2 CONCLUSÃO
Como visto ao longo do presente trabalho, o poder Estatal de adentrar na propriedade privada advém do próprio povo, refletindo dessa forma um ato legítimo, justo, de caráter democrático, que antes visa propiciar um equilíbrio de interesses entre o particular e o coletivo, em face do direito individual do primeiro. Obviamente, este último sempre prevalecerá em detrimento daquele. Trata-se de decorrência dos princípios também já vistos ao longo da apresentação, que colocam o interesse público num patamar de superioridade em relação ao interesse individual, uma conseqüente conexão do princípio da supremacia do interesse público e da função social que deve ter a propriedade.
Esses princípios evoluíram no decorrer dos séculos, desde épocas primitivas quando tal direito se consubstanciava numa garantia plena e intocável até os dias atuais, adquirindo caráter relativo ao ser vinculado a uma função social, decorrência das necessidades de se viver em sociedade.
Tal direito, com o advento das Constituições Republicanas Brasileiras, passou também a ser relativizado e estar condicionado a uma função no ordenamento jurídico pátrio.
Dessa forma, se prestam os instrumentos jurídicos da intervenção pública na propriedade privada a tornar possível tal prerrogativa estatal de intervir no domínio particular, fazendo cumprir aquilo que melhor couber ao interesse supremo da coletividade.
Não obstante isso, foi mostrado como a atuação do Estado pode gerar prejuízos ao proprietário de imóvel objeto de intervenção pública, caso os procedimentos adotados pela máquina estatal não sejam os mais adequados, o que foi possível através de minuciosa abordagem de dois dos institutos interventivos usados pela administração: a ocupação temporária e a requisição sobre imóveis. Em muito se confundem, pois, ora incidem sobre o mesmo objeto, causando controvérsias doutrinárias quanto aos casos concretos a que estas se ajustam, e alterando, de tal modo, as consequentes formas de responsabilização pelo uso estatal, que ora ocasionam danos ao proprietário.
Por fim, foi confirmada a tese inicial, de que a confusa aplicabilidade dessas medidas pode causar transtornos ao particular, principalmente no que tange à questão de instituição do ato declaratório da intervenção, e, de igual modo, nas possibilidades ressarcitórias advindas de cada caso. Veja que, na requisição, como foi abordado, não há necessidade de processo ou autorização judicial para que ocorra a declaração da mesma, sendo devida indenização somente em casos de ocorrência de danos, portanto, sendo obrigado, ao proprietário, suportar desde logo a intervenção, sem poder, preliminarmente, contestar a autorização para a ocorrência desta. Pois, por tratar-se de situações que exigem uma providência imediata devido à urgência e risco da situação, é inadmissível a espera, que poderia resultar na ineficácia da medida, cabendo assim, ao proprietário, somente o questionamento quanto aos requisitos legais exigidos para a ocorrência do ato, no caso, as situações urgentes e de perigo público iminente como inundações, calamidade pública, epidemias, etc.
De outro lado, foram discutidos os casos de ocupação temporária, que por sua vez, é utilizada como meio de apoio a obras públicas, construções, reformas, alojamento para maquinário estatal, e, dentre outras, a possibilidade de instituição para atuar no auxílio do processo desapropriativo. Sendo que, neste caso, nem sempre é ato auto-executório, pois, como estudado, em tais circunstâncias, por geralmente tratar de situações fáticas de maior morosidade na execução das obras, ainda que não haja dano físico à coisa, o prejuízo se consubstancia pela demora temporal que é privado o particular no uso, gozo e fruição do seu bem. Além de que, tal respaldo legal vem expresso no próprio texto do dispositivo 36 da lei 3.365 de 1941, quando diz que a indenização ocorrerá “ao final” da obra, sem fazer menção alguma quanto à existência de algum dano para configuração do dever de ressarcir. E, adversamente do que apoiam alguns juristas, não faz sentido a configuração da ocupação em casos de eminente risco ou perigo público, pois, se assim fosse, estaria a ocupação temporária perdendo sua razão jurídica de existir, afinal, nada mais seria do que um revestimento quanto aos atributos pertencentes à requisição administrativa, passando os dois institutos a configurarem o mesmo instrumento, sendo inútil, portanto, a distinção entre ambos, já que teriam nomenclaturas distintas, porém, mesmos objetivos e hipóteses de cabimento. Em suma: dois institutos jurídicos para a mesma situação. Sem utilidade prática, para a sociedade em geral.
Daí a utilidade da diferenciação entre tais ferramentas de uso estatal, pois resultam em medidas administrativas de efeitos distintos na vida prática do Estado e do particular, interferindo, relevantemente, nas hipóteses de cabimento e seus consequentes reflexos advindos do ato instituidor inicial.
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