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Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada

Agenda 01/10/2002 às 00:00

1. O homem e suas aspirações de vida

As aspirações do homem estão diretamente subordinadas ao grau de conhecimento da realidade que o cerca.

Hoje, como sempre na história humana, há os poucos (pessoas e países) que detêm uma parcela maior de poder, de influência e de riquezas, em detrimento da maioria; há os formadores de opinião e os informados (sempre a maioria), há os que dominam e os dominados (de novo ela, a maioria); há os bem nutridos e os famintos, os preparados para a vida e os indigentes. Há os que sabem, há os ignorantes.

Sempre foi assim, mas nos dias atuais os símbolos distintivos de classes sociais e econômicas tendem a desaparecer (a roupa, o automóvel e todos os demais ícones da sociedade contemporânea tornam-se acessíveis a uma faixa maior da população), a informação é transmitida concomitantemente ao fato informado (e milhões de pessoas têm acesso direto a ela), os bens de consumo ganham uma visibilidade (e uma viabilidade de aquisição) nunca antes conhecida.

Caem barreiras culturais (ou, se se preferir, vulgariza-se a cultura) e caem barreiras alfandegárias, novas tecnologias substituem em ritmo vertiginoso o aparato até então existente (há exemplo mais incisivo que os avanços na informática?).

A informação e o apelo ao consumo infiltram-se democraticamente nas casas ricas e pobres, o homem médio passa a ter plena consciência de seu direito ao trabalho (em condições adequadas e com justa remuneração), ao lazer, à saúde, à educação, à proteção do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.

A ampliação do conhecimento aumenta o grau de aspiração humana, exacerba as expectativas. O desejável torna-se possível.

O individual abre espaço ao coletivo (e não parece ser essa a vocação gregária até mesmo dos povos, aglutinados em grupos como a Comunidade Européia e o Mercosul? - para citar dois exemplos) e naturalmente surgem (ou talvez fosse mais adequado falar-se em conquista?), ao lado dos interesses puramente individuais (cuja proteção representava o objeto maior - senão único - dos sistemas jurídicos moldados no passado), outros, difusos ou fragmentados.

Novos valores, novas aspirações legítimas, que impõem a criação de novos mecanismos e estruturas aptos à sua concretização, com o estabelecimento (ainda que mais ou menos lentamente e quase sempre sob pressão) de uma nova ordem jurídica.


2. A crise do processo

O intuito exclusivo de expor essas idéias foi o de deixar a descoberto o que todos já sabem: tais como concebidos no passado, os sistemas jurídicos tradicionais (entre eles os processuais), não mais se mostravam idôneos e eficazes para a realização efetiva dos direitos.

Em trabalho publicado há três décadas atrás, já se afirmava que o sistema de valores humanos a que estava condicionada a cultura jurídica fora parcialmente destruído pela crise espiritual contemporânea, situação que determinou a substituição das matrizes filosóficas do direito privado, assim como de seus fundamentos, finalidades e dogmática, alterando-se, em conseqüência, a feição do próprio ordenamento jurídico.[1]

Ademais disso, o individualismo - que representava o centro de atenção e de preocupação do sistema de direito privado, determinando a criação de um processo civil predestinado quase que exclusivamente à resolução de conflitos envolvendo interesses individuais - de modo algum poderia continuar ocupando essa posição exclusivista, face o reconhecimento da existência de outros bens jurídicos, supra-individuais, igualmente merecedores da proteção estatal.

Diante desse contexto, não bastaria o reconhecimento da existência desses novos valores e a edição de normas tendentes à sua proteção e realização, como igualmente não bastaria, a toda evidência, o puro e simples repúdio ao processo, enquanto instrumento estatal voltado à resolução de conflitos. Afinal, a ordem jurídica vem assentada na simbiose entre os sistemas de direito material e de direito processual, resulta da conjugação e da integração harmônica desses dois sistemas; um depende do outro. Sem o processo, "o direito ficaria abandonado unicamente à boa vontade dos homens e correria freqüentemente o risco de permanecer inobservado; e o processo, sem o direito, seria um mecanismo fadado a girar no vazio, sem conteúdo e sem finalidade."[2]


3. A necessidade de soluções

Tornou-se então inevitável a revisão do sistema jurídico-processual, com a mudança da perspectiva de seus escopos e a criação de novas técnicas para tanto eficientes, dando vida às denominadas ondas renovatórias, movimentos direcionados ao acesso efetivo à justiça e caracterizados, cronologicamente, pela assistência judiciária aos necessitados, pela representação dos interesses supra-individuais, pela necessidade de reformas estruturais, orgânicas e funcionais no conjunto geral de instituições judiciárias, nos mecanismos idôneos à obtenção de provimentos jurisdicionais e no direito material, culminando, agora, com os esforços de implementação de técnicas e instrumentos adequados à obtenção de tutela jurisdicional efetiva.

O ordenamento jurídico brasileiro não ficou imune a esses movimentos de renovação, submetido que foi a uma profunda reforma do sistema processual civil, deliberadamente direcionada à criação de um processo de resultados - em contraposição ao "processo de conceitos ou de filigranas"[3] -, assim se ajustando às novas tendências do moderno direito ligado à família romano-germânica.

Identificados os pontos de estrangulamento do sistema processual civil, o legislador realizou um verdadeiro trabalho de saneamento.

Entre outras tantas alterações de inegável relevância, generalizou-se e ampliou-se a possibilidade de concessão de tutela antecipada (até então reservada a pouquíssimas situações, todas elas sempre dependentes de alguma especificidade do direito material em jogo), prestigiou-se a conciliação a um ponto nunca antes atingido, racionalizou-se a dinâmica dos procedimentos comuns, agilizou-se o sistema recursal, tornando-o mais produtivo. Na esteira desse movimento reformista, implementaram-se os Juizados Especiais e introduziram-se no ordenamento novos instrumentos alternativos (à jurisdição) de resolução de conflitos, como o depósito extrajudicial, a arbitragem e, através da Lei n. 9.079, de 14 de julho de 1995, o procedimento monitório, há muito reclamado.


4. A tutela jurisdicional efetiva

Não escapa à percepção do observador atento à evolução das idéias de acesso formal ao acesso efetivo à justiça, a circunstância de que a busca de solução para os óbices apontados pela doutrina para a concretização do segundo interessa, imediatamente, apenas ao círculo restrito dos cultores e dos operadores do direito - não obstante possa influir, como efetivamente influi, direta e decisivamente na vida do destinatário final da atividade jurisdicional.

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Esse último não está preocupado com as causas da crise do processo, nem com as soluções técnicas engendradas pela doutrina e pela jurisprudência: espera apenas, com a expectativa naturalmente pragmática de qualquer consumidor, uma solução rápida, barata e eficiente, cabendo ao aparelho estatal, por sua vez, reconhecer e proteger o direito de quem o tem. A aptidão para o reconhecimento de um direito e para o exercício da ação ou da defesa, as noções de litigância habitual e litigância eventual e a problemática dos ditos interesses metaindividuais são temas de pouco (ou nenhum) interesse imediato para o homem comum, preocupado, isto sim, quando defrontado com a necessidade de socorrer-se do Judiciário para a resolução de um conflito, com o custo e a demora do processo e com a eficiência prática do resultado através dele obtido. E sendo réu, nutre as mesmas expectativas em relação ao custo-duração do processo e ao resultado que ao final se obtêm, mormente quando convencido (ainda que eventualmente sem razão) da ilegitimidade da pretensão do autor.

Realmente, os mais visíveis (e angustiantes) obstáculos que se antepõem ao destinatário final da atividade exercida através do processo são, imediatamente, o seu custo e a sua duração, com efeitos que podem ser devastadores, pois ora atuam como fator de pressão sobre a parte mais fraca, que por vezes é compelida a abandoná-lo ou a se sujeitar a acordos muito inferiores àqueles a que teria direito, ora geram resultados que, à luz da vantagem almejada pela parte, são ineficazes ou inócuos. E como já se alertou, "a Justiça que não cumpre suas funções dentro de um ‘prazo razoável’ é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível", ao passo que a demora pode representar, ao final, a denegação da própria justiça.[4]

Pior que isso, a conjugação desses fatores perniciosos tende a afastar do Judiciário uma expressiva parcela do grupo social, circunstância que gera, na adequada expressão cunhada por Kazuo Watanabe, a situação de litigiosidade contida[5], a qual, além de demonstrar a incapacidade estatal para a resolução de todos os conflitos (muito embora tenha avocado para si o poder de distribuir justiça, através de seus órgãos e agentes judiciais), abre espaço para soluções menos ortodoxas, senão ilícitas.

No Brasil, sempre carente de estatísticas e de informações seguras, principalmente sobre as atividades estatais e os resultados através dela obtidos, um simples exercício de observação revela a situação quase caótica em que se encontra o Poder Judiciário, assoberbado, entre outras tantas mazelas conhecidas (infra-estrutura deficiente, despreparo e má remuneração de seus servidores, descaso das autoridades executivas, dificuldades de recrutamento e de aprimoramento dos juízes etc), pelo acúmulo de demandas.

Pondere-se, de outra parte, que para o destinatário final da atividade jurisdicional se mostra de pequena ou nenhuma valia um processo que se notabilize, enquanto instrumento para o exercício do poder-dever de distribuição da justiça, apenas pela celeridade e baixo custo, mas não pela eficiência do resultado através dele obtido, ou seja, que não tenha, apesar dos atributos já indicados, aptidão para propiciar à parte vencedora o próprio resultado prático (ou equivalente) previsto no ordenamento jurídico material.

Aceita a premissa de que são três as modalidades tradicionais de tutelas jurisdicionais (as de conhecimento, de execução e cautelar), entre aquelas obtidas por via do processo de conhecimento as mais efetivas são as declaratórias e as constitutivas e as de menor eficiência, as condenatórias.

Enquanto as tutelas declaratórias e constitutivas têm aptidão para, de um lado, estabelecer a certeza da existência ou inexistência de determinada relação jurídica e, de outro, criar, modificar ou extinguir situações jurídicas, assim pondo um fim ao conflito de interesses sem a necessidade de qualquer atividade por parte do obrigado e sem a necessidade, ainda, de atividade jurisdicional posterior tendente à sua concretização prática, as condenatórias não estão capacitadas, por si sós, para "debelar as crises de adimplemento que as justificam e geram o interesse processual em obtê-las: sem um obrigado que cumpra e sem o desencadeamento dos atos de execução forçada, o autor tutelado por elas continua sem sentir qualquer resultado prático da tutela concedida...".[6]

É sabido, por outro lado, que a necessidade de cognição plena pelo juiz para a outorga de um provimento que ateste, definitivamente, uma certeza juridicamente relevante, com todas as conseqüências que dela advêm, impõe a utilização de um processo dotado de uma base procedimental adequada ao amplo debate das questões relacionadas ao caso concreto, com um espectro probatório correspondente, circunstâncias que encarecem e tornam morosa a marcha processual. Vale dizer, a técnica do processo de conhecimento plena é caracterizada, fundamentalmente, pela realização plena do contraditório em forma antecipada, ou seja, o provimento judicial final só será emitido após assegurar-se às partes, com a observância das formas e prazos predeterminados em lei, a possibilidade de fazerem valer todas as suas alegações, defesas e provas, assim permitindo que à declaração contida na sentença seja atribuída a autoridade de coisa julgada material; a essência da cognição plena reside, então, de um lado na predeterminação legal das modalidades de realização do contraditório, das formas e dos prazos nos quais o processo se articula e, de outro, na realização mesma do contraditório, de forma plena e antecipada.

Além disso, só há absoluta coincidência entre cognição definitiva e executoriedade, como observa Chiovenda, se a sentença que atua como título é definitiva; mas ele lembra que a lei também autoriza execuções fundadas em outros títulos (declarações com predominante função executiva), seja em atenção a uma prova certa do direito (a escrita) ou à necessidade de favorecer particularmente determinadas obrigações comerciais, seja em favor do título cambial, seja, finalmente, para favorecer determinados créditos ou em atenção à pessoa do credor ou, ainda, em consideração à natureza e às provas do crédito (situação em que se encarta o procedimento monitório). E nesses casos a cognição do juiz é sumária, sumariedade esta justificada pela idéia de que o processo deva comportar-se, em determinadas situações - e em atenção ao interesse geral -, de acordo como o que geralmente acontece e não como pode efetivamente acontecer no caso concreto.[7]

Decorre, do exposto, a necessidade (não apenas jurídica, mas sobretudo de pacificação de conflitos) de o Estado-juiz conceder ao interessado uma tutela jurisdicional efetiva, até porque, vedando ele a realização da justiça pelo particular e assumindo, correlatamente, o poder-dever de prestá-la através do devido processo legal, de modo algum se justifica, principalmente sob o ponto de vista do destinatário da tutela, um resultado que não atenda ao seu reclamo - abstraídas, evidentemente, circunstâncias alheias ao processo, como, por exemplo, a insolvência do devedor diante de uma sentença de condenação. Se é certo que todos têm o direito de propor demandas (correspondente ao direito de acesso à jurisdição) e, ainda, que somente têm direito à obtenção do provimento jurisdicional se e quando preenchidas as condições da ação (direito instrumental de ação), mais certo, ainda, é que o direito à tutela jurisdicional efetiva só o têm aqueles que estejam efetivamente amparados no plano do direito material.

Observa-se, em acréscimo, que essa efetividade não resulta exclusivamente da declaração da vontade concreta do direito. Analisado à luz de sua utilidade plena, processo efetivo é aquele capacitado ao cabal cumprimento de todos os escopos do sistema jurídico-processual, pois a instrumentalidade do sistema processual tem como idéia nuclear a efetividade do processo, qual seja a sua "capacidade de exaurir os objetivos que o legitimam no contexto jurídico, social e político"; daí o "empenho em operacionalizar o sistema, buscando extrair dele todo o proveito que ele seja potencialmente apto a proporcionar, sem deixar resíduos de insatisfações por eliminar e sem se satisfazer com soluções que não sejam jurídica e socialmente legítimas."[8]

Justamente por essas razões é que o processo deve representar um instrumento adequado ao atendimento, dentro do possível, de todos os direitos e demais posições jurídicas de vantagem previstos no ordenamento e ser dotado, ainda, de aptidão para assegurar à parte vitoriosa, com um mínimo dispêndio de tempo e energia, um resultado que lhe permita "o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento."[9]

Não basta, em suma, a efetividade técnica do processo-meio, na medida em que importa, ao destinatário final da tutela, a efetividade da própria tutela (processo de resultados).


5. As técnicas adequadas à obtenção de tutelas diferenciadas

Surge então a necessidade de adoção de técnicas adequadas à obtenção de tutelas jurisdicionais diferenciadas, que levam em conta a efetividade do resultado desejado pela parte e os instrumentos para tanto necessários, na medida em que a coincidência do resultado de um trabalho com o propósito para o qual foi desenvolvido depende sempre da adequação dos meios ao fim. Afinal, se o bom senso indica a diversidade de objetivos a serem alcançados pela prestação jurisdicional, esta, tanto quanto os instrumentos necessários à sua concretização, não podem ser unitários.

Entre essas técnicas tem especial importância a que leva em conta a intensidade da cognição.

Em magnífico estudo sobre o tema, Kazuo Watanabe esclarece que a cognição se desenvolve em dois planos distintos, o horizontal (correspondente à sua extensão, amplitude) e o vertical (relacionado à sua profundidade).

Enquanto no primeiro deles a cognição diz respeito aos elementos integrantes do denominado trinômio processual (questões relativas ao processo, condições da ação e mérito), em extensão plena ou limitada, no vertical ela se dá de forma exauriente ou sumária, revelando-se ideal, em termos de solução definitiva de conflitos, o provimento jurisdicional assentado na cognição plena e exauriente. Todavia, outras combinações são possíveis, pois essas duas técnicas de cognição se adaptam a procedimentos diferenciados e adaptados às também variadas especificidades dos direitos, interesses e pretensões materiais postos em debate judicial.

Assim, a cognição pode ser limitada e exauriente - no sentido de que sofre limitações quanto à amplitude do debate das partes, afetando na mesma medida o conhecimento do juiz, sem que exista qualquer restrição, contudo, quanto à profundidade do objeto cognoscível - e plena e exauriente "secundum eventum probationis", isto é, o procedimento, ou fase dele, não prevê limitação quanto à extensão da matéria a ser objeto de debate e cognição. Mas esta tem sua profundidade condicionada à existência de elementos probatórios suficientes, seja em consideração à celeridade e simplicidade do procedimento, com supressão da fase probatória ou resolução, com ou sem eficácia preclusiva, das questões prejudiciais, seja por razões de política legislativa (evitar, nos processos envolvendo interesse coletivo, a formação de coisa julgada material que acoberte, com sua autoridade, juízo de certeza fundado em prova insuficiente e formado, portanto, fundamentalmente à base de regras de distribuição do ônus da prova).[10]

Já a sumariedade, caracterizada por uma cognição superficial, menos profunda no sentido vertical, autoriza a formação de um juízo de probabilidade e de verossimilhança sobre as particularidades do caso concreto submetido ao debate judicial, seja quanto à natureza do direito alegado, seja quanto à espécie dos fatos afirmados; e por representar uma simples técnica para a tutela de um dado direito (e não para a proclamação da certeza desse mesmo direito), a cognição sumária dispensa o grau máximo de probabilidade, pois este seria "excessivo, inoportuno e inútil ao fim a que se destina."[11]

Ela atende à exigência de economia (evitando o custo do processo de cognição plena quando inexista uma contestação idônea que a justifique) e impede tanto o abuso de direito de defesa por aquele que efetivamente não tenha razão, quanto o comprometimento da efetividade da tutela pela natural demora do processo de cognição plena. Possibilita, em suma, a obtenção de um provimento definitivo sobre o direito controverso - e capacitado, portanto, a assegurar a mesma utilidade (ou utilidade equivalente) daquela de uma sentença obtida através de um processo de cognição plena.

Entre as diversas técnicas pautadas na sumariedade da cognição destacam-se a do julgamento antecipado, a dos títulos executivos de formação extrajudicial, a da antecipação na formação do título executivo judicial, com a supressão de toda a fase de conhecimento tendente à obtenção de sentença condenatória ou de um comando estatal com eficácia executiva equivalente e, sem dúvida alguma, a do processo monitório, pela qual o juízo de oportunidade da instauração do processo de cognição plena é deixado à parte em cujo interesse o contraditório é predisposto; consiste na possibilidade de obtenção de um provimento judicial inaudita altera parte, que tem sua eficácia executiva sujeita à condição suspensiva de ausência de oposição por parte do devedor ou à condição resolutiva do acolhimento de eventual oposição de sua parte.

Opera-se a derrogação da regra vigente no procedimento ordinário, segundo a qual o contraditório deve ser realizado antes da emissão do provimento jurisdicional, pois nos procedimentos monitórios o contraditório se mostra ausente na fase de postulação, pelo autor, do decreto de injunção (que corresponde ao nosso mandado monitório), podendo ser ativado a posteriori pelo réu, se e quando vier a apresentar oposição (correspondente aos nossos embargos ao mandado monitório) àquele decreto judicial; e se o contraditório é posterior e condicionado à iniciativa do réu, o provimento emanado antes de sua realização será limitado ao conhecimento dos fatos constitutivos alegados pelo autor como fundamentos do direito deduzido em juízo. Trata-se de uma cognição limitada, porque parcial, tendo por objeto apenas uma parte dos fatos relevantes, quais sejam os constitutivos expostos pelo autor em sua petição inicial; os outros fatos relevantes poderão ser deduzidos em juízo, mas somente após a emissão do provimento judicial e se contra ele o réu opuser-se tempestivamente.

Estas, em suma, as breves considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada.


Notas

[1]. Cfr. Orlando Gomes, Transformações gerais do direito das obrigações, n. 3, p. 5. São Paulo, Edição RT, 1967.

[2]. Cfr. Liebman, Manuale di diritto processuale civile, 3ª edição, Milão, Giuffrè, 1973, vol. 1, n. 72, p. 148. Na lição de Dinamarco, se "o Estado deixasse cada um à sua própria sorte, talvez no caos da autotutela e sem o amparo da jurisdição pacificadora, por certo que de nada valeria o melhor dos sistemas jurídico-substanciais; seria a renúncia à própria subsistência da organização política da sociedade, sendo inconcebível a sociedade política sem o processo e a jurisdição - A instrumentalidade do processo, São Paulo, Edição RT, 1987, n. 24, p. 236 e n. 36.1, pp. 391 a 405.

[3]. Expressão utilizada por Dinamarco, in A reforma do Código de Processo Civil, 3ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 1996, n. 1, p. 22.

[4]. Cappelletti e Garth, Access to justice: the worlwide movement to make rights effective, (Acesso à justiça, tradução portuguesa de Ellen Gracie Northfleet), Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 1988, pp. 20 e 21.

[5]. Como assevera o autor, dentro da normalidade os conflitos de interesse são solucionados sem a necessidade da intervenção estatal, através de negociação direta das partes interessadas ou por intermédio de terceiros (tais como parentes, vizinhos, amigos, líderes comunitários, advogados). Mas nas comunidades mais populosas, as relações pessoais são formais e impessoais, circunstâncias que neutralizam a eficiência dos mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos de interesse. E ao lado daqueles cuja solução é buscada junto ao Judiciário, remanescem outros, sem solução, muitas vezes com a renúncia total do direito pelo prejudicado, ensejando o surgimento do fenômeno da litigiosidade contida, extremamente perigoso para a estabilidade social, na medida em que, a par de representar um ingrediente a mais para a "panela de pressão" social, também por vezes acabam impondo soluções inadequadas, eventualmente à margem da ordem jurídica estabelecida. Filosofia e características básicas do Juizado Especial de Pequenas Causas, in Juizado Especial de Pequenas Causas, obra coletiva, coordenação de Kazuo Watanabe, São Paulo, Edição RT, 1985, p. 2.

[6]. Cfr. Dinamarco, Nasce um novo processo civil, in Reforma do Código de Processo Civil, obra coletiva, coordenação de Sálvio de Figueiredo Teixeira, São Paulo, Editora Saraiva, 1996, n. 10, pp. 1 a 17, esp. 12.

[7]. Istituzioni di diritto processuale ci­vile, (Instituições de di­reito processual civil, tradução de J. Guimarães Menegale), São Paulo, Editora Saraiva, 1969, vol. 1, n. 71, pp. 236 a 238.

[8]. Cfr. Dinamarco, A instrumentalidade do processo, n. 34, pp. 377 a 380; n. 36.2, p. 409.

[9]. Cfr. Barbosa Moreira, Notas sobre o problema da "efetividade" do processo, in Temas de direito processual, 3ª série, São Paulo, Editora Saraiva, 1984, pp. 27 e 28.

[10]. Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, São Paulo, Edição RT, 1987, nn. 19 e 20, pp. 83 a 86.

[11]. Cfr. Kazuo Watanabe, op. cit., n. 22, pp. 95 a 97 e n° 24.4, pp. 107 a 110.

Sobre o autor
Antonio Carlos Marcato

professor livre-docente da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, coordenador acadêmico do CPC – Curso Preparatório para Concursos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCATO, Antonio Carlos. Considerações sobre a tutela jurisdicional diferenciada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3350. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Este trabalho é um excerto do livro "O processo monitório brasileiro" (Malheiros, São Paulo, 1998) e dele foram excluídas as notas de rodapé, exceto aquelas referentes a textos ou opiniões de outros autores.

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