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A discussão jurídico-doutrinária e jurisprudencial acerca da responsabilização penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais

Agenda 08/04/2015 às 09:26

O presente artigo aborda as controvérsias existentes acerca da possibilidade ou não de responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica no direito pátrio, ante a previsão constitucional do art. 225, §3º.

RESUMO

 

O presente artigo aborda as controvérsias existentes acerca da possibilidade ou não de responsabilizar criminalmente a pessoa jurídica no direito pátrio, ante a previsão constitucional do art. 225, §3º, o qual adotou a responsabilidade penal de ente coletivo, no caso em que ocorrer dano ao meio ambiente. Como se não bastasse o entrave jurídico, existem ainda os debates e os contrassensos jurisprudenciais em todo o país sobre a matéria. É em torno dessa problemática que se funda o presente estudo, vislumbrando se é possível juridicamente penalizar criminalmente a pessoa jurídica, em razão de um ilícito penal, comumente, de caráter ambiental, bem como o de apresentar os diferentes entendimentos dos tribunais superiores e a posição adotada atualmente pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema. Cotejando a problematização do tema foi desenvolvida uma pesquisa baseada na análise do meio ambiente como bem jurídico constitucional, abordando conceito e considerações históricas relevantes, além da abordagem da Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) e princípios inerentes, até a apreciação sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica no direito penal brasileiro nos crimes ambientais abordando a discussão jurídico-doutrinária e jurisprudencial.

 

Palavras-Chave: Meio ambiente. Lei de Crimes Ambientais. Responsabilidade Penal. Pessoa Jurídica. Discussão jurídico-doutrinária. Discussão jurisprudencial.

 

INTRODUÇÃO

 

O meio ambiente como bem jurídico de uso comum do povo, mereceu a devida guarida constitucional, conforme os comandos existentes no art. 225, da Constituição Federal de 1988, o qual impôs ao Poder Público e à sociedade o dever de preservá-lo, defendê-lo para as presentes e futuras gerações. Além do que consta na Constituição Federal, promulgada em 1988, a Lei Federal nº 6.938/81 que disciplina a Política Nacional do Meio Ambiente já funcionava como meio de coibir qualquer ato atentatório contra este direito.

A citada lei foi criada com o objetivo de preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental, mormente com as redações dada pela Lei nº 7.804/89, o qual atribuiu pena mais dura nos casos de ilícitos que acarretem danos ambientais irreversíveis.

O Direito Penal tem por objetivo salvaguardar os bens jurídicos considerados mais relevantes, como a vida, o patrimônio etc. Não seria diferente na preservação de bens jurídicos difusos e coletivos, como é o meio ambiente. Direitos próprios que correspondem a interesse universal, merecendo a intervenção estatal, utilizando-se, para isso, do Direito Penal Ambiental (Lei de Crimes Ambientais), prevendo penalidades severas para sua efetiva proteção.

A responsabilidade penal da pessoa jurídica em razão de ilícito ambiental mantém ainda divergências jurídico-doutrinária e jurisprudencial. Não se pode olvidar que a coibição a prática criminal que atente contra o meio ambiente já possuí previsões legais de caráter constitucional, precisamente em seu art. 225, § 3º, e infraconstitucional, através da Lei nº 9.605/98, normas que já possuem anos de vigência, mas que ainda se encontram em constante discussão quanto a sua aplicabilidade em desfavor de pessoa jurídica (entre privado ou público), em razão da dogmática aplicada pelo sistema penal brasileiro.

Apesar das previsões legais em epígrafe, ainda é fortemente debatido, pela doutrina e jurisprudência, se há possibilidade ou não da pessoa jurídica ser penalmente responsabilizada, e é sobre essas discussões jurídicas que o presente estudo fará suas indagações e buscará as possíveis respostas, valendo-se da análise de pesquisas bibliográficas e infográficas.

Este trabalho consiste numa formatação de 04 (quatro) capítulos. O primeiro busca abordar a importância do meio ambiente como bem jurídico constitucional, expondo seu conceito, considerações históricas relevantes e sua devida previsão na Constituição Federal de 1988.

O segundo capítulo aborda a teoria dos crimes contra o meio ambiente, apresentando breves comentários acerca das sanções penais e administrativas contida na Lei nº 9.605/98 e os princípios da culpabilidade e da proteção do bem jurídico.

O terceiro e o quarto capítulo se atém a definição da pessoa jurídica, a responsabilização penal da pessoa jurídica no Código Penal Brasileiro e na Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), além de abordar os controversos pensamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema.

 

1. O MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO CONSTITUCIONAL

 

O meio ambiente é um bem jurídico que emerge a verdadeira definição de “intocável”, ou assim deveria ser, pois sua degradação descontrolada afeta negativamente a todos. Não se pode falar sobre responsabilidade penal de pessoa jurídica em razão do cometimento de crime ambiental sem antes responder o motivo de sua importância, inclusive apresentando sua previsão constitucional e aspectos históricos relevantes.

Assim o presente capítulo apresentará a importância do meio ambiente, visando demonstrar que é através da tutela penal que a proteção do bem ambiental se torna eficaz e necessária.

 

1.1 CONCEITO DE MEIO AMBIENTE

 

O meio ambiente se traduz como direito de terceira geração, direito à fraternidade, direitos de todos os cidadãos (difuso), por isso considerado bem jurídico universal.

É o que se vislumbra nos dizeres de Machado (2007, p. 118):

 

O meio ambiente é um bem coletivo de desfrute individual e geral ao mesmo tempo. O direito ao meio ambiente é de cada pessoa, mas não só dela, sendo ao mesmo tempo “transindividual”. Por isso, o direito ao meio ambiente entra na categoria de interesse difuso, não se esgotando numa só pessoa, mas se espraiando para uma coletividade indeterminada. (grifo nosso)

 

Seu conceito jurídico se apresenta também no art. 3º, inciso I, da Lei nº 6.938/81, o qual instrui o meio ambiente como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”

No aspecto doutrinário temos que:

 

[...] não se pode definir o meio ambiente sem considerar a interação existente entre homem e natureza. Não mais prevalece o antropocentrismo clássico, a partir do qual o meio ambiente era tido como objeto de satisfação das necessidades do homem. O meio ambiente deve ser pensado como valor autônomo, como um dos polos das relação de interdependência homem-natureza, já que o homem faz parte da natureza e sem ela não teria condições materiais de sobrevivência. (PILATI, 2011, p. 31)

 

O valor constitucional do meio ambiente é incomparável, já que a preservação da natureza é elemento essencial para continuidade da vida humana (direito à vida), afinal sua destruição redunda em uma série de efeitos negativos ao homem, tão noticiada pelos diferentes canais de comunicação, como por exemplo, o aquecimento global, oriundo da destruição da camada de ozônio, pela emissão de gases poluidores gerando como consequência altas temperaturas, aumentando o índice de câncer de pele no Homem e aumento do nível do mar em razão do derretimento das camadas polares.

Neste sentido Silva, José (2002, p. 821) informa que o meio ambiente:

 

[...] é um valor preponderante, que há de estar acima de quaisquer considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente, que é instrumental no sentido de que, através dessa tutela, o que se protege é um valor maior: a qualidade da vida humana. (grifo nosso)

 

Analisar os breves fatos históricos e relevantes que incidiram na importância do meio ambiente demonstrará o motivo pelo qual o mesmo se encontra hoje previamente protegido na Constituição Federal de 1988.

 

1.2 Considerações históricas e fatos relevantes

 

Ao longo das Constituições Federais existentes no Brasil, houve um avanço gradativo acerca da tutela estatal ambiental, contemplando efetivamente o meio ambiente como bem jurídico constitucional apenas na carta magna de 1988.  Antes disso, representando um grande marco na evolução e preocupação acerca do meio ambiente, a I Conferência Mundial de Meio Ambiente realizada em junho de 1972, em Estocolmo “abriu os olhos” dos países ocidentais e orientais sobre os problemas que poderiam ocorrer se os Estados não começassem a se preocupar em montar políticas voltada a preservação do meio ambiente.

 

Pode-se afirmar que a Conferência de Estocolmo representou um marco que mudou de patamar a preocupação com as questões ambientais e passou a fazer parte das políticas de desenvolvimento adotadas nos países avançados e, também, naqueles em processo de desenvolvimento. Dos diversos instrumentos e métodos de avaliação desenvolvidos e ali apresentados com o objetivo de incorporar as questões ambientais ao processo de decisão, Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) tem sido o instrumento mais discutido. [...] No Brasil, as primeiras tentativas de aplicação de metodologias para avaliação de impactos ambientais foram decorrentes de exigências de órgãos financeiros internacionais para aprovação de empréstimos a projetos governamentais. [...] Essa preocupação levou o governo brasileiro à sancionar, em 1981, a Lei nº 6.938 que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente e cria o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, contemplando fundamentos para a proteção ambiental no país, os quais vêm sendo regulamentados por meio de decretos, resoluções dos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais, normas e portaria. (BRASIL, Ministério do Meio Ambiente, 2009, p. 11-12)

 

Dada à importância do que fora publicado e citado acima pelo Ministério do Meio Ambiente, através do Programa Nacional de Capacitação de Gestores Ambientais, ficou perceptível a importância da Conferência de Estocolmo, pois despertou a conscientização dos países na criação de mecanismos capazes de coibir e de preservar a natureza.

No Brasil, após a promulgação, houve ainda a criação da Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), cujo interesse foi a coibir toda e qualquer prática que prejudicasse o meio ambiente.

A tipificação de certas condutas como crime tem como ênfase a atuação preventiva do Estado que em obediência aos mandamentos constitucionais cuidou de criar medidas repressivas e ordenatórias ao se exigir de pessoas jurídica “a recuperação do meio ambiente degradado por atividades regulares” e “ao sujeitar as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente a sanções penais e administrativas, sem prejuízo da obrigação de reparar os danos causados”. (SILVA, José, 2002, p. 820)

 Esse avanço se deu em razão da preocupação do Estado–União com a preservação da natureza em seu sentido amplo (fauna e flora), no intuito de viabilizar um meio ambiente equilibrado, o que não significa dizer que não seja possível o uso dos recursos naturais, mas sim dizer que o uso consciente, voltado à preservação ambiental, gera um crescimento racional da economia e incentiva o desenvolvimento nacional baseado na sustentabilidade.

 

1.3  Aspectos protetivos ao meio ambiente na Constituição Federal de 1988

 

Após a I Conferência (1972), em Estocolmo, que tratou acerca do Meio Ambiente, o Brasil avançou com a criação da Lei nº 6.938/81 que estabeleceu a Política Nacional do Meio Ambiente. Logo após, com o advento da Constituição Federal de 1988, ficou ainda mais claro o interesse do país na preservação do Meio Ambiente.

Os avanços tecnológicos e a extração exacerbada de recursos naturais foram, sem dúvidas, os responsáveis pela necessidade de se criar medidas capazes de coibir qualquer conduta prejudicial à natureza. Como falado, a tutela jurídica começou com o surgimento da legislação infraconstitucional ambiental, cujo interesse inicial era formatar políticas públicas voltadas à preservação do meio ambiente.

O meio ambiente passou a ser considerado um bem jurídico constitucionalmente tutelado a partir da Constituição Federal de 1988, precisamente em seu art. 225, § 3º, que consagrou a responsabilidade penal de pessoa jurídica, nos crimes cometidos contra o meio ambiente. Vejamos:

 

Art. 225.  Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder  Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[...]

§3°. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. (grifo nosso)

                                                                      

Com essa evolução legislativa, ficou evidenciada a preocupação do legislador, já que as sanções administrativas não estavam mais comportando e coibindo a ação das empresas na degradação ambiental, assim o § 3º prevê a tripla responsabilização dos causadores de danos ambientais.

Ademais, outros dispositivos constitucionais trataram do meio ambiente, como é o caso dos arts. 170, inciso VI, 174, §3º, 186, inciso II, 220, inciso VIII e 216 da Constituição Federal de 1988.

Sobre a evolução da tutela constitucional do meio ambiente, bem exorta Cruz (2008, p. 28-29) que:

 

[...] ao longo de nossa história passamos da desconsideração do meio ambiente como um valor em si, para a sua elevação à categoria de bem jurídico dotado de autonomia própria, passando pela tutela isolada de seus componentes. Como se vê, o meio ambiente, erigia à categoria de bem juridicamente considerado em si mesmo pela Constituição Federal de 1988, não pode ser tratado simplesmente como um somatório de seus fatores, considerando-se cada um de modo isolado.

 

Desta forma, como bem se pode observar, o meio ambiente ao longo da história foi gradativamente se tornando um bem jurídico importante, merecedor de tutela penal específica, sendo necessária a criação da Lei nº 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), a qual será tratada com maior rigor no próximo capítulo, sobretudo sob o aspecto de garantidor da manutenção da vida humana, já que sem um meio ambiente equilibrado não há como conseguir viver com hígida qualidade de vida.

 

2 TEORIA DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE

 

Alguns professores, mestres e doutores na seara penal entendem ser descabida a aplicabilidade de pena em desfavor de pessoa jurídica, ou seja, impossível seria responsabilizar penalmente pessoa jurídica.

As teorias são várias, vão desde a alegação da inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.605/98 até a afirmação de haver bis in idem.

Para que ocorra um crime, qualquer que seja, inclusive um crime ambiental, tem que haver uma conduta típica (ação ou omissão), o que significa dizer que é necessário que haja uma transgressão a um tipo penal incriminador (tipicidade) e advenha dessa conduta um resultado.

Assim, Greco (2012), expõe que para que se ocorra um crime é necessário que sobrevenha uma conduta dolosa ou culposa, comissiva ou omissiva, resultado, nexo de causalidade entre a conduta e o resultado e a tipicidade.

É difícil de acreditar que as pessoas jurídicas, apesar de não possuírem vontade própria, não possam ser penalizadas criminalmente em razão de condutas realizadas por pessoas físicas, dotadas de vontade, ou seja, responsáveis diretamente por qualquer dano que venha a ocorrer na natureza. O direito penal deve acompanhar as transformações trazidas pela Constituição Federal de 1988 e pela Lei dos Crimes Ambientais, de modo a adequar-se a realidade atual.

Apesar de entender não ser possível pessoa jurídica praticar infração penal, mas tão somente pessoa natural, Greco (2012, p.147) exorta que:

 

Conduta é sinônimo de ação e de comportamento. Conduta quer dizer, ainda, ação ou comportamento humano. Não se fala em conduta de pessoa jurídica no sentido de imputar a esta a prática de alguma infração penal. Embora seja o delito o resultado de uma ação humana, nosso legislador constituinte previu expressamente em nossa Constituição Federal a possibilidade de punir penalmente a pessoa jurídica por ter ela própria praticado uma atividade lesiva ao meio ambiente [...]

 

Expõe o referido autor que seria um retrocesso jurídico entender ser cabível a responsabilização penal de pessoa jurídica, alegando que o Direito Penal é a ultima ratio (o direito penal só pode atuar quando os demais ramos do direito não conseguem proteger determinado bem jurídico), além de expor que o Código Penal brasileiro não recepciona essa possibilidade por ferir toda a ciência penal aplicada no Brasil.

Data vênia seu pensamento, acredita-se que retrocesso jurídico seria não respeitar a ordem constitucional, em razão de existir um direito penal decadente, que não avança, hoje falido, merecendo urgente reforma para que assim seja possível acompanhar os avanços sociais e a preservação efetiva de importantes bens jurídicos, como no caso o meio ambiente.

Por todo o exposto, ainda que o Direito Penal brasileiro adote a teoria finalista/analítica de crime (fato típico/conduta, antijurídico e culpável), não significa dizer que não é possível aplicação de pena em desfavor de pessoa jurídica, até porque não se causa uma lesão ao meio ambiente por ente coletivo, sem que haja por trás dessa ação uma vontade humana.

No mais, nos tópicos subsequentes para melhor compreensão, passamos a analisar com maior especificidade as sanções penais existentes na Lei de Crimes Ambientais e a importância do princípio da culpabilidade e do princípio do bem jurídico (meio ambiente).

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2.1 Breves comentários acerca dos crimes e espécies de sanções penais da Lei nº 9.605/98

 

O legislador ordinário ao formatar a Lei nº 9.605/98, famigerada Lei dos Crimes Ambientais, conseguiu bem abalizar a tipicidade da conduta incriminadora, impondo como sujeito ativo dos crimes contra o meio ambiente, pessoa física ou pessoa jurídica e como sujeito passivo a coletividade.

Ressalta-se que, para que seja atribuída a responsabilidade penal da pessoa jurídica é necessária que a conduta criminosa preencha duas condições: i) que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual e; ii) que a infração seja cometida por decisão de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. (art. 3º, caput, da Lei nº 9.605/98)

Sendo sujeito ativo e respondendo a pessoa jurídica criminalmente por ato lesivo ao meio ambiente, a lei em epígrafe aborda os delitos em diversos artigos e dividem-se entre crimes contra a fauna (artigo 29 ao artigo 37) e a flora (art. 38 ao artigo 53), além de outros crimes ambientais (artigo 54 ao artigo 61).

Temos que os crimes ambientais são atribuídos por diversos verbos como matar, caçar, ferir, destruir, danificar, fabricar, vender etc., todos visando um único objetivo: combater qualquer espécie de lesão ao bem jurídico tutelado – o direito coletivo a um meio ambiente equilibrado.

Colacionando e respeitando as espécies de penas do art. 32 do Código Penal brasileiro, a Lei nº 9.605/98 apresenta em seu art. 21 as espécies de sanções penais aplicáveis, cumulativamente ou alternativamente, às pessoas jurídicas, quais sejam: a) multa; b) restritivas de direitos e c) prestação de serviços à comunidade.

Já no art. 22 da lei acima citada, há o rol taxativo das penas restritivas de direitos cabíveis a pessoa jurídica, que seria: a) a interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; b) a suspensão parcial ou total de atividade e; c) a proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações. Salienta-se ainda que o § 3º do art. 22 exorta que esse prazo não pode exceder 10 (dez) anos, uma vez que a Constituição Federal 1988 veda a perpetuação de pena.

O art. 23, no que concerne a pena de prestação de serviços à comunidade, expõe que a empresa jurídica poderá ser condenada a custear programas e projetos ambientais, executar obras a fim de recuperar as áreas degradadas, realizar manutenção de espaços públicos e realizar contribuições a entidades que cuidam do meio ambiente.

Em que pese a prestação de serviços à comunidade ter caráter educativo, tem-se nela caráter de pena alternativa, ou seja, consiste em sanção de natureza penal, porém diversa da pena de prisão.

 

A pena de multa está prevista no art. 21, inc. I, da Lei dos Crimes Ambientais, e, ainda, perfeitamente autorizada pelo art. 5º, inc. X  LVI, letra c, da Constituição Federal. Para a aplicação da penalidade multa, utiliza-se a regra determinada pelo art. 18, da citada Lei nº 9.605/98, que é aplicável para pessoas físicas e jurídicas indistintamente. Ou seja, a mesma pena pecuniária é aplicada para todos, fato que tem ensejado muita discussão, uma vez que a vantagem obtida através do crime ambiental pelas pessoas jurídicas é sempre muito maior do que o obtido por uma pessoa física, e, dessa forma, a multa aplicada às primeiras deveria ser sempre em maior valor. (COPOLA, 2005)

 

Reitera-se com o que fora demonstrado que a contenda jurídica a respeito da aplicabilidade da tutela penal em desfavor da pessoa jurídica não ocorre no plano técnico-jurídico, haja vista que a Lei dos Crimes Ambientais em diversos pontos bem acertou nas argumentações existentes na própria lei não havendo confusão ou difícil interpretação. Na verdade o que ocorre é uma discussão incessante da doutrina que busca de diversas formas evitar que seja possível responsabilizar criminalmente o ente coletivo, utilizando-se para isso, como fundamento principal, a teoria analítica/finalista do crime adotada pelo Código Penal brasileiro, esquecendo que é de suma importância a criação de mecanismos efetivos, como é o Direito Penal na preservação do meio ambiente.

 

2.2 Princípio da culpabilidade:  Reprovabilidade social

 

A culpabilidade é um dos elementos da teoria geral do crime e por isso se faz necessária a sua presença na conduta ao se responsabilizar penalmente um ente coletivo – esse é o entendimento majoritário na doutrina. Em razão disso, há uma crítica que polemiza a possibilidade de se responsabilizar o ente coletivo criminalmente, haja vista que reside ausência de culpa em sentido estrito, uma vez que não há vontade (relação psíquica) entre o autor (ente jurídico) e resultado.

De fato, o direito penal brasileiro se apresenta contrário ao entendimento de que possível seria a responsabilização penal de pessoa jurídica, entretanto, isso não significa dizer que a pessoa jurídica não será punida.

A Constituição Federal de 1988, como norma jurídica basilar, apresenta-se acima de qualquer teoria, mormente aquelas que se apegam a respaldo em norma infraconstitucional, isso demonstra, pois, que a norma constitucional está acima de qualquer questionamento.

Atualmente, o que se torna necessário é que o Código Penal Brasileiro, tão antigo e decadente, não mais acompanha o ritmo e as exigências sociais atuais, devendo merecer reforma e adaptação, mormente do seu conceito de culpabilidade à realidade dos entes coletivos:

Neste sentido:

 

A base do pensamento segundo o qual a culpabilidade pode ser conceito presente na atitude da pessoa jurídica surge da certeza de que culpa não é algo que possa fluir de uma realidade natural e que possa ser provada com base em uma atitude científica. Culpa é, na verdade, um conceito de natureza filosófica que pode ser flexibilizado ou revisto a partir de uma tomada de postura diferenciada frente ao fenômeno que se quer estudar. Quando um comportamento está agredindo bens jurídicos tidos por relevantes, há um rompimento de regras de natureza social; é o próprio direito que conceitua o que vem a ser culpa, tratando-se, pois, de um conceito normativo e não de um conceito natural. (FILHO, 2004, p. 157)

 

De forma ainda mais incisiva aborda Shecaria (2011, p. 80) que:

 

[...] quase de forma pacífica, modernamente, temos a culpabilidade do fato como regra – que também não desconsidera o agente – e tal conquista, de certa forma, articulasse como a ideia de que o direito moderno, muito mais do que um direito da culpa (nullum crimen sine culpa), é um direito do fato (nullum crimen sine praevia lege). Temos, portanto, que a culpa individual, que se atribui ao autor, só lhe é imputada por um fato específico. A responsabilização de seus atos deve ser lhe imputada, posto que, em última instância, a liberdade – não podemos deixar de reconhecer – é o fundamento da culpa jurídico-penal.

 

O interesse na punição de pessoa jurídica responsável por crime ambiental é o caráter de reprovação social, ou seja, não visa através da responsabilização penal de pessoa jurídica nos crimes ambientais a condenação do ente por simples mazelas ambientais, mas sim àquelas que podem repercutir diretamente e negativamente no presente e no futuro das gerações.

Nos casos simplórios, onde se têm a aplicação do princípio da insignificância, a punição deve ser afastada. Sobre isso, o professor Ivan Luiz da Silva (2008, p. 77) bem aborda que “o bem jurídico ambiental atacado deverá ser excluída do âmbito da lei criminal em razão de sua irrelevância jurídica para o Direito Penal [...].”

Assim, no mundo jurídico atual, não se pode deixar de atribuir culpa a pessoa jurídica em razão da ausência de vontade psicológica, uma vez que necessária se faz atribuir ao ente jurídico a descrição do fato, uma vez enquadrado, ponderasse tão somente o caráter de imputabilidade penal e a reprovabilidade social da conduta.

 

2.3 Princípio da proteção do bem jurídico

 

O bem jurídico relevante – como é o meio ambiente – não pode ser protegido tão somente com medidas administrativas. Atribuir sanção penal a pessoa jurídica e a pessoa física se faz fundamental em diversos casos e se traduz na necessidade do direito penal evoluir.

 

No âmbito penal, o bem jurídico só deverá ser defendido frente a certo grau de agressão. Os ataques intoleráveis a bens jurídicos absolutamente imprescindíveis é que explicam a ação mais grave e aguda do Estado para assegurar proteção ao bem jurídico posto em perigo. Somente aqueles bens jurídicos efetivamente relevantes é que devem ser protegidos na esfera do direito penal. (SHECARIA, 2011, p. 174)

 

A responsabilização criminal atinge a pessoa física e a pessoa jurídica, a depender do caso, sendo necessária a sanção de modo a “frear” futuras infrações cometidas pelo ente jurídico contra o meio ambiente.

 

[...] a finalidade da tutela do meio ambiente é eminentemente a prevenção de danos e, sendo assim, também a proteção penal da qualidade ambiente deve se informar por essa idéia, traduzindo-se a criminalização de condutas danosas a este bem jurídico em um valioso instrumento destinado a evitar práticas que vem a atingi-lo. [...] Esta responsabilidade ambiental tem pro objeto a tutela preventiva, reparatória e repressiva (nessa ordem necessariamente) do bem ambiental e se caracteriza pro enfocar o problema da tutela ao meio ambiente de forma global, com incidência de princípios referentes a responsabilidade civil, penal e administrativa [...] (CRUZ, 2008, p. 168-169)

 

Com isso, não há o que se falar ou invocar o princípio da intervenção mínima, da fragmentariedade e da subsidiariedade como forma de afastar a necessidade de se punir à pessoa jurídica que comete infração penal contra o meio ambiente, uma vez que se tratar, in casu, de bem jurídico relevante e, ainda, por ser um direito universal, implica na provocação de todos (sociedade), haja vista a natureza (meio ambiente) ser bem de uso comum do povo.

 

3   RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NO DIREITO PENAL      BRASILEIRO

 

Na doutrina brasileira ainda existe uma tormentosa discussão acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica, uma vez que renomados juristas se atém tão somente a visão pragmática da teoria do crime, discordam da possibilidade jurídica de responsabilização penal da pessoa jurídica e afastam o que disciplina e ordena a Constituição Federal de 1988 ou as analisam de forma central, sem abrir mão de uma apreciação geral.

Antes de ser abordado o núcleo e a ideia da responsabilidade penal da pessoa jurídica no direito penal brasileiro, é imperioso abordar, ab initio, o conceito e natureza da pessoa jurídica

 

3.1 Conceito e natureza jurídica da Pessoa Jurídica

 

Falar em responsabilidade penal da pessoa jurídica sem se ater aos conceitos de pessoa jurídica tornaria inviável a mobilização do debate em questão.

Com isso, de forma simples, podemos conceituar pessoa jurídica como sendo a reunião de uma ou mais pessoas naturais, também denominadas de pessoas físicas, as quais formam uma personalidade jurídica própria, por força de lei.

Conforme aborda Mamede (2006, p. 30):

 

No contexto das pessoas jurídicas de Direito Privado, importa-nos as sociedades, que são coletividades de pessoas, regidas por um ato constitutivo (contrato social ou estatuto social), tendo por objetivo a realização de uma atividade econômica cujo saldo positivo distribui-se entre os seus membros (sócios), conforme o permitido pela lei para cada tipo societário, bem como o que se encontre estipulado no ato de constituição.

 

Assim como a pessoa física (natural), a pessoa jurídica é detentora de deveres, direitos e obrigações, pelo qual na ausência do cumprimento de normal legal ensejará a esta responsabilidades civil, administrativa e penal.

De maneira completa, aduz Martins (2005, p. 184):

 

É a pessoa jurídica o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas, as quais deram lugar ao seu nascimento; ao contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio. Em razão disso, as pessoas jurídicas têm nome particular, como aquelas físicas, domicílio, nacionalidade; podendo estar em juízo, como autoras, ou na qualidade de rés[...] (grifo nosso)

 

Depreende-se do texto acima citado que a pessoa jurídica possui capacidade ou legitimidade de ser parte contrária (ré) em um conflito jurídico, respondendo a mesma por suas ações. A pessoa jurídica, assim como a pessoa física, possui um ciclo de vida, desde a sua criação até sua extinção. Neste sentindo, “as sociedades empresárias personificadas se constituem, conforme a sua categoria, por um contrato ou por um ato institutivo equivalente ao contrato.” (MARTINS, 2005, p.174)

A natureza jurídica da pessoa jurídica ainda é alvo de discussões doutrinárias, e, em razão disso, existem teorias que pretendem explicar o fenômeno da personificação (ente coletivo).

De forma objetiva e incisiva, tem-se 03 (três) teorias que apresentam maior relevância no cenário jurídico atual, quais sejam: i) Teoria da Ficção, defendida por Ihering, Savigny e outros, tem como princípio a impossibilidade da entidade coletiva (pessoa jurídica) ser sujeito de direitos. Portanto, “a existência da pessoa jurídica depende da vontade do legislador, sendo ela mera criação da lei.” (MARTINS, 2005, p. 185); ii) Teoria da realidade objetiva, defendida por Zittelman, Andreas Von Tuhr e outros, de forma contrária a teoria da ficção, expõe que as pessoas jurídicas são manifestações reais do interesse da pessoa física, ou seja, essa teoria faz analogia da pessoa jurídica à pessoa física. Assim, uma pessoa jurídica é uma pessoa real, possuidora de direitos, obrigações, que age e possui nome próprio. “A pessoa jurídica tem em si, como tal, a sua própria personalidade, exprime a sua própria vontade, é titular de seus próprios direitos (e obrigações): é uma realidade no mundo jurídico.” (IENNACO, 2010 p. 62) e; iii) Teoria da realidade técnica ou jurídica, para muitos é a teoria mais equilibrada, já que trata a pessoa jurídica como pessoa real, porém dentro de uma realidade, não a comparando à pessoa natural, mas sim a justificando com base no Direito, reconhecendo a pessoa jurídica como detentora de decisões consubstanciadas ou efetivadas pela decisão de uma coletividade. Dando ênfase a este conceito temos que:

 

[...] ao direito penal pode-se dizer que, ao adotar-se tal pensamento, há de se constatar que a pessoa coletiva é perfeitamente capaz de vontade. Ela não é um mito, pois concretiza-se em cada etapa importante de sua vida pela reunião, deliberação e voto da assembleia geral de seus membros, ou mesmo através de sua administração ou gerência. (SHECARIA, 2011, p. 91)

 

E ainda:

 

A realidade que se deve conhecer à pessoa jurídica é uma realidade na ordem jurídica e para a ordem jurídica, nunca uma realidade naturalística. A pessoa jurídica é criação do Direito que, por sua vez, o pode e deve regular os efeitos jurídicos de suas intervenções no ambiente social. Sem dúvida por afastar-se do plano das meras especulações/abstrações, essa perspectiva é a mais adequada para definir a natureza da pessoa jurídica e possibilitar a construção dogmática de sua responsabilidade. (ROCHA, 2003, p. 37)

 

A teoria acima é a que nos remete à ideia lógica de que o ordenamento jurídico pátrio a adotou, sobretudo pelos fundamentos apresentados por Shecaria e, conforme determina a lei, nascida no momento em que é realizada a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro em órgão competente. (art. 45, caput, do Código Civil de 2002)

É evidente que deve ser afastada no mundo de hoje a ideia de que a pessoa jurídica não pode ser responsabilizada penalmente, sobretudo no cometimento de ilícitos contra o meio ambiente, bem jurídico de extrema importância, pois engloba um direito coletivo (universal) e negar-lhe essa proteção seria o mesmo que negar o direito à vida.

 

3.2 Responsabilidade penal da pessoa jurídica no Código Penal brasileiro

 

Atualmente, muitos obstáculos inseridos no Código Penal brasileiro têm sido enfrentados, inclusive, sob o prisma constitucional, pois não é admitida pela teoria do crime, e pelo princípio da individualização da pena, a possibilidade de se punir pessoa jurídica.

 

Por isso, no Direito Penal brasileiro, em interpretação consentânea com os valores constitucionais instituídos, deve-se ter a noção de sujeito ativo como o ser humano, imputável ou não, que realiza objetiva e subjetivamente o fato previsto em lei como crime e é, também, o sujeito passivo da cominação legal. A definição esta elementar dos tipos penais, nas legislações penais dos Estados assim constituídos pode ser diversa. (SALES, 2010, p. 211)

 

A responsabilização penal de pessoa jurídica no Código Penal brasileiro encontra óbice no art. 12 e, ainda, após a reforma do Código, através da Lei 7.209/84, pode-se enfatizar que não se aderiu essa responsabilidade criminal da pessoa jurídica – brocardo jurídico  ,  societas delinquere non potest. (IENNACO, 2010)

Outro obstáculo enfrentado na responsabilização penal de pessoa jurídica, apresentado pelo Código Penal brasileiro, é o princípio nullum crimen sine culpa (artigos 18 e 19), o que descarta a responsabilidade objetiva e aponta a responsabilidade aos responsáveis pela empresa (presidentes, sócios majoritários, gerentes, prepostos etc.).

Acrescentando ainda mais contrariedade, ou seja, contramão a responsabilização criminal de pessoa jurídica, Prado (2010, p. 127) aduz que:

 

Em termos científicos, tem-se como amplamente dominante, desde há muito, no Direito Penal brasileiro, como nos demais Direitos de filiação romano-germânica, a irresponsabilidade penal da pessoa jurídica, expressa no conhecido apotegma societas delinquere no potest, verdadeira reafirmação dos postulados da culpabilidade e da personalidade das penas. Isso quer dizer que os crimes praticados no âmbito da pessoa jurídica só podem ser imputados criminalmente às pessoas naturais na qualidade de autores ou partícipes.

 

Como se vislumbra, o Código Penal brasileiro não recepcionou bem a possibilidade jurídica da responsabilização criminal de pessoa jurídica, entretanto, a Constituição Federal de 1988 (CF/88) asseverou a possibilidade e, como norma jurídica verticalmente superior, há de se considerar a aplicação do que disciplina o art. 225, §3º, desta norma.

De qualquer forma, Shecaria (2011) rebate os princípios abordados no Código Penal (princípio da culpabilidade e da pessoalidade), as quais contrariam a possibilidade jurídica de responsabilizar penalmente ente jurídico, abordando, enfaticamente, que questionar essa possibilidade jurídica seria o mesmo que indagar a regra da responsabilidade civil subjetiva, uma vez que é a teoria adotada pelo Código Civil, que, em raras exceções, possibilita a responsabilidade objetiva.

Com isso, informa:

 

[...] em princípio não se admitem antinomias ou incompatibilidades nos repositórios jurídicos. O ponto de partida do método sistemático de interpretação das leis consiste em comparar os dispositivos sujeitos a exegese com outros do mesmo corpo legal, ou de leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto, para apuração e cotejo. Não raro, por umas normas se conhece o espírito das outras. Não se encontram princípios isolados, mas acham-se em conexão com outros. Em uma vasta unidade que é o direito, não se pode negar que há princípios que se condicionam e se restringem reciprocamente, muitas vezes constituindo-se em elementos autônomos uns dos outros. Muitas vezes encontram-se recomendações positivas de que dimanam outras que as excepcionam. (SHECARIA, 2011, p. 130, grifo nosso)

 

Há um confronto constante de princípios no Direito; há vários exemplos de dicotomias, variando-se entre regras e exceções nas normas infraconstitucionais e na própria Constituição, como bem demonstrado acerca da regra e da exceção da responsabilidade civil apresentada pelo Código Civil brasileiro.

Insta salientar que a Constituição Federal de 1988 no o art. 225, §1º, arrolou várias medidas incumbindo ao Poder Público o dever de dar efetividade na proteção do meio ambiente, comprovando a importância e a relevância desse bem jurídico.

O eminente e respeitável constitucionalista (SILVA, 2002, p. 819-820) bem afirmou e asseverou a importância do meio ambiente e a necessária intervenção do Poder Público, e, sob esse aspecto, o Direito Penal e as demais normas infraconstitucionais devem unir-se com finco a preservação da natureza:

 

A Constituição define o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e lhe dá a natureza de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A Constituição [...] impõe condutas preservacionistas a quantos possam direta ou indiretamente gerar danos ao meio ambiente. Assim, aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei, e as usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. Dá ela ênfase à atuação preventiva, mas não descuida das medidas repressivas [...] (grifo nosso)

 

O que se vê na verdade é a necessidade do sistema penal brasileiro se atualizar para que o Direito Penal, tão antigo e decadente, possa garantir a efetiva possibilidade sistemática-jurídica na preservação do meio ambiente sob a perspectiva de atribuir pena a pessoa jurídica; é sabido que o direito ambiental (Lei nº 9.605/98) e a Constituição Federal de 1988 (art. 225, §§ seguintes) já encontram previsão legal.

Neste sentido, aduz Alpes (2010, p. 28):

 

Do desenrolar histórico de formatação e de desenvolvimento da teoria do bem jurídico como referencial de incriminação de uma conduta, observa-se que os posicionamentos acerca do seu conceito e da sua dinâmica de proteção através da pena foram estabelecidos segundo as necessidades suscitadas pela sociedade. Ou seja, na sua historicidade, percebe-se uma interação com o mundo cultural e uma consequente visão segundo os valores e necessidades de cada época, assim como suas finalidades perseguidas.

 

Desta forma, é atribuição do legislador federal a responsabilidade em acompanhar as mudanças de cada sociedade e, com isso, adequar as normas às exigências sociais, desde que o bem jurídico tutelado tenha relevância jurídica social, como é o caso do direito ao meio ambiente equilibrado, exigência está constitucional, o qual se exige do Poder Público a devida obrigação de preservá-lo.

 

4. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS

 

Responsabilizar penalmente pessoa jurídica que praticou crime contra o meio ambiente significa dizer que, no ordenamento jurídico pátrio brasileiro, não há mais espaço para que empresas e gestores destas saiam impunes das mazelas realizadas em desfavor da natureza e da sadia qualidade de vida a qual necessitamos.

Objetivando expor argumentos que possam demonstrar que seria um grande avanço jurídico pensar como possível a aplicação de sanção criminal à pessoa jurídica, abordar-se-á, no presente capítulo, a responsabilidade penal da pessoa jurídica com base na Lei nº 9.605/98, apresentando para tanto a discussão jurídico-doutrinária e a discussão jurisprudencial, assunto tão questionado e temido por vários juristas que militam e estudam a seara criminal.

 

4.1 Responsabilidade penal da pessoa jurídica na Lei nº 9.605/98

 

A Lei Federal nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais) tornou ainda mais dinâmica a preceituação inserida no § 3º, do art. 225 da Lei Maior, uma vez que definiu como crime fatos e condutas capazes de responsabilizar pessoa jurídica em razão de infração de ilícito penal, rechaçando com maior rigor a alegação de alguns doutrinadores que entendem ser impossível punir criminalmente ente coletivo.

A Lei de Crimes Ambientais ratificou a preocupação do poder constituinte originário à preservação ambiental, assim com o objetivo de complementar as medidas protetivas insculpidas na Constituição Federal de 1988 e também na Lei Federal nº 6.938/81 que disciplina a Política Nacional do Meio Ambiente, inseriu-se no sistema jurídico brasileiro a tutela penal do meio ambiente, inibindo e repelindo condutas lesivas ao meio ambiente.

Ademais, a Carta Magna, atribuindo a responsabilidade penal, civil e administrativa por danos causados ao meio ambiente, adotou o sistema da dupla imputação, vez que a punição pode vir a alcançar pessoas físicas e jurídicas. É o que depreende no § 5º, do art. 173 e no § 3º, art. 225, da CF/88.

 

Art. 173. [...]

(omissis)

 

§ 5º. A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

 

Art. 225. [...]

(omissis)

 

§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas física ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

 

Não há duvidas que a penalização da pessoa jurídica trazida pela Constituição Federal de 1988 e, 10 (dez) anos após, pela norma infraconstitucional, através da Lei de Crimes Ambientais, significou que o Direito Penal brasileiro é mutável e deve se adequar aos valores sociais exigidos, sobretudo acompanhando a evolução histórica.

À luz da doutrina, temos que o professor e Doutor Ivan Luiz da Silva (2008, p. 105),  bem exorta os argumentos que legitimam a tutela penal ambiental: “a) o meio ambiente como bem jurídico penalmente relevante; b) a natureza subsidiária do Direito Penal; e c) a função instrumental da sanção penal.”

Ademais, em razão da inoperância ou deficiência da proteção cível-ambiental, justifica-se a tutela penal ambiental porque ela “tem se mostrado mais eficaz na prevenção e proteção do meio ambiente, uma vez que intimida mais a pessoa física e, no caso das pessoas jurídicas, pode causar rejeição aos seus produtos.” (SILVA, Ivan, 2008, p. 105)

Assim, o art. 3º da Lei 9.605/98, efetivando anseio constitucional, dispõe acerca das sanções penais derivadas de atividades lesivas ao meio ambiente.

 

Art. 3º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

 

Vislumbra-se no dispositivo supramencionado que houve previsão expressa da responsabilidade penal da pessoa jurídica, não excluindo, também, da pessoa física a obrigação de responder criminalmente nos casos de lesão ao meio ambiente, é o que disciplina o art. 2º e 4º da lei, podendo, inclusive, a personalidade jurídica ser desconsiderada quando constituir entrave a compensação de prejuízo causado ao meio ambiente. Vejamos:

 

Art. 2º. Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade, bem como o direito, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evita-la.

 

Art. 4º. Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento e prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

 

Ante o exposto, conforme se extrai da norma constitucional e das normas infraconstitucionais, que versam sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81) e sobre os Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), o ordenamento jurídico pátrio é a favor da responsabilidade penal de pessoa jurídica, tendo como enfoque a necessidade de se preservar com maior efetividade o meio ambiente já que as medidas cíveis e administrativas não lograram êxito na repressão de delitos contra o meio ambiente – bem jurídico tutelado.

 

4.2 Discussão jurídica-doutrinária

 

Por tudo o que fora apresentado, as circunstâncias e as explicações indicam que a sistemática jurídica brasileira apoia, apesar de certas divergências, a possibilidade jurídica de se responsabilizar criminalmente o ente coletivo, entretanto, muitos doutrinadores ainda se encontram abnegados a dispor dessa ideia.

Dentre os doutrinadores que perfilham a ideia a favor da responsabilização criminal da pessoa jurídica, sustentando suas teses com base no texto constitucional e nas normas infraconstitucionais, podemos citar: Ivan Luiz da Silva, Sérgio Salomão Shecaira, Paulo Affonso Leme Machado, Marcelo Buzaglo Dantas, entre outros.

De forma contrária, e ainda não apresentada aqui neste texto, cito: Miguel Reale Júnior, Luiz Regis Prado, Rômulo de Andrade Moreira, Jair Leonardo Lopes e outros.

A rejeição ao mandamento constitucional que dá margem a aplicação de penalidade a pessoa jurídica, por parte dos citados autores, se dá em razão de diversos argumentos. Na visão de Prado (2010, p. 127), não se pode responsabilizar penalmente pessoa jurídica, pois:

 

[...] ausentes na atividade da própria pessoa jurídica os elementos seguintes: a) capacidade de ação no sentido penal estrito; b) capacidade de culpabilidade (princípio da culpabilidade); c) capacidade de pena (princípio da personalidade da pena), indispensáveis à configuração de uma responsabilidade penal subjetiva.

 

Já Reale (2010, p. 344) aduz que:

 

A individualização da pena é feita com base na culpabilidade que significa o quanto de reprovação, de censurabilidade merece a conduta, sendo absolutamente incongruente com admissão da pessoa jurídica como agente de delitos. Portanto, há uma incapacidade penal da pessoa jurídica, que a análise sistemática do texto constitucional torna evidente.

 

No mesmo sentido Moreira (2010, p. 325) diz ser “óbvio faltar capacidade de culpabilidade à pessoa jurídica, entendida aquela como um juízo de reprovabilidade, só passível de ser aferido a partir de um comportamento humano.”

Lopes (2010, p. 351-352) expõe que não seria possível atribuir pena a pessoa jurídica, pois:

 

[...] ao direito penal caberão os casos que possam ser vinculados à conduta da pessoa humana, os demais, resultantes dos riscos a que está exposta a sociedade moderna, poderão ser objeto de outro direito. São riscos que exigem normas específicas de prevenção e controle, bem como sanções que possam contribuir para evitar os seus efeitos, as quais são próprias do direito administrativo ou de um outro direito, cujo nome seja adequado aos seus conceitos.

 

Com base nos argumentos contrários a possibilidade de punir criminalmente pessoa jurídica, a regra e a ideia é quase a mesma –, a punição somente será possível em relação a pessoa física (responsável direta ou indiretamente pelo ente coletivo), em razão da ausência de capacidade de ação no sentido penal estrito (ação volitiva e consciência) da pessoa jurídica, bem como pela interpretação de que a Constituição Federal de 1988 apenas implica a pessoa jurídica como passivo de sanções civis e administrativas.

Além disso, exortam ser impossível a aplicação da teoria da responsabilização penal da pessoa jurídica, pois a adoção desta implica aplicação da responsabilidade objetiva, vedada em nosso ordenamento jurídico.

Estes questionamentos já foram, ainda que de maneira simplória, superficialmente debatidos, e caem por terra por força da própria Constituição Federal de 1988, a qual atribuiu a possibilidade jurídica de se penalizar criminalmente pessoa jurídica.

De uma maneira ainda mais robustecida, Cabette (2006, p. 137-138) bem aborda os motivos pelos quais a responsabilidade criminal da pessoa jurídica é possível no ordenamento jurídico pátrio:

 

O reconhecimento da responsabilidade penal dos entes coletivos não implica necessariamente a aceitação de uma “responsabilidade objetiva”. É possível aferir um espírito ou vontade coletivos diversos das vontades individuais ou mesmo de sua somatória simples. No mínimo a deficiência no estabelecimento de uma vontade própria da pessoa moral pode ser suprida pela chamada “teoria da responsabilidade por ricochete, reflexo ou rebote” que se utiliza da vontade dos sujeitos individuais para caracterizar aquela do ente coletivo.

[...]

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas não contraria a Constituição Federal. Ao inverso, há dois dispositivos constitucionais que determinam excepcionalmente tal responsabilidade nos campos econômico e ambiental (CF, arts. 173, § 5º e 225, § 3º). Por hora, somente no campo ambiental essa responsabilidade excepcional foi prevista (Lei 9.605/98, art. 3º). (grifo nosso)

 

A tendência em todo o mundo é voltada à responsabilização penal das pessoas jurídicas, são exemplos disso, a Inglaterra, Holanda, França, Dinamarca, já reconhecida como plenamente possível nos países de common law e ganhando espaço na Europa, conforme citado e na América Latina. (CABETTE, 2006)

Afastar punição a pessoa jurídica, pelo que se vê no avanço do sistema penal de vários países, seria um retrocesso. Pessoas jurídicas são entes fictos criados pelo Direito, entretanto, são sujeitos capazes de direitos e obrigações, que agem por uma consciência advinda da conduta humana, estando assim passíveis de serem atacadas e repreendidas penalmente nos casos em que realizada conduta tipicamente ilícita e prevista no ordenamento jurídico.

 

4.3 Discussão jurisprudencial no Brasil

 

No Brasil, os motivos das divergências encontradas na jurisprudência, assim como na doutrina pátria, estão atrelados à inconstitucionalidade do art. 3º, da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), e aos princípios da individualização da pena, da culpabilidade etc., enfim fundamentam-se nos dogmas arraigados em um sistema penal falido.

Salientamos, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal, mais alta corte do judiciário brasileiro, já vem decidindo de forma reiterada pela plausibilidade jurídica da responsabilidade penal de pessoa jurídica, assim também o Superior Tribunal de Justiça, cada um justificando de sua maneira, mas com o mesmo pensamento, qual seja: pessoa jurídica é passível de sanção penal.

De maneira que se possa visualizar claramente esses questionamentos, expõe-se aqui algumas decisões, inicialmente sob o aspecto e posicionamento desfavorável.

 

RECURSO CRIMINAL. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. DENÚNCIA OFERTADA CONTRA PESSOA JURÍDICA. ENTE QUE NÃO PODE SER RESPONSABILIZADO PELA PRÁTICA DE CRIME. AUSÊNCIA DE VONTADE PRÓPRIA. REJEIÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. "A pessoa jurídica, porque desprovida de vontade própria, sendo mero instrumento de seus sócios ou prepostos, não pode figurar como sujeito ativo de crime, pois a responsabilidade objetiva não está prevista na legislação penal vigente" (RCR n. 03.003801-9, da comarca de Curitibanos, rel. Maurílio Moreira Leite). (TJ-SC - RCCR: 4962 SC 2005.000496-2, Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Segunda Câmara Criminal, Relator: Des. Sérgio Paladino, Data de Julgamento: 29/03/2005, grifo nosso)

 

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIMES AMBIENTAIS - PRELIMINAR - RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA - INADEQUAÇÃO ENTRE NATUREZA JURÍDICA E SANÇÃO PRIVATIVA DE LIBERDADE - INEXISTÊNCIA DE REGRAS ESPECÍFICAS COMPATÍVEIS COM O ENTE COLETIVO - INVIABILIDADE DE SANCIONAMENTO - RECURSO CONHECIDO E, LEVANTANDO PRELIMINAR, ANULADO O PROCESSO "AB INITIO". Demonstra-se absolutamente nulo o processo penal movido em desfavor de pessoa jurídica, acusada da prática de crime ambiental, uma vez que a lei de crimes ambientais não previu um sub-sistema penal de caracterização específica do delito, bem como regras próprias ao sancionamento e execução penais compatíveis com a natureza do ente coletivo. (TJ-MG Nº .0155.02.000841-5/001(1), Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator: Des. Márcia Milanez, Data de Julgamento: 16/11/2004, Data de Publicação: 19/11/2004, grifo nosso)

 

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIDADE PENAL. INADMISSIBILIDADE. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. DECISÃO EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL DOMINANTES. RECURSO IMPROVIDO. Mostra-se inconstitucional art. 3º da Lei 9.605/98, no que diz respeito à responsabilidade penal da pessoa jurídica. A pessoa jurídica não pode ser sujeito ativo de crime. Inteligência do art. 5, inciso LXV da CF de 1988. (TJMT – Recurso em Sentido Estrito Nº 1.457-01, Comarca de Sinop, Tribunal de Justiça de Mato Grosso, 2ª Câmara Criminal, Rel: Des. Donato Fortunato Ojeda, Data do Julgamento em: 02/05/2001).

                                                      

Rebatendo os precedentes em epígrafe, valho-me dos precedentes os quais vem admitindo a possibilidade jurídica de se responsabilizar criminalmente o ente coletivo, a começar por alguns julgados dos Tribunais de Justiça de todo o país.

 

PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DE PESSOA JURÍDICA. ART. 225, § 3º, 3º, LEI 9.605/98. 1. O parágrafo 3º do art. 225 da Constituição Federal de 1988 previu, em razão de opção política do legislador, a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais; 2. O art. 3º da Lei 9.605/98, que cuida dos crimes contra o meio ambiente, regulamentou o preceito constitucional em referência, dando-lhe a densidade necessária. 3. Não há qualquer inconstitucionalidade no § 3º do art. 225 da Constituição Federal, fruto de uma escolha política do legislador, que atende às expectativas por prevenção e proteção de condutas atentatórias ao meio ambiente, bem jurídico de espectro coletivo, de enorme relevância para o ser humano na atualidade. 4. Recurso em sentido estrito provido. (Recurso em Sentido Estrito RO Nº 2007.41.00.006063-4, Terceira Turma, Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Relator: Des. Tourinho Neto, Julgado em 08/04/2008, Publicado em 18/04/2008, grifo nosso)

 

RECURSO CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA NA PARTE EM QUE FIGURAVA PESSOA JURÍDICA COMO SUJEITO PASSIVO DE DELITO PENAL. LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS (LEI N. 9.605/98) QUE ADMITE EXPRESSAMENTE A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. RECURSO PROVIDO. A Lei dos Crimes Ambientais inovou o Direito Brasileiro quando admitiu, expressamente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica para coibir e penalizar os chamados crimes de dano ao meio ambiente cometido por empresas. Necessário atender ao rigorismo pretendido pela legislação em relação ao infrator que provoca danos ao meio ambiente, seja pessoa física ou jurídica, resguardando, com isso, o direito constitucional que garante qualidade de vida ambiental a todos. (TJ-SC - RCCR: 78620 SC 2005.007862-0, Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Primeira Câmara Criminal, Relator: Des. Solon d´Eça Neves, Data de Julgamento: 10/05/2005)

 

[...] Em delitos contra o meio ambiente, por tratar-se de bem tutelado constitucionalmente, uma vez caracterizada a relevante ofensividade da conduta, consubstanciada por relevante desmatamento, não há falar-se em princípio da subsidiariedade ou direito penal mínimo (“ultima ratio”), pois, ainda que o poluidor seja apenado administrativamente, impõe-se responsabilizá-lo penalmente, se provada a materialidade e autoria delitivas. A denúncia que faz expressa menção à conduta omissiva de deixar de obter licença ambiental, retrata, em tese, o delito tipificado no art. 68 da Lei de Crimes Ambientais, devendo, por isso, ser recebida a denúncia. (TJ-MS, AP Nº 39222/2011, Tribunal de Justiça do Mato Grosso, Segunda Câmara Criminal Des. Marilsen Andrade Addario, Data Do Julgamento 28/03/2012, Data Da Publicação No Dje 18/04/2012, grifo nosso)

   

É notável o avanço jurisprudencial em nosso país, inclusive daqueles Tribunais que inicialmente não concordavam com a possibilidade jurídica de punir criminalmente ente coletivo –, é o que se vê nas ementas supracitadas do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em que o Desembargador Sérgio Paladino (manifesta-se contrário) e do Desembargador Solon d´Eça Neves (manifesta-se favorável) e também nas ementas das decisões do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso.

Já o Superior Tribunal de Justiça, há muito tempo e, em recente julgado, vem entendendo ser cabível a responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais, utilizando-se, para tanto, do sistema da dupla imputação, ente moral mais pessoa natural/física que atua em seu nome ou em seu benefício, ou seja, na propositura da ação penal realizada pelo Ministério Público, só pode ser considerado válida a denúncia se possível for identificar as pessoas físicas que cometeram ilícitos contra o meio ambiente.

 

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE. ART. 38, DA LEI N.º 9.605/98. DENÚNCIA OFERECIDA SOMENTE CONTRA PESSOA JURÍDICA. ILEGALIDADE. RECURSO PROVIDO. PEDIDOS ALTERNATIVOS PREJUDICADOS. 1. Para a validade da tramitação de feito criminal em que se apura o cometimento de delito ambiental, na peça exordial devem ser denunciados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla imputação), isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser desassociada da pessoa física - quem pratica a conduta com elemento subjetivo próprio. 2. Oferecida denúncia somente contra a pessoa jurídica, falta pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente. 3. Recurso ordinário provido, para declarar a inépcia da denúncia e trancar, consequentemente, o processo-crime instaurado contra a empresa recorrente, sem prejuízo de que seja oferecida outra exordial, válida. Pedidos alternativos prejudicados. (STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA : RMS 37293 SP 2012/0049242-7 ), SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUINTA TURMA, RELATOR: MINISTRA LAURITA VAZ, DATA DE JULGAMENTO: 02/05/2013)

 

As decisões aderindo ao sistema da dupla imputação foram de certa forma favoráveis, uma vez que os demais Tribunais passaram a dispor dessa justificativa como forma de penalizar criminalmente ente moral.

Entretanto, a posição que se apresenta mais coerente com a realidade atual, atendendo ao juízo de reprovabilidade social e à política criminal, advém da mais alta corte brasileira, o Supremo Tribunal Federal, que entende ser possível a pessoa jurídica ser punida penalmente por crimes ambientais ainda que não haja responsabilização de pessoas físicas, ou, ainda, que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa.

 

É admissível a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental, ainda que absolvidas as pessoas físicas ocupantes de cargo de presidência ou de direção do órgão responsável pela prática criminosa. Com base nesse entendimento, a 1ª Turma, por maioria, conheceu, em parte, de recurso extraordinário e, nessa parte, deu-lhe provimento para cassar o acórdão recorrido. Neste, a imputação aos dirigentes responsáveis pelas condutas incriminadas (Lei 9.605/98, art. 54) teria sido excluída e, por isso, trancada a ação penal relativamente à pessoa jurídica. Em preliminar, a Turma, por maioria, decidiu não apreciar a prescrição da ação penal, porquanto ausentes elementos para sua aferição. Pontuou-se que o presente recurso originara-se de mandado de segurança impetrado para trancar ação penal em face de responsabilização, por crime ambiental, de pessoa jurídica. Enfatizou-se que a problemática da prescrição não estaria em debate, e apenas fora aventada em razão da demora no julgamento. Assinalou-se que caberia ao magistrado, nos autos da ação penal, pronunciar-se sobre essa questão. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux, que reconheciam a prescrição. O Min. Marco Aurélio considerava a data do recebimento da denúncia como fator interruptivo da prescrição. Destacava que não poderia interpretar a norma de modo a prejudicar aquele a quem visaria beneficiar. Consignava que a lei não exigiria a publicação da denúncia, apenas o seu recebimento e, quer considerada a data de seu recebimento ou de sua devolução ao cartório, a prescrição já teria incidido. RE 548181/PR, rel. Min. Rosa Weber, 6.8.2013, grifo nosso)[1]

 

De fato, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituição Federal, é conhecedor da importância e da atenção dada pelo constituinte originária no art. 225, § 3º, da CF/88. O entendimento atual na responsabilização penal de pessoa jurídica demonstra que combater os abusos das empresas jurídicas, principais lesantes do meio ambiente, é uma forma de se conseguir efetivamente a preservação do meio ambiente.

Por fim, tal decisão acompanha a evolução histórica, o reclamo social e a política criminal, contribuindo para a disseminação da consciência social às empresas jurídicas, banindo e coibindo que condutas lesivas ao meio ambiente tornem-se frequentes.

 

CONCLUSÃO

 

A melhor forma de se combater qualquer ilícito que atente gravemente contra um bem jurídico relevante é através da tutela penal. Não foi por acaso que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 173, § 5º, e art. 225, § 3º, impôs ao legislador ordinário a criação de uma Lei que concretizasse esse direito, reafirmo a expressão ‘direito’, pois o direito à vida está ligado à efetiva preservação do meio ambiente.

O advento da CF/88 e da Lei nº 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), ao legitimar a possibilidade jurídica de se impor à pessoa jurídica responsabilidade penal, significou um avanço social, já que, através disso, deu-se uma maior proteção ao meio ambiente, vítima silenciosa dos maus tratos daqueles que se interessam tão somente em aferir lucros, mas nunca em manter um meio ambiente equilibrado, conforme ordena os mandamentos constitucionais, muitas vezes por culpa e omissão do Poder Público. Desta forma, tornou-se possível a responsabilização penal de ente moral por crimes ambientais e não por mera imposição do legislador ordinário, mas sim por efetiva exigência dada na Constituição Federal de 1988 pelo poder constituinte originário.

Durante as pesquisas realizadas e insertas neste trabalho, verificou-se, mesmo com abordagem das divergências doutrinárias contrárias à responsabilização da pessoa jurídica, que seria errôneo pensar que houve um equívoco constitucional – a responsabilidade criminal é uma realidade.

Atualmente vários Tribunais superiores vêm acolhendo a ideia da responsabilização penal em desfavor de pessoa jurídica por crime ambiental, inclusive com maior frequência e com base em argumentos sólidos e congruentes.

Destarte, sem mais delongas, entende-se com base nos argumentos doutrinários, na interpretação jurídica exposta na lei e, sobretudo, na jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça ser admissível a responsabilidade penal do ente coletivo. 

 

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[1] BRASIL. STF – Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 714, Brasília-DF, 5 a 9 de agosto de 2013. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo714.htm>. Acesso em: 17 fev. 2014.

Sobre o autor
Hebert Henrique de Oliveira Melanias

Possui graduação em Direito pela Faculdade Raimundo Marinho - Unidade Maceió (2011) e Pós-graduação em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera (2014). Realizou estágios no âmbito jurídico no 1º Cartório de Registro Civil de Casamentos e Notas de Maceió nov/2006 a junho/2008; no Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de Alagoas (PROCON/AL) Jan/2009 à Março/2011; no Escritório Jurídico Dr. Virgílio Andrade março de 2011 a agosto de 2011. Assumiu o cargo de Assessor Técnico/Jurídico no Conselho Estadual de Segurança Pública em Alagoas - (CONSEG/AL) - Set/2009 à Fev/2014. Atualmente é Escrivão da Polícia Judiciária - Delegacia Geral da Polícia Civil do Estado de Alagoas, com atuação na Assessoria Jurídica do Gabinete do Delegado Geral. Cursou a disciplina de Mestrado em Sociologia "Conflitos e disputas no campo jurídico: uma sociologia dos tribunais e seus juízes". Detêm de experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Consumidor, Direito Penal e Direito Penal Ambiental.

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Artigo científico apresentado a fim de que fosse obtido o título de Especialista em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera - LFG.

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