RESUMO: O presente trabalho tem por escopo realizar uma análise teórico-conceitual, através de um discurso expositivo-argumentativo, acerca da vantagem de se utilizar de meios alternativos para a solução dos conflitos que versem sobre propriedade intelectual. Para tanto, buscar-se-á fixar o papel dos direitos de propriedade imaterial no mercado da Era da Informação e expor como os ressaltados meios alternativos podem ser úteis às lides que envolvam tais direitos.
Palavras-chave: Propriedade intelectual. Meios alternativos à solução de conflitos. Era da Informação. Mercado. Leis nº 9279/96 e nº 9307/96.
A história social recente tem sido marcada por atrozes mudanças de cunho estrutural. Marcos como a Revolução Francesa (1789) e a Revolução Industrial (iniciada no século XVIII) conduziram à hodierna Era da Informação. Esses episódios histórico-revolucionários transformaram o âmago da sociedade contemporânea, quer seja no seu viés político, quer econômico.
A Era da Informação (ou do Conhecimento) - efetivamente edificada a partir surgimento da informática - sucedeu a Era Industrial, inaugurando, para alguns, a pós-modernidade.
O conjunto de fenômenos que caracterizam a Era da Informação produziu uma nova estrutura social. Tais fenômenos transformaram o aspecto econômico da contemporaneidade, ultimando com o capitalismo eminentemente industrial e fundando o capitalismo informacional. Essa nova era carrega o selo da emergência dos bens imateriais, isto é, intelectuais, fundados na informação.[1]
Sobre essa metamorfose social, Pedro Paranaguá e Renata Reis ensinam que
no último século, os países desenvolvidos notaram a ampliação dos ativos intangíveis de suas indústrias, tais como nomes, marcas, know-how, conhecimento, modelos de negócio etc. Com isso, os mecanismos de apropriação e exclusividade sobre tais ativos passaram a ser uma preocupação substancial para esses países, tanto na incorporação em suas regulações internas quanto na busca da adequação dessa realidade em países consumidores de bens e serviços.[2]
Nesse diapasão, a propriedade intelectual granjeou lugar de destaque no novo cenário mundial globalizado. Dada a sua relevância econômica, viu-se a necessidade de proteger os bens intangíveis pelo véu do direito. Destarte, vieram a tona os direitos de propriedade intelectual, os quais podem angariar vultosos valores na dinâmica mercadológica do Capitalismo Informacional.[3]
Com isso, não resta dúvida de que patentes de invenções e de modelos de utilidade - as quais são espécies do gênero propriedade intelectual - são elementos fundamentais de competição comercial entre países no mundo globalizado contemporâneo, donde se hipervalorizam os conhecimentos.
Denis Borges Barbosa assim define direitos propriedade intelectual:
A Convenção da OMPI define como a soma dos direitos relativos Propriedade intelectual às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.[4]
As criações intelectuais humanas - sejam invenções, modelos de utilidade, desenhos industriais etc. -, estimulam o processo de inovação tecnológica, a qual, em última instância, finda por desenvolver a economia de uma nação. Assim entendem Luciano Timm e Pedro Paranaguá:
Existe hoje um certo consenso entre os economistas - sobretudo os schumpeterianos - de que o desenvolvimento de uma economia capitalista depende do processo de "destruição criadora" por meio do qual as empresas detentoras de novas tecnologias superam as empresas de tecnologia ultrapassada.
O processo de inovação tecnológica está, portanto, na agenda dos governos de diversos países como mola propulsora do desenvolvimento.[5]
Em face da mercantilização dos bens imateriais, tornou-se mister proteger o direito dos inventores/autores. Todavia, essa proteção, por si só, não trouxe completa harmonia à seara da gestão das criações intelectuais. A mera proteção estatal dos bens intangíveis por meio do direito não foi suficiente para dirimir potenciais conflitos que circundam a órbita desse instituto jurídico.
Nessa esteira, para se ter ideia da vastidão do objeto em voga neste trabalho, basta observar a informação noticiada pela Associação dos Juízes Portugueses, no sentido de que a criação de um tribunal especializado em propriedade intelectual em Portugal em pouco tempo acolheu mais de 900 conflitos sobre o tema.[6]
Isso se dá mormente porque a relação humana é permeada por conflitos. Seja em que campo for, a ampla gama de interações sociais é marcada por controvérsias. A cultura do conflito caracteriza a sociedade ocidental. Garcez afirma que a "cultura ocidental (…) empresta maior ênfase ao aspecto adversarial da resolução do conflito porque as relações comerciais nessa cultura se baseiam na precisão da documentação e na aplicação do princípio da legalidade".[7]
Os direitos de propriedade intelectual, por se estabelecerem no seio da interação humana, não escapam da possibilidade de se tornarem objeto de conflitos. Nesse diapasão, ao se instaurar uma controvérsia sobre tema tão caro e novo para a sociedade contemporânea, surge a necessidade de se encontrar métodos eficazes e céleres para a solucionar o imbróglio.
A título exemplificativo, traz-se à baila a lei 9279/96, que abarca o tema da propriedade industrial, a qual, junto aos direitos autorais, é espécie do gênero propriedade intelectual. A lei em destaque estabelece o instituto jurídico da "marca". Ocorre que, muitas vezes, os direitos marcários são violados por agentes econômicos que concorrem no mercado, formando-se um litígio. Essa lide, conforme se proporá neste trabalho, poderá ser solucionada de forma mais célere e técnica por meio de resoluções alternativas à jurisdição estatal.
Tais métodos alternativos podem ser tanto autocompositivos (mediação e conciliação), quanto heterocompositivo (arbitragem). Cada qual tem sua seara específica de aplicação. Isto significa dizer que um método não é melhor do que o outro, mas sim que cada um se aplica de forma mais eficaz diante das peculiaridades do caso concreto.
Ressalte-se que o presente artigo não propõe o uso estrito de meios alternativos e nem defende a falência da jurisdição estatal. O que se defende é a eficácia da utilização desses meios quando as circunstâncias do caso permitirem.
Diante do exposto, pode-se fincar as seguintes conclusões apriorísticas: o conflito é ínsito às relações humanas e econômicas; a propriedade intelectual é um neófito ramo do direito pós-moderno, o qual não está isento de conflitos; o Poder Judiciário é moroso na resolução das lides que lhes são apresentadas, e, além disso, em temas específicos - como a propriedade intelectual - pode ser pouco técnico. Nessa esteira, vislumbra-se a necessidade de buscar novos meios para solução dos conflitos em apreço.
Os métodos alternativos são mais céleres, flexíveis e específicos em certos assuntos do que as vias que o Estado coloca à disposição dos cidadãos. Diante disso, passa-se a expor as vantagens existentes em optar por solucionar lides concernentes à propriedade intelectual por meio dos internacionalmente conhecidos ADRS (Alternative Dispute Resolution Systems).
O uso da arbitragem, por exemplo, fará com que o delicado conflito sobre propriedade intelectual, posto sob análise de um árbitro, tenha uma decisão mais técnica - uma vez que, diferentemente do magistrado estatal, o árbitro não precisa ser formado em direito (artigo 12 da lei 9307/96), devendo ser especialista no tema colocado sob exame -, e, além disso, o processo arbitral deve ser solucionado no prazo máximo de 6 meses (artigo 23 da lei 9307/96), sendo, em regra, muito mais célere do que um processo judicial.
Há diversas formas de surgirem conflitos na seara em deslinde. Uma delas se dá, por exemplo, quando uma patente devidamente concedida pelo órgão estatal competente (no Brasil, o INPI) tem sua exploração levada a cabo sem o consentimento do inventor ou do licenciado.[8] Instaurado o conflito, podem, os litigantes, ingressarem com ação judicial, ou, então, utilizarem-se das ADRS.
Um caso que ganhou destaque recentemente na mídia mundial foi a grande batalha jurídica global entre Samsung e Apple. Essas gigantes tecnológicas vêm brigando na Justiça pelas patentes de smartphones e tablets desde 2011.
Tais empresas globais vêm litigando sobre questões referentes à patentes, que se trata de direito de propriedade industrial, e, por sua vez, espécie de propriedade intelectual.
Após ingressarem com diversos processos perante o Poder Judiciário de vários países, as gigantes tecnológicas resolveram solucionar parte de seu conflito de forma alternativa, obtendo êxito.[9]
Esse caso nos ajuda a compreender a relevância do tema na contemporaneidade, bem como a eficácia dos métodos alternativos à resolução de conflitos, mormente quando se trata de assuntos delicados como a propriedade intelectual.
CONCLUSÃO:
Vive-se a Era da Informação/Comunicação. As mudanças mundiais se dão em ritmo cada vez mais vertiginoso. A humanidade experimenta transformações sociais, culturais, políticas e econômicas que podem ser consideradas verdadeiras revoluções.
O direito, como ciência social aplicada que é, não pode ficar engessado às estruturas ultrapassadas. É mister que a ciência jurídica acompanhe os avanços socioeconômicos.
Com isso, os métodos alternativos à solução de conflitos se adaptam à dinamicidade e flexibilidade do mercado transnacional, razão pela qual vêm ganhando destaque no cenário mundial.
Diante disso, analisou-se neste trabalho a emergência do tema da propriedade intelectual como chave-mestra para o desenvolvimento econômico-social da sociedade contemporânea.
Ocorre que, como a propriedade intelectual se aplica através de interações humanas, não está isenta de conflitos. Assim sendo, é mister buscar os melhores meios para solucionar tais potenciais controvérsias que porventura surjam.
A mediação, conciliação e arbitragem são excelentes instrumentos para resolver lides que versem sobre o delicado tema da propriedade intelectual, uma vez que são mais céleres, flexíveis, especializados e sigilosos que às vias estatais.
Destarte, advoga-se pela utilização dos meios alternativos à solução de conflitos de propriedade intelectual, uma vez que tais métodos trarão soluções mais técnicas, céleres e eficazes, adequando-se à especialidade do tema tutelado, bem como à dinamicidade do mercado contemporâneo.
[1] A década de 90 inicia este período de transição, ponte entre passado e futuro, no qual a economia exige flexibilidade e inovação. Ocorre que a transição entre um momento e outro não se dá de maneira abrupta, sendo natural que os princípios mercadológicos do capitalismo industrial subsistam. Ansioso por se adequar ao contexto globalizado, o capitalismo busca na informação novo paradigma. Assim, nasce o Capitalismo Informacional, que agrega valor aos bens imateriais, estabelecendo uma nova etapa do sistema produtivo. (PINTO, Rafael da Costa. Conflitos da era da informação: propriedade intelectual e cultura livre. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13970. Acesso: 14/09/2014).
[2] PARANAGUÁ, P.; REIS, R. Patentes e criações industriais. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
[3] A partir do momento em que os países conferem o resguardo ao direito do autor ou ao direito da invenção, é que justamente se propiciam os avanços da sociedade moderna, desde a Revolução Francesa, passando pelo fim das corporações, até se chegar ao momento atual, em que a propriedade intelectual é para muitos um direito real, absoluto, oponível erga omnes, incorpóreo ou imaterial. A questão no mundo contemporâneo ganha relevo, a "era da comunicação" trouxe a integração da fala, texto, vídeo, áudio e telecomunicações eletrônicas. A propriedade intelectual é ativo econômico importante. (SALOMÃO, Luis Felipe. DIREITO PRIVADO - Teoria e Prática. Rio de Janeiro: FORENSE, 2013).
[4] BARBOSA, Denis Borges. UMA INTRODUÇÃO À PROPRIEDADE INTELECTUAL. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
[5] BENETTI, Luciano; PARANAGUÁ, Pedro. Propriedade intelectual, antitruste e desenvolvimento. Rio de Janeiro: FGV, 2009.
[6] Informação disponível em: http://www.asjp.pt/2014/01/15/novo-tribunal-ja-acolheu-mais-de-900-conflitos-de-propriedade-intelectual/. Acessado em: 15/09/2014.
[7] GARCEZ, José Maria Rossani. ADRS - Métodos Alternativos de Solução de Conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
[8] Patentear descobertas significa obter "monopólio" temporário da exploração em escala industrial de determinado bem, o que leva o consumidor desse bem a adquiri-lo com valor agregado da tecnologia empregada em sua criação. Uma vez protegido o produto, sua exploração sem consentimento do inventor ou do licenciado poderá ocasionar demandas judiciais, tanto civis quanto penais, buscando o ressarcimento de danos causados ao real criador. Portanto, proteger o conhecimento é "assegurar" mercados e diminuir riscos de cópias indesejáveis. (PARANAGUÁ, Pedro; REIS, Renata. Patentes e criações industriais. Rio de Janeiro: FGV, 2009).
[9] As empresas Samsung e Apple chegaram a um acordo para acabar com as disputas judiciais que mantêm sobre as patentes de seus produtos fora dos Estados Unidos, informou nesta quarta-feira a companhia sul-coreana. "Samsung e Apple concordaram em abandonar todos os litígios entre as duas empresas fora dos Estados Unidos", declarou a Samsung Electronics em um breve comunicado conjunto. (…) Além dos EUA, onde a batalha de patentes entre Samsung e Apple tem maior dimensão, as duas companhias mantêm disputas judiciais em países como Coreia do Sul, Japão, Alemanha, Itália, Holanda, Grã- Bretanha, França e Austrália. Disponível em: http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/samsung-e-apple-encerram-disputas-judiciais-fora-dos-eua