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Juros bancários: a legalidade das taxas de juros praticadas pelos bancos perante norma constitucional limitadora

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Agenda 01/01/2003 às 00:00

Capítulo 2: PRINCÍPIOS QUE REGEM OS CONTRATOS

Primeiramente, contrato é todo negócio jurídico entre sujeitos capazes que após estipularem o objeto lícito, que será a prestação obrigacional de conteúdo patrimonial, e as formas de adimplemento previstas em lei, dão o seu consentimento para que ele se realize. Sílvio RODRIGUES define contrato como um ato bilateral que se aperfeiçoa pela coincidência de dois ou mais consentimentos.

Para todo direito, existem os princípios reguladores. No ramo das obrigações contratuais o princípio pacta sunt servanda foi até meados do século XX o mais difundido, o mais discutido, sendo a base do cumprimento dos contratos.

A idéia central do princípio da força obrigatória (pacta sunt servanda) era de que cada indivíduo, por livre e espontânea vontade, escolhesse com quem iria contratar, qual seria o objeto, que cláusulas seriam estipuladas e quais as formas de adimplemento. Dessa forma, o contrato jamais poderia deixar de ser cumprido sob a alegação de diferenças econômicas e sociais entre os contratantes. Visava preservar a autonomia da vontade, a liberdade de contratar e a segurança jurídica de que os instrumentos previstos no nosso ordenamento são confiáveis.

Com a Revolução Industrial, verificou-se uma massificação dos contratos, não sendo mais possível estipularem-se cláusulas individuais como outrora acontecia. O capitalismo liberal trouxe os contratos de adesão, aqueles em que as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes (economicamente mais fortes), cabendo a outra parte que tem necessidade de contratar (em geral, menos afortunada), simplesmente submeter-se a elas.

Com o intuito de reter os abusos dos poderes econômicos e sociais privados e equilibrar a relação contratual, nasce um novo ramo de direito: o Direito do Consumidor que tem, como núcleo fundamental, os contratos de consumo. Reconhece a condição de vulnerabilidade dos consumidores no mercado e, em função disso, visa ao consentimento mais esclarecido por parte do consumidor, à realização de melhor justiça contratual e à mais efetiva garantia de reparação de danos eventualmente sofridos pelos consumidores.

O Estado Social faz suscitar novos princípios contratuais que, de um modo ou de outro, comparecem nos Novo Código Civil (NCC) e Código de Defesa do Consumidor (CDC), constituindo ferramentas hermenêuticas indispensáveis e imprescindíveis.

São eles:

a)princípio da função social – a prevalência da realização individual perde espaço o social. Mesmo os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor serão interpretados no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais fraca no contrato, ainda que não configure contrato de adesão;

b)princípio da boa-fé – a boa-fé objetiva importa em conduta honesta, leal e correta de todos os contratantes, porém caberá ao fornecedor o dever de incluir na oferta toda informação ou publicidade suficientemente precisa, assegurando ao consumidor cognoscibilidade e compreensibilidade prévias do conteúdo do contrato;

c)princípio da equivalência material – visa realizar e preservar o equilíbrio real de direitos e deveres no contrato, antes, durante e após sua execução. Há presunção absoluta da vulnerabilidade do trabalhador, do inquilino, do consumidor e do aderente de contrato de adesão. Este princípio rompe a barreira de contenção da igualdade jurídica e formal que caracterizou a concepção liberal do contrato, quando este fazia lei entre as partes. O princípio clássico pacta sun servanda passou a ser entendido como o contrato que obriga as partes contratantes a se manterem nos limites dos direitos e deveres entre elas.

Os princípios sociais do contrato não eliminam os princípios liberais (ou que predominaram no Estado liberal), a saber, o princípio da autonomia privada (ou da liberdade contratual em seu tríplice aspecto, como liberdades de escolher o tipo contratual, de escolher o outro contratante e de escolher o conteúdo do contrato), o princípio de pacta sunt servanda (ou da obrigatoriedade gerada por manifestações de vontades livres, reconhecida e atribuída pelo direito) e o princípio da eficácia relativa apenas às partes do contrato (ou da relatividade subjetiva); mas limitaram, profundamente, seu alcance e seu conteúdo.

Considerando que os contratos bancários são a maior expressão das relações negociais massificadas, sendo os mais típicos contratos de adesão, mesmo que venham a ser desconsiderados os "serviços bancários como relações de consumo" (objeto da ADIn 2.591), estes princípios sociais atuarão mais cedo ou mais tarde, sob o risco de retroagirmos ao absolutismo em pleno século XXI, ou seja, independente do regime jurídico que venha a reger as relações entre as instituições financeiras e seus clientes, os princípios alencados não poderão ser ignorados.


Capítulo 3: CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DAS LEIS NO BRASIL

Constituições flexíveis são aquelas que se caracterizam pela possibilidade de suas normas serem alteradas e revistas pelo mesmo processo legislativo empregado para elaboração das leis ordinárias. Contrariamente, toda vez que for exigido procedimento legiferante mais solene e gravoso do que o estipulado para as leis ordinárias, evidencia-se a supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e o controle de constitucionalidade das leis.

Daí a idéia de intersecção entre controle de constitucionalidade e constituições rígidas citada por Alexandre de MORAES. Onde se concluiu que havendo uma, haverá, conseqüentemente, a outra.

Controlar a constitucionalidade das leis é verificar se a Constituição está sendo aplicada, se o princípio da legalidade previsto em seu artigo 5º, inciso II está sendo cumprido pelo legislador. MORAES [2000, p.555-556] sintetiza o princípio básico em um Estado Democrático de Direito: "... ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de espécie normativa devidamente elaborada de acordo com as regras de processo legislativo constitucional (art. 59 a 69, da Constituição Federal)".

As espécies de controle de constitucionalidade dependerão do momento em que será exercido: preventivo ou repressivo. O preventivo visa impedir que alguma norma ainda em vias de formação, e que apresente algum tipo de inconstitucionalidade, seja na forma ou na matéria, venha a ingressar no nosso ordenamento jurídico. É realizado pelo Poder Legislativo, através das comissões de constituição e justiça (artigo 58 da CF/88) e pelo Poder Executivo, através do veto jurídico (artigo 66, § 1º da CF/88).

O repressivo visa expurgar a norma maculada já editada. A regra impõe que o Poder Judiciário, como guardião da Constituição Federal (art. 102, I, "a" da CF/88) exerça o controle repressivo da constitucionalidade. Excepcionalmente, pode ser exercido pelo Legislativo e pelo Executivo. Esse, através do Presidente da República, nos respectivos entes da Federação, consistente em negar obediência à lei, por entendê-la inconstitucional, provocando/instigando ou induzindo o surgimento da Ação Declaratória de Constitucionalidade, visando à pacificação da presunção relativa (juris tantum) de que "toda lei é constitucional". Aquele o exerce, em três hipóteses: artigo 49, V, artigo 52, X e artigo 62, todos da CF/88.

No Brasil, o controle repressivo judiciário de constitucionalidade das leis e demais atos normativos é misto, podendo ser exercido tanto da forma difusa, quanto da forma concentrada.

No controle difuso, concreto, aberto ou por via de exceção ou de defesa, todo e qualquer juiz ou tribunal poderá realizar o controle de constitucionalidade dentro do caso concreto que está sob sua análise, onde, verificada a incompatibilidade da matéria alegada com a Constituição Federal, a mesma será declarada e a parte a quem beneficiar poderá deixar de cumprir a lei ou ato produzidos em desacordo com a Lei maior. Os efeitos são ex tunc e inter partes, permanecendo válidos a lei ou ato no que se refere à força obrigatória com relação a terceiros. Existe, ainda uma previsão da mesma decisão passe a ter efeito erga omnes e efeitos ex nunc-, quando vier a ser apreciada pelo STF, seja de via de competência originária, ou por via recursal. O STF comunica ao Senado Federal que, através de seu poder discricionário, estende a declaração de inconstitucionalidades a todos.

De maneira contrária, o controle concentrado, também conhecido como controle reservado, abstrato, ou ainda por via de ação, tem o condão de expedir do sistema a lei ou ato inconstitucional. É aquele que busca a declaração de inconstitucionalidade em tese, de maneira abstrata, independentemente da existência de um caso concreto. A declaração de inconstitucionalidade produzirá, via de regra, efeitos erga omnes, vinculante e ex tunc, pois não se poderá considerar que um ato normativo eivado em sua origem venha a causar qualquer efeito no mundo jurídico. As espécies contempladas na Constituição de 1988 são:

a)ação direta de inconstitucionalidade genérica, art.102, I, "a";

b)ação direta de inconstitucionalidade interventiva, art. 36,III;

c)ação direta de inconstitucionalidade por omissão, art. 103 §2º ;

d)ação declaratória de constitucionalidade, art. 102, I, "a", 2ª parte;

e)argüição de descumprimento de preceito fundamental, art. 102,§ 1º.

As duas primeiras já eram previstas em constituições anteriores. As demais foram incorporadas à atual Constituição de 1988, sendo as duas últimas através da EC nº 3 de 17-3-1993.

As ações diretas de inconstitucionalidade genérica e por omissão – as ADIns – serão objeto de estudo mais detalhado neste trabalho, por serem métodos utilizados pelos operadores do direito para tentarem resolver o impasse da legalidade dos juros bancários.

A ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental ampliou o campo do controle concentrado, que se limitava aos atos estaduais e federais (ADIn) ou só federais (ADCon). Foi introduzida no ordenamento jurídico a apreciação pelo mesmo STF de atos normativos municipais, atos estaduais e atos normativos federais, inclusive anteriores à Lei Maior.

Apesar da distinção entre as ADIns e as ADCons, a Lei 9.869/99 que regula as duas ações, atribui a ambas natureza dúplice, prevendo que durante o julgamento proclamar-se-á a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei ou ato normativo impugnado, presentes pelo menos oito membros do STF, e se num ou noutro sentido houver manifestação de no mínimo seis de seus componentes (maioria absoluta). Ou seja, uma ação iniciada com a intenção de declaração de inconstitucionalidade pode ser revertida para declaração de constitucionalidade e vice-versa. Assim, a cada levantamento da matéria quanto à constitucionalidade ou não dos juros bancários poderíamos vislumbrar uma solução para o impasse, e é o que de certa forma se espera da ADInº 2.591, em trâmite perante o Supremo e que será discutida neste trabalho.

3.1 – A Função do Supremo Tribunal Federal

O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos brasileiros natos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Esses serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal.

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Os Ministros do Supremo, a fim de garantir a imparcialidade nos seus julgados, gozarão de garantias específicas: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídio, a fim de não se verem pressionados ou influenciados em suas decisões.

A função precípua do Pretório Excelso é garantir que as normas constitucionais sejam cumpridas. Pode ser acionado diretamente, através das ações que lhe cabe processar e julgar originariamente, analisando a questão em única instância (competência originária). Se acionado através de recursos ordinários ou extraordinários, estará analisando a questão em última instância (competência recursal).

Antes da CF/88, o Supremo Tribunal Federal acumulava também as matérias que são hoje de competência do Superior Tribunal de Justiça. A criação desse último Tribunal foi uma das alternativas para solucionar a chamada "crise do Supremo". A crise nasceu do fantástico número de processos levados à análise da Corte Suprema, visto que o recurso extraordinário tinha a peculiaridade de ser exercitável em qualquer dos ramos do Direito Objetivo onde houvesse "questão federal" ou "questão constitucional". A questão infraconstitucional passou a ser analisada pelo recém criado STJ, guardião da Ordem Jurídica Federal.

Porém a criação do STJ não permitiu o completo desafogamento do STF, e que hoje se verifica através da "crise do recurso extraordinário". A Carta Magna de 1988 apesar de restringir a competência do STF, trouxe no art. 5º, inciso XXXV, a obrigatoriedade de apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça de direito. Desta forma, cada vez que se publica um novo Código, até que a jurisprudência se pacifique, aumenta enormemente o número de recursos extraordinários.

Providências legais e regimentais foram tomadas com o intuito de conter o crescimento vertiginoso do número de recursos extraordinários e outras estão sendo estudas e discutidas. Dentre aquelas é importante citar a EC 16/65 que outorgou ao STF competência originária para julgar representações de inconstitucionalidade de lei e atos normativos estaduais e federais, com a finalidade de lhe permitir, num único julgamento, solver a questão de constitucionalidade, ou não, dessas normas. Recentemente, a EC 3/93, juntamente com a Lei 9.868/99, prevêem decisões de efeito vinculante com o fim específico de acabar com o controle difuso e findar com as sentenças monocráticas infrutíferas.

3.2 – Princípio da Separação dos Poderes

Em seu livro Do Espírito das Leis, Montesquieu não afirma, em nenhum momento, que existem três poderes no Estado absolutamente separados. O que ele pregava é a necessidade de equilíbrio entre estes mesmos poderes, inspirando o princípio dos freios e contrapesos (checks and balances), de forma que cada poder limitaria os demais. MEIRELLES, Hely Lopes afirma que foram seus seguidores que deturpando seu pensamento, passaram a falar em divisão e separação de poderes, como se estes fossem estanques, quando é certo que o Governo é resultante da interação dos três poderes do Estado – Legislativo, Executivo e Judiciário.

Assim justifica-se o Executivo podendo criar leis, o Legislativo julgando e até mesmo o Judiciário legislando, dentro das funções atípicas que lhes sejam atribuídas por seus regimentos internos, sem que haja qualquer invasão nas independências desses mesmos poderes.

O importante é manter a "viga-mestre" do sistema intacta, contendo os excessos e abusos de poder. O Judiciário avalia a constitucionalidade das MPs sempre que suscitado. O Executivo, juntamente com o Legislativo auxiliam o Judiciário na missão de exercer o controle repressivo de constitucionalidade. Cabe ao Judiciário legislar perante a inércia do Legislativo que impossibilidade a fruição de direito constitucional. Essas atribuições excepcionais não devem ser interpretadas como rompimento do princípio das separações dos poderes quando visam exclusivamente a democracia almejada por todos os brasileiros.

3.3 – O Controle Constitucional da Omissão

Introduzido pela Constituição Federal de 1988, o controle de constitucionalidade por omissão é previsto para casos de inércia de qualquer dos poderes para disciplinar determinada matéria. O fato é levado ao conhecimento do Judiciário para que, através de ação própria e reconhecendo a referida omissão, faz valer o direito impossibilitado de fruição, seja cientificando o Poder competente para que tome as providências necessárias, seja obrigando-o a sanar a omissão em tempo estabelecido ou, conforme dito acima, fica autorizado a exercer suas funções atípicas. É a regra do § 2º do art. 103:

Art. 103.......

§ 2º Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Sendo misto o controle repressivo judiciário de constitucionalidade das leis, teremos, no controle concentrado, a ADIn por omissão que recebe o mesmo tratamento da ADIn por ação, diferenciando apenas os efeitos da decisão. Nessa, o ato é reconhecido como nulo e naquela, como inexistente.

No controle difuso, o sistema constitucional colocou à disposição do indivíduo a garantia do mandado de injunção. Assim determina o art. 5º, em seu inciso LXXI:

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Dado que o STF ao analisar pela primeira vez a legalidade dos juros praticados pelas instituições financeiras frente à norma constitucional limitadora (§ 3º do artigo 192 do CF/88), decidiu pela eficácia contida, dependendo de LC para sua real aplicabilidade, os institutos acima citados – Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão e o Mandado de Injunção – são os remédios que, em tese, devem resolver a questão.

A seguir, veremos como o Supremo que é o órgão competente para processar e julgar originariamente as ditas ações vem exercendo sua função de guardião da Constituição Cidadã.

3.3.1 – ADIn nº 4

Celso Marcelo de OLIVEIRA, ao analisar os anais da Assembléia Nacional Constituinte, na parte pertinente ao Sistema Financeiro Nacional, constatou um lobby dos banqueiros com o propósito de não constar, como norma constitucional, crime de usura e/ou limitação das taxas de juros. Como projetos de lei, as tentativas de fixar limite para os juros bancários eram facilmente "engavetadas". Porém, sob o argumento de que "uma Constituição tem que conter o fundamental para transformar a vida de um país, a fim de que ele alcance seu desenvolvimento econômico e social, equilibrado, sem desníveis regionais e com uma boa distribuição de renda", venceu a opção pela via constitucional, e a Carta Magna fixou o limite de juros reais, capitulando como crime de usura a cobrança acima do seu valor fixado.

O constituinte Fernando Gasparian, então relator da subcomissão do Sistema Financeiro, a pedidos, conceituou juro real como sendo esse juro (limitado a 1% ao mês) mais a inflação.

Para finalizar, o relator Bernardo Cabral, em resposta ao pedido de esclarecimento do constituinte César Maia, elucidou a eficácia do § 3º do artigo 192. Constituiu ponto controvertido se a expressão "nos termos em que a lei determinar", contida no parágrafo 3º, fine, está relacionada com todo o dispositivo, ou apenas com o crime de usura. A resposta: "(...) A remissão ‘nos termos da lei’ é feita quanto ao crime de usura. O que se estabelece no texto permanente é que as taxas de juros não poderão ser superiores a 12% ao ano. Isto é auto-aplicável, evidentemente."

Imagina-se que, diante de tão claras exposições, baseadas em documentos autênticos e com finalidade pré-definida, qual seja, a real intenção do legislador, as taxas de juros bancários, promulgada a Constituição Federal de 1988, estariam definidas e limitadas.

Contudo, não foi o que aconteceu. O lobby financeiro fez que o Poder Executivo recuperasse, através do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central, o monopólio ameaçado dos assuntos pertinentes à matéria financeira, cambial e monetária, às instituições financeiras e suas operações. Foram tomadas as seguintes providências:

a) reedição de medidas provisórias para prorrogar o prazo de 180 dias estipulado no art. 25 do ADCT, que revogaria todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional;

b) publicação de circular nº 1.365, do Banco Central do Brasil, baseado em Parecer do Consultor-Geral da República, reafirmando que o SFN será regulado pela Lei 4.595/64 até lei complementar que regulamente o artigo 192 da CRF.

Esse Parecer nº SR/70, do Consultor-Geral da República, de 6 de outubro de 1988, D.O. de 7.10.1988, após aprovação do Presidente da República, assumiu caráter normativo, passando a ser objeto de impugnação mediante ação direta de inconstitucionalidade. O Partido Democrático Trabalhista (PDT), legitimado conforme art. 103, VIII da Carta Magna, impetrou ADIn nº 4 que teve como matéria de mérito, a eficácia imediata, ou não, da norma do parágrafo 3º do artigo 192 da Constituição Federal, sobre a taxa de juros reais (12 por cento ao ano).

Quatro anos e oito meses foram necessários para o Supremo julgar a matéria. Dizem ser o maior acórdão da história do judiciário brasileiro. Causou, na época, o mesmo embaraço jurídico que causa hoje a Adin nº 2.591, que trata da inaplicabilidade do CDC nos contratos bancários.

Foi declarada a constitucionalidade dos atos normativos impugnados, quer seja o Parecer, quer seja a Circular, o primeiro considerando não auto-aplicável a norma do parágrafo 3º sobre juros reais de 12% ao ano; o segundo determinando a observância da legislação anterior à Constituição de 1988 até advento de lei complementar reguladora do sistema financeiro nacional, e a conceituação de juros reais.

E é com base nesse acórdão que as instituições financeiras estão autorizadas a cobrarem juros acima do limite constitucional.

3.3.2 – ADIn nº 2.591

Em 26 de dezembro do ano passado, a Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) interpôs ao Supremo Tribunal Federal Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn nº 2.591), com o intuito de declarar a inconstitucionalidade formal e material da expressão "inclusive a de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária", constante no artigo 3º, parágrafo 2º da Lei nº 8.078/1990 (CDC), aduzindo que incompatível com o disposto no artigo 192, caput e incisos II e IV, bem como o artigo 5º, inciso LIV, todos da Constituição Federal.

Um dos argumentos suscitados pela Consif diz respeito à obrigatoriedade de lei complementar para regulamentação do Sistema Financeiro Nacional (art. 192, caput da CF), não podendo tal matéria ser disciplinada por lei ordinária, como é a Lei nº 8.078/90.

Segundo Ives Grandra da Silva MARTINS, em artigo publicado na revista Consulex de março do corrente ano, o STF determinou, em ADIN nº 4, que as relações financeiras serão reguladas pela Lei 4.595/64, até que outra regulamente a matéria, não podendo mero acordo de liderança ou maioria simples, que é o caso de lei ordinária, prevalecer sobre lei complementar que exige para sua aprovação maioria absoluta nas duas Casas do Congresso.

O artigo 170, inciso V, da Carta Política de 1988, diz que a defesa do consumidor é princípio de ordem econômica, porém é o artigo 192 da mesma Carta que trata do sistema financeiro nacional. Para os interessados na procedência do ADIn nº 2.591 a ordem financeira não se confunde com a ordem econômica. Há uma distinção entre o cliente das instituições financeiras e o consumidor tratado pela ordem econômica.

O "consumidor" que investe no sistema financeiro estaria prejudicado se igualado ao consumidor comum, pois é com o dinheiro daqueles que trabalham os bancos. O cliente bancário é precisamente um investidor e não propriamente um consumidor. Este é protegido por lei ordinária, enquanto o investidor pela Lei nº 4.595/64.

A violação ao princípio do devido processo legal substantivo, consagrado pelo artigo 5º, inciso LIV, da CF, deve-se exatamente ao tratamento isonômico dado às atividades econômicas em geral e às atividades bancárias, que possuem peculiaridades próprias.

Sob o prisma da impetrante, a referida ação visa ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, no exercício do controle concentrado, sobre o regime jurídico a que estão subordinadas as instituições financeiras, se ao Banco Central e ao artigo 192 da Constituição Federal, ou ao Código de Defesa do Consumidor e ao artigo 170, inciso V da lei suprema.

Sob uma ótica mais simplista, o objetivo primordial dessa ação é desconsiderar os serviços bancários como relações de consumo. Excluir, de vez, os bancos do pólo passivo de ações embasadas nos direitos protetivos do consumidor.

Como previsto na Lei 9.868/99, que dispõe sobre processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, manifestaram-se o Banco Central, o presidente Fernando Henrique Cardoso, o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro e a Advocacia-Geral da União, através do Dr. Walter do Carmo Barletta.

No entender da Presidência da República, as regras do SFN são definidas pela Lei da Reforma Bancária, recepcionada pela Constituição de 1988. "O CDC será sempre constitucional na medida em que de sua interpretação não resulte a fixação do custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras", defende o parecer, referindo-se, por exemplo, à definição da política monetária e, especialmente, das taxas de juros.

O parecer presidencial deixa a cargo dos órgãos de defesa do consumidor apenas os assuntos mais simples e corriqueiros: o recebimento e pagamentos de tributos e de contas diversas, aluguel de cofres, além de questões ligadas ao atendimento ao público, como o fornecimento de informações, clareza de cláusulas contratuais e tempo de espera em filas. A parte que mais gera prejuízo para os consumidores, que são as taxas de juros e as cobranças indevidas, continua reservada para o Banco Central.

Brindeiro, em parecer encaminhado ao STF, ressaltou que as normas do CDC não podem ser utilizadas para regulamentar o sistema financeiro, já que existe uma lei complementar com essa função, que é a Lei da Reforma Bancária, nº 4.595/64. O direito consumerista serve como parâmetro da qualidade do serviço bancário.

O julgamento da ADIn nº 2.591, marcado para final de março, foi adiado por prazo indeterminado, após pedido de vista do Senhor Ministro Nélson Jobim. Antes de ser suspenso o julgamento, o ministro Néri da Silveira considerou improcedente a ação dos bancos. Já o ministro-relator Carlos Velloso considerou a aplicação do CDC nas relações bancárias procedente, em parte. De acordo com Velloso, nas relações entre banco e consumidor aplica-se o CDC. Não está incluída nessa situação, segundo ele, a questão da taxa de juros reais, que é assunto do sistema financeiro.

Caso o Plenário proclame a inconstitucionalidade da expressão impugnada diante da manifestação de pelo menos de 6 (seis) Ministros, o consumidor de serviços bancários, tais como, depósitos bancários, contratos de mútuo, cartões de crédito, contratos de seguro, abertura de crédito, não terá amparo nos artigos 6º, 51 do CDC, que trata da nulidade de cláusulas consideradas abusivas. E essa declaração terá eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

Da mesma forma, caso o STF, na condição de intérprete maior da Constituição, defina que as instituições financeiras devem observar as regras do direito consumerista no que tange à qualidade dos serviços bancários, essa declaração parcial de constitucionalidade terá o mesmo efeito vinculante citado acima, se observado o mesmo quorum de votação.

3.3.3 – ADIn nº 2.316

Legitimado pelo inciso VIII do art. 103 da Carta da República, o Partido Liberal (PL) requereu, através de ADIn nº 2.316, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º, caput, parágrafo único, da MP nº 1.963-22, de 25 de agosto de 2000. Afinal, toda a matéria relacionada ao sistema financeiro nacional, inclusive a que tratar das operações de crédito, deveria ser objeto de Lei Complementar e não de medida provisória.

A capitalização de juros é reivindicação antiga das instituições financeiras. Porém, tal matéria não é revestida dos pressupostos de relevância e urgência ensejadores da edição de MP, o menos democrático dos instrumentos legiferantes.

Reza o citado artigo:

Art. 5º: Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.

Parágrafo único: Sempre que necessário ou quando solicitado pelo devedor, a apuração do valor exato da obrigação, ou de seu saldo devedor, será feita pelo credor por meio de planilha de cálculo que evidencie de modo claro, preciso e de fácil entendimento e compreensão, o valor principal da dívida, seus encargos e despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua incidência, a parcela correspondente a multas e demais encargos contratuais."

A exordial da ADIn em epígrafe assinalada, datada de 18 de setembro de 2000, advogou a seguinte tese: "Capitalizar os juros significa incorporar-se os juros de um período sobre determinado capital para, no período subseqüente, calcular novos juros, agora já sobre o montante do binômio capital somado a juros do período anterior." (grifo do requerente)

Os efeitos dessa prática são devastadores, pois o resultado é o crescimento geométrico da dívida em um curto espaço de tempo e conseqüentemente, a mora do devedor, que para adimplir necessita desfazer de seu patrimônio.

O anatocismo, assim entendido como cobrança de juros capitalizados, normalmente, não é explícita. As instituições financeiras, em contratos de abertura de crédito bancário (intitulado cheque especial) e cartões de crédito, fazem uma renovação dos empréstimos mensalmente, de maneira que uma operação de crédito nova liquide a anterior, acumulando ao valor da dívida os juros da operação vencida.

A súmula nº 121 do STF, assim como o art. 4º do Decreto nº 22.626/33, repudiam o anatocismo.

Os Tribunais pátrios vêm, majoritariamente, rejeitando a prática dos juros compostos, por ser proibida pelo nosso ordenamento jurídico.

A 4ª Turma do STJ, no Resp 53.935-RS, j. 13.03.1995, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, entendeu que: Juros – capitalização – contrato de abertura e crédito em conta corrente – Inadmissibilidade – Não se admite a capitalização de juros em contratos bancários para os quais não exista previsão legal específica, como acontece com os contratos de abertura de crédito em conta corrente (crédito ouro).

Só se admite capitalização de juros em se tratando de cédula rural, comercial ou industrial (Súmula 93 do Superior Tribunal de Justiça), sendo inviável a capitalização em confissão de dívida. 4 – Recurso parcialmente provido. (TAMG – AC 0317036-7 – 2ª C.Cív. – Rel. Juiz Batista Franco – J. 12.09.2000)

CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO – INCIDÊNCIA DE JUROS CAPITALIZADOS – INADMISSIBILIDADE – SÚMULA 121 DO STJ QUE NÃO FOI SUPERADA PELO ENUNCIADO 596 DA MESMA CORTE – PRECEDENTE JURISPRUDENCIAL DO STJ – FUNDAMENTOS DIVERSOS PARA CADA SÚMULA – ANATOCISMO INADMITIDO – APELO CONHECIDO E PROVIDO – A capitalização mensal de juros é inadmissível em financiamento que não se inclui no elenco dos financiamentos nos quais leis especiais admitem a prática do anatocismo, como é o caso dos créditos rurais (art. 5, do Dec.-Lei 167/67), dos créditos industriais (art. 5 do Dec.-Lei 413/69) e dos créditos comerciais (art. 5, da Lei nº 6.840/80). Aplica-se a Súmula nº 121, do pretório excelso que veda a capitalização de juros, ainda que expressamente pactuada, a qual não restou superada com a superveniência do enunciado de n 596. (TAPR – AC 144603100 – (9922) – Matelândia – 6ª C.Cív. – Rel. Juiz Anny Mary Kuss – DJPR 28.04.2000)

O advogado Sérgio Machado Terra conquistou decisão contrária na Justiça carioca, ao argumentar que a questão é meramente econômica. Explica que a jurisprudência leva em consideração o decreto 22.626/33 para proibir a cobrança de juros sobre juros. Excluídos os bancos do citado decreto, a Lei 4.595/64 autoriza-os a prática tão onerosa e nefasta. O TJ-RJ entendeu, por unanimidade, que a Medida Provisória nº 1.367/96, através de sucessivas reedições, legitima a cobrança de juros compostos pelas instituições integrantes ao Sistema Financeiro Nacional.

3.3.4 – Mandado de Injunção na Visão do STF

1988. O país acabara de sair de uma ditadura militar, o que tornava o momento propício a mudanças. Daí, buscar no direito comparado um mecanismo capaz de tornar o cidadão brasileiro participante ativo da democracia. Depois de assistir estarrecido à extinção de direitos duramente conquistados, censuras, prisões, desaparecimentos e até assassinatos, seria concitio sine qua non que no novo texto constitucional existissem princípios e institutos das mais abrangentes garantias, suficientes para elevar o cidadão à "finalidade" e não apenas ao "instrumento".

Sob esse matiz, o legislador constituinte de 1988 trouxe em seu art. 5º, inciso LXXI, um instituto processual inédito a ser aplicado sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania – o mandado de injunção.

Esse nobre instituto, dentre outros, evita que a Constituição Cidadã se torne um "manual de boas intenções", letra morta.É a garantia que tem o impetrante de que aquele direito contemplado na Constituição lhe será deferido, mesmo que falte norma regulamentadora, provado o nexo de causalidade entre seu direto subjetivo preexistente e sua inviabilidade de fruição pela omissão, mesmo que parcial.

É a criação de uma norma individual, no caso concreto, para a realização de um direito já consagrado pela Constituição, com efeito inter partes.

O MI se assemelha à ADIn pelo fundamento, pois ambos visam ao suprimento de norma necessária para tornar efetivo o exercício de direito constitucional. Porém, a finalidade das ações é diversa. Na ação direta, o objetivo é conseguir, com efeito erga ommes, uma decisão do STF que reconheça a inconstitucionalidade por omissão, sendo que a norma regulamentadora não será emitida pelo Judiciário que apenas dará ciência ao órgão competente para fazê-lo. O avanço está justamente em diferenciar os dois institutos, dando ao MI poder de decisão.

Na interpretação de Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, é o próprio Poder Judiciário que supre, no caso concreto, a omissão da norma regulamentadora, fazendo coisa julgada.

Os dois novos instrumentos processuais criados em 1988 eram absolutamente distintos:

-a ADIn por Omissão visava à defesa objetiva da integridade do sistema normativo, tinha por objeto o próprio vício omissivo, em si considerado, e constituía forma de controle abstrato, concentrado e objetivo da ordem jurídica, com legitimidade ativa restrita e definida em numerus clausus; sua finalidade seria a de reprimir a omissão normativa dos Poderes Políticos, constatando, em tese, a existência de lacunas, embora seu provimento não pudesse ir além da simples declaração desse vício e da sua comunicação.

-o Mandado de Injunção, pelo contrário, visava socorrer direito subjetivo concreto do titular, prejudicado, em seu exercício, pelaausência de norma regulamentadora; era processo subjetivo, com legitimação ativa ampla e sua finalidade seria a viabilização do exercício desse direito, no caso concreto; seu provimento significaria, tal como ocorre em qualquer outro processo inter-subjetivo, a edição, pelo órgão judicante, de uma norma concreta para reger o caso trazido a juízo.(grifo do autor)

Este é o entendimento da doutrina majoritária que considera o Constituinte arrojado ao instituir o mandado de injunção. Sua razão de existir não é a mesma da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, sob pena de configurar despautério constituinte, duas ações com o mesmo objetivo, discrepando apenas quanto ao rol dos legitimados.

Considerando a divergência quanto à extensão desses direitos e liberdades tuteladas pela Injunção, três correntes doutrinárias se formaram:

a)restritiva – reduz, sobremaneira, o campo de incidência do writ. Somente os direitos inscritos nos Cap. I, II e IV do Título II, excluídos os inscritos entre os direitos sociais;

b)intermediária – alcança os direitos consagrados no Título II, inclusive os Direitos Sociais;

c)abrangente – não acolhe qualquer tipo de restrição, defende que as garantias constitucionais devem ser interpretadas da forma mais elástica possível: ampliativamente, nunca restritivamente, inclusive normas infraconstitucionais.

Todavia, um exemplo da inocuidade do MI veio à tona quando da interpretação do § 3º do art 192 da CF que limita as taxas de juros reais a 12% ao ano. Pois era de se imaginar que o mandado de injunção resolveria, então, a questão daquele que se sente lesado por contrato bancário que estipula juros acima do permitido legal, uma vez que em Adin nº 4, o STF decidiu que a norma não é auto-aplicável, pendente de regulamentação para sua aplicabilidade.

O STF, ao julgar MI a respeito da matéria em questão, não está deixando de aderir à teoria abrangente. Simplesmente, concede ao writ os mesmos efeitos da ação de inconstitucionalidade por omissão – caráter meramente declaratório. Ou seja, não permite que seja suprida a omissão, permanecendo a livre estipulação de juros bancários.

E recebe críticas por essa decisão, pois, em outras matérias, ao mesmo instituto, confere efeitos condenatórios ou constitutivos. Constitutivo, quando entende que não deve esperar a boa vontade do Congresso Nacional ou do órgão omisso, mas, sim, tornar viável o exercício do direito aludido. Nesse ponto, há justificativas diversas para o que poderia ser chamado de afronta ao Princípio da Separação dos Poderes.

Os Ministros Carlos Veloso e Marco Aurélio consideram que não há usurpação de poder haja vista que tal decisão não será erga ommes, e sim, inter partes. Já para os Ministros Néri de Silveira e Moreira Alves, o Princípio da Inafastabilidade do Judiciário é que não pode ser esquecido. Desta forma, declarada a omissão inconstitucional normativa, é feita a comunicação ao órgão competente, seja o Executivo, seja o Legislativo, para que, num prazo nunca inferior ao processo legislativo sumário, haja manifestação do poder competente. Só, após decorrido o prazo, permanecendo a omissão, é que o Tribunal fixará as condições necessárias para que possa o impetrante usufruir de seu direito subjetivo, passando ele mesmo a regular a matéria.

O Mandado de Injunção nº 232/RJ (Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21.08.1991) foi impetrado com o fito de viabilizar o exercício do direito constante no art. 195, § 7º, da Constituição Federal, que estabelece o seguinte: "São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei." A impetrante aduziu que havia esgotado o prazo fixado no art. 59, do ADCT para a deliberação, pelo Congresso, dos projetos de lei dispondo sobre a organização da Seguridade Social. O Supremo Tribunal Federal concedeu o prazo de seis meses para que o legislativo tomasse as medidas necessárias de acordo com o disposto no art. 195, § 7º. Caso contrário, vencido esse prazo sem que a obrigação fosse cumprida, o impetrante passaria a gozar da imunidade requerida.

No MI 235-5/RJ (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 12.03.1993), a chegada dos Ministros MARCO AURÉLIO e CARLOS VELLOSO fez ressurgir os debates quanto à natureza jurídica do Mandado de Injunção pela tese que defendem. Ambos (sic) são filiados à corrente constitutivista, sustentam que a decisão do writ deve criar a norma para o caso concreto.

Há contradição ainda maior, quando o STF conhece ou não da impetração do mandado de injunção.

A interpretação que o STF, por sua maioria, vem dando ao MI, significa, em síntese, que: a) se a Corte entende dispensável a norma regulamentadora (que o impetrante supunha necessária para viabilizar o exercício do direito), ela não conhece da Impetração, o que vale dizer que a parte pode deduzir sua pretensão perante o juízo comum competente, e este pode formular, como de hábito, a norma concreta para dar solução ao caso, promovendo a densificação da norma, e para isso valendo-se, se necessário, da analogia, dos costumes, dos princípios gerais e, se o caso, da eqüidade; b) se a Corte, ao contrário, entende que realmente faz-se necessária a norma regulamentadora, então ela conhece da Impetração, mas se nega a formular a norma para solucionar o caso, deixando de valer-se, para tanto, do poder inerente ao Judiciário, de densificar a norma, e dos recursos à analogia, aos costumes, aos princípios gerais, e à eqüidade, ou, como postula a doutrina mais moderna, da aplicação dos Princípios Jurídicos. Em lugar disso, o Tribunal limita-se a declarar a mora do legislador e "cientificá-lo" (sic) da mesma (provimento que, a experiência veio confirmar, é pouco mais do que inútil). Disso resulta que a melhor solução para o Impetrante é que a Corte "não conheça" de sua impetração... (!), eis que tal decisão eqüivale a uma declaração de que a norma constitucional é de aplicabilidade direta e imediata, ficando, assim, o Judiciário, através dos seus demais órgãos, autorizado a dar solução ao caso concreto, independentemente de lei. Ora, parece evidente a deformação, eis que nenhuma ação judicial pode ter sido concebida para ser manejada com o fim de ser rechaçada nos tribunais. Salvo melhor juízo, esta é uma clara evidência da impropriedade do atual entendimento da Corte sobre a matéria.

No ensejo de um dos momentos de maior avanço, a Corte deu um passo à frente para admitir, na hipótese "b" da conclusão anterior, ir além da "declaração e ciência"; foi quando entendeu haver-se expirado o prazo constitucional (ou o que seria "razoável") para o legislador e, a seu ver, coincidiam, na mesma entidade estatal, o obrigado à elaboração da norma e o obrigado à prestação. Nesse caso, a Corte fixou novo prazo (agora judicial) e, descumprido também este, incidiu a sanção – consistente em ter-se por dispensável a norma regulamentadora abstrata. A partir de tal dispensa, em um dos casos, o Impetrante entrou diretamente no gozo do benefício, e, em outros, foi autorizado a ajuizar nova ação, no juízo comum competente. Esse órgão judicial, por sua vez, ficava tacitamente autorizado a decidir, na forma da hipótese "a" (v. supra), aplicando o direito comum, para formular, como de hábito, a norma concreta individual, e valendo-se, se necessário, da analogia, dos costumes, dos princípios gerais e da eqüidade. Vê-se, aí, data venia, a contradição, pois se a Impetração foi conhecida, é porque a Corte entendeu ser realmente necessária a norma regulamentadora (ver hipótese "b"), isto é, no seu entender, a norma constitucional não continha, em si, os elementos indispensáveis à sua aplicação pelo Judiciário, sem a interpositio legislatoris...; entretanto, se o legislador extrapola o prazo agora estabelecido, a mesma norma, por um passe de mágica, passa a conter os elementos suficientes à sua aplicação direta pelo juiz comum... (grifo do autor)

Em suma, quanto à utilização do writ injuncional para suprir omissão legislativa que inviabiliza desfrutar da limitação das taxas de juros praticadas pelos bancos, o STF conhece da impetração – a fim de impedir que o juiz de instância inferior julgue, valendo-se, se necessário, da analogia, dos costumes, dos princípios gerais e, se for o caso, da eqüidade – e dá deferimento em parte do pedido somente para reconhecer que o CN permanece omisso quanto à regulamentação da norma, e não resolve a questão.

Sobre a autora
Cláudia Goldner Picinin

economiária, bacharel em Direito pela UNIPAC, Barbacena (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICININ, Cláudia Goldner. Juros bancários: a legalidade das taxas de juros praticadas pelos bancos perante norma constitucional limitadora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3562. Acesso em: 17 nov. 2024.

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