A proteção dos direitos fundamentais e a rigidez constitucional são alicerces justificadores do controle de constitucionalidade, vez ser este recurso de amparo o garantidor da supremacia dos direitos constitucionalmente protegidos. E tais direitos são, a um só tempo, limites ao poder do Estado e legitimação do próprio Estado.
No Brasil, controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação de uma norma (lei ou ato) com a Constituição. Este exame se faz averiguando os requisitos formais (observância do processo legislativo) e materiais (tema de fundo em consonância com os ditames constitucionais).
Pois bem. Segundo o entendimento clássico, o STF poderá reconhecer a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo por dois meios: no controle concentrado ou no controle difuso. O controle será concentrado quando realizado de forma abstrata, produzindo efeitos ex tunc, erga omnes e vinculante. Já o controle difuso se verifica em um caso concreto, podendo ser realizado por qualquer juiz ou tribunal (incluindo, óbvio, o STF) e produzindo efeitos ex nunca, inter partes e não vinculante.
Uma vez declarada a inconstitucionalidade, o STF deverá comunicar essa decisão ao Senado da República, a quem caberá suspender a execução, no todo ou em parte, da lei viciada (art. 52, X, CF). Claro que estamos a nos referir àquela decisão em controle difuso, vez que é esta que não possui efeito vinculante. E não por demais cumpre reforçar: o Senado poderá, ou seja, é ato discricionário e, caso ele resolva suspender a execução da lei declarada inconstitucional, a sua resolução (veículo normativo de que se utiliza) terminará por ampliar a eficácia do controle difuso, uma vez que a decisão migra de inter partes para erga omnes.
E em que momento surge a teoria da abstrativização do controle difuso? Pois, justamente neste momento. Explica-se: sustenta essa teoria a ideia de que se o plenário do STF decidir a inconstitucionalidade ou não de uma lei/ato normativo (recorde-se que a celeuma está centrada no controle difuso, não vinculante), essa decisão terá os mesmos efeitos do controle concentrado, a dizer, eficácia erga omnes e vinculante. E qual seria então a função do Senado? Seria, para essa teoria, a de dar publicidade à decisão do STF. Em outras palavras, é uma tentativa de conceder efeitos erga omnes e vinculante aos julgamentos do STF sem a participação do Senado.
Como exemplo comezinho, pode-se trazer a comento o paradigmático caso do juiz acreano que, em abril de 2006 indeferiu o pedido de progressão de regime em favor de um condenado, logo após a decisão do STF declarando inconstitucional o §1º do art. 2.º da Lei nº 8072/90 (condenado por crime hediondo ou equiparado deveriam cumprir a pena em regime integralmente fechado). O argumento do juiz foi que, além de a lei de crimes hediondos proibir a progressão, a decisão do STF não possuía efeito vinculativo, cabendo ao Senado suspender a execução do referido dispositivo para que, então, a eficácia decisória fosse erga omnes. O réu formulou reclamação no STF por entender que o juiz da 1ª instância ofendera a decisão do STF, pois, ainda que carecendo de ato do Senado, a decisão não era mais passível de discussão e dissenso.
E qual foi a solução encontrada para o caso concreto? Uma saída em nada definidora a cerca da adoção ou não da teoria. Antes de ser julgada a reclamação, o STF editou a Súmula Vinculante nº 26 declarando a permissão de progressão de regime em crimes hediondos. E, neste passo, a súmula salvou o conhecimento da reclamação por via oblíqua.
Mas, em que pese o STF não ter se posicionado formalmente, o Ministro Teori Zavascki lembrou que, embora não seja adotada a ideia da mutação constitucional do art. 52, X, decisões outras do Supremo têm ganhado eficácia erga omnes mesmo sem a atuação do Senado. Para tanto, citem-se: art. 475, §3º, do CPC (dispensa o reexame necessário das sentenças que adotam jurisprudência do plenário do STF ou súmula do tribunal superior competente); inserção no texto constitucional da repercussão geral nos recursos extraordinários. E continua o Ministro: tais situações, entretanto, não são exemplos da teoria de objetivização do controle difuso, mas, sim, exemplos de uma “força expansiva”, ilustrando a inequívoca força ultra partes que o sistema normativo brasileiro atualmente atribui aos precedentes dos tribunais superiores e da Corte Constitucional.
A maior consequência da adoção da teoria da objetivação é, sem dúvida, o cumprimento do princípio da celeridade. Justiça tardia é justiça inóqua. Ademais, surge como forma de evitar decisões contraditórias. Contudo, há que se atentar para o poder inigualável que o Supremo Pretório teria, pois, com o voto de seis Ministros (quórum para julgamento de mérito do recurso extraordinário e menor que o de súmula vinculante) ficaria aprovada a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. Em uma análise mais ampla e profunda, significa permitir-se que, por seis de seus integrantes, o STF exerça o papel de árbitro derradeiro da política nacional. Outro contraponto – e talvez o mais duro – é de a abstrativização aplicar uma decisão àqueles que não tiveram garantido o seu direito constitucional de participação nos processos, ferindo-se, de morte, o direito fundamental de acesso à justiça, ao contraditório, à ampla defesa, ao devido processo legal.
Em analisando a teoria com o papel das súmulas vinculantes, haveria uma incompatibilidade? A súmula vinculante surge com a Emenda Constitucional nº 45 com o objetivo de racionalizar a atividade jurisdicional, ao tempo em que uniformiza a jurisprudência e acelera os julgamentos. Tal como a teoria objurgada, a súmula vinculante é reforço ao estado democrático de direito cuja edição gera rápido e firme efeito vinculante (sob pena de responsabilização ante o ato de insubordinação do magistrado). Se assim é e se assim também se quer imprimir – por meio da teoria da objetivação – ao controle difuso, melhor solução é dar a cada situação um desfecho próprio. Ou seja, sempre que necessária a extensão de uma decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade pelo STF, cabível será a edição de súmula vinculante. A decisão do processo subjetivo deverá ser remetida ao plenário para, por 2/3 de seus membros, operar o efeito erga omnes e vinculante. Imaculado permanecerá o procedimento delineado pelo legislador em homenagem ao estado democrático de direito.