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A legalidade da fusão, cisão e incorporação de empresas como instrumentos de planejamento tributário

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Agenda 01/01/2003 às 00:00

Sumário: 1-INTRODUÇÃO; 2-AS FORMAS DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA; 2.1- FUSÃO; 2.2- INCORPORAÇÃO; 2.3- CISÃO; 3 -ELISÃO E EVASÃO FISCAL, DIFERENÇAS; 4 -BREVE NOÇÃO SOBRE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO; 5- O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO ECONÔMICA DOS ATOS; 6- A QUESTÃO DO NEGÓCIO INDIRETO; 7- PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E A REORGANIZAÇÃO SOCIAL; 8- CONCLUSÕES; 9-BIBLIOGRAFIA


1. INTRODUÇÃO

Hodiernamente, nestes tempos de economia globalizada, temos assistido, não se pode negar, uma forte tendência mundial no sentido da concentração das atividades produtivas em torno de um número cada vez mais reduzido de grupos econômicos.

Esta tendência explica-se, fundamentalmente, pela concorrência cada vez mais acirrada existente entre as empresas e pelo fato desta concorrência impor uma otimização na produção e no funcionamento destes entes econômicos a fim de se enxugar os custos de produção e, por conseguinte, possibilitar colocar no mercado produtos mais competitivos e que possam, unitariamente, agregar o máximo possível de valor.

Dentro deste quadro, isto é, um cenário de competição bastante intrincada, com uma necessidade paulatina das empresas se tornarem cada vez mais competitivas, seja para poder abarcar uma fatia mais significativa do mercado, seja para não ser engolidas pela concorrência, a realidade fenomênica nos coloca diante de fatos que representam saídas e estratégias criadas pelos entes econômicos no afã de aumentar sua competitividade.

Dentre estas estratégias econômicas, avultam-se a fusão, a cisão e a incorporação de empresas, principalmente daquelas de maior poderio econômico.

Estes fenômenos, insertos na seara do Direito Comercial, tomam grande relevância no campo do Direito Tributário e das Finanças Públicas, quando, por trás da incorporação, fusão e cisão de empresas, está a intenção do contribuinte em fazer uma espécie de "economia fiscal", seja ela lícita (elisão fiscal) ou ilícita (evasão fiscal).

Em termos gerais, pode-se dizer que estas formas de reorganização societária (fusão, incorporação e cisão) ainda se dão, majoritariamente, com o intuito eminentemente econômico, isto é, visam atender aos interesses mercadológicos específicos dos entes econômicos que almejam se fundir, incorporar-se ou cindir-se. Nesta toada, pode-se afirmar que o que leva uma empresa a reorganizar-se societariamente é, por exemplo, a perspectiva da empresa incorporadora ingressar em um determinado nicho do mercado que está sob o domínio da empresa incorporada, ou, ainda, o caso de duas ou mais empresas se unirem em uma só a fim de se tornarem mais fortes frente à concorrência ou para trocarem tecnologias úteis às duas empresas.

Vê-se, pois, que os motivos que levam uma empresa a reestruturar seu esqueleto societário são inúmeros, entretanto, não se pode entender que estas reestruturações visam, diretamente, promover qualquer forma de economia fiscal, através de planejamento fiscal pautado em cisão, incorporação ou fusão de empresas.

Entretanto, diante da contraposição existente entre a intenção das empresas em minimizar custos e o pesado e injusto sistema tributário que onera por demais serviços e mercadorias, tem-se assistido uma crescente tendência em se valorizar o que se chama planejamento tributário.

O planejamento tributário, como o próprio nome indica, representa um conjunto de medidas e atos tomados pelo contribuinte no sentido de organizar sua vida econômico-fiscal a fim de possibilitar que a gama de negócios, investimentos e lucros desta pessoa jurídica sofram, dentro da esfera da legalidade, a menor carga tributária possível.

Dentro do paradigma do planejamento tributário, estão as figuras da fusão, incorporação e cisão de empresas como um meio de se promover a elisão fiscal, ou seja, são instrumentos que objetivam realizar uma economia lícita de tributos.

Como forma de se promover economia fiscal, a fusão, incorporação e a cisão de empresa como instrumento de planejamento tributário não é vista com bons olhos pelo Fisco e sua costumeira voracidade.

A preocupação do Fisco não é descabida, pois estas formas de reorganização societária poderão representar uma queda na arrecadação e, sem dúvida, poderão ser usadas não com o intuito elisivo, mas com feição evasiva, isto é, poderão ser instrumento de sonegação fiscal.

Ademais, quando se trata de fusão, incorporação e cisão de empresas, torna-se imperioso distinguir a reorganização societária que se dá de fato daquela meramente fictícia, pois, não raro, tal instituto tem como objeto fraudar os credores das empresas através de um negócio jurídico, onde os contribuintes tentam eximir-se de suas obrigações, sejam elas civis, comerciais ou tributárias.

Portanto, é sem embargos que se pode dizer que a cisão, incorporação e a fusão de empresas enquanto instrumentos de planejamento tributários vêm, aos poucos, ganhando relevância, pois, como é sabido, a economia tributária é um caminho eficiente para a redução de custos de uma empresa e, por conseguinte, é uma porta que se abre para aumentar a competitividade destes entes econômicos.

A importância do presente estudo reside no fato destas formas de reorganização societária serem mecanismos que, como já dissemos, representam um meio importante de se promover economia fiscal, e, por isso, tomam grande importância tanto para os contribuintes, quanto para o próprio Fisco.

O embate entre a resistência dos contribuintes em adimplir com suas obrigações e o afã arrecadatório do Fisco, como a própria essência do Direito Tributário, explicita-se claramente neste tema objeto do presente estudo, tornando relevante uma análise mais detida sobre a questão.

Este estudo, portanto, terá como objetivos, fundamentalmente, a apuração da legalidade ou não da cisão, incorporação e a fusão de empresas como instrumentos de planejamento tributário, assim como demonstrar se estas medidas importam ou não em abuso de formas e de direito, expressamente vedados pelo ordenamento jurídico nacional.


2. AS FORMAS DE REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA

No desenvolvimento do presente estudo, torna-se necessário empreendermos uma conceituação das modalidades de reorganização societária que são utilizadas como instrumento de planejamento tributário. Esta necessidade de conceituação justifica-se, fundamentalmente, em razão do fato de se buscar, neste estudo, averiguar, também, se a fusão, incorporação e cisão de empresas motivadas em razão de um planejamento tributário importam ou não em fraude fiscal, representado por um desvirtuamento de conceitos.

Ademais, é importante salientar que, em termos de aplicação da lei tributária, a correta conceituação dos institutos de direito privado é de vital importância para o Direito Tributário. O próprio Código Tributário Nacional, em seu artigo 110, dispondo sobre a interpretação e integração da legislação tributária, assevera a importância que os conceitos de direito privado possuem dentro da seara tributária, senão vejamos:

"Art. 110 – A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."

Diante da redação clara do supra mencionado dispositivo legal é imperioso afirmar que dentro da legislação tributária brasileira, a estrutura jurídica e a definição legal de determinado negócio jurídico são de extrema importância para fins fiscais. Assim, dentro daquilo que foi proposto pelo presente estudo e dada a importância dos conceitos para qualquer trabalho de cunho científico, passaremos por ora, especificamente, a definir e tecer alguns comentários sobre a fusão, cisão e incorporação de empresas.

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2.1- FUSÃO

Conforme definição do próprio direito positivo brasileiro (Lei 6.404, artigo 228), "fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma sociedade nova que lhes sucederá em direitos e obrigações."

Dada a precisão conceitual expressa na própria lei, os conceitos provenientes da doutrina não destoam da definição legal. Motta Maia, por exemplo, define a fusão como uma forma de união, tal como a incorporação, onde há o desaparecimento de uma ou mais pessoas jurídicas, para que surja outra, com maior dimensão e maior capacidade econômica [1].

A fusão caracteriza-se pelo fato de desaparecem as sociedades que se fundem, para, em seu lugar, surgir uma nova sociedade. A fusão, entretanto, não importa na dissolução das sociedades fundidas, mas na extinção formal das sociedades que passaram pelo processo de fusão. Não havendo dissolução, não há que se falar em liquidação do patrimônio social, posto que a nova sociedade surgida da operação em questão assumirá toda e qualquer obrigação, ativa e passiva, das sociedades fusionadas.

O insigne comercialista Waldírio Bulgarelli, ao tratar do tema em sua tese denominada "A Incorporação das Sociedades Anônimas" [2], assevera que a fusão é um instituto complexo, uno, sempre de natureza societária, que se apresenta com três elementos fundamentais e básicos :

1.transmissão patrimonial integral e englobada, com sucessão universal;

2.extinção (dissolução sem liquidação) de, pelo menos, uma das empresas fusionadas;

3."congeminação" dos sócios, isto é, ingresso dos sócios da sociedade ou das sociedades extintas na nova sociedade criada.

Ressalte-se, por fim, que considerável parte da doutrina atenta para o fato de que a fusão de empresas, dada sua complexidade, não apenas do ponto de vista jurídico, mas sobretudo em razão de suas incontáveis implicações fiscais, é um procedimento que por longo período foi relegado ao esquecimento e desuso pela prática jurídica. Neste sentido, analisando o instituto da fusão, advertiu Miranda Valverde [3]:

"A fusão latu sensu entretanto, pode-se dizer, hoje em dia é um processo jurídico quase abandonado. Os tropeços criados pelas formalidades legais necessárias à execução da fusão, a publicidade decorrente, os encargos fiscais, puseram de lado a forma jurídica. Atualmente as grandes empresas e companhias preferem ficar no regime da fusão econômica, mediante a criação de sociedades ou companhias controladoras ou financiadoras das sociedades que exploram o mesmo ramo de comércio ou indústria ou que a ele se prendem na complexidade da produção, da distribuição e colocação de produtos."

2.2 - INCORPORAÇÃO

Assim como a fusão, a incorporação de sociedades comerciais possui também uma definição legal. O artigo 227 da Lei 6.404 define a incorporação como "a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações".

Na hipótese de incorporação, desaparecem as sociedades incorporadas, em contraposição à sociedade incorporadora que permanece inalterada em termos de personalidade jurídica, ocorrendo, apenas, modificação em seu estatuto ou contrato social, onde há indicação do aumento do capital social e do seu patrimônio.

Portanto, ao contrário da fusão, a incorporação de sociedades comerciais importa, necessariamente, apenas na reforma do estatuto ou contrato da sociedade que incorpora, desaparecendo-se a empresa incorporada. A fusão, por outro lado, impõe a extinção das sociedades fusionadas, surgindo, assim, uma nova sociedade.

2.3 – CISÃO

A cisão está definida no artigo 229 da Lei nº 6.404/76 nos seguintes termos:

"A cisão é a operação pela qual a companhia transfere parcelas do seu patrimônio para uma ou mais sociedades, constituídas para esse fim ou já existentes, extinguindo-se a companhia cindida, se houver versão de todo o seu patrimônio ou dividindo-se o seu capital, se parcial a versão"

A cisão de empresa não implica, inexoravelmente, na extinção da sociedade cindida, uma vez que a própria lei prevê a possibilidade de cisão parcial. Na cisão parcial, o capital social se divide em razão da versão de parte do patrimônio da empresa cindida para outra empresa. A parcela vertida à outra sociedade há de corresponder sempre a uma diminuição do capital social.

O parágrafo 1º do artigo 229 da Lei nº 6.404/76 dispõe sobre a forma de sucessão das obrigações da empresa cindida. No caso de cisão total, com extinção da sociedade, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da sociedade cindida sucederão a esta na proporção do patrimônio transferido, ou seja, sucederá a sociedade cindida nos direitos e obrigações referentes àquela determinada porção de patrimônio que foi transferida. Na hipótese de cisão parcial a situação é similar, devendo-se ressaltar, entretanto, que a sociedade cindida permanece existindo. Desta forma, a sucessão de direitos e obrigações, logicamente, só se dará quanto à parcela de patrimônio que foi transferida à outra sociedade.

É interessante ressaltar, ainda, que "havendo cisão com versão de parcela do patrimônio em sociedade nova, a operação será deliberada pela assembléia geral (no caso de sociedade anônima); se já existe a sociedade que vai absorver parcela do patrimônio da sociedade cindida, serão obedecidas as regras da incorporação.

Extinguindo-se, com a cisão, a sociedade cindida, cabe aos administradores das sociedades que absorverem o patrimônio, promover o arquivamento e a publicação dos atos relativos à operação. "Sendo apenas parcial a versão do patrimônio, esses atos serão praticados pela companhia cindida e pela que absorveu parte do patrimônio." [4]


3. ELISÃO E EVASÃO FISCAL, DIFERENÇAS

Assim como para o presente estudo é importante a definição das três modalidades de reorganização societária, não menos valorosa é a definição dos institutos da evasão e elisão fiscal, assim como a delimitação dos pontos que demarcam a diferença entre estes dois institutos bastante citados na seara do Direito Tributário. A definição correta dos referidos institutos é essencial para podermos enquadrar em uma ou outra categoria a fusão, cisão e incorporação de empresas como instrumento de planejamento tributário.

Para tanto, inicialmente, devemos conceituar a evasão fiscal em sentido lato, para em seguida, passarmos à conceituação mais precisa dos institutos em comento.

Evasão é todo ato ou omissão que tende a evitar, reduzir ou retardar o pagamento de um tributo. A evasão visa, pois, evitar ou minorar o pagamento de um tributo.

Esta definição do que seria evasão fiscal ‘latu sensu’’ não é suficiente, tornando-se necessária uma classificação mais minuciosa. Dado isto, passemos agora, pois, às definições das diversas formas de economia de tributos, utilizando para tanto, a classificação do Professor Sampaio Dória [5].

Primeiramente, a evasão fiscal pode ser dividida entre a evasão omissiva e a evasão comissiva. Tal distinção é calcada na intencionalidade da ação, vez que a evasão omissiva pode ser ou não intencional, enquanto a evasão comissiva é sempre intencional.

Na evasão omissiva, pode-se prever duas hipóteses, quais sejam: a "evasão imprópria" e a "evasão por inação". A evasão imprópria é aquela que importa em formas de se evitar a tributação mediante abstenção de praticar atos que coloquem o agente como realizador de determinado fato gerador. A evasão imprópria, também chamada de abstenção de incidência, ocorre, principalmente, nos casos onde há tributação excessiva. Aqui não há propriamente uma forma de evasão fiscal em sentido estrito, haja vista não se configurar uma redução ou anulação da carga tributária, porque não há sequer a ocorrência de fato gerador.

Por outro lado, a evasão por inação já representa uma espécie de evasão tributária de forma estrita, havendo, inclusive, a configuração de uma falta por parte do contribuinte. A evasão por inação pode ser intencional ou não. Sendo intencional, a evasão por inação toma contornos de sonegação fiscal, posto que a falta de recolhimento do tributo é efetivada ainda que o contribuinte tenha consciência do seu dever de pagar os tributos. O não recolhimento do tributo é feito de forma a beneficiar o patrimônio do contribuinte, em detrimento ao Erário Público, de forma deliberada.

Já na evasão tributária omissiva não intencional, há, por parte do sujeito passivo da obrigação fiscal, um desconhecimento da legislação tributária e, conseqüentemente, do dever de pagar determinado tributo.

Há de se ressaltar que, obviamente, em ambas as hipóteses o tributo devido não é recolhido. Entretanto, a importância da diferenciação das duas hipóteses liga-se ao fato de haver, para as duas hipóteses, penalizações diversas, mais brandas para a evasão não intencional, mais severas para a intencional.

Além da evasão omissiva, há as evasões denominadas comissivas, sempre intencionais. A evasão comissiva comporta duas espécies, a evasão ilícita e a evasão lícita, equivocada denominação da chamada elisão fiscal.

A título de esclarecimento, importa notar que a expressão ‘elisão fiscal’ deve ser prestigiada, posto que detém maior precisão terminológica. Quanto à correta denominação do instituto da elisão fiscal, cabe-nos reportar, novamente, à lição do insigne Professor Sampaio Dória que adverte [6]:

"O primeiro problema a ser enfrentado nesta área é o referente à terminologia. Como chamaremos este fenômeno, de o contribuinte evitar, reduzir ou retardar o pagamento de um tributo, mediante fórmulas alternativas ou procedimentos lícitos. A maioria dos autores usa a expressão "evasão lícita ou legítima", em oposição à evasão ilícita ou fraude. Historicamente, digamos, a terminologia que predominou é esta, de evasão lícita e evasão ilícita.

Essa dualidade de nomenclatura, que se distingue apenas pelos adjetivos, parece-nos inteiramente inaceitável e inadequada, porque não se pode tomar o mesmo conceito sobre evasão e admitir que essa mesma realidade possa ser lícita ou ilícita. Do ponto de vista jurídico, um ato é ou não é lícito.

Isso criaria confusões, sem dúvida, a admitirmos que o mesmo fenômeno jurídico possa, dependendo das circunstâncias, ser lícito ou ilícito. Uma impropriedade no uso dessa expressão, evasão lícita, para diferenciá-la da evasão ilícita. Sentiremos melhor esse problema, se em vez do termo evasão usarmos o termo fraude, como alguns autores fizeram – denominaram evasão ilícita de fraude propriamente dita e a evasão lícita ou legítima de fraude lícita. Então seria o mesmo que disséssemos que a evasão ilícita é uma espécie de "fraude fraudulenta" e a evasão legítima de "fraude não fraudulenta", o que é, evidentemente, uma impropriedade total da linguagem.

O próprio termo evasão já conota uma certa irregularidade. O exemplo clássico é a chamada evasão de presos. Se dissermos evasão ilícita, estaremos mera ou pleonasticamente, qualificando um ato que por si só já é ilícito. E se dissermos evasão lícita estaríamos criando uma certa contradição nos termos, pois o núcleo desta locução, o termo "evasão" por si só já implica nessa idéia de ilicitude. Propõe-se, portanto, que se use a expressão evasão para significar a fraude fiscal e o termo elisão ou economia para exprimir essa chamada evasão fiscal lícita ou legítima."

Quanto à escolha da palavra elisão, continua em sua lição Sampaio Dória:

"A palavra elisão, que é a preferida, resulta do verbo elidir, que, fundamentalmente, significa evitar. O problema é que em português não temos substantivos eufônicos, derivados do verbo evitar. Existe o substantivo evitamento, ou evitação, mas, naturalmente, não são palavras de uso corrente. Então usamos o termo elisão, que, por falta de outros, preenche as necessidades terminológicas deste fenômeno."

Superada, portanto, a discussão terminológica que pairava sobre o fenômeno da elisão fiscal, passemos a analisar o instituto em si.

Analisando-se o fenômeno da elisão, conclui-se que há duas espécies de elisão fiscal, aquela decorrente da própria lei e outra que resulta de lacunas e brechas existentes na própria lei.

Na primeira hipótese, isto é, no caso da elisão decorrente da lei, o próprio comando legal permite ou até mesmo induz a economia de tributos. Existe uma vontade clara e consciente do legislador de dar ao contribuinte determinados benefícios fiscais. Os incentivos fiscais são exemplos típicos de elisão induzida por lei, uma vez que o próprio comando legal dá aos seus destinatários determinados benefícios caso estes contribuintes, e.g., paguem em dia seus tributos, exportem mais mercadorias, construam uma fábrica em determinado local.

As elisões previstas em lei não merecem grande atenção na ótica jurídica, posto que são afeitas à esfera da política fiscal. Entretanto, no que se refere à elisão fiscal engendrada com base em lacunas da lei, a questão torna-se mais complexa e controvertida. Em se tratando da elisão fiscal feita em razão das brechas legais é bastante discutível a sua legitimidade e até mesmo a sua legalidade.

Inicialmente, para se demonstrar a legitimidade da elisão fiscal feita com base nas lacunas da legislação, forçoso é colocar em pólos opostos este tipo de elisão fiscal e a evasão tributária.

É importante ressaltar que estas duas figuras jurídicas possuem certos pontos em comum. Em ambos institutos, o que se busca são meios para reduzir ou anular a carga tributária, o que significa dizer que a intenção do agente não pode ser utilizada como fator diferenciador dos dois citados institutos. Não sendo a intenção do agente meio hábil para se promover a distinção entre evasão e elisão fiscal, pode-se afirmar que são fatores objetivos que podem distinguí-los. Em outras palavras, vale dizer, é justamente a maneira como um e outro instituto se concretizam é que pode diferenciá-los.

Em um primeiro momento, poderíamos afirmar que a diferença entre a elisão e evasão fiscal se dá em virtude da primeira ser acompanhada de meios lícitos para se configurar, enquanto a segunda viria acompanhada por procedimentos ilícitos.

Mas não é só.

A diferenciação entre a evasão e a elisão fiscal possui um viés temporal, uma vez que determinando-se o momento em que houve a utilização de certos meios, pode-se classificar o ato como um ou outro instituto. Na evasão fiscal, o indivíduo lança mão de certos meios ou instrumentos no ato ou depois da ocorrência do fato gerador. Assim, no momento de exteriorização do fato gerador ou depois, o contribuinte se vale de meios ilícitos para diminuir ou eliminar a carga tributária incidente sobre determinada operação.

Já na elisão fiscal, ao contrário, a utilização de meios lícitos deve se dar sempre antes do fato gerador acontecer. A elisão é, inexoravelmente, um procedimento preventivo, sendo que, sem este caráter antecipatório, a elisão descamba para a fraude fiscal. Após a configuração do fato gerador, isto é, após a ocorrência de determinado ato ou negócio, havendo subsunção de tal fato à norma tributária que abstratamente o definia como uma hipótese de incidência, não há mais nada a fazer a não ser quitar a obrigação tributária. Qualquer outra atitude do contribuinte se incluirá, necessariamente, dentro do espectro da evasão fiscal.

Na elisão fiscal, como já ressaltado anteriormente, busca-se uma economia fiscal na realização de determinado ato ou negócio jurídico. Entretanto, urge consignar que, por vezes, o direito traça formas diversas para traduzir situações que, efetivamente, são em sua substância, idênticas. Daí surge a figura do planejamento fiscal.

Por possuírem formas diversas, várias operações, ainda que essencialmente homogênicas, possuem tributações distintas, com carga tributária diversa. Ciente desta diversidade, o contribuinte pode, antecipadamente, planejar-se a fim de optar por uma via jurídica menos onerosa para atingir a um mesmo resultado. A elisão, pode-se dizer, nada mais é que uma forma de abstenção de incidência, onde o indivíduo evita se colocar em situação tributada. Todavia, enquanto na abstenção "strictu sensu" o contribuinte furta-se totalmente de praticar a operação e alcançar o resultado econômico, na elisão, o contribuinte chega ao resultado econômico, mas por um outro caminho.

A admissão da chamada elisão fiscal, em outros tempos denominada evasão lícita de impostos, é tese que encontra, há algum tempo, respaldo inclusive no Poder Judiciário.

O ilustre Professor Aliomar Baleeiro, na oportunidade Ministro do Supremo Tribunal Federal, na relatoria do Recurso Extraordinário nº 63.486, assim se posicionou sobre a figura da elisão :

" (...) Não houve, na espécie dos autos, qualquer tentativa de sonegação ou evasão ilícita. O contribuinte realizou, à luz do dia e do Fisco, o que os escritores de Direito Fiscal chamam de evasão lícita, aproveitando-se das lacunas da lei em matéria em que ela pode ser expressa e clara. Juristas como JEZE, aliás, doublé de financista, sustentou a licitude do contribuinte que busca adotar formas jurídicas mais favoráveis ao pagamento mais benigno, desde que não usem de fraude ou clandestinidade. Certo é que outros fiscalistas, ao contrário, defendem a predominância econômica do conteúdo econômico sobre a aparência do negócio jurídico formal.

(...)

Conheço do recurso e dou-lhe provimento. Era lícito o contribuinte mobilizar as máquinas e equipamentos para vendê-los separadamente do imóvel como os vendeu. Dest’arte, o v. acórdão negou vigência ao artigo 45 do Código Civil. A evasão, no caso, foi lícita. Houve o que escritores ingleses chamam de "loop hole" ou lacuna da lei fiscal, aproveitável pelo contribuinte, dado que o crédito tributário é sempre uma obrigação ex lege. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os conceitos de Direito Civil servem de base à interpretação dos tributos que a eles se referem. A lei fiscal toma-os no sentido e no alcance que lhes dá o Direito Privado." (grifos no original) [7]

Torna-se necessário, ainda, diferenciarmos a elisão fiscal da simulação fiscal, categoria ilícita pertencente ao gênero evasão fiscal, mas que mantêm com esta um aspecto diferenciador.

A simulação compreende a realização de determinado negócio que não representa de fato a verdadeira intenção e objetivos dos agentes. A simulação distingue-se da fraude fiscal por um único fator: na fraude a utilização de meios ilícitos é evidente e aparente, na simulação, a ilicitude dos atos é acobertada por uma aparência de licitude que reveste o negócio jurídico.

Entretanto, por estar dentro da categoria jurídica que se denomina evasão fiscal, o primeiro traço distintivo entre a simulação e a elisão fiscal seria, justamente, a sua realização depois da ocorrência do fato gerador. Porém, por ser um ato que se esconde atrás de uma aparente legalidade, torna-se difícil detectar o momento exato da realização do ato simulado ou, até mesmo, perceber a real vontade e os objetivos das partes envolvidas na simulação.

Ressalte-se que a idéia de simulação como sendo um negócio que se escuda atrás de uma aparente legalidade, escamoteando a real intenção do agente, será essencial para, mais adiante, alinharmos certas considerações sobre os requisitos de legitimidade do planejamento fiscal.

Percebe-se, portanto, que a noção de planejamento tributário deve passar, necessariamente, pela idéia de evasão e elisão fiscal. O planejamento fiscal, correto e consciente, tem que estar atento as duas premissas da elisão fiscal, quais sejam, a utilização de meios lícitos e a atuação preventiva em relação ao fato gerador.

Sem se respeitar a licitude dos meios e a anterioridade quanto a configuração do fato gerador, qualquer economia de tributos que se esteja fazendo estará enquadrada na categoria evasão fiscal, logo, estará dentro da ilicitude, sujeitando o contribuinte, portanto, aos rigores da lei penal e às pesadas multas previstas na legislação tributária.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Adler Anaximandro Cruz. A legalidade da fusão, cisão e incorporação de empresas como instrumentos de planejamento tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3583. Acesso em: 22 dez. 2024.

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Trabalho apresentado como monografia de conclusão de curso na UFMG.

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