"Os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais que outros". (George Orwell. - A Revolução dos Bichos, Companhia das Letras, 2007).
Notícia que circulou em diversos periódicos dá conta de uma reunião havida entre advogados de réus da chamada operação "Lava Jato" com o ministro da justiça, Dr. José Eduardo Cardozo.
A mera publicação do encontro em meio às turbulências relativas às prisões preventivas de empresários e agentes públicos, desencadeou um furacão de especulações quanto à intenção dos causídicos e do dignitário.
A Ordem dos Advogados do Brasil apressou-se em emitir nota que circulou em seu boletim informativo no dia 17/02/2015 sob a rubrica que empresta nome ao presente artigo: "O advogado possui o direito de ser recebido em audiência{C}[2]{C}".
O documento da OAB vai assinado pela sua cúpula e, por singelo, merece reprodução:
"O advogado possui o direito de ser recebido por autoridades de quaisquer dos poderes para tratar de assuntos relativos a defesa do interesse de seus clientes. Essa prerrogativa do advogado é essencial para o exercício do amplo direito de defesa. Não é admissível criminalizar o exercício da profissão.
"A autoridade que recebe advogado, antes de cometer ato ilícito, em verdade cumpre com a sua obrigação de respeitar uma das prerrogativas do advogado. A OAB sempre lutou e permanecerá lutando para que o advogado seja recebido em audiência por autoridades e servidores públicos".
O ministério da justiça também emitiu nota à imprensa sobre o tema[3], negando, todavia, o encontro com um advogado em especial e que patrocinaria, segundo a nota, a defesa de um dos réus.
De fato, o advogado tem o direito de ser recebido por autoridade pública[4], mas, que interesse poderia justificar o encontro? No que o ministro da justiça poderia ser valioso à defesa dos acusados (posto haver processo)?
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Dr. Joaquim Barbosa, assinou postagem em rede social exigindo da Presidente da República, Sra. Dilma Rousseff, a imediata demissão do ministro da justiça[5].
É neste imbróglio que se publica este artigo com o interesse de fomentar o debate jurídico próprio da liberdade de expressão.
O Código Penal em seu artigo 332, tipifica a conduta de tráfico de influência, dispondo:
"Art. 332. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.
Pena - Reclusão, de dois a cinco anos, e multa [...]". (Grifei)
Antes da reforma[6] a rubrica se reportava à conduta de "exploração de prestígio" sendo do escólio de Nelson Hungria: "O agente atribui-se, persuasivamente, influência sobre o funcionário, comprometendo-se a exercê-la em favor de interessado perante a administração pública"{C}[7].
Sobre o tema, dada a relevância, há farta produção jurisprudencial[8].
No exercício da advocacia criminal, militando há 18 (dezoito) anos, jamais senti a necessidade e/ou conveniência de me entrevistar com o doutor ministro da justiça e, neste sentido, alinho-me àqueles que põem em dúvida as reais intenções dos réus e seus patronos. Com a devida vênia, discordo do texto da nota oficial emitida pela OAB nacional em defesa da prerrogativa, sobretudo neste caso que estarrece a nação (sem incursões no mérito da causa).
O foro competente para o exercício do direito de defesa de um réu em sede de processo criminal é o Poder Judiciário que, em linhas finais, prestará a tutela jurisdicional. Do contrário, permito-me imaginar que o doutor ministro da justiça não terá outra agenda, dado o grandíssimo número de advogados que terá que atender, por isonomia de tratamento.
[2] Fonte: http://www.oab.org.br/noticia/28077/o-advogado-possui-o-direito-de-ser-recebido-em-audiencia. Acesso em 18/02/2015.
[3] Fonte: http://www.justica.gov.br/noticias/nota-a-imprensa.3. Acesso em 18/02/2015.
[4] Art. 7, VI, c, da Lei 8.908/94.
[5] Fonte: https://twitter.com/joaquimboficial/status/566719304092381184?lang=pt. Acesso em 18/02/2015.
[6] Lei nº 9.127/95.
[7] in Comentários ao Código Penal, 1959, v. IX, p. 427.
[8] STJ, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 13/04/2010, T6 - SEXTA TURMA.