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PRISÃO PREVENTIVA COMO ANTECIPAÇÃO DE PENA: ILEGALIDADE MANIFESTA NOS JUÍZOS DE PRIMEIRO GRAU

Agenda 01/04/2015 às 11:30

O advogado criminalista vem se deparando, cada vez mais, com decisões judiciais que determinam a segregação cautelar, com base em fundamentações genéricas e realizam uma verdadeira antecipação da pena.

Decisões que determinam a segregação cautelar acabam por adentrar no mérito processual e efetivam uma antecipação da pena, ainda que ausentes os requisitos para sua manutenção. Ocorre que de tais decisões carentes de fundamentação decorre, entre outras, uma consequência lógica: Assoberbamento dos Tribunais de Justiça e Tribunais Superiores.

Segundo pesquisa realizada FGV DIREITO RIO [1] restou constatado que grande parte dos Habeas Corpus que chegam às últimas instâncias são oriundos de ações que visam apenas a aplicação de entendimentos já adotados pelos Tribunais Superiores. Nesse contexto, cerca de 14 mil HCs das Cortes Superiores (STJ e STF), que foram ajuizados entre 2008 e 2012, culminaram com a edição de Súmulas, a fim de reduzir o número de ações que possuem entendimentos consolidados, mas que não são seguidos pelas instâncias inferiores.

Foi demonstrado, através da mencionada pesquisa, uma elevada concentração de HCs no STJ de ações oriundas do Tribunal de Justiça de São Paulo. O estado detém cerca de 43,8% dos HCs perante o STJ, sendo que desse montante, conforme crime específico, a taxa de reforma das decisões de primeiro grau atinge 62% dos casos. O que demonstra a falta de aplicabilidade de entendimentos já consolidados das Cortes Superiores.

Nesse diapasão, observou-se que cerca de 54% dos assuntos que motivam a impetração dos HCs estão relacionados, entre outros, à deficiência na fundamentação da prisão cautelar, que, além disso, é o tema mais discutido perante a Corte Superior.

Segundo o Ministro do STJ Rogério Schietti, em entrevista concedida ao Globo, em 16/12/2014 [2], a falta de fundamentação das decisões que determinam a segregação cautelar é um dos principais motivos que levam o advogado a ingressarem com Habeas Corpus: 

“O principal motivo que leva os advogados a entrarem com habeas corpus é a falta ou a deficiência da fundamentação judicial. Hoje, uma boa parte da responsabilidade por essa quantidade imensa se deve ao comportamento de alguns juízes e tribunais por não se atentarem, por motivo que desconheço, para a necessidade de melhor fundamentar seus atos. (...) No âmbito do habeas corpus, as questões deveriam ser resolvidas na origem. Diversas vezes chegam a nós casos de escassa importância, mas que geraram restrição à liberdade. É muito difícil limitar o acesso. No caso de recursos especiais, a lei pode estabelecer determinados limites ou restrições maiores (...)".

Nesse sentido, decisões apoiadas em fundamento genéricos, que se lastram em meras suposições, são alvos de Habeas Corpus e constituem violação ao direito constitucional de não ser preso até o trânsito em julgado de sentença condenatória. Ilustrativamente colacionamos a decisão do Juiz Plantonista Ednaldo Aureliano de Lacerda, da Comarca de Caruaru/PE, de 08/03/2015, que fundamentou a decretação da prisão preventiva nos seguintes termos: 

(...) Com efeito, foram apreendidos 218 gramas de maconha, os quais destinavam-se ao Acusado Lamartine, que se encontra preso pela prática do crime de tráfico, consoante afirmou à Autoridade Policial. Cabe salientar, ainda, que, a despeito de ele ter argumentado, que a droga seria para consumo pessoal, não raras vezes, destina-se, na verdade, ao comércio que, infelizmente, é estabelecido nas penitenciárias, servindo, inclusive, como instrumento de coerção.

Inobstante, acerca da presunção de que a acusada MARCELA MIRANDA SILVA, não tinha conhecimento de que, no momento de sua prisão, estava “transportando” droga, em princípio é muito vaga, e, pode ser, apenas um álibi, visto que, ela estava se dirigindo à uma Penitenciária, e como tal, deveria se acautelar sobre o que estava conduzindo, ou seja, deveria, em tese, saber o que iria “levar”, para seu companheiro.

Portanto, essa conduta deve ser investigada com maior profundidade, até porque, presumidamente pode ser que seja uma prática reiterada.

Entendo que a conversão da prisão em flagrante em preventiva justifica-se para garantia da ordem pública, a fim de evitar a reiteração de prática de infrações pelos acusados, sem olvidar a quantidade de droga apreendida (200 gramas) e o local da apreensão (Penitenciária), revela, neste momento, circunstancia desfavorável aos acusados (...).

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A decisão acima transcrita, foi objeto de Habeas Corpus (HC 376962-6), pela 1ª Turma da 1ª Câmara Regional de Pernambuco, e o Relator Des. Carlos Morais, em decisão liminar,determinou a imediata soltura da paciente, senão vejamos:

(...) A decisão baseada apenas na "presunção" de uma possível reiteração de conduta ilícita da paciente, sem esclarecer concretamente a necessidade da prisão cautelar, como fundamentação para a garantia da ordem pública, não encontra amparo na jurisprudência do STJ, pois viola o princípio da presunção da inocência.

Observe-se:


RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 273, § 1º-B, I, DO CÓDIGO PENAL E TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é remansosa no sentido de que a determinação de segregar o réu, antes de transitada em julgado a condenação, deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP.
2. A prisão provisória se mostra legítima e compatível com a presunção de inocência somente se adotada, em caráter excepcional, mediante decisão suficientemente motivada. Não basta invocar, para tanto, aspectos genéricos, posto que relevantes, relativos à modalidade criminosa atribuída ao acusado ou às expectativas sociais em relação ao Poder Judiciário, decorrentes dos elevados índices de violência urbana.
3. O juiz de primeira instância apontou genericamente a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal, sem indicar motivação suficiente para justificar a necessidade de colocar o paciente cautelarmente privado de sua liberdade, uma vez que se limitou a ressaltar que "a manutenção da prisão é necessária para a conveniência da instrução penal, pois há prova da materialidade de crime e fortes indícios de autoria e a soltura do flagranteado com aplicação de medidas cautelares substitutivas da prisão poderá ensejar em dificuldade na colheita de provas que confirmem a autoria do suposto crime de que trata o presente comunicado de prisão em flagrante".
4. Recurso provido para que o recorrente possa aguardar em liberdade o trânsito em julgado da ação penal, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo da possibilidade de nova decretação da prisão preventiva, se concretamente demonstrada sua necessidade cautelar, ou de imposição de medida alternativa, nos termos do art. 319 do CPP.
(RHC 40.776/RR, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 11/11/2014, DJe 01/12/2014)

Resta, portanto, imprescindível um exame mais acurado dos requisitos para determinação da segregação cautelar, sobretudo à luz da Lei 12.403/11, para que se confira efetividade à legislação vigente, cuja exceção é a privação da liberdade. Uma aplicabilidade diversa das orientações das Instâncias Superiores trazem consigo consequências que atingem economicamente o Estado, com uma maior sobrecarga financeira em decorrência do recrudescimento da população carcerária, o assoberbamento dos Tribunais e Cortes Superiores, para que se manifestem acerca de questões com entendimento já consolidado, e, o pior, o cerceamento da liberdade do indivíduo que apesar de considerado inocente, nos termos da Constituição Federal, tem sua prisão decretada como veículo de antecipação de pena.


[1] Estudo inédito aponta crescimento de ações de Habeas Corpus no STF e STJ. Disponível em: <http://direitorio.fgv.br/noticia/estudo-inedito-aponta-crescimento-de-acoes-de-habeas-corpus-no-stf-e-stj>  Acesso em: 1 abr. 2015

[2] Ministro afirma que falta fundamentação em decisões da Justiça. Disponível em: <http://noblat.oglobo.globo.com/entrevistas/noticia/2014/12/ministro-afirma-que-falta-fundamentacao-em-decisoes-da-justica.html>  Acesso em: 1 abr. 2015

 

Sobre o autor
José Antonildo Alves de Oliveira

Graduado pela Faculdade Caruaruense de Ensino Superior - ASCES. Cofundador da ACTA Consultoria - Centro de Treinamento e Formação Jurídica. Advogado Criminalista. Sócio-Proprietário da Rodrigues, Oliveira e Silva Advogados Associados.

Informações sobre o texto

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