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Do Crime de Apropriação Indébita Previdenciária

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Foi destacado que a maior parte da doutrina e das jurisprudências compreende que esse tipo penal configura-se como omissivo, preterindo o princípio do animus rem sibi habendi, presente no crime de apropriação indébita previsto no artigo 168 do CP.

RESUMO:

A Previdência Social, parte integrante da Seguridade Social, tem como uma das fontes de custeio e financiamento a contribuição dos empregados que são descontadas em folha de pagamento e repassadas pelas empresas à instituição por meio de recolhimento mensal, no entanto, foi apontado que em algumas situações essa condição não se efetiva, em que a empregador se apropria desses recursos. Para mitigar essa circunstância a apropriação desses recursos por parte do empregador foi transformada em crime, previsto no artigo 168-A do Código Penal. Foi destacado que a maior parte da doutrina e das jurisprudências compreende que esse tipo penal configura-se como omissivo, preterindo o princípio do animus rem sibi habendi, presente no crime de apropriação indébita previsto no artigo 168do CP. Foi tratado também que em determinadas situações como dificuldades financeiras da empresa notadamente comprovadas a doutrina e jurisprudência vem entendendo como excludente de ilicitude por inexigibilidade de conduta diversa. Em relação à prisão do agente, foi destacado que não fere o inciso LLXVII do artigo 5 da CF, pois não se trata de divida civil, mas sim de ato omissivo, portanto tipo penal, configurando como crime; contudo, o ordenamento jurídico prevê a extinção da punibilidade em determinadas situações, dentre elas, quando o agente quita o débito ou ainda parcela a dívida. Destarte, o objetivo desse trabalho foi o de  fazer uma análise doutrinária e jurisprudencial acerca do crime de apropriação indébita previdenciária por parte das empresas que retém os recursos previdenciários descontados dos empregados. A metodologia utilizada para a elaboração deste trabalho vai ser o da pesquisa bibliográfica descritiva, em que se buscou uma análise profícua e ampla junto aos mais diversos autores que tratam do tema, bem como das doutrinas e jurisprudências existentes, para que, posteriormente, ao final possa haver subsídios bastantes e relevantes para se construir uma concepção subjetiva.

Palavras-chave: Apropriação indébita previdenciária. Contribuição Previdenciária. Crime.

ABSTRACT

Social Security, part of Social Security, is one of the sources of funding and financing to employee contributions that are deducted from payroll companies and passed by the institution through monthly payment, however, been pointed out that in some situations this condition is not effective, in which the employer appropriates these resources. To mitigate this circumstance the appropriation of resources by the employer was transformed into a crime under Article 168-A of the Criminal Code. It was noted that most of the doctrine and jurisprudence understands that this type is characterized as criminal omission, the principle of animus sibi habendi rem, present in the crime of larceny under Article 168do CP. He was treated also in certain situations such as financial difficulties the company's proven especially the doctrine and jurisprudence is understood as unlawful exclusionary conduct by unenforceability diverse. Regarding the arrest of the agent, it was noted that the item does not hurt LLXVII Article 5 of the Constitution, because it is not civil debt, but omission of an act so criminal offense, setting up a crime, yet the law provides for the extinction of criminal liability in certain situations, among them, when the agent pays off the debt or installment debt. Thus, the objective of this study was to analyze the doctrine and jurisprudence on the crime of embezzlement by the pension company that holds the pension funds deducted from employees. The methodology used for the preparation of this work will be of descriptive literature, which sought a fruitful and extensive analysis with the most diverse authors who deal with the subject, as well as the existing doctrines and jurisprudence, so that, later, at the end there may be enough and relevant subsidies to build a subjective conception.

Keywords: Embezzlement pension. Social security contribution. Crime.

1 INTRODUÇÃO

A Seguridade Social abrange a Assistência Social, Saúde e Previdência Social, para se manter todo esse sistema uma base de financiamento é necessária. Ao que se alude à ao Regime Geral da Previdência social, esse sistema é financiado por uma Tríplice Forma de Custeio, discriminadas no artigo 195 da Constituição Federal, governo, empresas e trabalhadores.

A contribuição dos empregados com vínculo empregatício é descontada diretamente pela empresa, assistindo a ela transferir esses recursos ao sistema previdenciário. Contudo, o que ocorre em algumas circunstâncias é que a empresa não repassa esses recursos à previdência, essa ação é considerada pela legislação penal como crime de apropriação indébita.

O Código Penal ,em seu artigo 168–A, incluído pela lei 9.983/2000  tipificou o tipo penal  de apropriação indébita previdenciária, cuja conduta subjetiva é o dolo em deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional, cuja pena é de dois a cinco anos cominada com a pena de multa.

Mas é relevante mencionar que o Pacto de San Jose da Costa Rica, sobre Direitos Humanos, cujas decisões foram recepcionados pelo Brasil, vedou a prisão civil por dívidas, argumento este que vem sendo utilizado para excluir de dolo as empresas que retêm os recursos da previdência social em casos específicos. Contemporaneamente, há jurisprudência pacificada no sentido de que se exclui o crime quando a empresa se encontra em total carência de recursos, enquadrando tal circunstância em excludente de culpabilidade ou inexigibilidade de conduta diversa.

Essa circunstância vem causando conflitos doutrinários e jurisprudenciais no âmbito jurídico, uma vez que a seguridade social como um todo é mantida por esses recursos, resultando em comprometimento das funções e atribuições previdenciárias.

Levando em consideração a conjuntura exposta, levanta-se o seguinte problema: A retenção dos recursos previdenciários por parte da empresa,  advindos da contribuição dos empregados, caracteriza-se como apropriação indébita diante de circunstâncias específicas?

Diante deste problema, o objetivo geral deste trabalho é o de  fazer uma análise doutrinária e jurisprudencial acerca do crime de apropriação indébita previdenciária por parte das empresas que retém os recursos previdenciários descontados dos empregados.

A metodologia a ser utilizada para a elaboração deste trabalho vai ser o da pesquisa bibliográfica descritiva, em que se buscará uma análise profícua e ampla junto aos mais diversos autores que tratam do tema, bem como das doutrinas e jurisprudências existentes, para que, posteriormente, ao final possa haver subsídios bastantes e relevantes para se construir uma concepção subjetiva.

Este trabalho se justifica no sentido de se elaborar um material significativo de informações em relação ao Direito Previdenciário e Penal, propiciando dados para análises e reflexões em torno do tema e problema levantados; além, igualmente, de contribuir para a formação do cabedal acadêmico, de modo que possa ser útil no exercício do Direito.

2 PREVIDÊNCIA SOCIAL NO BRASIL: CONTEXTO HISTÓRICO

2.1 EVOLUÇÃO  HISTÓRICA

A história da Previdência Social acompanha a história da República do Brasil, muito embora os primeiros rudimentos tenham surgido ainda no período imperial, pois segundo informações de Monteiro a história da Previdência Social no Brasil tem mais de cem anos, em que se observa a primeira legislação direcionada exclusivamente à aposentadoria de uma classe, mais especificamente aos empregados dos Correios no ano de 1888[1], conforme se observa:

O Decreto n° 9.912-A, de 26 de março de 1888, regulou o direito à aposentadoria dos empregados dos Correios. Fixava em 30 anos de efetivo serviço e idade mínima de 60 anos os requisitos para a aposentadoria.[2]

De acordo com Celso Monteiro, a primeira configuração da atual Previdência Social se deu pela Lei Elói Chaves, originado pelo Decreto-Lei 4682 de 1923, que criou as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAP) para os ferroviários.

A Lei Eloy Chaves é considerada o marco inicial da Previdência social no Brasil, pois a partir dela surgiram dezenas e dezenas de caixas de Aposentadorias e pensões, sempre por empresa. Assim os benefícios da Lei Eloy Chaves foram estendidos aos empregados das empresas portuárias, de serviços telegráficos, de água, energia, transporte aéreo, gás mineração, entre outras, chegando a atingir o total de 183 caixas de aposentadorias e pensões, que posteriormente, foram unificadas na Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Ferroviários e Empregados em Serviços Públicos.[3] (EDUARDO, 2011, p. 2)

É relevante destacar que as Caixas de Aposentadorias e Pensões apartir de 1926 foi estendida aos portuários e maritmos; para os trabalhadores dos serviços telegráficos e radiotelegráficos. Em 1930,  foram constituídos como Instituto de Aposentadorias e Pensões - IAPs.

As IAPs eram autarquias (portanto d natureza estatal) organizadas por categorias profissionais, com atuação nacional. Eram subordinadas diretamente à União, em especial ao Ministério do Trabalho; em sguida, o controle passou a ser do Estado. [4]

Ítalo Romano Eduardo menciona foi somente em 1960, por intermédio da Lei 3807/1960, que criou a Lei Orgânica da Previdência Social é que houve a uniformização da legislação concernente à Previdência Social, que, além de concessão de aposentadoria e pensões, incluiu benefícios como o auxílio-reclusão, auxílio-funeral e auxílio-natalidade, de modo que passou a absorver um número maior de beneficiários, dentre eles os empregadores e os profissionais liberais. No ano de 1963 foi criado o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural, o FUNRURAL, a fim de beneficiar os trabalhadores rurais até então destituídos de benefícios previdenciários.[5]

Não obstante a unificação da legislação previdenciária, faltava ainda a unificação administrativa que somente veio ocorrer no ano de 1966 pela Lei 3807, chamada Lei Orgânica da previdência Social – LOPS- e por meio do Decreto Lei 72/66 todos os IAP’, isto é, todos os fundos de pensões e institutos de aposentadorias existentes foram fundidos em um único, na qual surgiu o Instituto Nacional de Previdência Social, na qual foi implantado somente em janeiro de 1967. [6]

Durante a década de 1970, segundo o Ministério da Previdência, originaram-se outras legislações pertinentes à Previdência Social que criaram novos benefícios como: o salário-família, salário maternidade entre outros, contudo, devido às inúmeras legislações que passaram a surgir, foram novamente unificadas em uma única, o Decreto 77.077/76 – Consolidação das Leis da Previdência Social.[7]

Objetivando reformular a estrutura administrativa da Previdência Social, foi criado em 1977, pelo Decreto-Lei 6439 o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social – o SINPAS, na qual se subordinava ao Ministério de Previdência e Assistência Social. O SINPAS incluía as seguintes instituições, conforme expõe Ítalo Romano Eduardo:

Esclarece Celso Monteiro que com o advento da Constituição de 1988, houve uma reformulação plena daquilo que se constituía a Previdência Social, passando a ganhar ênfase à questão da Seguridade Social. Destarte, em 1990, por meio do Decreto 99.350/90 foi criado o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – resultante da união do INPS e IAPAS, passando englobar funções dos órgãos extintos[9], mais especificamente, com os seguintes objetivos e atribuições conforme discorre o Ministério da Previdência:

É relevante mencionar que os outros órgãos que compunham a SINPAS foram extintos paulatinamente, consequentemente o próprio SINPAS, restando somente a DATAPREV que ainda permanece atuando na prestação de serviços de processamento de dados do Ministério da Previdência e Assistência Social.

Conforme se observa, a Previdência Social ao longo dos anos buscou se aprimorar não somente no sentido estrutural, mas, igualmente, à dinamização na execução de suas funções, a fim de corresponder à realidade contemporânea. Observa-se, também, que as alterações legais ocorridas se justificaram no sentido de se buscar uma realidade econômico-financeira auto-suficiente na concessão de benefícios.

Conforme se observa, com o advento da Constituição Federal de 1988, houve uma transformação substancial da estrutura previdenciária, em que passou a um contexto mais amplo o da seguridade social, na qual passou a integrar aspectos distintos que se integram entre si: a saúde, previdência e assistência social.

2.2 SEGURIDADE SOCIAL

Entende-se como seguridade social de acordo com Eduardo Tanaka, como sendo o gênero de um subgrupo que integram a previdência social, assistência social e saúde, essas estruturas são administradas por instituições distintas, contudo, são regidas pelos mesmos princípios. [11]

O artigo 194 da Constituição Federal tem o seguinte discurso:

A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.[12]

Para se efetivar esses objetivos, entendeu o legislador que determinados princípios são relevantes, de modo a orientar as ações a serem desenvolvidas para se resultar em benefícios aos usuários de todo o sistema da seguridade social.

Dentre os princípios inerentes à seguridade social a serem aplicados na previdência, assistência social e saúde menciona-se o da universalidade da cobertura e dos atendimentos. Por esse princípio, entende-se que é garantido a todos os que vivem no território nacional o mínimo indispensável à sobrevivência com dignidade. O que se percebe é que foi imposto pelo legislador o respeito à igualdade, impedindo que houvesse excluídos da proteção social. (SANTOS, 2010) Ressalta o autor que o contexto deste princípio é amplo entendendo-se a universalidade da cobertura e, igualmente, do atendimento.

Destaca Ivan Kertzman, também, o princípio da solidariedade, por intermédio deste princípio, compreende-se que o sistema é solidário, ou seja, todos são contribuintes, permitindo que uns contribuam mais que o outro para que os mais necessitados possam se beneficiar do sistema.[13]

Observa também Marisa Ferreira dos Santos o princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, de forma que por meio do princípio da uniformidade, trabalhadores urbanos e rurais têm direito à mesma proteção; pelo princípio da equivalência, determina-se que o valor das prestações deve ser proporcionalmente igual, ou seja, os benefícios devem ser os mesmos, porém o valor da renda mensal é equivalente, mas não igual, pelo fato de que urbanos e rurais tem formas distintas de contribuições para o custeio da seguridade.[14]

Eduardo Tanaka destaca o princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços. Ao que se alude ao princípio da seletividade leva-se em conta a prestação que resulte em maior proteção social e, consequentemente, maior bem-estar; já concernente ao princípio da distributividade tem um caráter de justiça social, com o fito de reduzir desigualdades, isto é, deve-se distribuir para os que mais necessitam de proteção.[15]

Ao que tange ao princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios, reafirmada no artigo 201, parágrafo 4º da CF, compreende-se que os benefícios devem ter os valores preservados de modo a assegurar a sobrevivência do segurado e de sua família, no entanto a jurisprudência tem entendido que essa irredutibilidade é apenas nominal (TRF 1º região AC, 1998.01.00.01124-63)[16]

Ao que se refere ao princípio da diversidade da base de financiamento, o artigo 195 da Constituição Federal prevê o financiamento da Seguridade Social por toda a sociedade na qual estão envolvidos a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, além das contribuições pagas pelo empregador, pela empresa ou entidade equiparada, pelo trabalhador, e pelas contribuições que incidem sobre as receitas de concursos de loterias entre outros, bem como há a possibilidade de instituição de outras fontes de custeio destinadas a assegurar o aprimoramento da seguridade social.

2.3 FORMAS DE FINANCIAMENTOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL

A Previdência Social, conforme se pode compreender do que foi mencionado anteriormente, é uma parcela da seguridade social, tal como discorre o artigo 194 da Constituição Federal:

Artigo 194. A seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinados a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.[17]

Ao que se alude ao custeio dos fins da Seguridade Social, consequentemente, da Previdência Social, o parágrafo único desse instituto em seu inciso VI:

Parágrafo único: Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos: [...].

[...] VI- diversidade na base de financiamento; [...] [18]

Apoiado nesta conjuntura, o artigo 195 determinou a forma de como a Seguridade social será financiada, ou seja, mais especificamente por toda a sociedade seja de forma direta ou indireta, a saber:

Os itens elencados tratam-se da maior parcela de contribuintes da Previdência Social, Regime Geral da Previdência Social, sendo, conforme mencionado, o seu principal meio de financiamento, na qual vai resultar em benefícios a toda a sociedade.

A arrecadação destes recursos e consequente transferência ao RGPS assistem à empresa, contudo, algumas delas deixam de repassar, incidindo em crime contra a previdência social, para melhor compreender essa conjuntura, fundamental se faz tratar acerca deste tipo penal, a fim de aprofundar-se no contexto previdenciário.

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3 CRIMES CONTRA A PREVIDÊNCIA

 3.1. CRIMES: CONCEITOS

O conceito de crime é eminentemente jurídico e em sua essência se refere a um ilícito penal, na qual é definido sob três perspectivas: atendendo-se ao aspecto externo, puramente nominal do fato, obtêm-se uma definição forma; observando-se o conteúdo do fato punível, consegue-se uma definição material ou substancial; e examinando-se as características ou aspectos do crime, chega-se a um conceito também formal, mas analítico da infração penal. De modo que se pode expor três conceitos específicos para o crime.

Júlio Fabrini Mirabete sob o aspecto formal observa que: “Crime é o fato humano contrário à lei, é uma ação legalmente punível, de ação ou omissão proibida pela lei sob ameaça de pena. “[20]

Heleno Cláudio Fragoso o conceitua como sendo uma ação ou omissão contrária ao Direito, na qual a lei atribui uma pena.[21]

É relevante destacar que essas definições alcançam apenas um dos aspectos da essência do crime, o mais aparente, que é a contradição do fato a uma norma de direito, ou seja, a sua ilegalidade como fato que se opõe à norma penal.

Assim, fundamental se faz compreender o conceito de crime a partir do conceito material, para isso, segundo Julio Fabrini Mirabete, é necessário indagar a razão que levou o legislador a prever a punição dos autores de certos fatos e não de outros[22], por esse prisma, tem-se a seguinte definição:

Crime é a ação ou omissão que, a juízo do legislador, contrasta violentamente com valores e interesses do corpo social, de modo a exigir seja proibida sob a ameaça de pena ou que seja afastável somente através da sanção penal. [23]

A definição formal analítico é destacada por Noronha como sendo uma ação típica, antijurídica e culpável. Típica por resultar de um comportamento humano que produz resultados que é previsto na lei penal como crime; antijurídico, que vai de encontro ao ordenamento jurídico; e culpável, na qual o agente age com ação ou omissão penal, representando o dolo ou a culpa.[24]

A partir desses esclarecimentos acerca dos conceitos inerentes ao crime, tem-se a possibilidade de discorrer acerca dos crimes contra a Previdência Social.

3.2 CRIMES CONTRA A PREVIDÊNCIA: APROPRIAÇÃO INDÉBITA

A seguridade social no Brasil foi elaborado sob o regime de repartição, outrossim, impõe que sejam reprimidas ações inclinadas a desrespeitar os preceitos estatais que regem o seu financiamento, de modo a cumprir constantemente o princípio da eficiência, inerente à administração pública.

Os crimes contra a previdência não se trata de uma circunstância contemporânea, o Decreto-Lei 65/ 1937 previa em seu artigo 5° que incorria em pena em termos da legislação vigente o empregador que retivesse as contribuições de seus empregados e não as recolhesse na época própria. Com o surgimento da Lei Orgânica da Previdência Social- LOAS- a Lei 3.807-1960, a retenção das contribuições dos empregados por parte da empresa ou de outros contribuintes foi equiparado ao crime de apropriação indébita tal como previsto no artigo 168 do Código Penal.  Com o sancionamento da lei 8212/91, que tratava da organização da Seguridade Social, o artigo 95, alínea a previu que caracterizaria crime o empregador que deixasse de recolher em época própria, contribuição ou outra importância devida à Seguridade Social e arrecadada dos segurados ou do público, sendo este artigo posteriormente revogado pela atual Lei 9983/2000.[25]

Conforme mencionado anteriormente, sendo a norma estatal desrespeitada, incorre o indivíduo em um ilícito penal, ao que se refere especificamente à Previdência Social, a Lei 9983/2000 inseriu o artigo 168-A, que trata da apropriação indébita previdenciária, no Código Penal, além de outros institutos esparsos no mesmo diploma, invalidando o artigo 95 da Lei 8212/91 que tipificavam os crimes contra a Seguridade Social:

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social [...] [26]

Compreende-se da essência deste instituto que a pretensão do legislador foi a de imputar o crime de apropriação indébita previdenciária ao agente que não repassar ou recolher, dentro do prazo determinado em lei, contribuição ou outro valor destinado à previdência social que tenha sido descontado de contribuintes, bem como outras contribuições que tenham sido lançadas em despesas contábeis, entre outras circunstâncias. Essa norma tem objetivo inequívoco de se evitar a sonegação fiscal, de modo a inibir o desvio de recursos que são sobremaneira da Previdência Social, a fim de assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. [27]

Antônio Lopes Monteiro faz a seguinte colocação a respeito dessa conjuntura:

[...] na verdade esse artigo protege o patrimônio não de uma pessoa ou de algumas pessoas, como nos demais crimes previstos nesse Título, mas o patrimônio de todos os cidadãos que fazer parte do sistema previdenciário.[28]

Não obstante a pretensão inserida no instituto em comento, há distinção entre a apropriação indébita previdenciária e a que está disposta no artigo 168 do Código Penal em seu artigo 168 “[...] apropriar-se de coisa alheia ou móvel, de quem te a posse e a detenção [...]”, tal como destaca Andreas Eisele:

Dentre as divergências entre as hipóteses, podem ser indicadas: a) irrelevância da eventual existência de situação de posse (pelo agente) do objeto material sobre o qual recairá a conduta; b) a desnecessidade da presença da intenção apropriativa do objeto, por parte do sujeito; e c) a titularidade da propriedade do objeto, que pertence ao próprio sujeito (motivo pelo qual a coisa sobre a qual recai a conduta não é alheia.) [29]

Os elementos do tipo da apropriação indébita previdenciária são singulares à da apropriação indébitas expressa no artigo 168 do Código Penal, segundo Fernando Capez o caput do artigo 168-A incrimina o agente que deixar de repassar os recursos arrecadados por ele, contribuições recolhidas junto aos contribuintes, à Previdência Social, agente passivo representando o Estado, dentro do prazo estipulado por lei e na forma que ela preconiza, portanto, trata de um crime de omissivo, e não necessariamente de se apropriação de coisa alheia, comissivo.[30]

Na mesma concepção destaca Tânia de Oliveira ao expor que:

O crime de apropriação indébita descrito no caput do artigo 168 do Código Penal significa fazer sua coisa alheia como se dela fosse dono. Já o crime descrito no caput do artigo 168-A do mesmo diploma normativo traduz uma ação de não fazer o que a lei determina que seja feito, ou seja, o repasse das contribuições à Previdência Social. [31]

Diante dessas colocações, inequívoco está que a conduta criminosa consiste na omissão do responsável pelo crédito tributário, agente ativo, que, tendo arrecadado os recursos das contribuições, não efetiva o repasse à instituição previdenciária, portanto, refere-se a um crime próprio, mas especificamente um crime formal, tal condição é justificada no entendimento de que a conduta prevista no tipo, ou seja, “deixar de recolher no prazo legal”, assim, o crime se consuma no momento em que o tempo legal é exaurido.

Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari fazem a seguinte explanção em relação ao tema em comento:

Entendemos que o crime continua a ser omissivo e independente com relação á apropriação indébita, pois não há a exigência da intenção de se apropriar dos valores não recolhidos. Diferente situação ocorre na apropriação indébita comum (art. 168, caput), cujo elemento normativo do tipo consiste na vontade livre e consciente do sujeito apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem posse ou a detenção. Outrossim, assente na doutrina que o tipo deve ser analisado em função dos seus elementos descritivos, normativos e subjetivos, e não pelo rótulo que lhe apo o legislador.[32]

A controvérsia que surge em relação ao elemento subjetivo, dolo ou culpa, reside na evidência do verbo, “deixar”, que, em tese, representa a culpa de não fazer e não necessariamente “tomar para si” intencionalmente, como alude o artigo 168 do CP. Contudo, segundo Fernando Capez, nesse contexto específico, ao que tange ao elemento subjetivo, não há de se falar em culpa, mas sim em dolo, pois consiste na vontade livre e consciente de recolher as contribuições e não repassar a Previdência.[33]

De acordo com Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, o entendimento que predominava no Supremo Tribunal Federal era o de que, diferente do que ocorre com o crime de apropriação indébita, o delito previdenciário não exige para a sua formação o animus rem sibi habendi. [34][35]

Salvo algumas poucas exceções, os Tribunais vinham entendendo que se tratava de crime omissivo próprio formal, ou seja, não se exigia a apropriação dos valores que deveriam ser recolhidos, com inversão da posse respectiva, e nem dano efetivo à Previdência Social, consumando-se o crime com a simples omissão no recolhimento da contribuição, sem necessidade de resultado naturalístico.[36]

Esse entendimento do Supremo Tribunal restou-se limitado no sentido de se considerar a presunção ficta de uma apropriação por parte do agente ativo, mais especificamente, poderia se chegar à conclusão de que mesmo que não houvesse descontada a contribuição dos contribuintes, bastaria para a configuração de crime de apropriação indébita caso não houvesse o recolhimentos dos valores à instituição previdenciária conforme preconiza a legislação.

Assim menciona Robson Galvão levando em deferência essa conjuntura:

O entendimento atual, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, é justamente nesse sentido, conforme se observa da decisão proferida sobre o assunto no julgamento do Habeas Corpus n. 86.783, cuja publicação ocorreu em 3/3/2008. Foi decidido que se trataria de crime formal, não exigindo “para sua consumação a ocorrência de resultado naturalístico, consistente em dano para a previdência, restando caracterizado com a simples supressão ou redução do desconto da contribuição”.[37]

Complementando essa colocação, Welligton Cláudio Pinho de Castro faz a seguinte menção em comento:

[...] a despeito da denominação "apropriação indébita previdenciária" não se exige para a configuração do delito a intenção de apropriar-se dos valores arrecadados e não recolhidos (animus rem sibe habendi). Tal requisito somente é exigido na apropriação indébita comum em função do núcleo do tipo que é apropriar-se, que significa fazer sua a coisa, tomar para si. Ora, o tipo deve ser analisado em função dos seus elementos descritivos, normativos e subjetivos, e não do rótulo que lhe apõe o legislador. Assim, em nossa opinião, subsiste a corrente jurisprudencial que sufragou o entendimento de tratar-se de crime omissivo puro, autônomo, distinto da apropriação indébita. [38]

Contudo, diante dessa fragilidade de interpretação, destacam Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, o plenário do Supremo Tribunal Federal alterou a orientação anteriormente mencionada quando decidiu que a apropriação indébita previdenciária não se corrobora como crime formal, mas como, ou seja, indispensável à ocorrência de apropriação dos valores, igualmente, inversão da posse deles, consequentemente, protegendo o objeto jurídico cuja posse é da Previdência Social. Outro entendimento do Tribunal é a de que se existe a pendência de recurso administrativo onde se discute a exigibilidade do tributo, não cabe ação penal. [39]

Robson Galvão destaca a seguinte situação em torno do tema:

Ocorre que, recentemente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de Agravo Regimental apresentado junto aos autos de Inquérito n.º 2537, em decisão unânime, adotou entendimento diverso sobre o assunto, pois decidiu se tratar de crime omissivo material, sendo indispensável à ocorrência de apropriação dos valores, com inversão da posse respectiva. Consignou-se, ainda, que o bem jurídico protegido é o patrimônio da Previdência Social.

Segundo o relator, “a leitura do artigo 168-A do Código Penal revela que se tem como elemento da prática delituosa deixar de repassar contribuições previdenciárias, indispensável, portanto, a ocorrência de apropriação dos valores, com inversão da posse respectiva”.[40]

Diante dessa conjuntura fica fácil compreender que a mera presunção da apropriação indébita, respaldada na suposta apropriação de um recurso não recolhido pelo fato de a lei exigir o recolhimento em determinado prazo não configuraria o delito em pauta, mas sim, deveria existir o pressuposto do animus rem sibi habendi .

Contudo, conforme bem observam Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, houve outro entendimento da primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na qual entendeu novamente que não há a necessidade de se exigir o princípio do animus rem sibi habendi , sendo que tal condição está expressa na decisão que segue:

HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. ART. 168-A DO CÓDIGO PENAL. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI). IMPROCEDÊNCIA DAS ALEGAÇÕES. ORDEM DENEGADA.

1. É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que para a configuração do delito de apropriação indébita previdenciária, não é necessário um fim específico, ou seja, o animus rem sibi habendi (cf., por exemplo, HC 84.589, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 10.12.2004), "bastando para nesta incidir a vontade livre e consciente de não recolher as importâncias descontadas dos salários dos empregados da empresa pela qual responde o agente" (HC 78.234, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 21.5.1999). No mesmo sentido: HC 86.478, de minha relatoria, DJ 7.12.2006; RHC 86.072, Rel. Min. Eros Grau, DJ 28.10.2005; HC 84.021, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 14.5.2004; entre outros).

2. A espécie de dolo não tem influência na classificação dos crimes segundo o resultado, pois crimes materiais ou formais podem ter como móvel tanto o dolo genérico quanto o dolo específico.

3. Habeas corpus denegado.[41]

A justificativa é no sentido de que o crime cometido no contexto não se trata somente de meramente formal, mas, igualmente, omissivo-material, uma vez que houve o desconto em folha de pagamento do contribuinte e o respectivo valor não foi repassado à Previdência Social nos termos da lei.

Damásio Evangelista de Jesus compreende que o crime de apropriação indébita na Previdência Social “[...] trata-se de crime de conduta mista, posto que, anterior à conduta omissiva (deixar de repassar), existe uma conduta comissiva estribada na ação de recolher.” [42]

De uma forma geral, a diferença existente entre o crime de apropriação indébito previsto no artigo 168 do CP e o crime de apropriação indébita previdenciária, previsto no artigo 168-A, reside da não existência do animus rem sibi habendi (vontade livre e consciente de ter a coisa para si) nesta última situação. Em tese, o que se constata é que no crime do artigo 168 do CP há a existência do dolo; enquanto, no 168-A observa-se a culpa.

Conforme se constata das posições expostas, observa-se que não há um posicionamento concreto dos debates acerca da situação que envolve o Artigo 168-A do Código Penal, de modo que outras situações conflituosas surgiram após a reafirmação da suprema corte de crime omissivo, não qual não se exigiu a necessidade de ocorrência do animus rem sibi habendi para a sua caracterização. A apropriação deve ter uma vontade imanente, mas especificamente, ter a vontade de tomar o bem como próprio.

Roberto Podval e Paula Kahan Mendel afirmam que: 

Em face desta reconsideração dos ditames do delito insculpido no artigo 168 do Código Penal para a punibilidade do não-recolhimento de contribuições previdenciárias, temos que passa a se fazer necessária a prova, não somente do dolo genérico de não recolher o valor devido ao Instituto Nacional do Seguro Social (isto é, da intenção do agente apropriar-se dos valores), como também, e principalmente do dolo específico do agente em querer trazer com isso um benefício a si mesmo ou a terceiros.[43]

Destarte, diante das miscelâneas de decisões e entendimentos acerca da apropriação indébita previdenciária, na seqüência será realizada uma abordagem no sentido de destacar a constitucionalidade ou não do crime de apropriação indébita previdenciária.

4 APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA: ANÁLISES DAS JURISPRUDÊNCIAS E DOUTRINAS

Conforme já foi destacado, a Constituição Federal nos artigos 194 e 195 discursam que a seguridade social, representada pela saúde, previdência e assistência social é financiada de forma direta ou indireta por toda a sociedade e pelo Estado, devendo esses recursos serem alocados de forma adequada de modo que esses setores cumpram o princípio da eficiência da administração público.

As contribuições sociais dos empregados decorrentes de sua previdência social é responsabilidade do recolhimento é do empregador, por conseqüência repassada ao INSS em data especificada em lei, tem como finalidade assegurar ao indivíduo os benefícios previdenciários como aposentadoria e outros benefícios decorrentes dessa instituição e garantidos constitucionalmente, portanto, representando a relevância dessas contribuições sociais. Foi pensando nessa relevância que o legislador tornou compulsório que o empregador fosse o responsável para a transferência desses valores, a fim de que o trabalhador o deixasse de fazer.

Nesse sentido, Rafael Augusto de Conti faz a seguinte colocação a respeito: Como não haveria outra razão para estas imposições legais a não ser a consideração por parte do Estado da baixa tendência do ser humano de se precaver para o futuro, o legislador optou não só por restringir o empregado de alocar os seus recursos presentes do modo que quiser como, também, o legislador optou por deslocar a responsabilidade do pagamento e do recolhimento do tributo para o empregador, que o deve fazer na fonte por força de lei.[44]

Essa perspectiva teve como finalidade reduzir o risco de um possível não recolhimento por parte do empregado, igualmente, aprimoraria a operação de arrecadação do Estado, uma vez que a comunicação se resumira às empresas e não a diversos contribuintes, de modo que assiste ao empregador repassar esses recursos descontados dos empregados à previdência.

Rafael Augusto de Conti faz a seguinte menção para melhor compreender a condição anterior:

[...] o desconto da contribuição é feito no salário do empregado, o qual é arcado diretamente pelo empregador, sendo que o trabalhador com carteira assinada (empregado) não pode optar por não aderir à Previdência e receber o dinheiro que a esta é devido em seu próprio nome. Ou seja, o empregado não pode dispor deste dinheiro imediatamente, mas só no futuro.[45]

Segundo Fábio Zambitti[46], as contribuições previdenciárias sobre a folha de pagamento se caracterizam por implicações positivas, assegurando ao contribuinte o retorno em forma de benefícios no futuro ou quando dela necessitar; e negativas, que se resume na inconstitucionalidade da redação do artigo de 168-A co CP que trata da apropriação indébita previdenciária, pelo fato de que, pelo discurso do referido instituto, até o empregador em dificuldades financeiras que não tem como quitar seu débito com o empregado, pode ser preso quando o interpretador da lei não considera a falta de compatibilidade da norma diante dos princípios constitucionais como, por exemplo, o da razoabilidade, bem como dos Direitos fundamentais do cidadão.

Nesse contexto, Rafael Augusto de Conti destaca:

O tipo penal inconstitucional do CP 168-A, para proteger um bem jurídico futuro, acaba por atentar contra direitos fundamentais, tais como o direito de não ser preso por dívidas, o direito alimentar imediato do responsável tributário e, como se demonstrará abaixo, o direito alimentar imediato do próprio empregado, bem como, o CP 168-A atenta contra direitos essenciais para o desenvolvimento da Democracia, tal como o direito de liberdade de iniciativa.[47]

Segundo Jefferson Aparecido Dias, diversos autores defendem a tese de que a prisão advinda da ausência de recolhimento das contribuições sociais arrecadadas dos contribuintes é de natureza civil, de modo que a utilização do direito penal tem utilidade somente como ferramenta de coerção, com o fito de lograr a reparação patrimonial do Estado.[48]

A partir desse pressuposto anterior, há o entendimento que esse comportamento de não recolhimento das contribuições sociais descontadas dos segurados, resultando no constrangimento do direito de ir e vir, seria, a partir dessa idiossincrasia, inconstitucional, afrontando o inciso LXVII[49] da Constituição e o parágrafo 2º do mesmo instituto.[50]

Rafael Augusto de Conti faz a seguinte menção acerca dessa circunstância:

A supremacia da liberdade individual de ir e vir (dignidade humana) sobre dívidas (capital, coisa) está inserida no nosso ordenamento jurídico em suas raízes positivas e pré-positivas mais profundas, sendo o CP 168-A verdadeiro atentado a esta garantia fundamental-constitucional do indivíduo.

Complementa Jefferson Aparecido Dias mencionando que a ofensa a esses princípios expostos na citação anterior leva à inconstitucionalidade de apropriação indébita, sendo tal contexto reforçado pela doutrina de Rosângela Slomp tal como segue:

Mas, no caso da indiscriminação da conduta de não-recolhimento de contribuições previdenciárias, anteriormente prevista no artigo 95 da Lei 8212/91 e hoje deslocada para o Código Penal é, exatamente, essa fraude constitucional que se verifica quando juízos equivocados assim estabelecem:

O art. 95, letra “d”, da Lei 8212/91, é compatível com o artigo 5º, LVIII das CF, pois prevê prisão por crime e não prisão por dívida.

A fraude constitucional que se vem praticando no Brasil, aliás, já foi há muito denunciada por Manoel Pedro Pimentel, quando o delito de não-recolhimento de contribuição previdenciária ainda estava atrelado à apropriação indébita. Esse autor fez uma análise do delito, com o contrato de depósito e com a apropriação indébita, para concluir que, em verdade, a empresa que arrecada a contribuição social não poderia ser depositária porque, nos termos da lei civil que define o depósito, não manifestou a vontade de receber a coisa, mas a recebeu por imposição unilateral do Estado. Deixando de recolher as contribuições arrecadadas, a empresa omite-seno cumprimento de uma obrigação que lhe foi imposta pelo Estado, mas este inadimplemento de obrigação, entretanto, “não pode ser erigido á categoria de apropriação indébita, a não ser por arbítrio do legislador que equivocadamente o assemelhou ao comportamento de depositário infiel.[51]

É importante destacar que a doutrina vem apontando que a partir do Pacto de San Juan da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário, toda e qualquer prisão civil por dívida, exceto a de alimentos, vai de encontro aos princípios inerentes aos Direitos Humanos, assim, por força da Emenda Constitucional 45/2004, que acrescentou o parágrafo 3º ao artigo 5º da CF que tem o seguinte discurso: "[...] os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” [52], compreende-se, levando em conta a doutrina apresentada no parágrafo anterior, que o crime de apropriação indébita previdenciária é inconstitucional, de modo que a segunda parte do artigo 5º, inciso LXVII, “[...] não haverá prisão civil por dívida, salvo a do [...] depositário infiel” [53]·, vai de encontro ao parágrafo 3º da CF conforme mencionado, portanto, por analogia, a prisão por apropriação indébita previdenciária é ilegal.

De acordo com Rafael Augusto de Conti:  

É preciso reiterar: o patrimônio (capital, coisa) nunca pode estar acima da liberdade do indivíduo (dignidade humana), a qual, no final das contas, é o que produz, constrói, este próprio patrimônio, sendo inclusive incoerente prender alguém por dívida em razão da redução que isto causará na capacidade deste alguém produzir recursos para saldar seu débito. De um ponto de vista puramente lógico, econômico, é absurdo extinguir a fonte que pode satisfazer o crédito previdenciário. [54]

Observa-se que, na tipificação do crime previsto no artigo 168-A do CP, o legislador considerou meramente o contexto omissivo próprio, considerando o fato em uma situação genérica, que em sua essência, representa um “não pagar”, contudo, tal contexto representa uma conduta desproporcional sem considerar o caso concreto, indo de encontro com o princípio da proporcionalidade.

E é considerando essa realidade que a aplicação da pena de prisão por apropriação indébita previdenciária se torna uma conduta excessiva e desarrazoada, cujo resultado é a anulação sem justificativa do direito de não-sujeição à privação da liberdade por dívida, tal como prevê o inciso LXVII do artigo 5º do texto constitucional já mencionado, assim, conforme lembra Rafael Augusto de Conti que bem tutelado pela norma penal, representada pela arrecadação do Estado, não se mostra suficiente para anular o Direito Fundamental de liberdade, de modo que o poder do Estado em legislar não pode representar o poder de destruir um direito constitucionalmente consagrado e considerado como cláusula pétrea.

Rafael Augusto de Conti coloca:

É claro, portanto, que a redação ampla e precária do CP 168-A atenta contra a CF em seus aspectos mais fundamentais e, ao contrário de fomentar o desenvolvimento democrático (que deve ser a finalidade de toda e qualquer norma), acaba por emperrá-lo via desrespeito de direitos fundamentais, via desrespeito da própria dignidade humana.[55]

Destarte, ao generalizar o tipo penal previsto no mencionado instituto, colocando toda e qualquer conjuntura como crime, o legislador preteriu o caso concreto, ou seja, a realidade do empreendedor que tenta, com sua empresa, cumprir a função social inerente a ela, gerando emprego e renda. Assim, levando em deferência uma situação hipotética em que o não repasse das contribuições sociais à previdência representa uma conduta do empreendedor em manter o emprego de seu funcionário, consequentemente, mantendo a condição de sobrevivência de sua família. Concluindo esse raciocínio, Rafael Augusto de Conti bem observa:

Ora, nem a CF, nem o senso comum, estabelece que alguém esteja obrigado a perder sua liberdade em razão de causas alheias a sua vontade que privam a fonte alimentar futura de outrem, que é justamente o que ocorre quando uma empresa não tem recursos financeiros para pagar a contribuição previdenciária de seus empregados, pois está no prejuízo, e acaba por ter seu administrador (que pode nem ser sócio) preso porque o tributo devido não foi recolhido e repassado.[56]

Além desse aspecto, a finalidade do artigo 168-A pode implicar situações paradoxais, como o fato de o empreendedor infringir uma norma penal pelo fato de seu empreendimento fracassar, assim, o fracasso passa a ser motivo de punição penal.

De acordo com Fernando Capez, dependendo do caso concreto analisado, a situação enquadra-se em excludente de ilicitude, como, por exemplo, em caso de dificuldade financeira da empresa, enquadra-se em estado de necessidade por parte do empreendedor, sendo assim colocado pelo jurista:

Causa de exclusão da ilicitude da conduta de quem, não tendo o dever legal de enfrentar uma situação de perigo atual, a qual não provocou por sua vontade, sacrifica um bem jurídico ameaçado por esse perigo para salvar outro, próprio ou alheio, cuja perda não era razoável exigir. No estado de necessidade existem dois ou mais bens jurídicos postos em perigo, de modo que a preservação de um depende da destruição dos demais. Como o agente não criou a situação de ameaça, pode escolher, dentro de um critério de razoabilidade ditado pelo senso comum, qual o salvo.[57]  

Edgar Magalhães Noronha bem menciona que é inequívoco que entre conflitos de dois bens tutelados, o Estado não pode intervir no sentido de salvar um e sacrificar outro, mas sim deve permanecer na expectativa da solução. Na circunstância de dificuldades financeiras da empresa, evidente está que o empreendedor deve escolher entre recolher as contribuições previdenciárias ou manter a empresa, consequentemente, funcionários, mantendo emprego e gerando rendas, pois ele deve escolher entre algo que solucionará no presente ou algo que se efetivará no futuro. [58]

Rafael Augusto de Conti faz a seguinte colocação:

A razoabilidade, obviamente, vai indicar que a proteção do primeiro bem deve ser aquela escolhida, pois há atualidade e inevitabilidade do perigo, além da involuntariedade em sua causação e da inexigibilidade do sacrifício do bem ameaçado, o qual é um direito alimentar imediato porque necessário para a preservação da vida do

empregado.[59]

Destarte, não se quer anular a responsabilidade do empreendedor com esses pressupostos, mas sim expor que o aspecto penal, o crime de apropriação indébita previdenciária não se justifica nos termos que o artigo 168-A, uma vez que ele está colocado genericamente, preterindo a análise do caso concreto, de modo que vai de encontro à doutrina processual penal de que a liberdade é a regra e a prisão exceção. Não obstante essa conjuntura, de acordo com Jefferson Aparecido Dias[60], a jurisprudência vem entendendo em sentido contrário, considerando constitucional o crime de apropriação indébita, no entanto, houve algumas posições de tribunais apontando a excludente de ilicitude, condições essas que serão tratadas na sequência.

4.1 ANÁLISES DAS DECISÕES ACERCA DO CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA.

Levando em deferências as exposições mencionadas em relação aos aspectos envolvendo o crime de apropriação indébita previdenciária previsto no artigo 168-A do Código Penal, ficou inequívoco do que foi tratado anteriormente que a posição dos juristas é conflituosa e da mesma forma se encontra as decisões dos tribunais. São várias as decisões que se embatem, ora considerando o crime ora desconsiderando como tal.

Dentre as decisões dos tribunais menciona-se a do Supremo Tribunal Federal na decisão do Recurso em Habeas Corpus Classe RHC 88144/SP, na qual se tem a seguinte posição da instituição:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. INÉPCIA DA DENÚNCIA: DESCRIÇÃO GENÉRICA. FALTA DE JUSTA CAUSA. EXIGÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI). OFENSA AO PRINCÍPIO DA ANTERIODADE DA LEI. ALEGAÇÕES IMPROCEDENTES.

1. A denúncia que descreve os fatos delituosos e aponta seus autores não é inepta. Na espécie, o paciente e sua sócia foram denunciados pelo não-repasse à Previdência Social das contribuições previdenciárias descontadas dos empregados, omissão que o paciente confessou ter conhecimento.

2. Ao contrário do crime de apropriação indébita comum, o delito de apropriação indébita previdenciária não exige, para sua configuração, o animus rem sibi habendi.

3. Inocorrência de ofensa ao princípio da anterioridade da lei: a jurisprudência desta corte firmou-se no sentido de que "[o] artigo 3º da Lei no. 9.983/2000 apenas transmudou a base legal da imputação do crime da alínea 'd' do artigo 95 da Lei no. 8.212/1991 para o artigo 168-A do Código Penal, sem alterar o elemento subjetivo do tipo, que é o dolo genérico'. É dizer: houve continuidade normativo-típica. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.[61]

Conforme se observa da decisão do eminente tribunal, o mero fato do não repasse dos recursos à previdência configura crime de apropriação indébita previdenciária, preterindo com isso o princípio do animus rem sibi habendi, necessário estar presente no crime de apropriação indébita comum, previsto no artigo 168 do Código Penal

Nesse contexto, Henrique Herkenhoff [62] faz a seguinte colocação:

[...] como não há manuseio físico de papel-moeda, mas apenas o lançamento de rubricas contábeis, é inteiramente dispensável o animus rem sibi habendi: basta que o agente, consciente de haver sido realizado o recolhimento das contribuições previdenciárias, deixe de providenciar o seu repasse, quando tiver esta atribuição legal. Para a configuração do delito, é suficiente, portanto, que se tenha esgotado “o prazo para que se efetue o repasse à Previdência Social.

Assim sendo, o agente não efetivando o recolhimento no prazo legal já configuraria o crime de apropriação indébita previdenciária, nesse entendimento menciona o Tribunal Regional Federal da 4º Região, cujo relator foi o ministro Juiz Vilso Darás na apelação criminal n. 95.04.16786-A/RS: “O prazo esgota-se no segundo dia útil do mês subseqüente ao do desconto, considerando-se consumado o crime de não-recolhimento de tais parcelas no dia seguinte ao término do prazo legal para a satisfação da obrigação.”[63]

Destaca-se, outrossim, que há posicionamento controverso à posição anterior na qual está insofismável que há o afastamento de crime de apropriação indébita previdenciária quando o agente deixa de repassar os recursos para a previdência por motivos de dificuldades financeiras, enquadrando-se no contexto de inexibilidade de conduta diversa, ou seja, o agente não tinha outra opção se não deixar de recolher o tributo em favor de um benefício maior. Nesse sentido destaca-se a Apelação Criminal n. 97.04.08827-2/RS do relator Juiz jardim de Camargo do Tribunal Regional Federal da 4º região, 2º turma:

A penúria do empresário é causa extintiva da punição. Comprovada a falência, surge a inexigibilidade de conduta diversa, em que o réu demonstrou não possuir numerário para o pagamento de dívidas, como as contribuições previdenciárias, por ter dado preferência ao pagamento dos salários dos empregados.[64]

É relevante mencionar que, de acordo com a decisão do tribunal mencionado, fundamental a comprovação da condição de impiosidade do agente, a ponto de em condição contrária, não configurar a excludente de inexigibilidade de conduta diversa.

Carolina de Gusmão Furtado em suas palavras coloca que:

Diante da comprovação de uma situação de dificuldades financeiras invencíveis, pode-se vislumbrar, entre as causas supralegais de exculpação, hipótese de conflito de deveres, isto é: o agente, em razão dessas dificuldades financeiras extremas, teria que optar entre efetuar os pagamentos dos empregados ou realizar o repasse à previdência das contribuições arrecadadas. Estaria, assim, em situação de escolha do mal menor, de modo que não se afiguraria razoável exigir o cumprimento do dever de agir em conformidade com a norma.[65]

Reforça a autora que para que essa TSE seja aceita, fundamental é a análise do caso concreto, assistindo ao juiz avaliar todos os aspectos inerentes ao fato, a fim de que toda ação do agente não esteja amparada por essa excludente de ilicitude.

Há diversas decisões dos tribunais que negaram provimento no sentido da inexigibilidade de conduta diversas em casos de não repasse dos recursos previdenciários, caracterizando-se assim, apropriação indébita previdenciária, destacando-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça da Paraíba conforme segue:

Processo REsp 888947 / PB

RECURSO ESPECIAL 2006/0207474-2

Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128)

Órgão Julgador T5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento 03/04/2007

Data da Publicação/Fonte DJ 07.05.2007 p. 364

Ementa  PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PRESCINDIBILIDADE DO  ESPECIAL FIM DE AGIR OU DOLO ESPECÍFICO (ANIMUS REM SIBI HABENDI). CRIME OMISSIVO PRÓPRIO. REGISTRO EM LIVROS CONTÁBEIS E DECLARAÇÃO À PREVIDÊNCIA SOCIAL DOS DESCONTOS NÃO RECOLHIDOS. IRRELEVÂNCIA. DIFICULDADES FINANCEIRAS. EXCLUDENTE DA CULPABILIDADE. ÔNUS DE PROVA DA DEFESA. INDÍCIOS.  INADMISSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

 1. O dolo do crime de apropriação indébita previdenciária é a consciência e a vontade de não repassar à Previdência, dentro do prazo e na forma da lei, as contribuições recolhidas, não se exigindo a demonstração de especial fim de agir ou o dolo específico de fraudar a Previdência Social como elemento essencial do tipo penal.

2. Ao contrário do que ocorre na apropriação indébita comum, não se exige o elemento volitivo consistente no animus rem sibi habendi para a configuração do tipo inscrito no art. 168-A do Código Penal.

3. Sendo assim, o registro nos livros contábeis e a declaração ao Poder Público dos descontos não recolhidos, conquanto sejam utilizados para comprovar a inexistência da intenção de se apropriar dos valores arrecadados, não têm reflexo na apreciação do elemento subjetivo do referido delito.

4. Trata-se de crime omissivo próprio, em que o tipo objetivo é realizado pela simples conduta de deixar de recolher as contribuições previdenciárias aos cofres públicos no prazo legal, após a retenção do desconto.

5. A alegada impossibilidade de repasse de tais contribuições em decorrência de crise financeira da empresa constitui, em tese, causa

supralegal de exclusão da culpabilidade – inexigibilidade de conduta

diversa –, e, para que reste configurada, é necessário que o julgador verifique a sua plausibilidade, de acordo com os fatos concretos revelados nos autos, não bastando para tal a referência a meros indícios de insolvência da sociedade.

6. O ônus da prova, nessa hipótese, compete à defesa, e não à

acusação, por força do art. 156 do CPP.

7. Recurso conhecido e provido para denegar a ordem de habeas corpus e, conseqüentemente, determinar o prosseguimento da ação penal. [66]

Portanto, o que constata é que os elementos probatórios para a configuração de dificuldades financeiras devem ser amplos e rigorosos a fim do não enquadramento do crime de apropriação, assim complementa Carolina de Gusmão Furtado:

A mera referência a dificuldades financeiras não é suficiente para ilidir a responsabilidade penal dos agentes. A exclusão da culpabilidade requer a existência de elementos seguros, aptos a comprovar a impossibilidade do recolhimento das contribuições devidas à Previdência.

Outro questionamento envolvendo o artigo 168 – A refere à prisão do devedor, Wladimir Novaes Martinez destaca que no artigo 5º, inciso LXVII da CF diz que: “[...] não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel “, condição essa reforçada pelo Pacto de São José da Costa Rica do qual o Brasil é signatário e que corrobora que não haverá prisão  por dívidas, contudo, o entendimento da doutrina é que o não repasse dos recursos previdenciários descontados dos funcionários à Previdência não se trata de dívida civil, mas sim, de um ato omissivo, portanto, cabível à esfera penal, nesse sentido menciona Dormando Fontoura et al:

Destarte, não há que se falar em prisão civil por dívida quando da configuração do crime de apropriação indébita previdenciária, e a jurisprudência é uníssona nesse sentido4. Tanto o é, que o Tribunal Regional Federal da 4a Região tratou do assunto na Súmula 65, afirmando que "a pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias não constitui prisão por dívida".[67]

No mesmo sentido posicionou-se o Ministro Celso de Melo no julgamento do HC n. 77.631-5 ao mencionar que:

Observo, no entanto, que a prisão de que trata o artigo 2º , II da Lei 8137/90, longe de reduzir-se ao perfil jurídico e á noção conceitual de prisão meramente civil, qualifica-se como sanção de caráter penal, resultante, quando a sua imponibilidade, da prática de comportamento juridicamente definido como ato delituoso. [68]

Destarte, é pacificada a doutrina ao que se refere à prisão do devedor, entende ela que não se trata de divida civil, mas sim de ato omissivo, ou seja, de vontade própria do agente, independente da circunstância envolvida para a consubstanciação do evento.

Quanto à extinção da punibilidade, o parágrafo 2º do artigo 168 – A deixa patente que: “[...] é extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal." [69]

Assim, é possível compreender que são requisitos para a extinção da pretensão punitiva por parte do Estado, segundo Dormando Fountoura et al:

Conforme se observa, o Estado afastou a pretensão punitiva, quando o agente promove a quitação de seu débito, destarte, diante dessa conjuntura, o Estado passou a considerara a suspensão da punição com o parcelamento dos débitos, conforme dispõe o artigo 9º da Lei 10684/2003:

Art. 9° É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

 § 1° A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2° Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios. [71]

A posição do Ministro César Peluso no  julgamento do HC 85643/RS de deixa inequívoca essa condição:

Ementa: AÇÃO PENAL. Crime tributário. Não recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas aos empregados. Condenação por infração ao art. 168-A, cc. art. 71, do CP. Débito incluído no Programa de Recuperação Fiscal - REFIS. Parcelamento deferido, na esfera administrativa pela autoridade competente. Fato incontrastável no juízo criminal. Adesão ao Programa após o recebimento da denúncia. Trânsito em julgado ulterior da sentença condenatória. Irrelevância. Aplicação retroativa do art. 9° da lei n° 10.684/03. Norma geral e mais benéfica ao réu. Aplicação do art. 2°, § único, do CP, e art. 5°, XL, da CF. Suspensão da pretensão punitiva e da prescrição. HC deferido para esse fim. Precedentes. No caso de crime tributário, basta, para suspensão da pretensão punitiva e da prescrição, tenha o réu obtido, da autoridade competente, parcelamento administrativo do débito fiscal, ainda que após o recebimento da denúncia, mas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória." (HC 85643/RS, STF, Min. Rel. Cezar Peluso, DJ de 01 de setembro de 2006).[72]

Conforme se pode constatar, a configuração da apropriação indébita previdenciária pauta-se na análise do caso concreto, não podendo todas as situações enquadrarem-se no mesmo contexto, contudo, é insofismável que o não repasse dos recursos previdenciários recolhidos juntos aos empregados à previdência não se trata de dívida civil, uma vez que a própria doutrina tem entendimento de que se trata de um ato omissivo e não necessita para a configuração do delito da condição de animus rem sibi habendi, sendo, portanto legal a prisão do agente nos termos do artigo 168 – A, no entanto, o próprio ordenamento jurídico, oferece respaldo para a extinção da punibilidade, dentre elas o parcelamento da dívida, uma vez que a pretensão do Estado é o de fazer cumprir a regra que é a liberdade, por meio dos recolhimentos dos recursos a ele devidos, deixando a exceção, a prisão, como último recurso necessário.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pôde-se compreender do que foi tratado nesse trabalho que o financiamento da Previdência Social é de suma importância para o atendimento atual e futuro das necessidades da sociedade, de modo que as contribuições das mais diversas fontes de financiamento é essencial para suprir essa perspectiva.

Dentre as fontes de financiamento estão as contribuições dos empregados que são descontadas de seus salários e repassadas pelas empresas por meio de recolhimento mensal. A apropriação desses recursos, mais especificamente a apropriação deles é considerado pelo ordenamento jurídico, mais precisamente pelo artigo 168-A do Código Penal, crime de apropriação indébita previdenciária, distinguindo do crime de apropriação indébita previsto no artigo 168 do mesmo diploma pelo princípio do animus rem sibi habendi, que a intenção do agente em ter a coisa para si, em que, naquele tipo penal, não se exige tal conduta, de modo que o dolo ou a omissão em repassar os recursos para a Previdência configura-se crime de apropriação indébita previdenciária.

Foi destacado que a jurisprudência vem entendendo que em determinadas situações como dificuldades financeiras da empresa, em que o empregador deixa de repassar os recursos previdenciários em benefício de um bem maior, como o pagamento de funcionários, ocorre a excludente de ilicitude por inexigibilidade de conduta diversa, contudo, é relevante mencionar que o débito previdenciário não se extingue, cabendo ao agente saldá-lo conforme acordo firmado com a instituição.

Ao que se refere à prisão do agente, algumas correntes doutrinárias apontaram de início que a prisão seria ilegal por se tratar de dívida, indo de encontro com o artigo 5º inciso LXVII da Constituição Federal e do Pacto de São Jose da Costa Rica na qual ambos preconizam de que não haverá prisão por dívida, contudo, é pacífica a doutrina que o não recolhimento dos recursos previdenciários descontados dos empregados não se trata de dívida, mas sim de um ato omissivo por dolo ou culpa, portanto inerente à esfera penal, sendo, sim punível com prisão nos termos do artigo 168 –A caput.

Não obstante essa conjuntura, a Lei 10684/2003 previu o a extinção da punibilidade em algumas situações, que vai desde o pagamento do débito até o seu parcelamento, na qual foram apontadas decisões nesse sentido favorável ao agente.

Assim sendo, inequívoco ficou do que foi tratado é que a análise do caso concreto é crucial para a tomada de decisão em relação aos fatos, seria demasiadamente severo punir com prisão ou outra pena qualquer ao empregador com dificuldades financeiras que opta em remunerar seus funcionários em detrimento à previdência, bem como seria demasiadamente injusto e ilegal beneficiar da mesma forma um empregador que age com dolo em não repassar os recursos previdenciários quando a Previdência Social necessita deles para atender os anseios e necessidades da sociedade.

Compreende-se também que o ordenamento jurídico não tem, em sua essência, a pretensão de punição ao preconizar o artigo 168-A, uma vez que a Lei 10684/2003 defende a extinção da punibilidade em algumas situações, portanto, a intenção do Estado é a de manter a Previdência auto-suficiente, a fim de que seus objetivos sejam cumpridos mantendo a harmonia social.

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Sobre os autores
Laerty Morelin Bernardino

Possui Graduação em Direito pela UENP - Universidade Estadual do Norte do Paraná - Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) de Jacarezinho - Paraná, conclusão em 2010. É Pós-graduando em Direito do Estado junto às Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO) em parceria com o Projuris Estudos Jurídicos. Advogado inscrito na OAB/PR com inscrição suplementar na OAB/SP. Atua como advogado efetivo da Câmara Municipal de Quatiguá - PR bem como advogado militante na Comarca de Joaquim Távora - PR.

Rodrigo Orlandini Volpato

Possui Graduação em Direito pela UENP - Universidade Estadual do Norte do Paraná - Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) de Jacarezinho - Paraná, conclusão em 2010. Curso de Extensão universitária em Tutela dos Direitos Humanos e Fundamentais pela Faculdade de Direito de Lisboa Portugal (2011). Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNOPAR, Campus Bandeirantes-Paraná, conclusão em 2014. Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP). Atualmente é advogado, assessor jurídico da Prefeitura de Abatiá-PR, Professor da disciplina de Direito Penal e Processo Penal na UNOPAR - Campus Bandeirantes-PR.

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