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Sìndrome da Alienação Parental: uma iníqua falácia

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9 CONCLUSÃO

1. Separações e divórcios, independentemente de serem mais ou menos conflitivos, por vezes envolvem sentimentos contraditórios como ressentimento, raiva, mágoa, aflição, pena, medo, alívio e outros.

2. Em muitos desses conflitos, são os filhos voluntária ou involuntariamente envolvidos pelos pais, seres humanos então fragilizados, em face da ruptura do tecido familiar.

3. As consequências daí derivadas não podem ser reduzidas a modelos simplistas, baseados em pseudociência que se presta, em muitas oportunidades, para acobertar sentimentos pouco nobres e até abusos sexuais cometidos contra as crianças.

4. Tanto a AP (alienação parental) como especialmente a SAP (síndrome da alienação parental) não gozam de qualquer prestígio nos tribunais e sociedades médicas e de profissionais da psicologia em países de larga tradição, como Estados Unidos, Inglaterra, Espanha e Portugal, por exemplo, justamente pela escassez de evidências científicas a sustentar suas conclusões pouco convincentes, sendo por isso tachadas de pseudocientíficas. Profissionais renomados de incontáveis países vinculados à área da saúde mental (médicos, pesquisadores, psiquiatras, psicólogos) e organizações internacionais como a OMS – Organização Mundial da Saúde, a APA – American  Psychological  Association,  a Associação Americana de Psiquiatria e a combativa AEN – Asociación Española de Neuropsiquiatria condenam sua existência, refutando veementemente a AP como síndrome.

5. Ao contrário do afirmado pelos gardneristas, inexistem estudos científicos que comprovem ou mesmo sugiram que a imposição de convívio com o pai rejeitado melhore a saúde mental da criança.

6. Destacam os opositores das "teorias" de Gardner que a SAP configura, em particular, uma invenção acientífica criada para permitir aos pais barganhar bens, visitas e pensionamento alimentício com as mães, tornando-as reféns dos seus desejos e mascarando, em casos-limite, crimes de abuso sexual infantil levados a efeito pelos próprios genitores; demonstram estudos científicos qualificados  serem raríssimas as falsas denúncias de abuso sexual (não mais de 2% dos casos).

7. A aplicação das "teorias" gardnerianas da AP e da SAP baseadas na "terapia da ameaça" escancaram evidente preconceito de gênero contra as mulheres, sendo mais honesto e transparente falar em "alienação marental", e não "parental". Além disso, as acusações de alienação parental encontram-se vinculadas pela literatura  ao adultismo e ao suprimento  unilateral das carências afetivas do pai, sem levar em consideração os desejos sinceros que as crianças e adolescentes já possuem em relação à visitação e convivência com os genitores. Afirma-se também que tais "teorias" fazem parte de autêntico backlash, conhecido movimento reacionário patrocinado por setores mumificados da igreja e da política incomodados com as conquistas emancipatórias das mulheres e minorias marginalizadas.

8. A perversidade da SAP está na impossibilidade de sua negação. Qualquer comportamento protetivo da mãe em relação aos filhos é interpretado como sinal de instabilidade, e eventual resistência materna aos arroubos paternos (como horários de visita intempestivos) constitui prova irrefutável da alienação por ela patrocinada e da "programação" (contra o pai) a que submetida a criança. Qualquer movimento de contrariedade por si só confirma o diagnóstico.

9. Há de se considerar dois grupos de falsos acusadores de alienação parental: os delirantes, que acreditam estar mesmo sendo alienados, e os maliciosos, que se utilizam do argumento, sabendo-o falso, apenas para obter vantagem no litígio.

10. No Brasil, tanto a AP como a SAP encontraram terreno fértil à propagação rápida e fácil, sendo editada (e aplicada) lei sobre algo que não existe (a tal síndrome). Encampou a lei brasileira os ensinamentos estampados na cartilha gardneriana (teoria da ameaça, alteração de guarda, obrigação de convívio da criança com genitor não guardião, "reprogramação" etc.), com requintes de perversidade próprios de um país intelectualmente miserável e moralmente desintegrado; contentou-se, para tanto, com  "indícios" de alienação parental, abrindo aí espaço para extenso rol punitivo, da advertência (passando pela multa) até chegar à suspensão da autoridade parental.

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11. A lei brasileira não só não esconde como se jacta de seu caráter intimidador, servindo à larga às barganhas e negociatas de pensão, bens e visitação, sem contar a fragilização das mães no que se refere à proteção dos filhos vítimas de abuso sexual pelos pais. Preconceito de gênero, adultismo, estímulo à vulnerabilidade materna e backlash encontram-se vistosamente estampados na normativa.

12.  A Justiça brasileira de primeira instância, mesmo não contando com nenhuma ou quase nenhuma estrutura física e humana de apoio qualificado, tem-se demonstrado conscientemente prudente e cautelosa na aplicação da lei da AP, certamente porque são eles, os Juízes, os que vivenciam nos fóruns os dramas reais (e não ficcionais) das  famílias brasileiras.

13. Análises quantitativas e qualitativas das decisões do eg. STJ sobre AP revelam a maneira acrítica com que a jurisprudência superior tem decidido as questões ali postas, servindo a AP e a SAP, inclusive, como matéria de defesa criminal em casos envolvendo prática de atos contra a dignidade sexual, nomeadamente em face de vulnerável. Também restou constatada discriminação de gênero em provimentos cautelares decididos sem nenhum estudo ou laudo técnico a suportá-los, modificando-se visitas e guarda em favor dos pais, tudo sob o insípido argumento "indiciário". Mães receberam a pena judicial de advertência por "possível (sic) instalação da SAP", quando se sabe que a "síndrome" não é aceita em nenhuma parte do mundo. Em vários julgados a matéria real, subjacente à epidérmica discussão da AP ou da SAP, dizia respeito à pensão alimentícia ou às facilidades de visitação desejadas pelo pai.


Abstract: The terms "parental alienation" (PA) and "parental alienation syndrome" (PAS) have become part of the national legal vocabulary being used by Courts throughout the country only recently, in cases involving troubled divorces. The matter was positively valued in Brazil  exactly four years ago from the enactment of Law n. 12.318, August 2010, having received almost unanimous applause, which seemed to occur in a ludicrously uncritical way, considering no other country has enacted a law on the subject and the Courts and societies of psychiatry of the traditional Western Countries consistently reject it. The already vast national literature on the subject, in its absolute majority, shows itself very favorable to law enforcement and to the position of the creator of the term PAS, the American Richard Gardner. The new law, says a silent minority, having been approved by a markedly masculine Parliament, expresses strong prejudice gender, shows antinomy and is full of vague concepts and penalties (to be applied logically, in the vast majority of cases, to women) at least reckless since these penalties have as final recipients, perversely, not the ex-wife, but precisely the children who all say they want to preserve. In Brazil, unlike that which has long taken place in Europe and the United States, denser and responsible scholarly discussion about the PA and PAS is nonexistent; this weakness is then reflected in judicial decisions.

Keywords: Parental alienation. Syndrome. Gender prejudice. Maternal vulnerability. Backlash.


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Sobre os autores
Claudia Galiberne Ferreira

Advogada em Santa Catarina, pós-graduada em Direito Processual Civil pela CESUSC/Florianópolis-SC. Coautora do livro "Curso de Direito Médico", São Paulo: Conceito Editorial, 2011. Coautora do texto "O novo CPC e a oportunidade desperdiçada", publicado pela Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, v. 20, n. 26, 2013, p. 29-44.

Romano José Enzweiler

Juiz de Direito e mestre em relações econômicas e sociais internacionais pela Uminho, Portugal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Claudia Galiberne; ENZWEILER, Romano José. Sìndrome da Alienação Parental: uma iníqua falácia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4614, 18 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34731. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Este texto é dedicado ao Juiz de Direito Edson Luiz de Oliveira, titular da Vara da Família da Comarca de São Bento do Sul/SC, ser humano de qualidades raras e que tanto enobrece a Magistratura, incentivador presente e, de muitas formas, corresponsável pelo resultado da nossa pesquisa. A versão final deste ensaio contou com a generosa leitura e argutas observações do Juiz de Direito Hélio do Valle Pereira, titular da Vara dos Feitos da Fazenda da Comarca de Florianópolis/SC e hoje no TRE/SC, seguramente uma das mentes mais brilhantes e espetaculares que há no Judiciário brasileiro. Revisão gramatical realizada pela competentíssima Profa. MSc. Maria Tereza de Queiroz Piacenti.

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