Introdução
O eleitorado norte-americano foi às urnas no último dia 04 de novembro de 2014 para escolher alguns de seus representantes nas chamadas midterm elections, ou seja, o pleito de meio de mandato do presidente da República. Seguindo a tradição inaugurada com a Constituição da União em 1787, a cada dois anos há a renovação completa da Câmara dos Representantes (House) e parcial do Senado, uma vez que o mandato dos membros da Câmara Alta é de seis anos (U.S. CONSTITUTION, 1787). Boa parte dos estados também renovou as vagas nos parlamentos estaduais (similares às Assembleias Legislativas no Brasil, havendo também, em alguns estados, Senados locais). Além disso, eleições de governadores ocorreram na maioria dos estados norte-americanos e consultas populares sobre os mais variados temas foram realizadas.
Reafirmando a natureza bipartidária do sistema político dos Estados Unidos (LIPSET AND MARKS, 2000), as disputas permaneceram centradas em candidatos do Partido Democrata e Partido Republicano (GOP[1]). Em poucos estados surgiram candidatos independentes que mostraram algum tipo de competitividade eleitoral. A maioria desses concorrentes não ameaçou a vitória de um candidato dos partidos já institucionalizados. Em geral essas candidaturas alternativas acabaram em terceiro lugar na preferência dos eleitores. Em Rhode Island, por exemplo, na eleição para o governo estadual, Robert Healey obteve pouco mais de 20% dos votos. Apenas um candidato independente foi eleito governador, Bill Walker, com 48%, no Alaska, derrotando o candidato republicano à reeleição. No caso da House, também nenhum outro candidato conseguiu quebrar a polarização entre democratas e republicanos.
Em termos gerais as eleições representaram uma vitória para o Partido Republicano e uma derrota para o presidente Barack Obama. As projeções indicavam que era muito provável que o democrata perdesse a maioria no Senado, mantida quando foi reeleito em 2012. No caso da Câmara dos Representantes, já de maioria republicana, a expectativa era a de que ocorresse uma ampliação dessa maioria, o que significaria um enfraquecimento ainda maior do Partido Democrata.
Abertas as urnas e contabilizados os votos, os resultados eleitorais revelaram uma situação desfavorável para o presidente. Confirmadas as projeções, os republicanos abriram uma vantagem em termos de cadeiras na House e conquistaram a maioria do Senado. Barack Obama tornou-se, pois, um presidente com governo minoritário e dividido, tendo que conviver com essa situação nos próximos e últimos dois anos de sua administração.
O objetivo de nosso artigo é, pois, analisar os resultados das eleições norte-americanas de meio mandato acontecidas em novembro último e refletir sobre suas repercussões para o restante da administração de Barack Obama e, também, para o próprio futuro do sistema internacional até a próxima eleição presidencial a ocorrer em 2016.
Variáveis em jogo
A rede de televisão CNN tradicionalmente realiza e divulga, durante o dia das eleições, as exit polls, pesquisas probabilísticas realizadas com eleitores registrados. São realizadas questões importantes aos eleitores que recém saíram das urnas e é possível, a partir dessas pesquisas, radiografar as características socioeconômicas do eleitor que votou para a Câmara dos Representantes e especialmente suas motivações em relação ao sufrágio dado a determinado candidato. Com o exame das exti polls é possível, assim, identificar as variáveis políticas que estavam em jogo em determinada eleição para o Congresso e, também, a cada quatro anos para a presidência da República.
Conforme os dados, eleitores democratas e republicanos que saíram para votar em 2014 continuam tendo um perfil socioeconômico bastante similar, por exemplo, com o típico eleitor democrata e republicano na eleição para a House de 2008, marco da primeira vitória de Barack Obama. O típico eleitor democrata é mulher, jovem, afro-americano e latino, judeu ou sem religião e com renda anual inferior a 50 mil dólares, concentrando-se ainda mais fortemente no Nordeste do país (CNN EXIT POLLS 2014). Já o eleitor republicano é, em geral, homem, adulto maduro (acima dos 40 anos), branco, religioso, com renda anual superior a 50 mil dólares e concentrado no Sul e Meio Oeste (CNN EXIT POLLS 2014).
Podemos, a partir da comparação das exit polls de 2008 e 2014, explorar algumas variáveis propriamente políticas e que tendem a auxiliar na explicação da folgada maioria conquistada na Câmara dos Representantes pelo GOP em 2014, revertendo o quadro que se apresentava em 2008 quando então o domínio era democrata.
A primeira delas se refere à ideologia e sua relação com a decisão do voto. Aqui, mais do que analisar o comportamento dos liberais – cuja tendência a votar nos democratas é clara – ou dos conservadores – que sufragam no GOP –, é importante observar o grupo de moderados que em 2008 compunham, segundo a pesquisa CCN, 44% dos eleitores registrados e, em 2014, um pouco menos, 40% (CNN EXIT POLLS 2008; CNN EXIT POLLS, 2014).
Desses eleitores moderados, na primeira eleição de Obama, 61% votaram em candidatos do Partido Democrata e apenas 37% em republicanos. Seis anos depois o quadro já não se apresenta tão alvissareiro para os democratas: 53% votaram em democratas nas midterm de novembro enquanto que 45% em republicanos. Parece haver um avanço dos candidatos republicanos neste importante segmento de eleitores moderados que, em eleições anteriores, já garantiu apoio mais dilatado aos democratas.
Outra variável de natureza política é o movimento dos eleitores que se consideram independentes, ou seja, que não se identificam com o Partido Democrata ou com o Republicano. Aqui os dados mostram que os democratas perderam terreno desde a eleição de Obama, tendo as posições sofrido inflexão. Em 2008, 51% dos independentes votaram em democratas ao passo que 43% em republicanos. Já em 2014, 54% dos eleitores independentes apoiaram candidatos republicanos e 42% democratas.
Os independentes, vale destacar, são swing voters, capazes de serem persuadidos pelos dois partidos, uma vez que em relação a eles não nutrem um sentimento maior de fidelidade (COX, 2009). Para Obama e os democratas esse fato de que os independentes estão migrando mais fortemente para a órbita do Partido Republicano é negativo, uma vez que a mobilização e apoio desses eleitores tem historicamente se mostrado extremamente importante para a conquista da Casa Branca pelos dois principais partidos.
Finalizando as explicações propriamente políticas para a derrota democrata, cabe mencionar a influência do presidente e de seu governo nas disputas regionais. No dia da votação, segundo a pesquisa CNN, 44% dos eleitores registrados aprovavam o trabalho do presidente enquanto que outros 55% desaprovavam. Além disso, 40% diziam-se entusiasmados e satisfeitos com a administração de Obama ao passo que 59% se mostravam insatisfeitos e bravos. Os democratas disputaram as midterm, portanto, com um governo mais desaprovado que aprovado (CNN EXIT POLLS, 2014).
Um resultado do survey da CNN é particularmente esclarecedor sobre o que estamos assinalando. Perguntou-se aos eleitores a motivação de seu voto levando-se em consideração o presidente Obama e os resultados foram os seguintes:
- Para 19% o seu voto expressou o apoio ao presidente;
- 33% disseram que seu voto foi em oposição ao democrata e suas políticas; e,
- Outros 45% declararam que Obama não foi um fator para a decisão.
É interessante notar que 1/3 do eleitorado votou motivado por uma oposição a Obama e que menos de 20% escolheram seu representante a partir de um voto de confiança em relação ao democrata. Esses dados mostram, em alguma medida, um desgaste do democrata e um crescimento da oposição a seu nome e a suas políticas, particularmente influenciado por uma maior radicalização[2] da oposição representada pelo GOP e suas lideranças. Note-se, além disso, que em uma primeira projeção para a corrida presidencial de 2016 Hillary Clinton, principal pré-candidata democrata até o momento, teria 34% e o candidato republicano (qualquer que fosse) aparece com 40% (CNN EXIT POLLS 2014).
Há uma hipótese aqui de que as eleições locais acabaram sendo nacionalizadas e particularmente porque há uma insatisfação para com a administração de Barack Obama e os rumos da economia. Para 45% dos eleitores o mais importante issue do país é a sua economia, seguido pelo health care, com 25%.
A percepção geral é, pois, de que a economia não vai bem, o país encontra-se na direção errada e que isso impacta diretamente na imagem e popularidade do presidente e no futuro dos Estados Unidos. Segundo a CNN, 70% dos eleitores registrados acreditam que as condições econômicas da nação não são boas, sendo que destes 64% votaram em republicanos e 33% em democratas. Por outro lado, apenas 29% consideram boas as condições econômicas do país – e, dentre estes, 74% votaram em democratas e 24% em republicanos. Possuir, portanto, uma visão mais negativa sobre a situação econômica do país impactou diretamente para que candidatos republicanos fossem mais apoiados que os democratas.
Câmara dos Representantes
Em termos quantitativos a Câmara dos Representantes será composta a partir de 2015 por 244 parlamentares republicanos e por 188 democratas (REAL CLEAR POLITICS, 2014). Em termos percentuais, o domínio conservador será de 56% contra 43% dos liberais. Trata-se, pois, de uma ampla vantagem, agudizada agora em 2014 em função da perda de 12 cadeiras por parte dos democratas e do ganho de outro tanto por parte do GOP. Em 2008, por exemplo, a vantagem republicana era de 34 cadeiras, passando agora para 56. O cenário será, portanto, desfavorável ao presidente. A partir do próximo ano Obama terá que governar com a hostilidade de uma ampla força republicana no Congresso com tendência a barrar suas iniciativas de governo.
No ano de 2008 quando Obama assumia a presidência norte-americana, a maioria dos que compunham a Câmara dos Representantes era do partido do presidente. Já na eleição realizada em 2014 há uma caracterização contrária, ou seja, forte representatividade de deputados republicanos.
Ao considerarmos a composição das bancadas de cada partido na Câmara dos Representantes, a maior parte dos deputados republicanos é originária da região Sul (45,7% dos eleitos). Após, o Meio Oeste foi a segunda região que mais contribuiu com representantes republicanos (24,7%). Os Democratas, por sua vez, elegeram 31,7% de sua bancada na região Oeste, e logo após no Nordeste e Sul, com 25,8% e 24,7%, respectivamente. Pode-se perceber ainda que os republicanos possuem uma maior concentração de votos na região Sul do país, ao contrário dos Democratas que possuem uma bancada mais equilibrada e distribuída em várias regiões.
Considerando a composição das bancadas regionais, na região Sul há um predomínio do partido Republicano que possui a maioria de representantes nas três subregiões, somando 70,2% do total dos eleitos no Sul. Os republicanos também venceram na maioria dos distritos do Meio Oeste, com 64,9% do total de eleitos dessa região. Já o partido Democrata teve um predomínio no Nordeste; porém, vale ressaltar que no Meio Atlântico a diferença entre os dois partidos ficou em apenas um representante. A região Oeste é a única que possuiu um maior equilíbrio dos partidos, um em cada subregião, com os democratas no Pacífico e os republicanos nas Montanhas. Apesar da divisão, apenas no Pacífico os democratas obtiveram 49 cadeiras, ao passo que nas Montanhas o máximo de representantes é de 31. Há, portanto, uma hegemonia democrata no Pacífico.
Senado
Assim como os deputados, os senadores democratas perderam espaço diante da preferência do eleitor na eleição de 2014. O partido do presidente Obama perdeu oito cadeiras para o Partido Republicano que antes possuía 45 senadores e que, em 2015, possuirá 53 (REAL CLEAR POLITICS, 2014). Os democratas perdem, assim, a maioria.
Na metade dos estados em que os democratas perderam cadeiras os incumbentes não disputavam a reeleição, porém na outra metade os titulares das cadeiras democratas concorreram e foram derrotados, como em Arkansas, Alaska, Colorado e Carolina do Norte. A tradução prática da derrota governista será a transformação do Senado em uma casa legislativa oposicionista.
Trata-se de um fato novo para a administração de Obama, uma vez que desde seu primeiro ano de mandato os democratas controlam o Senado. Nas eleições de 2012, quando a maioria democrata na Câmara dos Representantes se transformou em minoria, o mesmo não ocorreu com o Senado, continuando sob o comando da maioria democrata.
Relembre-se que nesse segundo mandato o Senado foi a casa mais “ponderada” na relação com a administração de Obama, ao contrário da House em que estavam presentes os personagens mais hostis à presidência democrata. Isso ficou muito claro, por exemplo, no episódio do aumento do teto da dívida, no último trimestre de 2013. Enquanto que no Senado permanecia aberta uma via de negociação, na Câmara de maioria republicana o diálogo parecia interditado pelo radicalismo de boa parte de seus líderes. Vale destacar que em fevereiro de 2014 aprovou-se o mais recente aumento da dívida, autorização válida até março de 2015.
No primeiro trimestre de 2015 muito provavelmente o presidente necessitará aumentar ainda mais o teto da dívida modo a manter em funcionamento do governo. E isso demandará uma autorização congressual. Com as duas Casas dominadas por republicanos a negociação será ainda mais dura e com potencial para provocar um novo default no governo. Daí porque a perda da maioria pelos democratas no Senado é uma grande derrota para Obama e uma situação que irá impactar negativamente nos seus dois últimos anos de mandato.
Governadores
A noite histórica dos republicanos também se manifestou nas disputas pelos 36 governos estaduais – os demais estados não realizaram eleições para as governadorias. Republicanos venceram em 24 estados e democratas em 11 deles – e no Alaska, conforme já salientamos, um independente foi eleito (REAL CLEAR POLITICS, 2014). Quando considerados todos os estados do país, o GOP governará 31 deles enquanto que os democratas 17. O interessante em 2014 foi a mudança de mãos de alguns estados antes governados por democratas. Foi o caso de quatro deles: Arkansas e Maryland no Sul, Illinois no Meio Oeste e Massachusetts no Nordeste do país.
Maryland, Illinois e Massachusetts, em especial, são considerados “blue states”, ou seja, seu eleitorado apresenta uma maior tendência a apoiar candidatos democratas a presidente. O GOP, nesses estados, tende a ser menos estruturado e pouco enraizado na sociedade. Pois nesses três estados os democratas não conseguiram eleger seus candidatos ao governo.
O último governador republicano em Maryland foi eleito em 2002 e derrotado em 2006. Obama, em 2012, venceu nesse estado. Em 2014, contudo, novamente um candidato republicano venceu nesse que é considerado um “solid blue state” – democratas venceram as eleições presidenciais nos últimos seis pleitos (MARYLAND VOTING, 2014). E venceu a partir de um típico discurso conservador contra as taxas impostas pelo governador democrata de Maryland e que influenciaram diretamente para a diminuição das chances eleitorais de seu vice-governador, derrotado nas urnas. Essa vitória em Maryland parece ser muito significativa para os republicanos que a interpretam como uma fragilização de Obama entre o eleitorado local, já que o próprio presidente, e sua esposa, Michelle, apareceram em anúncios pedindo votos para o candidato democrata a governador.
Em Massachussets ocorreu também uma significativa derrota democrata para o governo estadual. O último governador republicano eleito foi Mitt Romney, em 2002, ex-adversário de Obama nas eleições presidenciais de 2012. A vitória de Charles Baker, por rala vantagem, interrompeu os dois mandatos do Partido Democrata neste estado da Nova Inglaterra. Massachussets é um estado cujo eleitorado tem recorrentemente dado vitórias a candidatos democratas na disputa presidencial. Em 2012, por exemplo, Obama derrotou Romney em sua base eleitoral. Aliás, desde 1928, em apenas quatro eleições presidenciais o estado votou a favor de candidatos republicanos – duas vezes em Dwitgh Eisenhower e outro tanto em Ronald Reagan (MASSACHUSETTS VOTING, 2014). A eleição de um republicano para a governadoria pode vir a fortalecer a votação do candidato republicano a presidente no estado em 2016.
Em Illinois os republicanos também conseguiram eleger seu candidato a governador, derrotando o incumbente Pat Quinn, democrata candidato à reeleição. Trata-se de uma derrota em um estado do Meio Oeste e que, nas eleições presidenciais se mostra, desde 1992, grande apoiador dos Democratas e, por isso mesmo, um “solid blue state” (ILLINOIS VOTING, 2014). Illinois é, vale lembrar, o estado em que o presidente Barack Obama fez sua carreira política.
Não deixa de ser interessante, portanto, que o GOP tenha pick-up três estados profundamente democratas nas eleições presidenciais. Ao mesmo tempo, contudo, o partido perdeu o governo na Pensilvania e do Alaska.
Sobre esse avanço no território democrata trata-se de oportunidade que se abre para, talvez, interromper o comportamento dos eleitores desses estados que têm, nas últimas eleições, fornecido a candidatos democratas um bom número de delegados do colégio eleitoral.
Trata-se, bem entendido, de “oportunidade”, uma vez que mesmo quando governadores republicanos estiveram administrando esses estados, mesmo assim o eleitorado forneceu vitórias aos Democratas. Ressalte-se, ainda, que o perfil de eleitores que se registram para votar nas eleições presidenciais é, em boa medida, distinto daqueles que votam, por exemplo, para governador ou até mesmo para o Congresso. São, por exemplo, mais jovens, o que beneficia os candidatos democratas a presidente. Em todo caso, essas perdas democratas em “blue states” acendem o sinal de alerta quanto à sucessão de Obama em 2016.