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Penalidades aplicadas às empresas contratadas pela administração pública: proporcionalidade e razoabilidade

Agenda 04/03/2015 às 17:11

A aplicação de penalidades administrativas ao particular deve ser implementada de forma objetiva, avaliando-se, especialmente, a proporcionalidade da sanção frente à falta cometida e aos prejuízos efetivamente por ela causados à Administração Pública.

A legalidade das penalidades administrativas aplicadas pela Administração Pública aos particulares no âmbito dos contratos administrativos e dos procedimentos licitatórios trata-se de assunto bastante interessante e, como não poderia deixar de ser, polêmico.

É bastante acalorada a discussão sobre a aplicação das penalidades administrativas, na medida em que a Lei nº 8.666/93, ao disciplinar em seu art. 87 sobre as sanções aplicáveis aos contratantes do Poder Público, não dispôs expressamente sobre a gradação das sanções e, muito menos, especificou os casos de descumprimento contratual ou os relacionou ao tipo de penalidade a ser imposta ao particular.

O mencionado comando legal apenas estabeleceu que, no caso de inexecução total ou parcial do contrato, a Administração Pública poderá, garantida a prévia defesa do contratante, aplicar as sanções de advertência, multa, suspensão temporária de licitar e impedimento de contratar com a Administração por até 02 (dois) anos e, ainda, declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública por até 02 (dois) anos.

As sanções, de acordo com a norma em questão, poderão então ser aplicadas de forma isolada ou conjunta, sendo dirigidas estritamente ao particular contratado e alusivas a procedimentos previstos na Lei nº 8.666/93.

Para as licitações realizadas na modalidade Pregão e os contratos dela decorrente as normas sancionadoras possuem disposições próprias e específicas (artigo 7º da Lei nº 10.520/2002), o que será visto mais adiante.

De todo modo, não restou definido na Lei nº 8.666/93, de modo minimamente objetivo, o que distinguiria a aplicação de uma pena de advertência de, por exemplo, uma sanção de declaração de inidoneidade ou então em quais casos a Administração Pública deveria aplicar penalidades de modo isolado ou em conjunto (suspensão de licitar/contratar e multa administrativa).

Com isso, a norma passa a impressão de ter conferido ao Administrador Público o poder de decidir nos autos do processo administrativo a gradação da penalidade, ou seja, caberia exclusivamente ao gestor público responsável julgar, ao seu modo, a aplicação da sanção de acordo com a gravidade e a repercussão do dano imposto decorrente da ação irregular do contratado. Isso porque, na maciça maioria das vezes, os editais e seus respectivos contratos lamentavelmente não trazem em seus textos a previsão dessa gradação de pena de acordo com as falhas praticadas pelos particulares.

Esse cenário, por óbvio, tem originado dezenas de penas desproporcionais e injustiças, levando empresas a fecharem literalmente suas portas ante a penalização recebida por falhas mínimas, mas julgadas com base nas oscilações de humor do administrador público ou ao sabor das preferências e subjetivismos que imperam nos casos em que a legislação se faz omissa ou genérica.

De fato, o que se vê é uma enxurrada de decisões administrativas completamente equivocadas e na maior parte das vezes desproporcionais quando observadas com atenção as falhas dos particulares.

Atualmente, aplica-se, por exemplo, a pena de suspensão de licitar por qualquer motivo e de forma indistinta. Assim, é possível observar um rosário de julgados administrativos sem qualquer padrão, proporcionalidade ou equidade. Não há sequer uma gradação mínima entre a inexecução parcial ou total do ajuste administrativo e as penas a ela aplicáveis. Assim, se o contratado atrasa a entrega de determinado objeto em 05 (cinco) dias, recebe a mesma sanção daquele que deixou efetivamente de entregar o produto contratado.

Do mesmo modo, grande parte das sanções contendo aplicações de multas encontra-se destituída de critérios objetivos, muitas vezes penalizando empresa ao pagamento de multas com valor acima até mesmo do custo integral do objeto contratado e invariavelmente com base em falha que sequer comprometeu a execução do que foi pactuado ou que, ainda que tenha comprometido, não condiz com o tamanho da sanção aplicada.

A multa possui em sua essência caráter eminentemente compensatório, ou seja, visa especificamente ressarcir prejuízos concretamente apurados pela Administração em decorrência da falha cometida pelo particular durante a execução do contrato.

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Com efeito, simplesmente aplicar multa de forma inadvertida, estipulando-se valor ou percentual sem se quantificar, em termos financeiros, o dano efetivamente causado não se revela algo razoável e, muito menos, justo.

Por isso, é bastante questionável a aplicação da pena de multa administrativa quando a falha cometida se mostra de pequena monta e sequer implicou em prejuízo financeiro ou técnico à entidade contratante. Nesse caso, o ente contratante recebeu a prestação de forma integral e, embora o contratempo ocorrido tenha causado alguns contratempos, o interesse público foi atendido dentro de parâmetros aceitáveis.

Por tudo isso, mostra-se desmedido exigir do particular o pagamento de quantia para fins de ressarcimento por um prejuízo não aferido ou que ainda que aferido não gerou a mínima repercussão financeira. Para esses casos, bastaria uma pena de advertência, ou seja, uma pena mais branda, mas que nem por isso deixa de ser uma penalidade.

Lamentavelmente, a pena de advertência praticamente não é aplicada, posto que, a maciça maioria das entidades públicas, por entender ser tal sanção ineficaz (uma vez que não gera imediatamente consequências danosas ao contratado), não consegue delimitar em quais hipóteses a mesma seria cabível. Com efeito, na maior parte dos casos, se houve atraso na prestação do fornecimento/serviço já se parte logo para a aplicação de multa e/ou suspensão de licitar. Se o atraso persiste, aplica-se então a declaração de inidoneidade.

Enfim, uma postura bastante minimalista e, com o devido respeito, equivocada.

É preciso deixar bem claro que a Administração Pública deve, sim, penalizar o particular em caso de inexecução parcial ou total das obrigações constantes do contrato celebrado. No entanto, o que não se deve permitir é a banalização das sanções, bem como a aplicação de forma desproporcional, com base em critério subjetivo.

O mero dissabor vivido por um atraso mínimo na entrega de produto/serviço contratado ou alguma falha ocorrida durante a execução contratual, porém de pronto sanada, não deve gerar um sentimento pessoal de revanche por parte do agente público, sob risco de restar desprezada a imparcialidade e a impessoalidade que deve permear os julgamentos alusivos a processos administrativos. A sanção a ser aplicada não deve ser superior ao efetivo dano apurado.

O bom gestor deve sempre ter em mente o que poderia de fato ser enquadrado como uma ocorrência ensejadora de penas tão graves como a suspensão de licitar ou a declaração de inidoneidade e, a partir daí, com o devido bom senso proceder a uma gradação proporcional das falhas passíveis de ocorrerem em uma contratação administrativa para somente então definir a a aplicação das demais sanções.

Para a inexecução total do ajuste firmado, fraudes ou inadimplemento de obrigações cruciais que geram danos graves e prejuízo financeiros devem ser, evidentemente, aplicadas as sanções mais graves (suspensão de licitar, declaração de inidoneidade) sem prejuízo da aplicação de multas se apurado dano financeiro concreto.

Para os casos de inexecução parcial, que não tenha gerado prejuízos severos à prestação do objeto contratado. caberia, em um primeiro momento, a sanção de advertência, podendo a mesma ser posteriormente combinada com uma ou mais multas fundadas nos danos financeiros eventualmente apurados ao longo do contrato. Caso a inexecução parcial persista de forma reiterada, apesar das multas aplicadas, restará configurada a inexecução total das obrigações ajustadas, hipótese em que a Administração deverá optar pela rescisão unilateral e aplicar sanções mais graves, respeitadas a ampla defesa e o contraditório.

No caso das penalidades impostas no âmbito dos contratos administrativos celebrados em decorrência de licitações realizadas sob a modalidade Pregão, constata-se que a Lei nº 10.520/2002 (artigo 7º) limitou-se a elencar diversas situações irregulares de responsabilidade do contratado, tais como a recusa em celebrar a contratação, retardamento na execução do objeto, fraude na execução do ajuste celebrado ou fraude fiscal, direcionando todas elas, sem distinção, à penalidade de impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, ainda, descredenciamento do SICAF e dos sistemas de cadastramento de fornecedores pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo de multas eventualmente previstas em edital/contrato e demais cominações legais.

Observa-se, ainda, que, ao contrário da Lei nº 8.666/93, a mencionada norma do Pregão estabeleceu sanções que atingem não somente ao contratado, mas, também, ao licitante, elencando em seu texto condutas específicas praticadas no âmbito do procedimento licitatório que podem gerar a aplicação de sanções administrativas. 

Todavia, apesar de especificar situações ensejadoras de sanções administrativas ao contratado/licitante, a legislação que rege o Pregão também foi bastante genérica e o mais grave: inseriu o mesmo tipo de penalidade (de consequências graves ao particular) para abranger a situações diversas e de gravidades variadas, abrindo caminho para a aplicação de penas desproporcionais e, por muitas vezes, não correspondentes ao fato ocorrido, sempre a depender da ação subjetiva do Administrador Público.

Um pequeno inadimplemento ou falha por parte do particular no âmbito de um Pregão ou em um contrato dele decorrente ensejará nessa hipótese, a depender da vontade subjetiva do gestor público, uma penalidade gravíssima e de repercussão nacional, levando empresas sadias e idôneas ao encerramento de suas atividades ou à perda de oportunidades com a Administração Pública.

Lamentavelmente, vem se observando que a gradação da sanção nesses casos, pela falta de outras penalidades dispostas em norma, tem-se dado com base na dosimetria da duração da condenação. Assim, se a pena a ser aplicada deve ser mais branda impede-se de licitar e contratar por 06 (seis) meses ou 01(um) ano. Caso seja considerada a necessidade de uma sanção de maior gravidade aplica-se a mesma penalidade, mas por um tempo maior até se chegar ao limite de 05 (cinco) anos.

Outros defendem que a entidade poderia aplicar apenas a sanção de multa prevista em contrato.

Contudo, é de se ressaltar que a multa não foi colocada na norma do Pregão como a pena mais branda.

De outro lado, mais uma vez esbarra-se na ausência de prejuízo financeiro ou na desnecessidade de compensação para algumas falhas cometidas pelo particular. Enfim, o ente público, apenas por não existir outra pena menos grave, aplicaria a sanção de multa mesmo inexistindo dano quantificado. Por óbvio que esse tipo de conduta não coaduna com os princípios da Administração Pública.

A sanção de impedimento de licitar e contratar é, simplesmente, uma das mais gravosas a qual o particular encontra-se submetido, ou seja, não poderia, por bom senso, ser aplicada indiscriminadamente aos casos de menor potencial ofensivo ou àqueles que sequer feriram o interesse público ou trouxeram prejuízo financeiro concreto.

Aquele que, por exemplo, se equivoca na interpretação do edital e deixa de apresentar determinado documento de habilitação ou então aquele licitante que é inabilitado por apresentar documento vencido não poderia jamais sofrer a mesma sanção dirigida ao particular que comete fraude fiscal ou que apresenta documentação falsa no procedimento licitatório ou ainda que se comporta de modo inidôneo perante à Administração Pública.

Por ser o Pregão uma modalidade licitatória onde os licitantes declaram previamente cumprir plenamente aos requisitos de habilitação, muitos gestores públicos entendem que, ao ser constatada a inabilitação do particular, restaria caracterizada a prestação de declaração falsa, o que justificaria então a penalização grave de restrição a licitar e contratar. Todavia, essa tese se mostra superficial, na medida em que qualquer licitante corre o risco de ser inabilitado em procedimentos licitatórios.

Ao se tomar a premissa simplista de punição automática ao inabilitado em Pregão, mais uma vez o gestor público corre o risco de cometer injustiças e praticar atos desproporcionais. E pior: desestimula-se o interessado idôneo em participar de licitações.

Ora, sabendo que será penalizado gravemente em função de uma eventual inabilitação (a qual pode ocorrer por mero equívoco na juntada de documentos) será melhor evitar a participação e impedir a perda de negócios já assegurados. De outro lado, há ainda o risco de determinado gestor inabilitar uma empresa por interpretação casuística do edital e já aplicar na sequência a penalidade gravosa. Enfim, prevalecendo tal diretriz punitiva, a participação em licitações passa a ser ato temerário e de alto risco.

Por isso, deve-se nesses casos avaliar, primeiramente, se houve de fato a má-fé do licitante. A empresa realmente participou da disputa licitatória sabendo previamente não possuir o documento exigido? A falta de documento ou a existência de certidão vencida se deu por ato intencional do licitante? Para o requisito considerado como não cumprido existe documento de conteúdo similar apresentado pelo licitante que poderia ser interpretado como válido ainda que não aceito pelo Pregoeiro (boa fé do licitante)? A inabilitação ocorrida trouxe realmente prejuízo concreto à continuidade da licitação/contratação ou aos preços obtidos? A pena de inabilitação e consequente exclusão da licitação não seria já uma sanção suficiente ao particular diante da pouca relevância de sua inabilitação?

Enfim, se a falha cometida não prejudicou efetivamente a Administração Pública e o prosseguimento regular da licitação ou do contrato; ou então se o descumprimento constatado gerou efeito reduzido, incapaz de onerar os cofres públicos ou de inviabilizar os fins almejados, não há que se falar na imposição de pena tão restritiva e gravosa quanto a que impede de licitar e contratar e descredencia dos cadastros de fornecedores.

Do mesmo modo, aquele que comete uma falha contratual de menor gravidade não pode, de forma alguma, restar enquadrado na mesma penalidade cabível àquele que fraudou a execução do contrato ou que o descumpriu integralmente. Diferenciar tal conduta apenas pela duração da sanção ou pela aplicação de multa isolada revela-se medida injusta sob todos os aspectos.

O impedimento de licitar e contratar, bem como o consequente registro nos cadastros de fornecedores, tratam de sanções com consequências devastadoras ao particular que licita e/ou contrata com a Administração Pública. Por isso, o julgador deve ter, obrigatoriamente, bastante prudência ao aplicar tal sanção, evitando sua banalização.

Por isso, o entendimento da possibilidade de cumulação das penalidades previstas na Lei 10.250/2002 (Pregão) e na Lei nº 8.666/1993 (demais modalidades), defendido por boa parte da doutrina e jurisprudência, mostra-se, salvo melhor juízo, mais adequado e racional, ampliando-se com justiça e proporcionalidade o rol de penalidades passíveis de serem aplicadas aos administrados, especialmente para as falhas de menor repercussão no âmbito da licitação e do contrato para as quais a legislação do pregão foi realmente omissa.

Ademais, o artigo 7º da Lei nº 10.520.2002, aqui já mencionado, traz, ao final de seu texto, ressalva de que as penalidades aplicáveis ao Pregão não excluem as demais cominações legais cabíveis, ou seja, há expressa permissão para a cumulação de penalidades eventualmente previstas em outros comandos normativos, significando, por isso, a possibilidade de aplicação das penas previstas na Lei nº 8.666/93, naquilo em que não houver conflito, evidentemente.

Dessa forma, será possível aplicar, além das sanções previstas na norma do Pregão, as penas de advertência, a suspensão de licitar apenas com o ente público que aplicou a penalidade e a declaração de inidoneidade.

Ressalte-se, ao final, que no caso contrário, isto é, no âmbito de contratos administrativos originados sob a égide da Lei nº 8.666/93 não há a possibilidade de aplicação das penalidades dirigidas ao Pregão, uma vez que estas são exclusivamente dirigidas a esta específica modalidade licitatória.

Sobre o autor
Ricardo Silva das Neves

Advogado, sócio do Escritório Neves Advogados Associados, especialista em Direito Público e Licitações, Ex- Consultor da Unesco e da Organização Pan-Americana de Saúde e autor do livro "Licitação para Todos".

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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