CAPÍTULO 4: TESES CONTRÁRIAS AOS BANCOS
4.1 – Auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192
Observada rigorosamente a boa técnica legislativa, parágrafos, incisos e alíneas são dependentes do artigo. Dessa forma, quando o caput do artigo exige lei complementar para sua regulamentação, seu parágrafo depende da mesma lei para que obtenha eficácia.
O Ministro Marco Aurélio ao julgar ADIn nº 4, ponderou brilhantemente que o conteúdo deve sobrepor-se à forma. Assim, o simples fato de o preceito estar revelado em parágrafo não firma a presunção definitiva de dependência ao artigo no qual está inserido. O teor do § 3º exsurge sem interligação com o caput do mesmo artigo 192.
Dispõem o art. 192 e § 3º da Constituição Federal de 1988:
Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:
§ 3º. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar.
O Ministro Marco Aurélio expressa que o cotejo dos dispositivos constitucionais – do caput e do parágrafo – revela a ligação de ambos com os princípios gerais da atividade econômica como um todo e com a ordem social. Destarte, visando o desenvolvimento equilibrado do País, o bem-estar e a justiça sociais, inevitável o combate ao abuso do poder econômico, à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Sem propósito seria ditar os princípios reguladores da ordem econômica e social sem o preceito limitador para coibir a desenfreada liberdade na cobrança de juros.
José Afonso da SILVA é favorável à eficácia plena e à aplicabilidade imediata do § 3º do artigo 192 da Constituição Federal, por se tratar de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do referido artigo. Entende o citado doutrinador que, quando da elaboração constitucional, houve uma grande preocupação de que a Carga Magna de 1988 não aparecesse com grande número de artigos, daí reduzi-los a parágrafos, e, uns e outros, não raro, a incisos. Cediço, pois, que caso tivesse sido observada a boa técnica nos trabalhos de elaboração da Constituição de 1988, o § 3º do art. 192 seria um artigo, e não um parágrafo.
Considerando, ainda, o julgamento da ADIn nº 4, o parecer do Ministério Público Federal foi pelo reconhecimento da eficácia do parágrafo 3º, do art. 192, da Constituição Federal, dando eficácia limitada apenas ao caput do artigo.
O Ministro Carlos Velloso concorda com os estudiosos da hermenêutica constitucional que ensinam que as normas constitucionais que contenham vedações, proibições ou que declarem direitos são, de regra, de eficácia plena. E o limite de 12% (doze por cento) ao ano dado às taxas de juros reais é, indiscutivelmente, uma vedação. E um direito aos que operam no mercado financeiro.
Outro voto vencido no julgamento da ADIn nº 4 é o voto do Ministro Néri da Silveira de defende que a primeira parte do parágrafo 3º, de natureza civil, constitui norma de eficácia plena, de aplicabilidade imediata, integral, independendo de legislação posterior para sua inteira operatividade. A segunda parte do cito parágrafo, de índole penal, terá punição pelo crime de usura definida em lei.
O Ministro Paulo Brossard admite que se fosse legislador não incluiria o preceito em tela em texto constitucional. Todavia, sua autonomia deve ser respeitada e o limite prescrito obedecido, pois a lei a ser elaborada é que está subordinada à regra do parágrafo 3º e não este subordinado àquela. São suas as eloqüentes palavras:
Ora, o parágrafo 3º do art. 192 ao dizer que os juros reais não excederão a taxa de 12% ao ano e que a eles não se somarão comissões de nenhuma natureza, direta ou indiretamente, relacionadas com a concessão de crédito, disse tudo que era necessário para sua cabal e imediata aplicação, independente de lei ordinária ou complementar.
O Ministro Marco Aurélio, ao tratar da definição de juros reais, ateve-se à análise gramatical, separando o vernáculo juro do adjetivo real. Constatou que se não fosse o adjetivo, não estaria a discutir a aplicação imediata do preceito. Contrário à necessidade de lei que defina juros reais, o ilustre julgador do Supremo remete o interessado ao próprio texto constitucional para elucidação do que sejam taxas de juros reais: nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, excluindo apenas a correção monetária (inflação).
Os votos vencidos dos Ministros que participaram do julgamento da ADIn nº 4 inspiram juízes monocráticos, desembargadores, Ministros de instâncias inferiores, doutrinadores, além dos operadores do Direito, pois mesmo que a tese da auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192, após mencionado julgamento, seja infrutífera e inútil, os embasamentos utilizados nessa continuam sendo referência para as outras teses favoráveis aos clientes bancários.
4.2 – Lei de Usura
Os juros correspondem ao preço do uso; daí usura, vocábulo empregado originariamente para designar o empréstimo de dinheiro mediante remuneração. Atualmente, a palavra usura é utilizada como sinônimo de juro excessivo, exorbitante, ou lucro exagerado.
Em função de seus efeitos destruidores, a usura tem recebido reprovação moral e legal, estando tipificada como crime em norma constitucional (artigo 192, § 3º, 2ª parte da CF/88). O abuso traz como conseqüência a lesão, que é o prejuízo pecuniário nas relações jurídicas, especial e principalmente nos contratos firmados com as instituições financeiras, que dispõem hodiernamente de tratamento diferenciado (súmula 596 STF e circular nº 1.365, do BACEN).
Constatada a inocuidade das decisões de primeiro e segundo graus contrárias ao julgado da ADIn nº 4 que limitavam a taxa de juros com base na norma constitucional, alguns tribunais aquiesceram ao determinado pelo STF. Outros, no intuito de manterem seus posicionamentos e obterem a confirmação de seus votos no Supremo, procuraram novos caminhos que não o da auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192.
A mais usada das teses alternativas é o retorno da invocação do antigo decreto nº 22.626/33, a Lei de Usura, como fundamento da limitação dos juros.
O artigo 1º do cito decreto proíbe e pune aquele que estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (6% ao ano conforme art. 1.062 do CC), ou seja, a taxa está limitada a 12% ao ano. Acreditam estes defensores que a lei nº 4.595/64, conhecida como Lei de Reforma Bancária, juntamente com a súmula 596 do STF, não revogaram a Lei de Usura.
Conforme art. 2º, § 1º da lei de introdução do Código Civil, só existem três hipóteses de uma lei posterior revogar a anterior:
a)por declaração expressa;
b)quando regular inteiramente a matéria;
c)por incompatibilidade.
As duas primeiras hipóteses não ocorreram, certamente.
A lei nº 4.595/64, em seu artigo 4º, inciso IX, outorga autorização ao CMN para "limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros...".
A expressão "limitar", contida na lei 4.595/64, interpretada normalmente, autoriza o CMN a "diminuir, reduzir, restringir" a taxa de juros sempre que achar conveniente fazê-lo. BORCHARDT [1999] bem interpreta a função dessa autonomia que visa, evidentemente reduzir juros para empréstimos especiais em que se recomendam juros favorecidos. Considerando que o decreto nº 22.626/33 estabelece o limite máximo, a Lei de Reforma Bancária e a Lei de Usura são compatíveis, e esta não se encontra revogada por aquela.
Decidem os Tribunais de Alçada do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais:
A legislação infraconstitucional lei da Usura e Código Civil – art. 1.062 e 1.063) não foi revogada pela lei 4.595/64. Foi recepcionada pela Carta Política de 1988, prevalecendo a limitação de 12% ao ano. (Ap. Cível. Nº 197170392 TARS)
A atribuição ao Conselho Monetário Nacional, contida no artigo 4º, IX, da Lei 4.595/64, era para limitar as taxas de juros, e não liberá-las, devendo tal delimitação cingir-se à graduação até o limite legal (doze por cento ao ano), estatuído pelo Decreto 22.626/33. (TAMG – AC 0284656-6 – 3ª C.Cív. – Rel. Juiz Wander Marotta – J. 11.08.1999)
O Ministro Marco Aurélio posicionou-se contra a prática de juros excessivos voltada a interesses isolados e momentâneos em detrimento dos gerais e, portanto, da sociedade. A usura decorrente de desequilíbrio marcante do próprio mercado mostrou-se, desde cedo, como algo condenável. Em julgamento da ADIn nº 4, citou o intróito do Decreto 22.626/33:
O Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil:
Considerando que todas as legislações modernas adotam normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos praticados pela usura;
Considerando que é de interesse superior da economia do país não tenha o capital remuneração exagerada impedindo o desenvolvimento das classes produtoras;
Decreta:...
No preâmbulo da Carta da República de 1988, encontramos princípios de um Estado Democrático de Direito que se destinam a assegurar o exercício dos direitos sociais, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos.
Pelas razões acima esposadas, constitui entendimento majoritário que a Lei de Usura foi recepcionada como lei complementar pela Constituição Cidadã, afastando-se assim a tese advogada por alguns de que a mesma estaria revogada pela intitulada Lei de Reforma Bancária. Decorrente desse raciocínio lógico resta demonstrado de forma cabal e irrefutável a ausência de supedâneo jurídico à utilização da Súmula 596 do STF que consagra o entendimento favorável às instituições financeiras. Primeiro porque súmula não é lei; também não possui força vinculativa, nem tampouco tem eficácia revogativa de norma legal, muito menos constitucional (e em pleno vigor); e segundo, porque a súmula referida é na verdade a cristalização do equivocado entendimento exarado pela Corte Maior de que os agentes financeiros estariam autorizados pelo CMN a infringir a lei.
4.3 – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
O artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, revogou as instruções normativas que atribuíam ao Poder Executivo poder para regular matérias de competência do Poder Legislativo. Nos termos do artigo 48, inciso XIII da Carta Política de 1988, cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações.
O prazo de 180 dias não era definitivo, podendo, como expresso no próprio artigo, ser prorrogado por lei. A Constituição Federal foi promulgada em 5 de outubro de 1988, o que fixou o término do prazo concedido pelo artigo 25 do ADCT para a vigência das delegações legislativas em 3 de abril de 1989.
Observado que o artifício legislativo utilizado para dilatar o prazo e ressuscitar os poderes normativos do CMN foi a edição reiterada de medidas provisórias, J. R. Feijó COIMBRA suscita um pequeno detalhe, por demais importante, que para os aplicadores da lei não pode passar despercebido: a revogação da Lei nº 4.595/64 com base no artigo 62 da Constituição Federal, reza que as medidas provisórias perderão sua eficácia se não convertidas em lei no prazo de 30 dias.
A primeira tentativa de prorrogação da delegação dada ao CMN foi com a MP nº 45, de 31 de março de 1989. Segundo COIMBRA [1999], esta MP não foi convertida em lei pelo Congresso Nacional no prazo previsto no artigo 62, parágrafo único do texto constitucional. Mesmo que novas MPs contivessem o mesmo teor da MP nº 45, não surtiriam efeito, pois inexistiria a delegação que deveria ser ressuscitada.
COIMBRA [1999] esclarece ainda que, mediante revogação da delegação em tela, a Súmula 596 do Supremo não poderá ser invocada, uma vez que a disposição legal na qual se apoiava não pertence mais ao mundo do direito.
O eminente desembargador Jorge Alcibíades Perrone de Oliveira, do TJRS, em brilhante artigo publicado em julho de 1996, argumenta que nem mesmo as MPs convertidas em lei poderiam outorgar poderes ao Executivo porque padeceriam de vício flagrante de inconstitucionalidade. Após 1988, caso pretendesse o Executivo – leia-se o Conselho Monetário Nacional – manter a liberação das taxas de juros, deveria ter usado o meio constitucional próprio: a remessa do projeto de lei ao Congresso Nacional, único poder competente para legislar a matéria.
Em Porto Alegre, assim se manifestou o Tribunal:
Juros – Validade do Limite de 12% a.a. – Aplicabilidade da Lei de usura. Com o advento da Constituição Federal de 1.988, por força do art. 25 do ADCT, revogadas ficaram todas as instituições sermativas e, de resto, o próprio poder normativo, em poder de competência legislativa do Congresso Nacional. Por conseguinte, o poder normativo a respeito de juros bancários que a Lei nº 4.595/64 concedia ao Conselho Monetário Nacional restou revogado. A única lei federal limitativa de juros é a Lei de Usura que hoje regra os contratos de toda a sociedade, inclusive, os bancários. (Ap.Cív. nº 196.004.204, de Porto Alegre, Rel. Des. Márcio Puggina)
Diante do exposto, resta apenas ao Congresso Nacional editar lei complementar para regulamentar o artigo 192 ou expurgar de vez a norma limitadora.
4.4 – Aplicabilidade do CDC
A Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor disciplina normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias.
Reza os citados artigos:
Art. 5º da CF/88: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) inciso XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
Art. 170 da CF/88: A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) inciso V – defesa do consumidor.
Art. 48 do ADCT: O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor.
Destarte, é o CDC o direito do consumidor institucionalizado, a materialização de princípios instituídos desde o início do século XX. Sendo os contratos bancários o exemplo mais puro das relações negociais massificadas e o mais típico dos contratos de adesão, o Direito do Consumidor que se caracteriza como um Direito especial destinado a corrigir os chamados "efeitos perversos" da sociedade de consumo os inclui no artigo que define fornecedor.
Assim determina no capítulo 1 que trata das disposições gerais:
Art. 3º do CDC: Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso)
Em que pesem as argumentações de que a expressão grifada acima é inconstitucional, pois seria incompatível com o disposto no artigo 192, caput e incisos II e IV da CF/88 que exige lei complementar e não lei ordinária para regulamentação das instituições integrantes do sistema financeiro nacional, os princípios constitucionais da igualdade e da atividade econômica induzem os operadores do Direito a aplicarem os dispositivos do CDC nos contratos bancários por tratarem-se de relações de consumo e estarem revestidos de cláusulas abusivas.
Os dois grandes princípios embasadores do CDC são os do equilíbrio entre as partes (não igualdade) e o da boa-fé (art. 4º do Código). A presunção de vulnerabilidade (art. 4º, I do Código) prevalece em todos os contratos bancários e baseia-se na realidade fática de superioridade econômica e técnica que possuem os bancos em relação à maioria dos seus clientes. O flagrante desequilíbrio entre as partes exige a intervenção estatal legislativa e judicial. Daí porque as operações bancárias no mercado foram consideradas pela doutrina e jurisprudência brasileiras como submetidas às normas e ao novo espírito do Código Consumerista.
Para manutenção do equilíbrio contratual, o CDC contém dispositivos que vedam a existência de cláusulas abusivas e criação de obrigações que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada (art. 6º, V e 51, IV).
Dentre as cláusulas abusivas, podemos destacar a que determina a taxa de juros que será aplicada em contrato firmado entre o cliente e a instituição. Mesmo apresentando a indicação do percentual dos juros, não esclarece como esses juros serão aplicados, aumentando sensivelmente as prestações dos clientes, causando-lhes uma verdadeira lesão patrimonial. BORCHARDT [1998] explica bem essa lesão, defendendo inclusive que há uma apropriação indébita por parte do mutuante quando o nível dos juros for superior a taxa de lucro, pois estará aquele absorvendo não só o resultado do trabalho, mas também algo do patrimônio anteriormente formado.
Em relação ao conceito de consumidor, de modo contrário àqueles que advogam a tese de que o cliente de empréstimo bancário não é destinatário final, tribunais têm decidido pela incidência do CDC.
Incidem as normas do CDC em relação aos contratos bancários, pois, se o produto é todo bem jurídico, não há negar-se que o crédito é um bem jurídico que é fornecido pelo Banco (fornecedor) ao tomador de crédito (consumidor), como destinatário final (do crédito), diante da interpretação dos art. 2º e 3º, § 1º do próprio Código. (...) O mutuário só não seria destinatário final do crédito – enquanto crédito – se, em vez de "consumi-lo", ele o repassasse a terceiros. (Ap. Cív. 196.099.337, 4ª Cam. Cív. do TARS, RT 734/488)
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários. (...) "O consumidor, conforme a definição legal, é a pessoa física ou jurídica que, independente da qualidade de hipossuficiente, usa o serviço como destinatário final (Lei nº 8.078/90, art. 2º). E as atividades bancárias, financeiras e de crédito, também por expressa disposição legal (art. 3º, § 2º da Lei 8.078/90), subordina-se à Lei de Defesa do Consumidor. Essa lei não contraria as disposições que regulam o sistema financeiro nacional e com elas harmoniza-se, complementando-as sem revogá-las, substituí-las ou modifica-las." (Ap. nº 199900120998; TJRJ; Rel. Des. Milton Fernandes de Souza; j. 13.6.2000; un.)
Todavia, prevalecem os julgados apoiados na tese da aplicabilidade do princípio do equilíbrio entre as partes baseado na vulnerabilidade do consumidor bancário e na prática de cláusulas abusivas em contratos firmados com as instituições financeiras.
(...) Por todo o exposto, aplica-se, pois o Codecon na hipótese, no que passo à análise das cláusulas, uma a uma. Cláusula A 1: a alteração unilateral do limite de crédito pela banco, com a aceitação presumida do cliente. (...) tal cláusula fere, literalmente, o disposto no art. 51, XIII do Codecon, eis que autoriza o banco a modificar unilateralmente o contrato, no que toca ao seuconteúdo, após a sua celebração. (...) A cláusula B 5, que estipula o poder do banco de sacar contra o cliente um título de crédito para a representação de qualquer tipo de obrigação. A cláusula em questão é nula, na forma do artigo 51, VIII do Codecon, eis que se trata de uma "cláusula mandato". (Rosana Navega Chagas Juízo de Direito da 5ª Vara de Falência e Concordatas em Ação Civil Pública 98.001.083876-3 proposta pelo Ministério Público contra o Banco Real S/A)
À exceção da temática relativa aos juros moratórios que será objeto de exame ao final deste, ao banco recursante desassiste razão em suas objeções concernentes à incidência do Código de Defesa do Consumidor à hipótese aos autos, motivo pelo qual, sendo este o único fundamento por ele apresentado a respeito, permanecem os comandos editados pela sentença quanto: a) à nulidade da cláusula que prevê autorização irrevogável do mutuário para débito em conta corrente das parcelas mensais; b) à redução da multa a 2% (art. 52, § 1º da Lei nº 8.078/90). (REsp. nº 213.825 – RS; 1999/0041288-5, Relator: Min. Barros Monteiro.)
Em 26 de julho de 2001, foi publicada a Resolução 2.878 do BACEN que dispõe sobre procedimentos a serem observados pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil na contratação de operações e na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral. O fato de tal resolução ser intitulada Código de Defesa do Cliente Bancário, não exime as instituições financeiras de serem vistas como fornecedores em uma relação de consumo, nem os clientes de empréstimos bancários de serem consumidores nessa relação. Inclusive, reforça a tese de que existe abuso por parte do Poder Executivo que insiste em colocar os bancos em patamar privilegiado e intocável, o que é inaceitável.
Tratar de maneira igual os iguais e de maneira desigual os desiguais não significa tornar imunes e inatingíveis os que se dizem desiguais. Aceitando a tese de que as instituições financeiras estão sujeitas apenas à autoridade do CMN, em face ao princípio da inafastabilidade do Judiciário (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88), não podem essas jamais causar lesão ou ameaçar qualquer direito de seus clientes, sob pena em terem que responder perante as regras já contidas no CDC.