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O novo Código de Processo Civil frente à duração razoável do processo

Agenda 16/03/2015 às 19:04

A prestação da tutela jurisdicional no Brasil sempre foi marcada pela morosidade, fato que demonstra a necessidade de uma adequação normativa e estrutural do Poder Judiciário. Logo, é fundamental analisar o Novo CPC e os problemas que o rodeia.

RESUMO: A prestação da tutela jurisdicional no Brasil sempre foi marcada pela morosidade, fato que demonstra a ineficácia do poder público em pacificar conflitos dentro de um prazo razoável com respeito aos princípios constitucionais ínsitos ao processo. Na tentativa de resolver tal problema, o projeto de lei do Novo Código Processual (PL nº 8.046/2010) ambiciona possibilitar uma maior celeridade na prestação jurisdicional. Objetivo: A pesquisa objetiva estudar o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil (CPC), tendo em vista a duração razoável do processo e a morosidade na prestação jurisdicional no âmbito do Estado Democrático de Direito. Método: Realizaram-se estudos sobre o projeto de lei do Novo CPC (PL nº 8.046/2010) e análises de artigos científicos e livros sobre o tema. Resultados: Observa-se que, além de o projeto do Novo CPC privilegiar a celeridade processual em detrimento do princípio da duração razoável do processo, a morosidade na prestação jurisdicional não decorre apenas de uma questão normativa, mas sim, de entraves estruturais e comportamentais que antecedem as alterações dos Códigos de Processo. Assim, uma organização administrativa eficiente aliada à capacitação dos servidores do judiciário e a busca por formas extrajudiciais de resolução de conflitos são meios mais hábeis para se reduzir o número de processos existentes. Conclusão: A duração razoável do processo não será alcançada através de normas que ambicionam apenas a celeridade, visto que a real busca pelas garantias processuais e a estruturação do Poder Judiciário, em conjunto com transformações normativas e comportamentais, é que garantirão o bom andamento processual e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito. 

PALAVRAS-CHAVE: Morosidade 1. Duração razoável do processo 2. Estado Democrático de Direito 3.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo surgiu das problemáticas e das análises sobre a iminente promulgação do novo Código de Processo Civil pelo Congresso Nacional brasileiro (PL nº 8.046/2010), visto que seria de grande valia um estudo sobre os aspectos teóricos e práticos que pairam a respeito do implemento dessa nova codificação em relação às bases do atual Estado Democrático de Direito, inaugurado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Posto isso, o artigo trabalha o projeto do Novo Código de Processo Civil sob a perspectiva da morosidade na prestação jurisdicional que acomete o Poder Judiciário brasileiro, observando, sobretudo, o princípio constitucional da duração razoável do processo, a fim de responder o seguinte problema: até que ponto as alterações do Novo CPC observam a duração razoável do processo e possibilitam a resolução da morosidade da prestação jurisdicional?

Dessa forma, três hipóteses se apresentaram como mais prováveis para resolução e explicação da problemática proposta. Entretanto, no decorrer do trabalho apenas aquela que demonstrou que um Novo CPC aliado com a observância de princípios constitucionais e uma eficiente estrutura jurisdicional é que garantirá a duração razoável do processo e a conservação do Estado Democrático de Direito.

Para a concretização do trabalho, utilizaram-se artigos científicos, teses acadêmicas, livros, bem como a análise do PL nº 8.046/2010 do Senado Federal, sendo que tal embasamento consubstanciou para que fossem alcançados os seguintes objetivos expostos esquematicamente na capitulação a seguir demonstrada.   

O primeiro capítulo, dedicado à análise do processo sob a dimensão do Estado Democrático de Direito, tem início com a apresentação do princípio da duração razoável do processo dentro do contexto do Estado pós-moderno, passando para a análise das Teorias Instrumentalista e Neoinstitucionalista, que dispõem sobre a natureza jurídica do processo. Por fim, trata do problema da morosidade na prestação jurisdicional em relação direta com o Estado Democrático de Direito.

Em seguida, no segundo capítulo, aborda-se a natureza jurídica do processo em relação especificamente ao projeto do Novo Código de Processo Civil, com a análise do caso do incidente de resolução de demandas repetitivas, um dos principais e mais polêmicos institutos propostos pelo Novo CPC. Ao fim do capítulo, partindo-se das situações abordadas, faz-se a confrontação entre o Novo Código e o princípio da duração razoável do processo.

Por fim, no terceiro capítulo, o artigo trata da morosidade da prestação jurisdicional no panorama brasileiro, analisando a importância do Novo Código de Processo Civil, bem como apontando a necessidade de mudanças estruturais e comportamentais, a fim de que se solucione esse problema.

2 O PROCESSO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

2.1 A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

A efetiva prestação jurisdicional, que é uma das primordiais funções estatais, nasceu e amadureceu juntamente com as diversas concepções que guiaram a formação do atual modelo constitucional brasileiro de Estado, ou seja, o Estado Democrático de Direito, presente no artigo 1º da Constituição Federal de 1988 (CF/88), que nas palavras de Leal (2013, p. 28) seria o Estado pós-moderno.  

Em um conceito resumido, lembrando-se de que se trata de uma concepção relativamente nova e passível de transformações, o Estado Democrático de Direito é o paradigma, ou sistema estatal, que preconiza o respeito e a defesa do “império das leis” e organiza-se nos princípios da separação dos poderes, da estrita legalidade da administração pública e da defesa dos direitos e liberdades fundamentais dos indivíduos, derivado da soberania do poder emanado do povo, materializado pela democracia representativa (DIAS, 2006, p. 48).

Uma vez estabelecido, como síntese dos Estados Liberal e Social do século XX (NEVES, 2006, p. 51), o Estado Democrático de Direito busca efetivar a tutela jurisdicional de acordo com os direitos, princípios e garantias pelos quais prima, introduzindo nas normas processuais seus valores e objetivos. Portanto, os pilares dessa busca podem ser sintetizados nos princípios do devido processo legal (due process of law), o devido processo constitucional, positivado na CF/88 no artigo 5º, LIV e do devido processo legislativo (AGUIAR, 2008, p. 193).

Tais princípios, principalmente o do devido processo legal, são constituídos por uma gama de garantias e direitos que devem ser assegurados aos indivíduos para que a prestação jurisdicional estatal seja efetiva e justa, de forma que o processo esteja sempre de acordo com as normas processuais e constitucionais, propiciando às partes direitos que não se esgotam apenas no âmbito procedimental.

Nesse sentido:

O devido processo legal, no Estado Democrático de Direito, jamais poderá ser visto como simples procedimento desenvolvido em juízo. Seu papel é o de atuar sobre os mecanismos procedimentais de modo a preparar e proporcionar provimento jurisdicional compatível com a supremacia da Constituição e a garantia de efetividade dos direitos fundamentais. (THEODORO JÚNIOR, 2013, p. 41)

Dentre as garantias que se reportam ao devido processo legal, no âmbito do Estado Democrático de Direito, atualmente se destaca a garantia da duração razoável do processo, que proporciona aos indivíduos um provimento judicial tempestivo e passou a integrar o ordenamento jurídico pátrio com o implemento da Emenda Constitucional nº 45 de 2004 que, dentre outras disposições, inseriu no texto constitucional o inciso LXXVIII do artigo 5º que prescreve: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Significa dizer, na lição de NEVES (2006), que:

O processo deve ter uma duração razoável, sob pena de se tornar inócua uma decisão tardia. [...]. Nessa busca, não pode haver a aceleração dos procedimentos, diminuindo-se as garantias processuais constitucionais. [...]. Mais importante que ser ágil é ser, o processo, efetivo, eficaz, dizendo os direitos das partes em tempo que, não devendo ser longo, não poder ser açodado. [...]. Assim, conclui-se que o direito ao processo com duração razoável é impostergável, tendo em vista o Estado Democrático de Direito, e deve ser valorado à luz de vários critérios. Respaldados na jurisprudência firmada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, diversos doutrinadores ensinam que devem ser levados em consideração três critérios principais com o objetivo de analisar o caráter razoável da duração razoável do processo, quais sejam, a complexidade das questões, de fato e de direito, presentes no processo, o comportamento das partes e seus procuradores, e a atuação dos órgãos jurisdicionais em cada caso concreto (NEVES, 2006, p. 55-56).

Por fim, não se deve confundir o princípio da duração razoável do processo com a expressão celeridade processual, tanto propalada por juristas e leigos ao longo dos anos. “Não existe um princípio da celeridade. O processo não tem de ser rápido/célere; o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional” (DIDIER JÚNIOR, 2014, p. 67). Conclui-se que a celeridade não deve, de forma alguma, colocar em risco as garantias constitucionais processuais, uma vez que sem elas não haverá provimento final legitimamente democrático (NEVES, 2006, p. 59-60).

2.2 BREVE ANÁLISE SOBRE AS TEORIAS NEOINSTITUCIONALISTA E INSTRUMENTALISTA DO PROCESSO

Vista a íntima ligação em que se envolvem o Estado Democrático de Direito e o princípio da duração razoável do processo, é de grande valia que se faça uma breve análise das duas teorias modernamente mais influentes acerca do entendimento do processo dentro do ordenamento jurídico pátrio como instituto, a fim de que se verifique qual delas se moldam aos princípios predominantes do Estado Democrático de Direito.  

Identificam-se duas vertentes principais nessa divergência acadêmica: a Teoria do processo como relação jurídica, atualmente também conhecida como Teoria Instrumentalista do processo, criada por Oskar von Bülow, e no Brasil defendida pela Escola Processual de São Paulo; e a Teoria Neoinstitucionalista do processo, defendida pela Escola Processual Mineira, criada pelo jurista mineiro Rosemiro Pereira Leal.

Tem-se creditado o surgimento da teoria do processo como relação jurídica à publicação da obra Die Lehre von den Processeinreden und Processvoraussetzungencom (Teoria das exceções e dos pressupostos processuais) de autoria do jurista alemão Oskar von Bülow.

Essa teoria, nascida do individualismo jurídico do século passado, constituía-se em vínculos entre sujeitos, em que um sujeito possuía o poder de exigir a conduta de outro sujeito, sendo posteriormente, seguida e aprimorada por Chiovenda, Carnelutti, Calamandrei, Liebman, Cintra, Grinover e Dinamarco, estes três últimos, membros da Escola Instrumentalista no Brasil. (SILVA, 2009, p. 3).

A obra é considerada como uma grande sistematização das ideias que deram intuição a essa concepção da natureza jurídica do processo como relação jurídica. Ela “foi o marco da autonomia do Processo ante o conteúdo do direito material” (LEAL, 2013, p. 83).

Nesse diapasão, Bülow (1964) realçou a existência de dois planos de relações jurídicas: o plano das relações de direito material que se resume, na prática, ao âmbito de discussão do mérito no processo; e as relações de direito processual, que se resumem ao sistema metodológico em que as relações meritórias são discutidas. Além disso, uma das suas principais características é a “subordinação das partes umas às outras e todas ao juiz” (TEIXEIRA, 2006, p. 63), ou seja, ao Estado-juiz.

Bülow (1964) se utilizou dos ensinamentos do jurista italiano medieval Búlgaro para concluir o processo como relação jurídica: judicium est actum trium personarum: judicis, actoris et rei (o processo é ato de três personagens: do juiz, do autor e do réu) (LEAL, 2013, p. 83). Com essa linha de raciocínio Bülow concluiu que o processo não é

mero procedimento, mero regulamento das formas e ordem dos atos do juiz e partes, ou mera sucessão dos atos. [...]. É inegável que o Estado e as partes estão no processo, interligados por uma série muito grande e significativa de liames jurídicos em virtude das quais se exige de cada um deles a prática de certos atos do procedimento ou lhes permite o ordenamento jurídico essa prática (GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA, 2013, p. 314).

No Brasil, a teoria do processo como relação jurídica ganhou destaque pelas mãos do jurista Enrico Tullio Liebman, que veio ao Brasil fugido da Segunda Guerra Mundial, e ganhou adesão dentre os processualistas brasileiros que ressaltavam principalmente o caráter de instrumento que o processo trazia em si, o que deu origem à chamada Escola Processual de São Paulo (RODRIGUEZ, 2010, p. 16-17). A corrente instrumentalista é considerada uma evolução da teoria do processo como relação jurídica entre pessoas (RODRIGUEZ, 2010, p. 17). Para esses juristas:

o processo é indispensável à função jurisdicional exercida com vistas ao objetivo de eliminar conflitos e fazer justiça mediante a atuação da vontade concreta da lei. É por definição, o instrumento através do qual a jurisdição opera (instrumento para a positivação do poder) (GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA, 2013, p. 310).

As ideias modernamente predominantes no magistério dos paulistas se baseiam nos conceitos de que o processo é um instrumento da jurisdição submetido à teoria da ação, aos pressupostos processuais e na ideia de independência do direito processual perante o direito material (RODRIGUEZ, 2010, p. 17), já que centraliza na jurisdição a Ciência Processual e valoriza as competências e poderes dos juízes para que se resolvam problemas práticos do processo. Outro ponto acerca da Escola Paulista é o da diferenciação entre processo e procedimento, inclusive, muito criticada pela Escola Processual Mineira (LEAL, 2013, p. 83-84).

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Importante lembrar que a Teoria Instrumentalista, que foi aprimorada por variados autores ao longo dos anos, destacando-se Chiovenda, Carnelutti, Calamandrei e o próprio Liebman (LEAL, 2013, p. 83), tem predominância tanto na doutrina quanto na legislação processual brasileira, pois é base para a confecção de leis (como o Código de Processo Civil de 1973).

Em contrapartida à Escola Processual Paulista, evidencia-se a Escola Processual Mineira, cujos integrantes defendem a Teoria Neoinstitucionalista do processo, que foi idealizada pelo jurista mineiro Rosemiro Pereira Leal (2013, p. 89) e tem a instituição como o

[…] conjunto de princípios (institutos) jurídicos reunidos ou aproximados pelo texto constitucional com a denominação jurídica de devido processo, cuja característica é assegurar, pelos institutos do contraditório, ampla defesa, isonomia, direito ao advogado e livre acesso à jurisdicionalidade, o exercício dos direitos criados e expressos no ordenamento constitucional e infraconstitucional por via de procedimentos  estabelecidos em modelos legais (devido processo legal) como instrumentalidade manejável pelos juridicamente legitimados. (LEAL, 2013, p. 89).

A partir do conceito retro, infere-se que o processo é uma instituição constitucionalizada que se erige “como atuação crítico-participativa das partes juridicamente legitimadas à instauração de procedimentos em todos os domínios da jurisdicionalidade”, com observância do devido processo legal (LEAL, 2013, p. 90-91) dentro de um Estado Democrático de Direito.

Observado o processo dentro desse contexto, tem-se que na

[…] pós-modernidade, o conceito de processo como instituição, não se infere pelas lições de Maurice Hauriou ou dos administrativistas franceses do século XIX ou dos processualistas e juristas dos primeiros quartéis do século XX, sequer pelas posições sociológicas de Guasp e Morel, mas pelo grau de autonomia jurídica constitucionalizada a exemplo do que se desponta no discurso do nosso texto constitucional, como conquista teórica da cidadania juridicamente fundamentalizada em princípios e institutos de proposição discursiva e ampliativa em réplica ao colonialismo dos padrões repressores de “centração psicológica e política” dos chamados Estados-nações hegemônicos. Essas seriam as diretrizes da teoria neoinstitucionalista do processo que elaborei (LEAL, 2013, p. 30).

O processo para a Escola Mineira, em conclusão, firma-se como uma conjunção de princípios (contraditório, isonomia, ampla defesa, direito ao advogado e à gratuidade processual) referentes lógico-jurídicos para a procedimentalidade, com a participação ativa dos entes judicantes.

Assim, podem-se diferenciar vários pontos de ambas as escolas. A primeira e mais evidente disparidade se encontra na função e importância do processo dentro do ordenamento jurídico, uma vez que para os paulistas esse seria um instrumento da jurisdição, enquanto que para os mineiros a “jurisdição hoje é função fundamental do Estado e este só se legitima, em sua atividade jurisdicional, pelo processo” (LEAL, 2013, p. 84). Posto isso, o processo para os mineiros é o centro de estudo da Ciência Processual e não deve estar subordinado e instrumentalizado pela jurisdição.

O processo deve ser visto como instituição jurídica que, ao lado do Estado, do povo, da cidadania, da soberania popular, contém princípios próprios definidos nas garantias do contraditório, da ampla defesa, da isonomia, reunidos pelo instituto do devido processo legal aliados à estrutura do Estado Democrático de Direito. (SILVA, 2009, p. 10).

Outro ponto de discórdia seria o conceito de jurisdição, que para os paulistas é o poder-dever do Estado de declarar e realizar o direito material[1], enquanto que para os mineiros, seria uma atividade de monopólio do Estado subordinada aos princípios do processo[2]. Infere-se que para aqueles, a jurisdição é o centro gravitacional do processo[3], enquanto que para estes, o processo que deve ser o centro.

Com base na valorização da jurisdição pela Escola Paulista e na consequente concentração de poderes nas mãos dos juízes, a Escola Mineira critica o Código de Processo Civil de 1973 (Lei nº 5.869/73) e suas posteriores reformas (inclusive o projeto do novo Código de Processo Civil - PL nº 8.046/2010), afirmando que se tratam de textos judicializantes que ferem, em certos momentos, as garantias e os direitos processuais, criando inclusive ambiguidades semânticas.

Nessa linha, a Escola de São Paulo preconiza as competências judiciais e jurisdicionais como forma de acelerar a busca pela Justiça, o que vem de encontro a certos princípios e garantias do Estado Democrático de Direito, já que a celeridade processual posta como objetivo final fere garantias processuais[4], como o contraditório e ampla defesa, da mesma forma que conecta

 […] o processo à jurisdição, em escopos metajurídicos, definindo o processo como se fosse uma corda a serviço da atividade jurisdicional nas mãos do juiz para puxar pela coleira mágica a Justiça Redentora para todos os homens, trazendo-lhes paz e felicidade. (LEAL, 2013, p. 84).

Ainda, nas palavras de Teixeira (2006):

Para os instrumentalistas, o processo não passa de um meio para se atingir um fim que, para eles, seria a efetivação de uma decisão judicial (sentença), que visa, precipuamente, entregar ao cidadão o bem da vida [...] no menor espaço de tempo com o menor custo possível. Ou seja, o processo, para os instrumentalistas, tem caráter utilitário (custo/benefício), podendo ser definido, com precisão, por qualquer operador de uma bolsa de valores. Essa concepção mercantilista do processo não pode vigorar em um Estado Democrático de Direito, já que, neste paradigma, processo é direito fundamental do cidadão e do governante, só se compreendendo como processo aquele procedimento realizado em contraditório entre as partes, que serão os destinatários da decisão judicial (Fazzalari). (TEIXEIRA, 2006, p. 63-64).

Em contrapartida, alguns adeptos da Escola Paulista criticam algumas posições dos mineiros, argumentado que a Teoria Neoinstitucionalista peca pela utopia dos seus fundamentos e falta de soluções concretas para o problema da morosidade processual. De que adianta a participação efetiva das partes para prestação judicial se isso importa na eternização do processo? (GUERRA, 2013).

Essa questão é respondida por Theodoro Júnior (um adepto dos ensinamentos instrumentalistas, inclusive) que assevera que

A duração razoável do processo é aquela que resulta da observância do princípio da legalidade (respeito aos ritos processuais) e da garantia de tempo adequado ao cumprimento dos atos indispensáveis à observância de todos os princípios formadores do devido processo legal. O que, em seu nome, se impõe é simplesmente evitar ritos arcaicos e injustificáveis e, sobretudo, impedir a ineficiência organizacional dos aparelhamentos judiciais, bem como vedar o abuso dos atos desnecessários do manejo de faculdades e poderes, tanto de partes como de órgãos judiciais, com o intento meramente procrastinatório. A duração exagerada dos processos hoje decorre não propriamente do procedimento legal, mas de sua inobservância, e da indiferença e tolerância dos juízes e tribunais diante dos desvios procrastinatórios impunemente praticados por aqueles a quem aproveita o retardamento da conclusão do processo. (THEODORO JÚNIOR, 2013, p. 45).

Tendo em vista as características mais marcantes das referidas escolas, pode-se concluir que atualmente a vertente doutrinária que mais se adequa aos princípios norteadores do Estado Democrático de Direito é a Escola Processual Mineira, uma vez que, na sua definição de processo, há o respeito aos diversos princípios e garantias constitucionais e processuais, principalmente, ao princípio do devido processo legal e à duração razoável do processo.

A Teoria Neoinstitucionalista, mais que a Instrumentalista, defende uma prestação jurisdicional democrática, com ampla participação das partes e do controle popular soberano e legítimo sobre os procedimentos, visto que o processo constitucionalizado, juntamente com os seus princípios e garantias, é considerado como um “espaço discursivo imune de coerções externas, estando, via de consequência, capaz de permitir a participação dos envolvidos na construção do provimento em condições de igualdade, […]”. (TEIXEIRA, 2006, p. 89).

Além desse ponto, destaca-se a interpretação dada pela Teoria Neoinstitucionalista aos novos rumos da processualística nacional, pois observa o Estado pós-moderno abandonando as concepções do Estado Liberal, individualista, e do Estado Social, intervencionista, características do Século XX, que não se adéquam às novas ilações do Estado Democrático de Direito.

2.3 A MOROSIDADE DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Observadas as principais bases do Estado Democrático de Direito e as duas teorias mais propagadas sobre a natureza do processo, é imprescindível que se faça uma ponte entre o problema da morosidade na prestação jurisdicional no Brasil (conhecida também por morosidade da Justiça) e os seus efeitos e consequências para o Estado Democrático de Direito dentro de um contexto pós-moderno.

Atualmente é de senso comum que o Poder Judiciário brasileiro sofre de uma terrível “chaga”: a morosidade na prestação jurisdicional, que afeta tanto os processos administrativos, bem como a Justiça Comum, os Tribunais de Justiça, os Superiores Tribunais e o Supremo Tribunal Federal (STF). Logo, essa demora é um problema generalizado dentro da Administração Judiciária brasileira que não diferencia a instância ou o ente federativo administrador.

Para se constatar a evidente demora na prestação da tutela jurídica, basta ir a alguma secretária de qualquer fórum e observar a quantidade de processos que lá tramitam por juiz ou observar os relatórios anuais do Conselho Nacional de Justiça sobre a produtividade da prestação jurisdicional (CNJ, 2013). Assim, vê-se que a morosidade do sistema rege os atos processuais de maneira que não resta a menor dúvida sobre a dificuldade para o acesso às decisões judiciais.

Constatado o problema, conclui-se que a existência do desrespeito à garantia constitucional da duração razoável do processo e do devido processo legal gera consequências. A primeira delas é a desvalorização das instituições estabelecidas perante a população, tanto as que estão diretamente ligadas à Administração da Justiça (como os Tribunais de Justiça estaduais, as delegacias de polícia, os cartórios, etc.) quanto as que não estão, como por exemplo, as ligadas ao Poder Legislativo e Executivo em qualquer nível de governo.

Esse descrédito faz com que a população construa sensos comuns de incompetência e incapacidade do Estado-juiz em resolver os litígios individuais e coletivos, além de criar uma sensação de desamparo e de impunidade. Por sua vez, tal descrédito faz com que outras formas de resolução de conflitos, que não o processo, intensifiquem-se. Mais que isso, o descrédito enfraquece as instituições democráticas, pilares do Estado Democrático de Direito, tornando-o apenas uma formulação teórica.

A lentidão e a ineficiência da justiça impedem a solução do processo em tempo capaz de prevenir distúrbios sociais, o que, alinhado à descrença na atuação do Poder Judiciário, gerada pela perda de credibilidade perante a população, ocasiona a busca por meios inidôneos de resolução dos conflitos de interesses, principalmente com o retorno à auto-tutela. (NASCIMENTO, 2014).

A morosidade que se abateu sobre a administração judicial expõe a ineficiência do Estado brasileiro em concretizar uma das principais funções do Estado de Direito, que é justamente resguardar a ordem e o ordenamento jurídico através do respeito ao “império das leis” e resolver os litígios dos jurisdicionados como forma de se manter a paz social. Consequentemente à morosidade, o Estado e a sociedade se envolvem numa nuvem de instabilidade social, em que os próprios funcionários públicos não acreditam na organização estatal, nem os litigantes dentro de um processo creem que um dia terão o provimento judicial adequado.

A instabilidade e a morosidade afetam não só a segurança jurídica, mas também as relações econômicas e produtivas do país, que carecem de agilidade na sua dinâmica negocial; bem como as relações políticas e sociais, que necessitam de rapidez tanto nos processos de modernização das instituições políticas, como na aceitação de novos costumes e tradições dentro da sociedade, tendo reflexos inclusive sobre o processo democrático de eleição.  

Inegavelmente, a morosidade com que opera o sistema judiciário do país ganhou contornos de preocupação nacional, capaz de gerar crises sociais e afetar inclusive os investimentos econômicos, e tornou-se insuportável. [...]. O retardo temporal na prestação jurisdicional tem, como dito acima, se transformado no denominado “custo Brasil”, influenciando a economia. Notícia publicada em maio de 2006, no site Gazeta Jurídica, destaca pesquisa que [...] mostra que tribunais brasileiros recebem 17 milhões de processos por ano. A morosidade do Judiciário pode levar a uma perda anual de US$ 10 milhões para a economia do País. Esse valor se refere aos gastos que empresas e o próprio governo têm para manter os processos. [...]. A consequência social pela lentidão no trâmite processual tem levado o Poder Judiciário ao descrédito perante a sociedade, o que tem abalado sobremaneira a eficácia de suas decisões. [...]. A falta de agilidade do Sistema Judiciário, além de gerar incerteza no cenário econômico, descrédito social, também leva insegurança à população, em razão da sensação de impunidade em relação à pena aplicada aos criminosos. (GRANGEIA, 2013, p. 11-13).

Tendo em vista o exposto, fica claro que a morosidade da prestação jurisdicional tem efeitos prejudiciais ao Estado Democrático de Direito e à ordem institucional estabelecida de tamanha magnitude que deve ser tratada como problema de maior urgência, de forma que a duração razoável do processo mais do que princípio, deve ser considerada norma imperativa para que haja uma estabilidade político-social no país.  Enfim, chega-se à antiga frase do jurista brasileiro Rui Barbosa: “Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” (BARBOSA, 1999, p. 40).

3 A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC)

3.1 A NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO NO NOVO CPC

A natureza jurídica é a ligação que um instituto ou uma norma tem com uma grande categoria jurídica, ou seja, é a determinação da sua essência. E com o intuito de conhecer o fundamento do Novo CPC, este subcapítulo partiu da análise de alguns pontos da sua exposição de motivos, visto que essa representa o elemento volitivo e explicativo do seu surgimento.

De acordo com o texto expositor, a Comissão idealizadora do Novo Código buscou “estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal” (BRASIL, 2010, p. 14).

Dessa forma, observa-se que o Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL nº 8.046/2010) trouxe transcrições de princípios constitucionais em sua totalidade, como por exemplo, o artigo 3º, que aduz: “Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, ressalvados os litígios voluntariamente submetidos à solução arbitral, na forma da lei” (BRASIL, 2010). Remontando-se, assim, ao artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988.

A princípio, pode-se inferir que o PL nº 8.046/2010 possui sua natureza na Teoria Constitucionalista do processo, uma vez que, segundo Leal em sua análise sobre a referida teoria, o processo nele disciplinado “apresenta-se como necessária instituição constitucionalizada” (LEAL, 2013, p. 88).

No entanto, vê-se que por mais que preceitos constitucionais foram elencados e transcritos, esse Projeto tem sua natureza na Teoria da Instrumentalidade, visto que o processo nele visado “[…] existe acima de tudo para o exercício da jurisdição.” (DINAMARCO, 2001, p. 143).

Além disso, para a referida teoria, os problemas apresentados pelas partes são resolvidos pelo juiz, uma vez que não se permite a participação do autor e réu na verdadeira construção da tutela jurisdicional, uma vez que o julgador é soberano.

Assim, o Novo CPC coloca em evidência o juiz e a jurisdição, e por mais que princípios constitucionais foram reproduzidos e institutos como a autocomposição (conciliação e mediação – artigos 144 e seguintes do PL nº 8.046/2010) foram enfatizados, ainda foi concedido “poderes aos juízes como se infalíveis fossem” (GUERRA, 2013).

3.2 BREVE ANÁLISE DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS FRENTE À DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

O ordenamento jurídico brasileiro tem como base o sistema jurídico romano-germânico (civil law), pois conforme Stolze[5], ele está ligado na positivação do direito pela norma legal, o que faz com que o juiz julgue segundo a lei e o seu livre convencimento.

No entanto, devido à ampliação do ajuizamento de demandas e à morosidade na prestação jurisdicional em julgá-las, houve a necessidade de criar mecanismos que proporcionassem a redução do tempo de tramitação dos processos através de julgamentos idênticos a casos iguais, construindo, dessa forma, uma justaposição com o sistema jurídico do common law, cujo fundamento está na jurisprudência e nos costumes.

Por sua vez, o PL nº 8.046/2010, aproximando-se do sistema jurídico anglo-saxão, trouxe em seu texto o Instituto de Resolução de Demandas Repetitivas, a fim de uniformizar o entendimento dos tribunais brasileiros. Observa-se que este novo instituto, como o próprio caput do artigo 930 do PL nº 8.046/2010 aduz, é admissível sempre que for constatada controvérsia com a capacidade de gerar a ampliação de processos fundados com a mesma questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes.

Embora se perceba a tentativa do Poder Legislativo em criar meios mais céleres para resolução de demandas, principalmente, para as “demandas de massa”, deve-se indagar se tal instituto se coaduna com o princípio da duração razoável do processo, que está disciplinado no artigo 5º, inciso LXXVIII, da CRFB/88.

Esse princípio “[…] resulta da observância do princípio da legalidade (respeito aos prazos processuais) e da garantia de tempo adequado ao cumprimento dos atos indispensáveis à observância de todos os princípios formadores do processo legal”. (THEODORO JÚNIOR, 2013, p. 43-44). Ou seja, ele orienta que no decorrer do processo, as demandas sejam resolvidas em tempo hábil, mas principalmente, com a observância das garantias processuais.

Logo, a busca de meios mais ágeis para reduzir a morosidade na prestação jurisdicional não pode vir a qualquer custo, visto que a resolução de um processo não está ligada apenas a um fator objetivo-temporal, mas também a questões principiológicas que devem ser observas e que perfazem a validade do processo constitucionalizado.

O incidente de resolução de demandas repetitivas ao possibilitar que teses individuais repetidas tenham tratamento coletivo, isto é, sejam sistematizadas, vai ao encontro da celeridade e do princípio da segurança jurídica, já que o referido instituto seria

[…] capaz de proporcionar aos indivíduos parâmetros para que possam balizar suas condutas, sabendo, previamente, o que podem e o que devem fazer, bem como as sanções na hipótese do extrapolamento dos poderes e descumprimento dos deveres. (DURÇO; CHEHUEN;  2011, p. 552).

Além disso, com o referido instituto “[…] a igualdade será buscada (tal como ocorre com a segurança jurídica) por meio de decisões semelhantes para situações jurídicas semelhantes, garantindo o tratamento igualitário aos que ingressarem em juízo” (DURÇO; CHEHUEN; 2011, p. 555).

Entretanto, há que ressaltar que os princípios constituintes do processo vão muito além da celeridade, igualdade e segurança jurídica, visto que o processo é uma construção das partes, logo, possui um caráter dinâmico, em que a discussão entre autor e réu é um requisito basilar.

Assim, ao confrontar o instituto do incidente de resolução de demandas repetitivas com o princípio da duração razoável do processo, percebe-se que a almejada padronização das sentenças pode cercear garantias processuais que devem ser observadas no transcorrer do processo (como o princípio do contraditório), visto que as partes não poderão convencer o magistrado a dar uma sentença diferente da decisão já previamente proferida pelo tribunal de segundo grau, justamente devido à vinculação que será criada pelo referido instituto.

3.3 A (IN) COMPATIBILIDADE DO NOVO CPC COM A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

Após a análise sobre a natureza jurídica do Projeto de Lei nº 8.046/2010 e o breve estudo sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas, deve-se indagar sobre a compatibilidade, ou não, do referido projeto com o princípio da duração razoável do processo a partir do estudo das dilações indevidas e os princípios constitutivos do processo, pois além de constituírem o princípio ora em estudo, também são elementos que devem ser aplicados e observados.

A expressão “dilações indevidas” significa, segundo Neves,

[…] o alargamento das ditas etapas mortas do processo, representando, pois, todas as situações de inércia absoluta dos órgãos jurisdicionais ou o descumprimento de prazos previamente fixados na lei. (NEVES, 2006,  p. 57).

Assim, o PL nº 8.046/2010, no que concerne aos recursos, conforme Hill (2011, p. 386), modificou a regra geral do efeito suspensivo à apelação, deixando ao apelante a faculdade de requerer tal efeito ao relator. Além disso, a discussão das decisões interlocutórias deve ser arguida mediante preliminar da apelação ou suas contrarrazões (parágrafo único, do artigo 963, do PL 8.046/2010), bem como se ampliou as hipóteses da chamada “causa madura” (artigo 963, §3º), permitindo ao tribunal, no julgamento da apelação, examinar o mérito da causa sem retorná-lo ao juízo a quo.

Dessa forma, consta-se a tentativa da Comissão e dos Legisladores em evitar que o recurso seja um meio protelatório, cuja finalidade exclusiva seja evitar a celeridade e a adequada resolução da matéria posta sob apreciação. Daí a regra do Novo Projeto do CPC ser o efeito devolutivo, já que cabe aos tribunais por fim a demanda e não ficar julgando parte dela, como acontece com o agravo de instrumento disciplinado no atual Código de Processo.

A Exposição de Motivos do PL nº 8.046/2010, a todo o momento, declara que as normas nele contidas coadunam-se com o Estado Democrático de Direito e com os princípios processuais disciplinados na Constituição Federal de 1988, principalmente, com a duração razoável do processo, tendo em vista que tal princípio visa objetivar a resolução mais célere do processo com a observância de outros princípios, como o contraditório e a isonomia.

No entanto, como foi visto no subcapítulo anterior, o incidente de resolução de demandas repetitivas influirá na celeridade, mas limitará o princípio do contraditório, ou seja, o referido instituto não se coaduna com o princípio da duração razoável do processo. Além disso, é perceptível o foco sobre a celeridade, uma vez que há uma valorização da uniformidade e da estabilidade da jurisprudência, que passam a ser um importante fator para a nova sistemática processual.

Leal disciplina que as novas legislações possuem um “fetichismo” (LEAL, 2012, p. 256) pela celeridade, pois há uma valorização da efetividade da jurisdição e não do processo, que segundo o autor, é o pressuposto de legitimidade da atividade jurisdicional. Nesse mesmo sentido, Nery Junior ensina que a

[…] busca da celeridade e razoável duração do processo não pode ser feita a esmo, de qualquer jeito, a qualquer preço, desrespeitando outros valores constitucionais e processuais caros e indispensáveis ao estado democrático de direito. O mito da rapidez acima de tudo e o submito do hiperdimensionamento da malignidade da lentidão são alguns dos aspectos apontados pela doutrina como contraponto à celeridade e à razoável duração do processo que, por isso, devem ser analisados e ponderados juntamente com outros valores e direitos constitucionais fundamentais, notadamente o direito ao contraditório e à ampla defesa. (NERY JUNIOR, 2010, p. 323).

Dessa forma, a partir dos estudos feitos sobre alguns institutos e, principalmente, sobre o Estado Democrático de Direito, percebe-se que o Projeto do Novo CPC é incompatível com a duração razoável do processo, tendo em vista que se manteve a ambição majoritária pela celeridade, que é a “forma pela forma”, sendo que, na verdade, o processo dever ser garantidor da aplicação e justificação de um direito democrático perseguido pelos cidadãos (NEVES, 2006, p. 61).

4 A MOROSIDADE NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL: UMA QUESTÃO ALÉM DO LIMITE NORMATIVO

A morosidade na prestação jurisdicional pode ser conceituada resumidamente, a partir da pesquisa realizada, como a lentidão e a inefetividade com que as demandas postas sob apreciação do Poder Judiciário são julgadas. Observa-se que essa demora não é decorrente apenas das normas, mas sim de vários elementos que compõem o aparelho jurisdicional e a sua operacionalidade, até porque a prestação jurisdicional também provém dos seus aplicadores, da infraestrutura estatal e dos próprios cidadãos, sendo estes os principais destinatários das leis.

Quanto a isso, corroborando com tal entendimento, na obra Princípios do processo na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Nery Junior (2010) aponta que o alcance da duração razoável do processo e a construção processual também estão atrelados a critérios objetivos, e não apenas critérios legais, uma vez que a norma necessita de elementos que a tornem eficaz.

Para o referido autor, seriam esses critérios objetivos:

[…] a) a natureza do processo e complexidade da causa; b) o comportamento das partes e de seus procuradores; c) a atividade e o comportamento das autoridades judiciárias e administrativas competentes; d) a fixação legal de prazos para a prática de atos processuais que assegure efetivamente o direito ao contraditório e ampla defesa. (NERY JUNIOR, 2010, p. 320).

Assim, após o estudo sobre o Estado Democrático de Direito, os efeitos da ineficiência na prestação jurisdicional, bem como a incompatibilidade do PL nº 8.046/2010 com o princípio da duração razoável do processo, importante se faz a análise sobre o aspecto prático que a nova norma processual poderá ter mediante uma infraestrutura judiciária, muitas vezes, caracterizada pela ineficiência e uma sociedade litigante.

O artigo 5º, §1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 conferiu aplicação imediata ao princípio da duração razoável do processo, logo, é um direito “[…] que todos podem imediatamente exigir do poder público”. (NERY JUNIOR, 2010, p. 324). Portanto, a morosidade na prestação jurisdicional não pode ter como desculpa a má estruturação do Poder Judiciário, uma vez que por força constitucional o princípio da duração razoável é um direito do cidadão e um dever do Estado garanti-lo. Por sua vez, a sua incapacidade em propiciá-lo demonstra que o mesmo é incapaz de alcançar os fins para os quais foi criado, ainda mais quando esse detém o monopólio da jurisdição.

Igualmente, existe a incongruência no que tange às Fazendas Públicas, visto que essas são as maiores demandantes da estrutura judiciária, sejam como autoras ou rés, nos processos em tramitação, o que comprova que o poder público utiliza da morosidade para delongar o cumprimento de seus deveres.

Salienta-se que o dever estatal em propiciar a efetividade na prestação jurisdicional, que é um serviço público, está subordinado ao princípio da eficiência, cujo objetivo no âmbito processual é pacificar o conflito dentro de um prazo razoável com respeito aos princípios constitucionais ínsitos ao processo.

Kramer disciplina que cabe ao Judiciário formular a política pública de acesso à justiça a fim de que se alcance a eficiência jurisdicional através de uma boa gestão tanto de recursos financeiros quanto humanos, pois é dessa maneira que o estudo da efetividade processual será desentranhado da visão de que apenas alterações normativas trazem resultados desejáveis. No entanto, observa-se que a tutela jurisdicional e a morosidade também estão ligadas ao Poder Executivo, uma vez que esse quem elabora as leis orçamentárias para o financiamento de toda a máquina pública (artigo 165 da CF/88).

Nesse sentido, Nery Junior, ampliando o raciocínio de Kramer, afirma que a duração razoável do processo e a efetividade da prestação jurisdicional dependem não apenas do Poder Judiciário e de seus magistrados, mas sim, majoritariamente dos Poderes Executivo e Legislativo, visto que o cumprimento dos direitos garantidos na Constituição é capaz de evitar a judicialização de políticas públicas que tanto abarrotam e dificultam o trabalho dos juízes de primeira instância e os tribunais brasileiros (NERY JUNIOR, 2010, p. 325).

O Brasil, nos últimos anos, passou por uma proliferação de “demandas de massa”, o que fez com que o trabalho aumentasse tanto para juízes quanto para auxiliares da justiça. Por sua vez, somando a má estruturação do Poder Judiciário, o aumento dos processos em tramitação, bem como a falta de servidores para dar andamento aos mesmos, sabe-se que o resultado é a paralisação do sistema, ou seja, a morosidade.

O Novo Código de Processo Civil prevê, na tentativa de resolver tais demandas, o fortalecimento da jurisprudência e a instituição do instituto de resolução de demandas repetitivas. No entanto, a procura pela tutela jurisdicional ainda continuará crescendo, pois a cultura da lide está sedimentada e a busca pela autocomposição, como a conciliação e mediação, ainda é uma prática pouco desenvolvida.

Ressalta-se que os advogados também possuem forte influência na construção do Poder Judiciário, visto que esses são, conforme disciplina o artigo 133 da CF/88, indispensáveis à administração da justiça. Assim, o causídico é fundamental na construção efetiva da tutela jurisdicional por ser o meio de ligação entre o cliente e o tecnicismo jurídico.

Refletindo sobre a necessidade da conciliação, Manzi disciplina que tal modalidade de resolução de conflito está ligada a “uma série de operações psicológicas para as quais não há qualquer preparação dos acadêmicos de direito, […] e advogados”, ( MANZI, 2004, p. 3), pois ambos são preparados, principalmente, para ajuizar processos.

Isso traz sérias consequências para a justiça brasileira, uma vez que a torna mais lenta e alvo de aventureiros que objetivam utilizar dos meios legais para conseguirem retornos financeiros, transformando o Judiciário em uma indústria que tem o processo como principal ferramenta. Portanto, o advogado tem o dever de esclarecer seu cliente acerca de seus direitos, e não criá-los a fim de aumentar disputas.

Aconselhar o cliente a resolver os problemas extrajudicialmente e promover a advocacia preventiva são práticas necessárias para a eficácia de toda e qualquer norma. Observa-se que o raciocínio retro está contido no artigo 2° do Código de Ética, inciso VI, em que aduz sobre o dever do advogado em “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios” (OAB, 1995).

Posto isso, repensar a forma de composição e resolução dos conflitos é fundamental, visto que o processo posto como único e primeiro meio para solucionar desavenças compromete o bom funcionamento da justiça.

Nesse sentido, é imprescindível que haja mudanças da sociedade e dos governantes como um todo a fim de que se alcance a eficiência da tutela jurisdicional e a duração razoável do processo, visto que a morosidade, como já argumentado, não é decorrente exclusivamente de um problema legislativo, mas sim, de entraves estruturais e comportamentais que antecedem as alterações dos Códigos de Processo. Portanto, a morosidade decorrente do próprio sistema pode comprometer a nova norma que está em votação, atrofiando consequentemente a sua principal ambição: a efetividade na prestação jurisdicional.

5 CONCLUSÃO

Apresentados os estudos feitos e discutidos no decorrer do artigo, extrai-se uma série de conclusões acerca das relações entre o projeto do Novo Código de Processo Civil, o Estado Democrático de Direito, o princípio da duração razoável do processo e a morosidade na prestação jurisdicional no Brasil.

Primeiramente, conclui-se que a morosidade na prestação jurisdicional tem ligação direta com a conservação das bases do Estado Democrático de Direito, devendo ser tratada com urgência para que as consequências desse problema não se potencializem com o passar do tempo. Em segundo lugar, o projeto do Novo Código de Processo Civil, observadas suas características mais perceptíveis, adotou a Teoria Instrumentalista da natureza jurídica do processo, ainda que muito criticada pela Escola Processual Mineira por não ter se adaptado aos novos paradigmas do Estado pós-moderno Democrático de Direito.

A terceira e mais importante conclusão é a de que o projeto de Novo Código de Processo Civil além de não observar o princípio da duração razoável do processo, mas sim a celeridade processual, se implantado, não terá, sozinho, a capacidade de resolver a morosidade da prestação jurisdicional, uma vez que esse problema deve ser atacado em várias outras frentes, como o investimento numa administração eficiente e a mudança de certos costumes entre os cidadãos e os profissionais que trabalham com o Poder Judiciário e dentro dele.

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[1] GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo Cintra. Teoria Geral do Processo. 2013, p. 155-156.

[2] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiras lições. 2013. p. 22-23.

[3] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiras lições. 2013. p. 96.

[4] LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiras lições. 2013. p. 97

[5] Gagliano, Pablo Stolze; Rodolfo Pamplona Filho. Novo curso de direito civil: parte geral. 2012, p. 78.

Sobre os autores
Thales Macedo

Curso o 8º Período de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes e sou estagiário do Ministério Público Estadual de Minas Gerais.

Victor Vieira Medeiros

Estudante de Direito do 7º Período matutino do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

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