Sem a pretensão de tornar esse trabalho atualizado em relação aos eventos legislativos futuristas, pretensão que não se coaduna com cientificidade De quaquer estudo, não se pode deixar de realizar algumas considerações sobre o projeto de Lei que tramita nas nossas Casas Legislativas que busca revogar o Código de Processo Civil atual, principalmente no que diz respeito à multa cominatória, também chamada de astreintes ou multa processual.
Por outro lado, também é imperioso esclarecer que esse trabalho pode chegar a ficar desatualizado em poucos dias de sua publicação, uma vez que estamos na iminência da votação e aprovação da redação final do projeto de Lei 8.046/2010, que revoga o atual Código de Processo Civil.
Dada a brevidade e pontualidade desse estudo, não entraremos nas discussões acerca do lapso temporal de duração da cominação, o limite da multa, os critérios de fixação e a revisão da multa cominatória, mas tão somente, breves linhas acerca da titularidade do crédito, se a parte (autor/exequente) ou o Estado, haja vista que o projeto primígeno do Senado (PLS n. 166/2010) tratou de maneira diversa do crédito em relação à proposta de redação final.
Nessa linha, cabe esclarecer que possuíamos dois projetos distintos, o primeiro, inaugurado pelo Senado Federal, é o Projeto de Lei n. 166/2010, o segundo, com as alterações promovidas pela Câmara dos Deputados, sendo o Projeto de Lei n. 8.046/2010, que atualmente aguarda a aprovação em retorno ao Senado Federal.
Por oportuno, cabe trazer o escol de Cassio Scarpinella Bueno, lecionando acerca da importância da alteração legislativa no que concerne à multa cominatória no Projeto de Lei, a saber:
“Dentre as diversas medidas executivas, os dispositivos ocupam-se, com mais vagar, da multa – que não necessariamente é diária -, buscando discipliná-la em atenção à construção doutrinária e jurisprudencial que se formou em torno dos atuais §§ 4º a 6º do art. 461 tomando, a propósito, partido nas mais variadas questões.” 1
No que diz respeito à redação final do Projeto de Lei 8.046/2010 da Câmara dos Deputados, o artigo 551 ficou responsável por disciplinar a multa processual, vejamos:
“Art. 551. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser concedida na fase de conhecimento, em tutela antecipada ou na sentença, ou na execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito.
§ 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, sem eficácia retroativa, caso verifique que:
I – se tornou insuficiente ou excessiva;
II – o obrigado demonstrou cumprimento parcial superveniente da obrigação ou justa causa para o descumprimento.
§ 2º O valor da multa será devido ao exequente.
§ 3º O cumprimento definitivo da multa depende do trânsito em julgado da sentença favorável à parte; a multa será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento da decisão e incidirá enquanto não for cumprida a decisão que a tiver cominado. Permite-se, entretanto, o cumprimento provisório da decisão que fixar a multa, quando for o caso.
§ 4º A execução da multa periódica abrange o valor relativo ao período de descumprimento já verificado até o momento do seu requerimento, bem como o do período superveniente, até e enquanto não for cumprida pelo executado a decisão que a cominou.
§ 5º O disposto neste artigo aplica-se, no que couber, ao cumprimento de sentença que reconheça deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional.” 2
Nesse passo, o caput do artigo 551 esclarece que a multa cominatória pode ser aplicada em qualquer fase processual, desde que haja uma obrigação imposta ao Executado/Requerido, seja na fase de conhecimento, em sede de tutela antecipada ou cumprimento de sentença.
Após, em seu § 1º, o artigo regulamenta a periodicidade de aplicação e possibilidade de redução do valor da multa, elencando dois incisos, sob o manto da excessividade da multa ou se o obrigado demonstrou cumprimento parcial ou, tenha demostrado justa causa para o inadimplemento.
Tal dispositivo tem por finalidade acabar com a imposição de multas excessivas, em especial, naquelas em que o obrigado não possui meio de cumpri-la ou, não puder fazê-lo por justa causa, acabando com a eternidade das astreintes que por diversas ocasiões mostram-se inócuas.
Já o § 2º do artigo 551, põe fim à discussão acerca da titularidade do crédito da multa processual, esclarecendo que será devido ao Exequente o valor da multa.
Saliente-se que no Projeto de Lei n. 166/2010, inaugurado pelo Senado Federal, o artigo 522, §5º estipula que o valor da multa seria devida ao Exequente até o limite da obrigação, sendo que o excedente deveria ser revertido à unidade da Federação onde se situa o juízo no qual tramita o processo ou à União, ipsis litteris:
“Art. 522. A multa periódica imposta ao devedor independe de pedido do credor e poderá se dar em liminar, na sentença ou na execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para o cumprimento do preceito.
(...)
§ 5º O valor da multa será devido ao exequente até o montante equivalente ao valor da obrigação, destinando-se o excedente à unidade da Federação onde se situa o juízo no qual tramita o processo ou à União, sendo inscrito como dívida ativa.”
Nesse sentido, mister se faz trazer à baila as anotações de Cassio Scarpinella Bueno, comparando os dois projetos, in verbis:
“O destino da multa é diverso nos dois Projetos. No Senado, ela é devida ao exequente até o valor da obrigação. O excedente destina-se ao Estado ou à União, consoante o processo tramite na Justiça estadual ou federal (§ 5º). Quando for entidade pública a executada, o excesso destina-se à entidade pública ou privada com finalidade social (§ 7º). Na Câmara, ela é devida ao exequente (§ 2º).” 3
É imperioso esclarecer que a redação final do Projeto de Lei que aguarda aprovação pelo Senado Federal é o de n. 8.046/2010, que afastou a destinação de parte do valor arrecadado com a multa cominatória ao Estado, tendo atendido as críticas da doutrina quanto ao projeto primígeno elaborado pelo Senado, sendo certo que a projeto que se encontra na iminência de derradeira votação estipula que o Exequente será o titular de todo o crédito auferido com as astreintes.
Sendo assim, essas são as principais alterações pelos projetos de Lei n. 166/2010, de autoria do Senado Federal e, Projeto de Lei 8.046/2010, com alterações da Câmara e que aguarda aprovação do retorno ao Senado.
O projeto é inovador, e atende aos reclames da doutrina, haja vista que, em que pese terem sido feitas diversas alterações no codex atual, não se pode olvidar que tratamos de Lei elaborada em 1973, que clama pela atualização em relação ao direito que atualmente nos rodeia.
As alterações elucidativas no que tange às astreintes, trazem clareza ao instituto e maior segurança jurídica na sua aplicação, terminando por afastar as atuais discussões que permeiam o judiciário no que diz respeito ao valor e limites, temas que serão abordados em outro momento.
Por fim, cabe concluir que o destinatário do valor das astreintes na proposta de redação final do projeto de Lei 8.046/2010, em vias de aprovação, é o autor da ação, mostrando-se mais razoável referido entendimento.
Bibliografia
1 BUENO, Cassio Scarpinella. Projetos de novo Código de Processo Civil comparados e anotados: Senado Federal (PLS n. 166/2010) e Câmara dos Deputados (PL n. 8.046/2010), São Paulo, Saraiva, 2014, pag. 281
2 _____https://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=97249
3 _____https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=490267