisito de habilitação no procedimento licitatório a regularidade fiscal do concorrente, até porque em nada influi na sua capacidade de prestar serviço adequado.

Além disso, é de se verificar que, se assim não fosse, poderia, ainda, valer-se o contribuinte em débito de uma das modalidades de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (CTN, art. 151) e obter certidão positiva com efeitos de negativa (CTN, art. 206); ou, num caso de emergência, do disposto no art. 207 do CTN, habilitando-se com simples declaração de regularidade, dispensada a apresentação de certidões, o que se deverá fazer logo que possível.

No que se refere ao segundo aspecto desse item, analisaremos os tributos incidentes sobre a atividade do produtor independente de energia elétrica.

O Código Tributário Nacional, em seus arts. 74 e segs., disciplinava o imposto sobre operações relativas a combustíveis, lubrificantes, energia elétrica e minerais do País, que era de competência da União. Ocorre que tal imposto não mais encontra acomodação na ordem constitucional vigente.

Como bem reconhece Ricardo Lobo Torres, "a CF extinguiu os impostos únicos sobre a energia elétrica, os combustíveis líquidos e gasosos, lubrificantes e minerais do País e incluiu tais fatos geradores no campo de incidência do ICMS" [37].

No âmbito do ICMS, é de se reconhecer, em primeiro lugar, a imunidade que concede o art. 155, § 2.º, X, b da CRFB/88 às operações interestaduais de energia elétrica. Trata-se de regra que impede o legislador infraconstitucional de pretender tributar tal operação.

Entretanto, desprezando tal limitação ao poder de tributar, a Lei Complementar n.º 87/96 (art. 2.º, § 1.º, III) dispôs no sentido da incidência do tributo em análise "sobre a entrada, no território do Estado destinatário (...) de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais,. cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente".

Tal dispositivo legal merece críticas tanto no que se refere ao fato de estar pretendendo tributar operação imune, o que o caracteriza como inconstitucional, como no que tange ao fato de contemplar somente as operações não destinadas à comercialização.

No que toca à imunidade, reconhece a inconstitucionalidade da imposição tributária em comento, dentre outros, o prof. José Eduardo Soares de Melo, nos seguintes termos: "O permissivo constitucional é categórico e não deveria ensejar nenhum tipo de questionamento, ou seja, sempre deveria defluir o cristalino entendimento de que, em todos os negócio jurídicos (venda, troca, doação, etc.), compreendendo referidos bens, haveria plena e integral desoneração do ICMS" [38].

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Entretanto, a questão não está pacificada na jurisprudência, não tendo o Superior Tribunal de Justiça em um acórdão [39] reconhecido a imunidade na operação interestadual, quando se trata de consumidor final. No âmbito do Supremo Tribunal Federal, confirmou-se aquele entendimento.

No que tange ao fato de estar a Lei complementar n.º 87/96 contemplando somente as operações não destinadas à comercialização ou industrialização, é de se reconhecer que, neste caso, não poderá ser considerada mercadoria a energia elétrica, como bem professa o prof. Soares de Melo [40], não podendo incidir, pois, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

Para os produtores independentes de energia elétrica essa inconstitucionalidade tem muita importância, pois, como afirma o prof. Marcos Juruena Vilela Souto, "o produtor independente tem na geração de energia a sua mercadoria de comércio (com todos os riscos inerentes à atividade comercial)... " [41].

No que toca aos demais tributos incidentes sobre operações com energia elétrica, sobre os quais, em tese, poder-se-ia questionar, é de se mencionar que o art. 155, § 3.º da Constituição instituiu imunidade sobre tais operações, salvaguardando somente o ICMS e os Impostos de Importação e Exportação, colocando fora, v. g., o IPI.

Isso não significa que não incidirão quaisquer outros tributos, mas aqueles que têm como fato gerador a operação relativa a energia elétrica.

Colocam-se, assim, no âmbito da tributação do Imposto de Renda, da COFINS [42], do PIS [43], da CSLL as atividades de empresas concessionárias de serviço de energia elétrica.

Por fim, vale a análise da Taxa de Fiscalização de Serviços de Energia Elétrica, instituída pelo art. 12 da Lei n.º 9.427/96, aplicando-se em relação à geração dessa energia o § 1.º do citado dispositivo legal.

A TFSEE será anual (e deverá ser recolhida diretamente à ANEEL, em doze quotas mensais), diferenciada em função da modalidade e proporcional ao porte do serviço concedido, permitido ou autorizado, equivalendo a 0,5% do valor do benefício econômico anual auferido pelo delegatário e sendo determinada a partir da seguinte fórmula:

Tfg = P x Gu, onde:

Tfg = taxa de fiscalização da concessão de geração (fato gerador);

P = potência instalada para o serviço de geração (base de cálculo);

Gu = 0,5% do valor unitário do benefício anual decorrente da exploração (alíquota).

Em relação aos produtores independentes de energia elétrica, será considerada, para a determinação do valor do benefício econômico, a tarifa fixada no contrato de venda de energia (art. 12, § 2.º).

Em que pese a opinião em contrário do respeitável prof. Marcos Juruena Villela Souto, parece-nos fora de dúvida a natureza tributária da referida taxa, já que se enquadra perfeitamente no modelo desenhado pelo art. 3.º do Código Tributário Nacional.

Trata-se, pois, de taxa em razão do exercício do poder de polícia, tal qual autorizam o art. 145, II da CRFB/88 e o art. 77 do Código Tributário Nacional.

A única crítica que pode ser desenvolvida contra essa espécie tributária reside no fato de prever a lei instituidora a diferenciação da base de cálculo em função da modalidade e proporcionalmente ao porte do serviço concedido, permitido ou autorizado. E isto se diz em função do disposto no art. 145, § 2.º da Constituição, que não admite às taxas ter base de cálculo própria de impostos.

A razão de ser do citado dispositivo constitucional não é de difícil compreensão, visto que o conceito de base de cálculo se resume à noção de expressão econômica do fato gerador.

Ora, sendo o fato gerador da taxa uma atividade do Estado, a variação da base de cálculo só poderia ocorrer em função de uma diferenciação da atividade fiscalizatória estatal, sob pena de incorrer em inconstitucionalidade, o que parece ter ocorrido. Entretanto, a validade dessa assertiva fica prejudicada se for verificado que a variação da base de cálculo obedece a uma diferença no custo do desempenho da atividade fiscalizatória, por questão de complexidade diferenciada.

Estas são as considerações que se nos afiguram indispensáveis a quem pretende conhecer mais tecnicamente essa atividade de prestação de serviço de energia elétrica, a partir do que é possível a enumeração de alguns enunciados:

a) Necessita o produtor independente de energia elétrica de concessão ou autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica, sendo, no primeiro caso, indispensável a prévia licitação;

b) As relações jurídicas estabelecidas entre o concessionário ou autorizado e o poder concedente são caracterizadas pela supremacia do interesse público, de modo que o Estado não se põe em pé de igualdade em relação ao particular, sendo disciplinada pelo Direito Administrativo;

c) As relações jurídicas estabelecidas entre os concessionários ou autorizados e os adquirentes da energia fornecida são regidas pelo Código do Consumidor, exceto quando estes não forem hipossuficientes e vulneráveis e/ou quando não adquirirem o produto para satisfação de necessidade própria;

d) Os contratos administrativos de concessão de energia elétrica, mesmo com a característica da supremacia do interesse público, deverão preservar sempre o equilíbrio as prestações, tendo como parâmetro de comparação o termo a quo do ajuste;

e) Os bens utilizados na prestação do serviço público, individualizados como reversíveis no contrato de concessão, não poderão ser levantados ao final, mas deverão ser indenizados pelo poder concedente ou pela inclusão de seus valores na tarifa cobrada dos consumidores;

f) O produtor independente de energia elétrica está sujeito ao ICMS (exceto nas operações interestaduais), e não ao IPI ou ISS, incidindo, também, a COFINS e o PIS, além dos demais tributos sobre os quais não há quaisquer questionamentos.

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Sobre o autor
José Maria Pinheiro Madeira

professor da pós-graduação da Faculdade de Direito da Universidade Estácio de Sá, professor do Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, professor do CEPAD (Centro de Estudos Pesquisa e Atualização em Direito), professor palestrante do IBEJ (Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3341. Acesso em: 29 mar. 2024.

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