A mídia, em todas as suas espécies, reservou longos (e merecidos) minutos e textos ao novo símbolo do esporte brasileiro, campeão inédito de uma modalidade muitíssimo praticada no Brasil e no mundo. Gabriel Medina é, de fato, excelente e também um bom exemplo em muitas frentes. Mas teve um lado que a mídia não viu, ou melhor, fingiu que não viu ou não deu a devida importância: a paternidade socioafetiva.
O surfista Medina tem como seu grande aliado, treinador e incentivador o padrasto. Padrasto apenas tecnicamente (ou tradicionalmente) já que Medina o chama invariavelmente de pai. Mesmo diante da insistência de repórteres em ressaltar o termo ‘padrasto’ em suas perguntas, Gabriel responde sempre se referindo ao ‘pai’. Ele reconhece e exerce a socioafetividade. Os repórteres não. E por que será?
Há ainda muita ignorância quanto à socioafetividade. O apego aos antigos referenciais da família faz com que se nuble a visão acerca dos novos paradigmas. E nesse contexto que se inserem, de forma antípoda, o preconceito e a perda do necessário referencial genético. A péssima brincadeira para consolar o traído (“não liga, pai é quem cria”) agora ganha plenos contornos jurídicos. Pai é mesmo quem cria. E assim o direito de nossos tempos reconhece.
A desbiologização da parentalidade, com efeito, é uma das pontas de lança do direito de família atual. Mas ainda não tem ganhado, fora do mundo jurídico, o merecido destaque. A genética, de há muito, vem perdendo sua preponderância frente à socioafetividade e isso já se encontra sedimentado em nossos tribunais. Mas parece ainda haver uma resistência social, mesmo que tenha partido da própria sociedade essa nova caracterização.
Há inúmeros julgados nesse sentido, despiciendo dizer, e não só no reconhecimento da parentalidade. Seus desdobramentos também são alcançados, como o direito a suceder, o direito a alimentos, direito de convivência, direito à inclusão de sobrenome, entre outros, sendo que esse último já é permitido em lei, inclusive.
Contudo, a socioafetividade ainda não alcançou sua plenitude e, provavelmente, a mídia não ajude. Destaca-se muito, ainda, o apego à biologia. Insiste-se sempre em pais e mães biológicos como pais realmente. “Se não existem, procuremos...” E ainda um aparente repúdio à ideia da multiparentalidade. Vale lembrar que Gabriel Medina conhece e convive com seu pai biológico, o que em nada o impede de reconhecer no ‘padastro’ a figura paterna.
Talvez fosse o momento de se aproveitar ainda mais o belo exemplo de Medina e explorá-lo, no bom sentido é óbvio, como um propagador da melhor noção e da importância da socioafetividade no âmago da família.