A colaboração ou delação premiada insere-se no chamado “direito premial”, também vista como “modalidade de conformidade” ou “justiça negociada” (BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes Federais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 7ª ed., 2011, p. 616). Uma vez atendidos os requisitos legais, tal instituto estabelece medidas de proteção (art. 15 da Lei nº 9.807/99), bem como a diminuição da pena a ser aplicada, o perdão e/ou outros benefícios para o réu colaborador.
A delação premiada requer a confissão do agente colaborador, o esclarecimento da autoria da infração penal e a existência de elementos de confirmação das informações prestadas. Caso a colaboração do agente se limite a dados vagos, que não permitam conclusão sobre os demais envolvidos, ou a informações sem efetiva importância, não será devida a aplicação do instituto. Também não se reconhece o benefício quando, “ao tempo da suposta colaboração, os fatos imputados já estavam devidamente esclarecidos, já tendo, inclusive, sido proferida a sentença” (TRF4, AC 19990401029701-3/RS, Amir Sarti, 1ª T., u., 28.9.99, apud Baltazar Júnior, op. cit, p. 620).
No Brasil, encontra previsão no CP, art. 159, § 4º; na Lei nº 7.492, art. 25, § 2º, na Lei nº 8.072/90, art. 8º; na Lei nº 8.137/90, art. 16; na Lei nº 9.034/95, art. 6º; na LLD, art. 1º, § 5º; na Lei nº 9.807/99, arts. 13 a 15 e na Lei nº 11.343/06, art. 41.
Marcelo de Freitas Gimenez assim esclarece as críticas tecidas à delação premiada (Delação premiada. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3620>. Acesso em: 11 fev. 2012.) :
Sob o ponto de vista sócio-psicológico ela é considerada imoral ou, no mínimo, aética, pois estimula a traição, comportamento insuportável para os padrões morais modernos, seja dos homens de bem, seja dos mais vis criminosos.
Sob o aspecto jurídico, indiretamente rompe com o princípio da proporcionalidade da pena, já que se punirá com penas diferentes pessoas envolvidas no mesmo fato e com idênticos graus de culpabilidade.
Barona Vilar opõe as seguintes críticas aos mecanismos de conformidade do processo penal, dentre os quais se inclui a delação premiada (Apud BALTAZAR JÚNIOR, op. cit., p. 617):
a) viola o princípio de obrigatoriedade da ação penal; b) atenta contra os princípios do processo penal, tais como oralidade, imediação, publicidade e do juiz natural, presunção de inocência, direito à defesa no processo regular, busca da verdade material e coação sobre o imputado.
Já Baltazar Júnior (Op. cit., p. 617), ao tratar das Organizações Criminosas, defende os ganhos que podem ter origem nessa forma de colaboração:
Em minha posição, a colaboração premiada é indispensável no âmbito da criminalidade organizada, e os ganhos que podem daí advir superam, largamente, os inconvenientes apontados pela doutrina. O instituto vem, na verdade, na mesma linha do arrependimento eficaz e da reparação do dano, nada havendo aí de imoral (TRF2, HC 20030201015554-2-RJ. Maria Helena Cisne, 1ª T., 6.10.04). O instituto assemelha-se à confissão, justificando-se na medida em que o agente deixa de cometer o crime e passa a colaborar com o Estado para minorar seus efeitos ou evitar sua perpetuação.
A par dessas posições, entende-se que a delação premiada deve ser vista com os olhos da razoabilidade e da proporcionalidade. É dizer: não deve ser estendida para todos os tipos penais, devendo restringir-se aos crimes que atentam para bens jurídicos que, por certa razão, merecem especial tratamento, especial proteção por parte do Estado. De outra forma, caso se optasse pela extensão do instituto a todos os delitos, correr-se-ia o risco de banalização do instituto e de fomento à prestação de informações falsas ou direcionadas a prejudicar outras pessoas.
Vejam-se, por exemplo, os crimes tributários e financeiros. O prejuízo decorrente desses ilícitos diz respeito a toda a sociedade, justificando-se a aplicação do instituto. Ademais, a rede da criminalidade nesses tipos penais, por vezes, é tão ampla e quase perfeita, que, sem o auxílio de um colaborador, torna-se impossível ao Estado o conhecimento de todos os atos perpetrados e de todos os envolvidos no rito criminoso. É esse, aliás, o caso também das organizações criminosas, que, por sua complexidade, muitas vezes fazem da máquina investigativa um instrumento inócuo.
Há que se reconhecer que, em certas situações, o aparelho investigativo é hipossuficente e o bem estar social requer a aplicação da delação premiada para ser alcançado. Tal instituto, todavia, deve ser aplicado apenas aos delitos que, por suas peculiariedades, requeiram um especial tratamento por parte do Estado, quando outras formas de investigação se mostrem insuficientes, pois sua banalização acabaria por fomentar a prestação de informações falsas ou direcionadas ao prejuízo injustificado de pessoas não envolvidas no delito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Crimes Federais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 7ª ed., 2011.
GIMENEZ, Marcelo de Freitas. Delação premiada. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3620>. Acesso em: 11 fev. 2012.