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Da perda de mandato parlamentar por condenação criminal

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Agenda 09/04/2015 às 06:01

O presente estudo tem como escopo elucidar os efeitos políticos acometidos a parlamentar que sofrera condenação criminal transitada em julgado, quando imposta pena da perda do cargo.

Resumo: O presente estudo tem como escopo elucidar os efeitos políticos acometidos a parlamentar que sofrera condenação criminal transitada em julgado, quando imposta pena da perda do cargo. Os procedimentos metodológicos utilizados para a presente pesquisa acadêmica envolveram a análise de leis, jurisprudências, doutrinas, artigos, além da própria Constituição Federal, utilizando-se um estudo bibliográfico e método dedutivo. Conceituam-se, primeiramente, os direitos políticos, e relacionam-se os aspectos gerais das imunidades formais e materiais parlamentares. Posteriormente, elucidam-se os efeitos da condenação criminal. Serão abordados entendimentos jurisprudenciais recentes, como as Ações Penais 470 e 565, bem como preceitos constitucionais, e regramentos penais vigentes no que tange aos efeitos políticos de uma possível condenação por decisão criminal irrecorrível. E, por fim, objetiva-se neste trabalho desfazer a problemática em torno da necessidade de deliberação plenária da Câmara dos Deputados ou Senado Federal para decidir acerca da perda do mandato de parlamentar, cujos direitos políticos já restam suspensos em razão dos efeitos da sentença penal transitada em julgado, comparando, analogicamente, com as regras de perda de mandato de países estrangeiros.

Palavras-chave: Direito constitucional; perda do mandato parlamentar; efeitos da condenação criminal transitada em julgado; direitos políticos; necessidade de deliberação plenária; suspensão dos direitos políticos

Sumário: Introdução. 1. Dos Direitos Políticos. 1.1. Conceito. 1.2. Noções de Direito ao Sufrágio. 1.3. Condições de Elegibilidade. 1.4. Inelegibilidades. 1.5. Privação dos Direitos Políticos. 2. Aspectos Gerais sobre Imunidades Parlamentares. 2.1. Aspectos Introdutórios. 2.2. Imunidade Material. 2.3. Imunidade Formal. 2.3.1. Foro Privilegiado por Prerrogativa de Função. 3. Efeitos da Condenação Criminal Irrecorrível Acerca da Perda do Mandato Parlamentar. 3.1. Aspectos Introdutórios. 3.2. Efeitos da Condenação Criminal Irrecorrível sobre os Direitos Políticos. 3.3. Condenação Criminal Irrecorrível e a Perda do Mandato Parlamentar. 4. Deliberações Plenárias em Caso de Perda de Mandato por Sentença Criminal Irrecorrível. 4.1. Aspectos Relativos ao Princípio Constitucional da Separação dos Poderes. 4.2. Entendimento Doutrinário. 4.3. Entendimento do STF. Conclusão. Referências Bibliográficas.


INTRODUÇÃO

Há no país uma prática desenfreada de corrupção, espalhada por todo o território nacional, baseada na malversação do dinheiro público e comprovada pelas condenações e prisões inéditas de parlamentares brasileiros. Observam-se o julgamento da Ação Penal 396, em que condenou o Deputado Federal Natan Donadon à pena de treze anos, quatro meses e dez dias de reclusão, em regime inicialmente fechado, além de sessenta e seis dias-multa, por formação de quadrilha e peculato, crimes previstos nos artigos 288 e 312 do Código Penal, bem como o julgamento da Ação Penal 470, julgada pelo Supremo Tribunal Federal, em que ficou comprovado o esquema de compra de votos dos parlamentares envolvidos.

Pela interpretação do art. 653. do Código Civil, entende-se por mandato o poder no qual uma pessoa capaz recebe de outra, por meio de procuração e com prazo determinado, para, em seu nome, representá-lo, administrando interesses. Fazendo uma analogia com o mandato eletivo, este seria o poder político no qual um cidadão recebe de outra pessoa com capacidade eleitoral ativa – o mandante -, por meio do voto e por prazo determinado, para, em seu nome, representá-lo, administrando interesses.

Está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 15, III, que terão os direitos políticos suspensos os condenados por decisão criminal irrecorrível, enquanto perdurarem os seus efeitos. Nesse contexto, o art. 14, §3º, II, prevê que é condição para elegibilidade o pleno exercício dos direitos políticos. Pela combinação dos preceitos supracitados, extrai-se que a condenação criminal, ao acarretar a suspensão dos direitos políticos, provocaria, também, a perda do mandato dos parlamentares. Por uma interpretação lógica, não incumbiria à Casa Legislativa do respectivo parlamentar resolver sobre a perda, apenas declará-la. Isto é, a decisão penal irrecorrível já teria, por previsão constitucional, o poder de fulminar o mandato eletivo desses parlamentares.

Todavia, hodiernamente, a condenação criminal transitada em julgado sofrida por parlamentar não importará em perda automática de seu mandato, devendo, ainda, ser instaurado um procedimento na Mesa da Câmara ou do Senado, o que pretere a efetividade da punição ao crime, isto é, de acordo com o art. 55, ainda faz-se necessária decisão por maioria absoluta da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional.

Na hipótese de condenação criminal, transitada em julgado, prolatada contra o parlamentar, é realmente necessário que a Casa Legislativa a qual pertence, resolva sobre a perda do seu mandato para que o parlamentar condenado seja destituído? Ou, de lado avesso, o efeito político produzido pela condenação irrecorrível já seria suficiente para lhe tolher esta prerrogativa política que é o mandato? Seria, dessa forma, uma mera decisão declaratória realizada pela respectiva Casa, ou tal decisão teria caráter constitutivo? A coexistência do exercício de mandato eletivo com o cumprimento obrigatório de pena em regime fechado, isto é, parlamentar condenado e preso, acarreta o imperativo de se analisar profundamente a verdadeira necessidade da respectiva Casa Legislativa ter o dever-poder de deliberar e decidir sobre a perda ou manutenção deste mandato..

Dessa forma, o objetivo deste trabalho será buscar elucidar o efeito da perda do mandato acometidos a parlamentar que sofrera condenação criminal transitada em julgado. O primeiro capítulo visa conceituar os direitos políticos, analisando a capacidade eleitoral ativa e passiva, privação e reaquisição desses direitos. O segundo capítulo apresenta como enfoque o estudo dos aspectos gerais dos mandatos de deputados e senadores: imunidades materiais e processuais; vedações e hipóteses de perda do mandato parlamentar. O intuito é abordar o foro processual competente destes cargos políticos, bem como compreender os benefícios e as prerrogativas do cargo. Em sequência, o terceiro capítulo se deterá a relatar os efeitos da condenação criminal transitada em julgado para o cidadão, e como essas consequências repercutem no mandato parlamentar. O quarto capítulo, por sua vez, apresenta a celeuma da necessidade de deliberação plenária legislativa na situação específica de perda do mandato eletivo decorrente de condenação criminal transitada em julgado. Nesse sentido, se fará uma análise do entendimento doutrinário e os recentes posicionamentos do STF.


1. DOS DIREITOS POLÍTICOS

1.1. CONCEITO

A fim de conferir maior propriedade ao entendimento do conceito de direitos políticos, salutar que se demonstre suas origens e mutações no plano temporal. Os direitos políticos são, na verdade, uma conquista tardia da sociedade brasileira, visto que para avançar às garantias que se tem hoje, foi preciso ultrapassar repressões e períodos autoritários, em que os mesmos direitos foram tolhidos da maior parte da população.

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Primeiramente, o exercício dos direitos políticos manifestava-se, basicamente, pela possibilidade de votar e de ser votado. No Brasil, as primeiras Constituições restringiam demasiadamente o exercício desse direito. A Constituição de 1824, denominada Constituição Imperial, privava as mulheres e os escravos do direito ao voto, e estabelecia um critério censitário para que o indivíduo pudesse gozar plenamente de seus direitos. Neste sentido, só estava apto para votar quem dispusesse de determinada renda, e caso o indivíduo quisesse se candidatar, a renda teria de ser ainda maior, o que excluía a grande maioria da população, bem como a ideia de representação, em seu sentido pleno, pois além de tal restrição ocasionar a exclusão supracitada, o processo de eleição era controlado pelo governo, o que possibilitava a ocorrência de manipulações eleitorais.

Neste sentido, leciona Vera Chaia (2010:01)

“Durante o Império, logo após a Proclamação da Independência do Brasil em relação a Portugal, em 1822, é que poderemos deparar com o processo eleitoral, que consistia no seguinte: o voto era a descoberto e oral, como maneira de controlá-lo. Os analfabetos possuíam o direito ao voto, e eles constituíam a grande maioria da população brasileira daquele período (70% a 80%). A eleição era feita em dois momentos: primeiro havia a escolha dos eleitores que participariam da votação e, num segundo momento, escolhiam-se os eleitos propriamente ditos. O imperador escolhia os senadores a partir de uma lista tríplice. Eram considerados eleitores somente os indivíduos do sexo masculino, maiores de 25 anos e que tivessem uma renda líquida anual de 100 mil réis. Os eleitores do 2º escrutínio teriam de ter todos esses requisitos, mais uma renda de 200 mil réis”.

Mais adiante, com a Revolução de 1930, houve verdadeiro progresso no que diz respeito aos direitos políticos. Com a edição do primeiro Código Eleitoral Brasileiro, que entrou em vigor dois anos mais tarde, bem como a Constituição de 1934. A nova constituição admitiu o voto feminino, além de tornar o alistamento obrigatório para maiores de dezoito anos de idade, o que ocasionou um aumento considerável da massa detentora de capacidade eleitoral. O Código Eleitoral, por sua vez, instituiu o voto secreto, garantindo, dessa forma, a autonomia do cidadão para a escolha de seu candidato.

Todavia, alguns anos mais tarde, com a instauração do Estado Novo por Getúlio Vargas (1937-1945), houve verdadeira regressão dos direitos políticos, outrora conquistados, isto é, todos esses direitos foram tolhidos da população com a justificativa de que faltava a esta discernimento suficiente para sua devida participação nas decisões do Estado, e que esta prerrogativa seria incumbência exclusiva da elite política brasileira à época.

Em 1945, com a queda de Getúlio Vargas, deu-se início ao processo de redemocratização do Estado brasileiro. Neste período, e até os anos de 1964, a participação política da população nas decisões do Estado novamente veio a crescer. Contudo, com o golpe militar de 1964, o exercício pleno dos direitos políticos foi atingido sensivelmente por medidas de repressão, que instituiu o bipartidarismo obrigatório e ordenou o fechamento do Congresso Nacional.

Duas décadas mais tarde, pressionados pela mobilização nacional por eleições presidenciais diretas denominada “Diretas Já”, os militares acordaram com os civis a transição do poder, marcada pela posse de Tancredo Neves, doravante, assumindo o cargo de Presidente da República como o primeiro presidente civil eleito, mesmo que indiretamente, após o golpe militar de 1964. Assim elucida Vera Chaia (2010:03):

“Esse período é denominado de Nova República e foi marcado por uma série de avanços na legislação eleitoral: eleições diretas para prefeitos (daqueles casos excepcionais) em 1985; inclusão dos analfabetos e conquista do direto de votar; reforma partidária comalegalizaçãode siglas partidárias de esquerda; voto facultativo para jovens, maiores de 16 anos; estabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República em 1989, após 29 anos. Depois desse período, outras mudanças no sistema eleitoral foram feitas, porém sem alterações significativas”.

Destarte, por mais de duas décadas, a população brasileira se viu tolhida do direito de participar do processo de escolha do Presidente do Brasil, o que só voltou a ser assegurado com a Constituição de 1988. Dessa forma, apesar do estado brasileiro viver períodos de obscuridade e repressão no que se refere aos direitos políticos, compreende-se que o voto, bem como outros direitos,foram conquistas duras e tardias, mas representam verdadeiras evoluções na história de representação política brasileira.

Para que se possa abordar o efeito político da condenação criminal transitada em julgado com fulcro na perda do mandato parlamentar, bem como a necessidade de deliberação legislativa para que se opere este efeito, faz-se necessário analisar primeiramente a definição de direitos políticos, bem como seus aspectos gerais. Desta forma, conforme preleciona o caput do art. 14. da Constituição Federal, os direitos políticos são conjunto de regras que chancelam as formas de atuação da soberania popular. São direitos subjetivos, bem como fundamentais à convivência em sociedade numa democracia, que denotam ao indivíduo, ainda que indiretamente, “o exercício concreto da liberdade de participação nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da cidadania” (Alexandre de Moraes, p. 238).

Numa conceituação exímia, Kelsen (1999:97) define os direitos políticos como “a capacidade ou o poder de influir na formação da vontade do Estado, o que quer dizer: de participar (...) na produção da ordem jurídica, em que a ‘vontade do Estado’ se exprime”. Isto é, os direitos previstos no art. 14. da Carta Magna são essenciais para que se pratiquem as liberdades individuais consubstanciadas como direitos fundamentais, bem como para a efetivação dos direitos econômicos e sociais, pois, é através de instrumentos democráticos de participação que um indivíduo poderá aspirar para que seu direito constitucionalmente previsto seja efetivado por quem for competente e responsável.

Tradicional a definição do Professor José Luiz Quadros de Magalhães (1992:21):

“São direitos de participação popular no Poder do Estado, que resguardam a vontade manifestada individualmente por cada eleitor sendo que a sua diferença essencial para os Direitos Individuais é que, para estes últimos, não se exige nenhum tipo de qualificação em razão da idade e nacionalidade para o seu exercício, enquanto que para os Direitos Políticos, determina a Constituição requisitos que o indivíduo deve preencher”.

Estes direitos estão elencados na Constituição Federal de 1988, que estabelece um conjunto sistemático de normas para a atuação da soberania popular. Está previsto em seu art. 1º, parágrafo único, o desdobramento do princípio constitucional democrático semidireto, em que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Neste ínterim, vale ressaltar que tais direitos não são pertencentes a todos os indivíduos que se encontram no Brasil. Os direitos políticos são inerentes ao cidadão, podendo, pois, participar do processo governamental, representando ou sendo representado por detentores de mandatos eletivos, bem como participar da organização e da atividade do poder estatal. Assim ensina José Afonso da Silva (2006:347), a cidadania é, em sentido estrito, um “atributo jurídico-político que o nacional obtém desde o momento em que se torna eleitor”.

Todavia, ser cidadão, isto é, o exercício da cidadania e seu significado não se restringem apenas à conceituação supracitada. Em sentido amplo, como nos Ensina T. H. Marshall (1967:63), a cidadania só será plena se dotada de elementos políticos, civis e sociais, conceituando-os:

“(...) O Elemento civil é composto dos direitos necessários à liberdade individual – liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos válidos e o direito à justiça. (...) Por elemento político se deve entender o direito de participar no exercício do poder político, como um membro de um organismo investido da autoridade política ou como um eleitor dos membros de tal organismo. (...) O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direto de participar, por completo, na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade”.

1.2. NOÇÕES DE DIREITO AO SUFRÁGIO

Os direitos políticos têm como núcleo a capacidade de votar– denominada capacidade eleitoral ativa –, e a capacidade de ser votado – denominada capacidade eleitoral passiva. Isto é, a essência desses direitos é o direito de sufrágio. O sufrágio configura-se por ser o meio necessário para a manifestação do princípio de que todo o poder de organização e direção do Estado emana do povo, consubstanciado pela Constituição Federal de 1988, em seu art. 1º, parágrafo único.Alexandre de Moraes (2014:240) assevera que “por meio do sufrágio o conjunto de cidadãos de determinado Estado escolherá as pessoas que irão exercer as funções estatais, mediante o sistema representativo existente em um regime democrático”. Tendo em vista o presente estudo, abordaremos mais profundamente a capacidade eleitoral passiva, configurada pela possibilidade de alguém se eleger a um mandato eletivo.

Entretanto, o direito de ser votado não é concedido a qualquer cidadão, mesmo que detentor de capacidade eleitoral ativa, tendo este eventual candidato que respeitar requisitos, denominados condições de elegibilidade, para o cargo ao qual queira se candidatar e, ainda, não incidir em qualquer dos impedimentos constitucionais previstos.

1.3. CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE

As condições de elegibilidade2 são requisitos legais que possibilitam o exercício da capacidade eleitoral passiva, isto é, capacidade de se eleger. O seu estudo se torna interessante, visto que umas das condições de elegibilidade é justamente o pleno exercício dos direitos políticos. Assim sendo, um indivíduo que fora privado de seus direitos políticos, seja por suspensão ou por perda, não se encontra apto para exercer sua capacidade eleitoral passiva. Neste ínterim, o art. 14, § 3º da CRFB/1988 elenca os requisitos de elegibilidade, trazendo além do pleno exercício dos direitos políticos, a nacionalidade brasileira ou condição de português equiparado3, o alistamento eleitoral, o domicílio eleitoral na circunscrição, bem como a filiação partidária. Vale ressaltar que a capacidade eleitoral passiva adquire-se progressivamente, observando especificamente a idade do respectivo candidato4.

No que tange à exigência do cidadão se encontrar em pleno gozo dos direitos políticos para que possa vir a pleitear um mandato parlamentar, sua eventual inobservação acarretaria, sem a menor dúvida, na impossibilidade do indivíduo se candidatar perante a Justiça Eleitoral. Ou seja, aquele que teve suspenso ou perder seus direitos políticos não poderá exercer capacidade eleitoral passiva. A problemática ocorre quando é decretada a suspensão ou perda desses direitos sobre um indivíduo com mandato por começar ou em andamento. Assunto este que abordaremos mais adiante em capítulo próprio, definindo o papel do Poder Legislativo e Poder Judiciário, no que diz respeito à decretação ou declaração da perda do mandato eletivo deste parlamentar.

1.4. INELEGIBILIDADES

Como mencionado no tópico anterior, para que um candidato possa pleitear um mandato eletivo, além de obedecer a certas condições de elegibilidade previstas na Constituição Federal, este terá, ainda, que não se encontrar impedido, de acordo com as hipóteses elencadas na mesma Carta Magna. As condições de inelegibilidades, conforme ensina o professor Pedro Lenza (2014:1250), são “circunstâncias (constitucionais ou previstas em lei complementar) que impedem o cidadão do exercício total ou parcial da capacidade eleitoral passiva, ou seja, da capacidade de eleger-se. Restringem, portanto, a elegibilidade do cidadão”.

Previstas no art. 14, §§ 4.º a 8.º, da CRFB/1988, podem ser absolutas, impedindo o cidadão de se eleger para qualquer cargo eletivo, cujas hipóteses se encontram taxativamente previstas no supracitado artigo, bem como relativas, em que o impedimento se dará para algum cargo eletivo ou mandato, em função de situações que se encontre o candidato, hipótese prevista na Constituição Federal ou em lei complementar. Vale ressaltar que, conforme o § 9.º do artigo em análise, o objetivo do constituinte ao prever tais regramentos foi proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

São absolutamente inelegíveis, à luz do art. 14, § 4.º da CRFB/1988, em relação a qualquer cargo eletivo o inalistável, pois quem não pode ser eleger não poderá ser eleito, compreendendo, nesse sentido, o estrangeiro5, o conscrito, durante o serviço militar obrigatório, e o analfabeto, que apesar de ter direito ao alistamento eleitoral, não detém capacidade eleitoral passiva. A inelegibilidade relativa, por sua vez, dá-se em decorrência de regras constitucionais em razão de parentesco, função exercida ou se o candidato for militar, bem como por previsões de ordem legal, respectivamente previstos nos §§ 6º, 7º, 8º e 9º da Constituição Federal de 1988.

1.5. DA PRIVAÇÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS

O art. 15. da Constituição Federal de 1988 traz os casos de privação dos direitos políticos do cidadão, vedando expressamente a hipótese de cassação desses direitos. Privar significa despojar alguém de algo, isto é, subtrair um bem. É exatamente o que ocorre na privação dos direitos políticos. Esses direitos políticos são tomados em prol da probidade administrativa. A Constituição Federal prevê neste mesmo artigo as espécies do gênero privação, que são a perda e a suspensão desses direitos. Observa-se no texto constitucional:

“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

I– cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;

II– incapacidade civil absoluta;

III– condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;

IV – recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII;

V – improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º”.

Perder é deixar de ter o que se possuía anteriormente. Outrossim, a perda dos direitos políticos configura uma espécie de privação em que o cidadão, por questões alheias à sua vontade, perde tais direitos, possuindo esta sanção caráter permanente, embora se possa recuperar ao que se tenha perdido. A suspensão, por sua vez, também pressupõe a preexistência de algo que se encontra em curso.

Na definição de Alexandre de Moraes (2014:272), a suspensão dos direitos políticos “caracteriza-se pela temporariedade da privação dos direitos políticos (...)”. Corroborando este entendimento, Cretella Júnior (1989:1118) assevera que a suspensão dos direitos políticos “é interrupção temporária daquilo que está em curso, cessando quando terminam os efeitos de ato ou medida anterior”. No âmbito restrito deste trabalho interessa apenas umas das causas de suspensão dos direitos políticos prevista no texto constitucional, qual seja: (...) III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; (...), prevista em seu art. 15.

Mais adiante serão abordados os efeitos da perda dos direitos políticos em relação ao mandato eletivo no tocante aos Deputados e Senadores (e também a deputados estaduais e distritais, por força do disposto nos arts. 27, § 1º, e 32, § 3º, da CRFB/1988). De qualquer sorte, a coexistência do exercício de mandato eletivo com o cumprimento obrigatório de pena privativa de liberdade em regime fechado, isto é, parlamentar condenado por sentença criminal irrecorrível e preso por decisão da Suprema Corte, acarreta o imperativo de se analisar profundamente a verdadeira necessidade da respectiva Casa Legislativa ter o dever-poder de deliberar e decidir sobre a perda ou manutenção deste mandato.

Por um lado, a Constituição Federal determina que ocorra a perda de direitos políticos, dentre os quais pode-se incluir o de exercício de mandato parlamentar, se houver condenação criminal transitada em julgado (CF, art. 15, III). De lado avesso, no art. 55, estipula condicionantes à perda do mandato de parlamentares, cuja final deliberação será dada pela casa legislativa à qual integra (§§ 2° e 3°).

Pelo exposto, pode-se concluir que o conflito configura hipótese de antinomia real. Bobbio (1994:88) menciona que a antinomia se configura quando no mesmo ordenamento jurídico, haja duas normas na mesma hierarquia e com o mesmo âmbito de abrangência em confronto. Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2003:206), por sua vez, define haver antinomia real quando advier“(...) oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado.” E termina esclarecendo que, “(...) o reconhecimento de que há antinomias reais indica, por fim, que o direito não tem o caráter de sistema lógico-matemático, pois sistema pressupõe consistência, o que a presença da antinomia real exclui (...)” Dessa forma, só haverá antinomia de normas quando a incompatibilidade entre elas perdurar mesmo após interpretação adequada das duas normas.

À vista disso, a suposta antinomia reside no fato de que, por um lado, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 15, III, determina que haja perda dos direitos políticos, dentre os quais o de exercer mandato parlamentar, se houver condenação criminal irrecorrível. De lado avesso, no art. 55, estabelece que a decisão final sobre a perda do respectivo mandato dependerá de deliberação da Casa Legislativa a que pertença o parlamentar. Resta analisarmos mais adiante se a antinomia supracitada é real, ou apenas aparente.

Sobre o autor
Victor Rocha

Advogado. Pós-graduando em Ciências Criminais (Estácio de Sá) e em Direito Público (ESBAM). Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas. Cofundador da ONG Democratizando nas Escolas. <br><br>

Informações sobre o texto

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