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Antecipação da tutela no processo de execução e a supressão do efeito suspensivo dos embargos

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

5- O Processo de Execução e os Embargos do Devedor

Linhas atrás, quando falamos da funções jurisdicionais, fizemos ver o que é notório em nosso processo e que é a independência e autonomia, assim como a imprescindibilidade do processo de execução, como regra, para a materialização das atividades executivas. Raras são as exceções. Esta separação que dá origem ao binômio processo de conhecimento- execução forçada remonta a antigas origens do direito romano-canônico, consolindando-se sobretudo no direito medieval, origem do processus executivus.

Mas é induvidoso que o dogma da necessária antecedência de uma cognição plenária e exauriente como pressuposto da possibilidade de execução teve grande aceitação pela filosofia iluminista, porque prestigia a certeza jurídica fundamental para o capitalismo moderno. Esta doutrina encontra-se profundamente arraigada no âmago de nosso processo civil. No entanto, não deixa de ser de certa forma paradoxal o grande número de títulos executivos extrajudiciais de nosso direito, quiçá o mais pródigo do mundo em conferir executividade a títulos de origem não judicial.

Construído sobre tal base, o processo de execução repele o exercício de cognição mais aprofundada ou mesmo estranha aos incidentes do próprio processo. É falsa, todavia, a afirmação de que inexista cognição no processo executivo. Aliás é falsa a afirmativa de que as funções jurisdicionais sejam puras, sendo comum encontrarmos interpenetração de execução cautela e conhecimento em um mesmo processo. Mas é óbvio que cada espécie se caracteriza pela existência de uma preponderância de uma atividade, no caso do processo de execução, das atividades satisfativas, materializadoras do direito encartado na sentença ou no título extrajudicial, existindo contudo, notas de cognição e cautelaridade em seu bojo.

Mas como dissemos, a cognição dentro do processo de execução almeja em primeira plana os incidentes internos do procedimento, sendo defeso e contrário à índole do processo executivo imiscuir-se questões relativas ao título executivo, ou seja, à obrigação exeqüenda, salvante os casos de prescrição ou decadência, que podem ser veículados através de exceção de pré-executividade.

Tal atividade está reservada aos embargos de devedor ou de terceiro. Ação de cognição, de eficácia declaratória negativa ou desconstitutiva [20], incidental, os embargos dão origem a uma nova relação processual, absolutamente distinta da relação executiva e que tem termo via sentença de mérito ou não.

Esta circunstância, ou seja, do afastamento de atividade cognitiva de maior volume do processo de execução, resulta do fato deste processo se destinar a atividades satisfativas, mas não só disto. Há que lembrar que o título judicial, em nosso sistemática, conta com presunção iuris tantum de certeza, liqüidez e exigibilidade, conforme se dessume dos artigos 586 do CPC e 3º da LEF. Esta presunção, segundo o legislador, assume uma feição tal que veda a inserção de discussão acerca dela em sede de execução. Foi uma opção legislativa cuja origem deve ser buscada em uma série de fatores, mas legem habemus.

Os embargos de devedor, de seu turno, possuem uma eficácia extra-processo e que opera ex lege, qual seja a eficácia suspensiva da execução na porção sobre a qual versem [21]. A redação dada ao inciso I do artigo 791 do CPC, dada pela Lei 8.953/94, não deixa margem à discussão, como outrora havia na doutrina e na jurisprudência, para o efeito suspensivo dos embargos do devedor [22]. Interpostos os embargos, suspensa estará a execução na porção por eles impugnada. Em outras palavras, os embargos terão efeitos suspensivo sobre a porção da execução que consistir o seu objeto. Inobstante a clareza do dispositivo, alguns magistrados menos avisados, que, diga-se, são minoria, desatentam para a possibilidade de prosseguimento da execução na porção não embargada, suspendendo indevidamente in totum a execução.

Há que salientar que os embargos, conforme sejam referentes a título judicial ou extra judicial, podem possuir a característica de demandas de cognição sumarizada [23], pois nos embargos à execução lastreada em título judicial reduz-se sensivelmente a esfera de abrangência da cognição a ser realizada a teor do artigo 741 do CPC. De fato, no caso de título judicial, feriria a coisa julgada permitir-se ampla discussão em torno de matérias sobre as quais já houve tratativa em sentença e sobre as quais operou-se a maxima preclusio. Ao revés em caso de título extrajudicial, abre-se ensanchas à ampla cognição em torno dos elementos do título [24].

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Pois bem, não se pode negar o cabimento da antecipação dos efeitos da tutela em sede de embargos, em que pese a negativa de alguma doutrina que preconiza que não se pode adiantar tutela declaratória ou constitutiva. In casu, tratar-se-ia de conceder efeitos suspensivo ao julgamento da apelação interposta em sede de embargos e que, ex vi do artigo 520, inc. V, do CPC é desprovida de efeito suspensivo, em que pese a circunstância de haver uma sentença contrária à pretensão do embargante ser fator ponderável a infirmar a existência dos requisitos para a antecipação dos efeitos da tutela. É que como todo ato humano, a sentença não está livre de conter erros e veicular arbitrariedades rematadas.

Mas pergunta-se, e está é a nossa linha de abordagem principal, seria possível antecipar tutela em processo de execução? É o que veremos a seguir.


6- Os Limites objetivos e subjetivos da Antecipação de Efeitos da Tutela

Confessamos que fica difícil, a priori, alvitar uma antecipação dos efeitos da tutela no processo de execução, pois o mandado executivo já é por si atividade executiva, satisfativa a operar ab initio. O mandado de citação e penhora já está a convidar o devedor ao adimplemento sob e pena de penhor ulterior incontinenti. Esta aparente incongruência advém do fato de que sempre que se concebe a antecipação dos efeitos da tutela se está a referir a efeitos executivos. Em sendo o mandado executivo já para pagamento, nada haveria a se antecipar. Com efeito, a antecipação de efeitos da tutela, a uma leitura rápida do artigo 273, deixa entrever que o que se antecipa são efeitos executivos que a tutela cognitiva não poderia conter e que estariam reservados a uma posterior execução. Aí se vislumbra a contraposição entre cognição e execução a justificar a existência de uma verdadeira antecipação. Mas o processo de execução já é voltado a ações que satisfazem o direito tido como certo, líquido e exigível. Não se há falar em antecipação, porque na comunicação da demanda já consta a invitação ao adimplemento e a execução.

O raciocínio, cuja conseqüência maior é afastar o cabimento da antecipação dos efeitos da tutela no processo de execução estaria, em tese correto. Porém, a efetivação do trâmite do processo de execução pode ser barrada pela oposição dos embargos. É neste caso que se nos parece cabível a antecipação dos efeitos da tutela executiva. Mas antes trataremos de verificar dos limites da antecipação de efeitos da tutela e do seu cabimento.

A primeira grande questão reside na possibilidade de antecipação de efeitos declaratórios e constitutivos, mostrando-se a doutrina de um modo geral infensa a esta possibilidade, afirmando que o que se antecipa são efeitos executivos jamais se podendo conceber declaração ou constituição por natureza provisórias. Acreditamos, contudo, que não há base para tal limitação, podendo ser antecipados efeitos em quaisquer espécies de ações de conhecimento e isto porque existem situações em que não se há como deferir certos efeitos executáveis sem que esteja presente a declaração ou a constituição. Existem efeitos fáticos decorrentes da existência de situações jurídicas passíveis de serem declaradas que podem ser necessários ao demandante posto que lhe conferem a situação de vantagem frente a uma determinada relação jurídica, Exemplo poderíamos encontrar em uma ação anulatória de punição administrativa em que se pede a anulação do ato administrativo inquinado de nulidade e o gozo de uma determinada vantagem obstada pela existência deste mesmo processo administrativo.

A seguir-se a doutrina majoritária, pode ser pedida a antecipação de efeitos passíveis de serem executados através de um provimento de natureza mandamental [25]. In casu, poderia ser conferida v.g a possibilidade de utilização da vantagem obstada pela eficácia do processo administrativo, jamais antecipando-se a eficácia declaratória da nulidade. Mas antecipar um efeito que está intimamente ligado a uma declaração é o mesmo que antecipar a declaração, ao menos sob o ponto de vista prático. Então porque não se antecipar uma eficácia constitutiva ou declaratória? Argumenta-se que não se pode declarar ou constituir provisoriamente. Mas as sentenças declaratórias e constitutivas não estão sujeitas à ação recisória?

Ora o que se vê é que não há o óbice de ditas eficácias só terem valor quando definitivas. Podem portanto, como qualquer outra, serem antecipadas para que irradiem efeitos secundários, pois realmente não há sentido em obter uma declaração provisória. Mas o que não se pode compreender é o sofisma de se dizer que se antecipam efeitos que não os declaratórios, mas sim somente os executivos, quando na verdade estes dependem daqueles.

Iríamos mais longe, alvitrando a possibilidade de antecipação de tutela a ser pleiteada pelo réu. Aqui o quadro é o mesmo, pois e além de o texto legal se referir à inicial, também se diria que o réu não tem interesse em pleitear antecipação de efeitos da tutela porquanto a regra é a estabilidade do status quo ante durante o trâmite da instância. Mas isto é a regra, a qual admite exceções, cujo exemplo é o das ações possessórias, onde está presente uma antecipação da tutela ab initio. Nestes casos foi subvertido o dogma de que a situação de fato permanecerá estável, ou seja, favorecendo o réu, dogma este que é o que, a priori, impossibilitaria a antecipação de tutela por parte do réu. No entanto, a partir do ponto em que a tutela opera imediatamente em favor do autor e estando presentes os pressupostos, seria o caso de permitir-se a antecipação dos efeitos da tutela pelo réu, pois a defesa nada mais é do que exercício do direito de ação.

Por certo não faltariam aqueles que diriam referir-se o texto unicamente ao pedido formulado na inicial. A estes, arrimados em exegese literal, respondemos que a exegese literal é o método mais pobre dentre os métodos hermenêuticos e sabe-se o quanto se tem prestado a equívocos a invocação deste método com foros de dogma absoluto. Avultam em superioridade outros métodos, tais como o sistemático e principalmente o teleológico, fazendo ver que nem sempre a letra da lei representa o verdadeiro sentido da norma jurídica. Se autor e réu devem ter os mesmos direitos, fato este que se dessume da aplicação do princípio da isonomia, insculpido na verba do artigo 5º, caput, da Constituição Federal, não se pode deixar de conceber que, naqueles casos em que a só propositura da demanda seja apta per se a operar modificações o estado fático, ou seja no substrato sensível da demanda, se possibilite a antecipação dos efeitos da tutela para o réu, visando exatamente impedir esta modificação ex lege.

Há que considerar, por fim que a tutela antecipatória pode ser deferida em sentença. Seria mesmo um contra-senso admitir-se que sejam antecipados efeitos da tutela pretendida em sede de cognição sumária e impedir que o mesmo aconteça após uma cognição exauriente. Neste caso, a antecipação serviria para subtrair o efeitos suspensivo da apelação dele dotada pois na sentença estamos diante do momento culminante do juízo de primeiro grau e momento apto ao proferimento da decisão final desta instância, não se podendo, via de conseqüência, conceber uma antecipação de tutela que não seja a supressão do efeito suspensivo, pois a sentença é o momento próprio para concessão ou denegação do direito e, como vimos, antecipar significa fazer operar efeitos que só teriam vida após o momento próprio para isto segundo o procedimento. In casu a sentença é este momento, mas como o recurso de apelação tem efeito suspensivo, salvo nos casos determinados no artigo 520 do CPC e em legislações esparsas [26], e mesmo nestes casos o artigo 558, parágrafo único autoriza a imposição de efeitos suspensivo, podemos conceber a antecipação dos efeitos da tutela para possibilitar a imediata executividade do decisum sob a forma de execução provisória, nos termos do artigo 587 do CPC [27].


7- Antecipação dos Efeitos da Tutela no Processo de Execução

A antecipação dos efeitos da tutela, enquanto meio de romper com a hegemonia de ordinariedade, deve se fazer presente em tantos quantos sejamos recantos do processo em que se faz sentir a premente necessidade de celerização da tutela jurisdicional, elemento sem o qual o processo perde em efetividade.

Como antes referimos, não há, a priori, interesse em se pedir a antecipação dos efeitos da tutela no processo de execução pois sua natureza e estrutura já apontam no rumo da imediata satisfatividade, presente no mandado citatório. A partir deste momento, a satisfação do crédito ou da prestação depende mais de fatores externos do que da demora do procedimento em si, desprovido que é de qualquer cognição mais aprofundada ou que refuja a questões processuais internas do procedimento mesmo, todas agraváveis e portanto não idôneas a serem apontadas como óbice a norma fluência do processo, já que este recurso é, em regra, desprovido de efeito suspensivo.

Mas os embargos de devedor, tutela cognitiva incidente, embora em relação jurídica própria, seja do devedor ou de terceiro, tem o condão de suspender o processo executivo. Surge então a questão: e se estes embargos forem destituídos de qualquer substancialidade em seu mérito e se mostrarem prima facie improcedentes, seria justo fazer o credor ou exeqüente aguardar o penoso desfecho da demanda para ver satisfeito uma obrigação já reconhecida ou no mínimo dotada de presunção iuris tantum de certeza, liqüidez e exigibilidade? Acreditamos que a ratio assendi da antecipação de efeitos da tutela está presente neste caso, autorizando a extensão deste possibilidade ao caso, ou seja, autorizando a antecipação de efeitos da tutela para fins de suprimir o efeito suspensivo dos embargos de devedor ou de terceiro, viabilizando o prosseguimento da execução em caráter definitivo.

Neste passo, para afastar objeções, é de todo própria uma análise dos requisitos do artigo 273 à luz do processo de execução. Primeiramente insta acentuar que a possibilidade de prova inequívoca de cujo teor seja lícita a ilação de um grau de verossimilhança e plausibilidade apto a ensejar a antecipação de efeitos da tutela refere-se a uma alegação, que tanto pode pugnar pela acolhimento da pretensão formulada como pela sua rejeição. Destarte, assim como o autor pode lograr provar ab initio a plausibilidade de sua pretensão para arrimar uma antecipação de efeitos que só se produziram ao termo da instância, também pode o réu, naqueles casos em que a alegação de direito por parte do autor representar a possibilidade de alteração na situação fático-jurídica operando-se ipso iure, demonstrar a inexistência de fundamento das alegações do autor para afastar a produção de efeitos contra si.

Temos que observar o processo como uma contraposição de alegações em que cada parte procura respaldar uma pretensão, o autor agindo, o réu se opondo, mas ambos postulando em juízo mediante alegações em paridade de condições. Logo, assim como pode o autor produzir prova initio litis da plausibilidade de seu direito, também pode o réu fazê-lo, pois ambos alegam e as suas alegações encontram- se em par de igualdade no que diz respeito à possibilidade de infirmar as de seu adversário. Igual raciocínio vale para o exeqüente, que pode se ver diante de embargos absolutamente improcedentes, mas que, no entanto, permitirão o esvaziamento do processo de execução ou no mínimo produzirão o prejuízo da delonga. Assim sendo, a mesma prova de verossimilhança que pode produzir o autor, ou o executado-embargante, também o réu, ou o exeqüente embargado, pode produzir, pois a verossimilhança diz com alegações e as alegações nestes casos não divergem em sua natureza, mas sim no sentido em que são formuladas.

Quanto ao requisito do inciso I, que diz respeito à possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, é óbvio que podem acontecer quando da oposição dos embargos se operar a paralisação do processo executivo. É pensar-se v.g, na desvalorização de bens de devedor que não possui outros e que reduzirá a satisfação de seu credor. Quanto ao abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório, é sabido e consabido que se trata de um expediente presente em grande parte dos embargos de devedor. Como exemplo podemos trazer o caso dos créditos tributários referentes a tributos informados confessados em dívida pelo próprio contribuinte inadimplente. Nestes casos, os embargos assumem um manifesto propósito protelatório e, por outro lado, não podemos esquecer que a função prática dos embargos não deixa de ser a de uma defesa. Logo, também seria possível via interpretação analógica vislumbrar um caso de abuso do direito de defesa, que melhor estaria redigido como abuso do direito de ação, entrando em ligação com os dispositivos que tratam da litigância de má-fé no processo de execução e no processo em geral.

Há que observar que o legislador não fez distinções na espécie de tutela em que a antecipação pode ser concedida. Na tutela cautelar ela se torna despicienda pois que prevista tipicamente uma liminar antecipatória no artigo 804 do CPC. Mas, no processo de execução, naqueles casos em que uma pretensão implique a possibilidade de lhe retirar a característica de pronta satisfação que lhe é inerente, é perfeitamente possível concebermos uma antecipação de efeitos da tutela, cuja efetivação se posterga ante a suspensão do processo, fazendo surgir o interesse em se requerê-la para suspender o efeito suspensivo dos embargos.

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Antecipação da tutela no processo de execução e a supressão do efeito suspensivo dos embargos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -243, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3541. Acesso em: 23 dez. 2024.

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