8- Onde requerer a Antecipação Executiva?
Uma vez que tenhamos estabelecido a possibilidade de antecipação de tutela, ou de efeitos da tutela, resta indagarmos, no caso da execução, onde ela deverá ser requerida: no processo de execução ou nos embargos? Analisemos as duas hipóteses.
Tratemos primeiro da hipótese de antecipar-se a efetivação da tutela executiva com pedido na impugnação aos embargos. Para a configuração desta hipótese teremos de aceitar uma antecipação de efeitos da tutela de caráter declaratório e postulada pelo réu- embargado, o que contraria a doutrina que afirma inexistir possibilidade de antecipação de efeitos de declaração e também o que aparentemente dispõe o artigo 273, caput, do CPC, ao referir-se a pedido formulado "na inicial". Já tratamos destes aspectos, mas cumpre trazer à colação mais algumas observações.
Inicialmente calha observar que a antecipação de efeitos da tutela é uma medida de cunho procedimental, ou seja, implica um corte no iter procedimental, antecipando efeitos que só viriam com a sentença, note-se bem, com a sentença e não com o trânsito em julgado, porque é admissível a execução provisória enquanto pendente recurso sem efeito suspensivo ou concedida a antecipação de tutela em sentença para fim de subtrair o efeito suspensivo de recurso dele dotado. Desde que tenha algum proveito imediato para a parte postulante a antecipação é cabível, independentemente de serem estes efeitos executáveis ou não, porque não se antecipa necessariamente efeitos executivos, mas qualquer efeito que possa ter utilidade ao postulante. Antecipar nada mais é do que postergar o contraditório.
Claro que a antecipação tomará a forma de uma ordem, dando margem a que se diga que todos os casos de antecipação de efeito enquadram-se na mandamentalidade. Mas para que advenha uma ordem, necessariamente há que haver uma declaração do direito, ainda que provisória. Veja-se o exemplo de uma ação anulatória de multas de trânsito cujo não pagamento impede o licenciamento do veículo. Neste caso, verificando o magistrado que ocorre uma violação escatológica ao devido processo legal e a ampla defesa, o magistrado determina que que o órgão gestor do trânsito licencie o veiculo. Mas para proferir a tutela mandamental é necessário declarar a existência de violações ao devido processo legal aptas a dar sustentáculo ao mandamento judicial. O que se conclui é que na decisão intelocutória de antecipação de efeitos da tutela está presente um componente declaratório.
No que diz respeito à possibilidade de antecipação pedida pelo réu, cremos já ter deixado assente que reputamos uma possibilidade válida. Logo, seria viável o pedido em sede de impugnação aos embargos.
A outra hipótese é o pedido ser realizado na própria ação executiva. Neste caso, provando o ajuizamento dos embargos, analisando a sua fundamentação e demonstrando estarem presentes os requisitos da antecipação, o exeqüente pediria a antecipação da tutela executiva dentro da própria ação de execução. O óbice que se pode levantar contra esta alternativa é o de que se inseriria no processo de execução, infenso a discussões profundas, um debate que tem em vista o mérito dos embargos. Desta forma, o mérito dos embargos estaria sendo discutido duas vezes. A priori, não haveria nenhum problema, porque a matéria seria analisada em sede de cognição sumária, não formando coisa julgada em relação aos embargos. Ocorre porem que a matéria renderia agravo de instrumento ao Tribunal, que apreciaria a matéria que também é objeto dos embargos podendo prejudicar o julgamento futuro do processo cognitivo incidental.
Acreditamos, contudo, que este não seria um obstáculo de monta, pois mesmo no processo de conhecimento esta possibilidade existe e nem por isto fica inviabilizada a antecipação e a recorribilidade da decisão que sobre ela versa. Neste caso temos que o pedido seria manifestado por petição dentro do processo de execução, proferindo o magistrado decisão interlocutória suspendendo o efeito suspensivo dos embargos e antecipando a tutela executiva cujo desenlace estava obstado pelo efeito suspensivo dos embargos de terceiro ou de devedor. Mas qual será a melhor solução?
Embora nenhuma das duas seja prima facie afastável ou chancelável sumariamente, se nos parece que a sede própria para o pedido de antecipação de efeitos da tutela para suprimir o efeito suspensivo dos embargos seja o próprio processo de embargos, quer considerada como antecipação dos efeitos da tutela postulada pelo réu e em tal caso a tutela em questão é a tutela defensiva de cunho declaratório negativo ou desconstitutivo, quer seja considerada antecipação de efeitos da tutela executiva postulada na execução mas postulada, agora, em sua retomada, no processo de embargos. Este último caso tem a propriedade de afastar a argumentação de somente a tutela pretendida na inicial poder ser antecipada, pois, embora a matéria estivesse sendo postulada nos embargos de devedor ou de terceiro, na verdade estar-se-ia pretendendo a antecipação do pedido veiculado na inicial executiva, cuja possibilidade surge exatamente pela existência de um efeito suspensivo dos embargos.
Ainda que possa soar estranho um pedido que versa sobre tutela pretendida em um processo ser veiculado em outro, cremos que seja a melhor solução para evitar a balbúrdia procedimental. Cientes de que o processo é um instrumento, há que se optar pela solução que, sem comprometer os princípios magnos do processo e elencados não só na lei processual, mas principalmente na Constituição Federal, possibilite atingir-se a satisfação célere e rápida do direito pleiteado.
Assim, a natureza da atividade levada a cabo no processo de embargos, atividade proeminentemente cognitiva, mais se presta à veiculação da postulação de antecipação de tutela para efeito de cassar o efeito suspensivo dos embargos.
9- Limites à antecipação no processo executivo
Estabelecida a possibilidade de concebermos a antecipação da tutela executiva ou de efeitos da tutela desconstitutiva dos embargos, resta estabelecer um limite para o andamento do processo de execução.
Se preconizarmos que vigor absoluto o dogma da impossibilidade de que a antecipação implique irreversibilidade, não poderemos alvitrar que seja possível ir até os atos de alienação, uma vez suprimido o efeito suspensivo dos embargos.
Todavia, se não se admite que assim seja, a antecipação resultaria de pouco utilidade, na medida em que poderia ir somente até os atos de avaliação. Ora, a avaliação com o tempo iria perder seu valor de atualidade. Ademais, os atos de conservação, inclusive com a possibilidade de venda antecipada podem ser utilizados na feição que hoje temos da execução.
Somos levados a concluir que a antecipação da tutela executiva possa ir até atos de alienação, sob pena de inutilidade, já que de nada valeria a supressão do efeito suspensivo dos embargos.
Neste caso, como contraponto, poderá ser estabelecida a prestação de caução pelo exeqüente, mencionando-se no edital a situação na qual está sendo feita a alienação.
Acaso vencedor nos embargos, o que se afigura pouco provável ante a pouca plausibilidade da pretensão já verificada no juízo da sumaria cognitio, reverterá eventual prejuízo em perdas e danos. O reconhecimento da procedência pretensão de embargos e a situação da alienação levada a efeito, poderá até dar ensejo a uma continuidade da execução nos mesmo autos, agora em face do anterior exeqüente, mantendo-se, em qualquer caso, a alienação feita.
Assim, o executado embargante tornar-se-ia exeqüente, no mesmo ou em outro processo de execução, aplicando-se a responsabilidade objetiva do anterior exeqüente e embargado no que tange aos efeitos da alienação.
No caso da Fazenda Pública, ante a presunção iure et de iure de solvabilidade, poder-se-ia até mesmo dispensar a prestação de caução.
Assim, a aplicação da irreversibilidade preconizada como regra para as antecipações de tutela, teria de encontrar uma aplicação moderada, permitindo-se, de uma lado, a definitividade da alienação procedida, e de outro, a plena possibilidade de o executado reaver perdas e danos decorrentes da medida.
No caso das penhoras de renda, pode ser concebida a necessidade de depósito de parte do capital, usufruindo o credor, mediante caução de parcela da renda.
Desta forma tornaremos possível a medida antecipatória resguardando eventual direito do embargante.
10- Conclusões
Estamos frente a um momento de revisão de ancestrais concepções que vigeram intocadas por séculos. A própria forma com que o homem se relaciona com o mundo sofre uma mutação. Não há realidades absolutas e objetivas a serem descortinadas. Somos o que a nossa cultura e a nossa histórica nos diz.
As demandas sociais crescem, pois não basta a igualdade formal. Não basta a enunciação dos direitos como meras folhas de papel. O Direito moderno tem de ser ação, transformação, tem de encontrar legitimidade.
O Direito caminha para a publicização, promovendo-se uma reviravolta no dogma publicista que nos acompanha desde Roma. O Direito de um Estado Democrático Social de Direito não pode ser tornado efetivo mediante a utilização de velhos paradigmas de uma conjuntura sócio-cultural que não mais existe.
Uma olhada pela história do processo nos demonstra como têm ocorrido esta virada metodológica, e o jurista tem o seu papel a cumprir neste novo modelo de produção do Direito que vai irrompendo do processo de crise do método jurídico, de crise ética do Direito, de crise de legitimidade da tutela jurisdicional.
É preciso que passemos a olhar o direito de "fora", para evitarmos a cegueira de uma visão introspectiva que nos tem conduzido a crise onde nos encontramos. Há novos direitos, há novas demandas e não podemos aplicar os métodos ora vigentes para a resolução destes conflitos.
A noção de Direito tem a sua base a noção de igualdade como nota essencial. A mais rudimentar concepção que se tenha de direito à luz da cultura moderna jamais poderá prescindir de uma exaltação à igualdade como princípio magno. O processo, como instrumento estatal, tanto mais quando a moderna processualística o vislumbra sob uma ótica publicista, deve pautar-se por promover a igualdade entre as partes, valorizando a " paridade de armas" entre os litigantes e mesmo porque o artigo 5º, caput, da CF, é norma que irradia sua eficácia sobre todo ordenamento.
A antecipação da tutela foi concebida como um mecanismo para burlar a demora própria da ordinarização do processo de conhecimento das quais uma das faces é a separação rigorosa entre execução e conhecimento, assentando-se o processo de tradição romano-canônica sobre o binômio processo de conhecimento- execução forçada.
O dogma da certeza jurídica, agravado pela prodigalidade de nosso processo em conceber recursos, somadas ambas as circunstâncias a uma crescente demanda jurisdicional, cujas causas podem ser encontradas na construção de novos direitos de fundo coletivo, na atividade estatal nem sempre pautada pela legalidade e principalmente na consciência crescente na população que busca a justiça, fazem do processo uma cainhada penosa, cara e prolongada. Nesse contexto, o autor que tem razão sempre foi submetido à necessidade de ter que aguardar o desfecho do processo de conhecimento e depois o de embargos, quase sempre opostos e muitas vezes com propósitos protelatórios e movidos pelo espírito emulativo, para ver satisfeito seu direito.
A antecipação de tutela permite a antecipação de efeitos da tutela pretendida na "inicial", subvertendo o ônus do tempo no processo, que, via de regra, opera contra o autor, permitindo-lhe, sob certas limitações, nem sempre observáveis, o gozo do direito. Mas porque permitir-se a antecipação somente nos casos em que o tempo opera contra o autor? Nos casos em que a demanda possui processo possui eficácia ex lege a produzir efeitos imediatos, pode perfeitamente o réu pedir antecipação da tutela por ele pretendida, pois a defesa nada mais é do que um pedido, em par de igualdade com a inicial. Havendo efeitos a se fazerem presentes desde logo, alterando, pela propositura da ação, a situação fático- jurídica, surge para o réu o interesse de agir, antes ausente, porquanto a regra é permanecer, contra o autor, o estado fático- jurídico inalterado.
Assim sendo, é de ter-se por possível a antecipação de tutela pleiteada pelo réu, bem como, tendo sido pleiteada tanto pelo autor como pelo réu, ser deferida na sentença ou em grau recursal. Pode-se, a partir desta premissa, conceber-se a antecipação de tutela par a fim de suprimir o efeito suspensivo do recurso, permitindo a execução provisória do julgado.
No caso do processo de execução, por sua natureza satisfativa, em linha de princípio fenece interesse em pedir-se antecipação de tutela, pois o mandado citatório já é para satisfação do direito. Mas existe a possibilidade de interposição de embargos de terceiro e de devedor, com eficácia suspensiva da execução. Isto ocorrendo, fica postergada a satisfação do direito, surgindo algo a ser antecipado através da supressão do efeito suspensivo dos embargos, ou, dir-se-á melhor, da suspensão do efeito suspensivo dos embargos. Surgindo o interesse, não há motivo algum a obstar a postulação de efeito suspensivo no processo executivo, pois a disciplina do processo de conhecimento é aplicável subsidiariamente ao processo de execução, e o legislador não limitou a antecipação ao processo de conhecimento, sendo inaplicável, contudo, o artigo 273 no processo de execução, posto que lá já existe disposição expressa tratando da antecipação de efeitos da tutela cautelar.
Admitida a possibilidade de pleitear-se antecipação de tutela em sede de processo executivo para a suspensão do efeitos suspensivo dos embargos, resta saber em qual processo deve o pedido ser veiculado: no processo de execução ou no processo de conhecimento incidental. Ambas as saídas são defensáveis à luz do direito brasileiro desde que afastemos alguns óbices formais sem grande reflexo na higidez do procedimento. Se nos parece, todavia, mais coerente e menos propícia à balbúrdia e ao tumultuo processual a utilização do processo de embargos para veiculação da medida pois a cognição acerca da fatores externos ao próprio procedimento não é da índole do processo executivo. Ademais não há óbice a que uma providência de antecipação de tutela seja requerida no processo de embargos, ainda que referente a outro processo, mesmo porque o que se visa antes de tudo é retirar o efeito suspensivo que é eficácia dos embargos.
Esta antecipação poderá ir até mesmo aos atos de alienação, utilizando-se do expediente caução como meio de resguardo do eventuais direitos do embargante.
Assim sendo, cremos que os princípios da isonomia e de efetividade da tutela jurisdicional legitimam a antecipação dos efeitos da tutela enquanto medida destinada è dar efetividade ao direito sem a delonga que tem marcado o nosso processo é que é hoje o grande desafio a ser vencido.
Fica, assim, como sugestão, a possibilidade de discutimos alterações na legislação, para tornar o efeito suspensivo dos embargos uma exceção, ou para, mantendo-o como regra, permitir, via antecipação de tutela, possa o juiz subtrair esta característica da demanda incidental, através de decisão fundamentada.