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Extrafiscalidade ambiental: contornos constitucional e análise de tributos no direito brasileiro

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Agenda 23/04/2015 às 10:19

Conceituação de extrafiscalidade e estudo do uso de tributos destinados à tutela ambiental. Tratamento constitucional, no que tange ao sistema tributário nacional e ao direito ao meio ambiente equilibrado. Tributos Ambientais no Direito Brasileiro.

Resumo: O direito ao meio ambiente, no ordenamento jurídico brasileiro é constitucionalmente garantido a todos, sendo dever do Estado promover a sua efetivação. Enquanto princípio basilar da ordem econômica constitucional, a proteção ao meio ambiente ganha importante espaço no modelo econômico e produtivo nacional, possibilitando a atuação estatal direcionada para a criação de instrumentos econômicos com escopo de tutela do meio ambiente, entre os quais, a tributação ambiental, voltada para desenvolvimento ecológico através da extrafiscalidade. Os tributos ambientais, ou green taxes, são aqueles criados com o fim de tutela ambiental ou aqueles já existentes utilizados para a promoção de proteção do meio ambiente, através de incentivos e benefícios fiscais. O presente trabalho se propõe a definir a os contornos constitucionais da tributação ambiental, através da análise dos dispositivos constitucionais que tratam do meio ambiente enquanto direito de todos e princípio da ordem econômica. Parte-se para a análise de tributos em espécie espalhados pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive infraconstitucional, percebendo-se a incidência de vários exemplos de tributos ambientais. Apresenta-se, por fim, a tributação ambiental como alternativa de desenvolvimento da consciência ambiental e como efetivo instrumento do Estado para a consecução da preservação do meio ambiente.

Palavras-chave: Tributos Ambientais; extrafiscalidade; constitucionalidade.

Abstract: The right to the environment, in Brazilian law is constitutionally guaranteed to all, it is the duty of the State to promote its effectiveness. While basic principle of constitutional economic order, the protection of the environment wins major space in the national economic production model, enabling the state action directed toward the creation of economic instruments in the scope of protection of the environment, including, environmental taxation, focused on ecological development through extrafiscality. Environmental taxes, or green taxes, are those created for the purpose of environmental protection or those already existing, used for the promotion of environment protection through incentives and tax breaks. The present study aims to define the constitutional boundaries of environmental taxation, through the analysis of constitutional provisions that deal with the environment as a universal right and principle of economic order. It proceed to the analysis of taxes in kind spread by Brazilian legal system, realizing the incidence of several examples of environmental taxes. Presents itself, finally, environmental taxation as an alternative to developing environmental awareness and as an effective instrument for achieving preservation of the environment.

Keywords: Environmental Taxes; extrafiscality; constitutionality.

Sumário: Introdução. 1. Tributos Ambientais – Extrafiscalidade Ambiental. 1.1. Breve conceito de Tributo e suas funções. 1.2. Extrafiscalidade ambiental. 1.3. Classificação dos tributos em face do direito ambiental. 2. Contornos Constitucionais da Tributação Ambiental. 2.1. O direito ao meio ambiente. 2.2. Meio ambiente e a Ordem Econômica Social. 2.3. Amparo constitucional da extrafiscalidade ambiental. 3. Análise de tributos ambientais em espécie. 3.1. Impostos. 3.1.1 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. ICMS Ecológico. 3.1.2.Imposto sobre Propriedade Territorial Rural. 3.1.3. Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores. 3.1.4. Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. 3.2. Taxas. 3.2.1. Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental. 3.2.2. Taxa de Preservação Ambiental de Fernando de Noronha, Cairu e Ilha Bela. 3.3. Contribuições de Melhoria. 3.4. Contribuições Especiais. 3.4.1. Contribuição do Domínio Econômico sobre os Combustíveis. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A tributação é o instrumento de arrecadação de recursos para as despesas públicas do Estado. Pode-se considerar que esta é a função primordial dos tributos, a função fiscal.       

Como é sabido, além do efeito fiscal inerente a cada espécie de tributo, algumas produzem os chamados efeitos extrafiscais, que visam produzir resultados específicos no âmbito da incidência do tributo que não seja apenas a simples arrecadação fiscal.

São exemplos de efeitos extrafiscais o controle do mercado interno ou externo, valorização de determinado produto, fomentação da economia nacional, circulação de determinado bem ou serviço. No decorrer das últimas décadas, tem crescido no ordenamento jurídico brasileiro a incidência dos chamados tributos ambientais, tributos que são criados ou moldados para a proteção do meio ambiente, por ter, em sua previsão legal, a aplicação de isenções ou reduções de alíquotas para os contribuintes que desenvolvem práticas ambientalmente corretas.

Vale dizer, vislumbra-se a tributação ambiental como forma de reforço positivo à prática ambientalmente adequada, em detrimento da simples penalização das condutas prejudiciais ao meio ambiente, como salvaguardado na Constituição Federal de 1988.

O direito ao meio ambiente equilibrado, considerado como direito difuso, recebe especial atenção na Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 225. Assim, torna-se imperioso analisar as implicações dos mandamentos constitucionais acerca da proteção ambiental e seus desdobramentos, especialmente no âmbito do direito tributário, analisando-o como ferramenta jurídica e socioeconômica de tutela direitos, notadamente através da extrafiscalidade voltada à preservação ambiental.

Dessarte, de uma breve conceituação de tributo, pincelando as funções que este pode assumir, notadamente a função extrafiscal, parte-se para uma análise dos pressupostos constitucionais para a criação de políticas extrafiscais ambientais, entendendo o meio ambiente como direitos de todos e dever do Estado, estudando, após, tributos específicos do direito brasileiro instituídos nesse ínterim.

1       TRIBUTOS AMBIENTAIS – EXTRAFISCALIDADE AMBIENTAL

1.1      Breve conceito de tributo e suas funções

            A definição legal de tributo está contida no art. 3º do Código Tributário Nacional, que aduz ser “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

            O conceito, analiticamente observado, informa que se trata de uma prestação pecuniária obrigatória, em dinheiro, criada pela ocorrência de um fato lícito ao qual a lei, em sentido amplo, dá status de fato gerador, cobrada administrativamente pelo Estado.

            Paulo de Barros Carvalho[1] vai além do conceito legal, listando seis acepções do vocábulo tributo, quais sejam: a) tributo como quantia em dinheiro; b) como prestação correspondente ao dever jurídico do sujeito passivo; c) como direito subjetivo do qual é titular o sujeito ativo; d) como sinônimo de relação jurídica tributária; e) como norma jurídica tributária; e f) como norma, fato e relação jurídica.

            Os vários sentidos listados pelo autor oferecem um vislumbre de conceito geral, podendo o tributo ser entendido como uma prestação pecuniária devida ao Estado, enquanto sujeito ativo, à qual um sujeito passivo está obrigado por ter dado causa a um fato gerador previsto em uma norma.

            Etimologicamente falando, a palavra tributo deriva do latim trimutum. Diz respeito àquilo que, por dever, é entregue ao Estado.

            Desta forma, delineia-se o tributo como forma de arrecadação de recurso do Estado para realização das suas atividades. A Escola de Administração Fazendária, órgão do Ministério da Fazendo do Brasil, em seu Programa Nacional de Educação Fiscal[2], dita que “o tributo é a principal fonte de financiamento sustentável das atividades estatais e sua normatização está expressa no Sistema Tributário Nacional, regido por princípios constitucionais”.

            O documento da Escola de Administração Fazendária[3] segue, explicitando três objetivos essenciais dos tributos: garantir recursos necessários ao Estado para realização de seus fins, ser instrumento de distribuição de renda e indutor do desenvolvimento social do país, contribuir para minimizar as diferenças regionais.

            Aqui é possível perceber que há mais de uma função atrelada aos tributos, não se resumido estes, portanto, a mero instrumento de coleta de recursos. Em verdade, três são as funções que um tributo pode assumir: fiscal, extrafiscal e parafiscal.

            Roberta Silva Martins[4] esclarece que a função FISCAL se apresenta no clássico objetivo de arrecadação face às despesas do Estado. Nas palavras da autora, “próprio da atividade financeira do Estado que visa obter, gerir e despender recursos colimando a satisfação do bem comum”.

            Já a função parafiscal é definida pela autora como meio de sustentação de atividades que, de início, não seriam de competência do Estado, mas que acabam sendo assumidas por este através de entidades específicas, como o Instituto Nacional de Seguridade Social, a Ordem dos Advogados do Brasil, entre outros.

            Por fim, tem-se a função extrafiscal, dos tributos, sobre a qual se aprofundará, tendo em vista a pertinência temática.

             Hugo de Brito Machado, citado por Roberta Silva Martins[5], afirma que ”o tributo é extrafiscal quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, para buscar um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros”

            Na doutrina, encontra-se literatura que afirma que a extrafiscalidade é um fenômeno da tributação do Estado moderno cujo principal objetivo não é auferir recursos para o custeio das suas ações, mas atuar de modo a estimular ou desfavorecer determinadas atividades ou situações, levando o contribuinte a agir de acordo com o que se considera benéfico ou nocivo ao interesse público.

            Meirelles citado por Roberta Silva Martins[6] dita que “modernamente, os tributos são usados como instrumento auxiliar do poder regulatório do Estado sobre a propriedade particular e as atividades privadas que tenham implicações com o bem-estar social. Até mesmo o Direito norte-americano, tão cioso das liberdades individuais, admite essa função extrafiscal dos tributos, para o incentivo ou repressão da conduta do particular”.

            Vale dizer que um tributo tem função extrafiscal quando é instituído visando-se prestigiar situações sociais, política e economicamente valiosas, ou evitá-las quando forem prejudicais a determinando contexto considerado de interesse público, passível, portanto, de tutela do Estado.

            Roberta Silva Martins[7] continua sua explanação inferindo que “a complexidade dos fenômenos econômico-financeiros justifica que o Estado institua tributos com a finalidade de perseguir outros objetivos, diversos da mera obtenção de receita para custear suas atividades típicas, podendo, assim, interferir no direito de propriedade e/ou ao livre exercício de trabalho, profissão ou ofício, caracterizando-se, portanto, a finalidade extrafiscal do tributo”.

            Martins[8] elenca, ademais, princípios constitucionais ligados à tributação que favorecem o exercício da extrafiscalidade. Em primeiro lugar, apresenta o Princípio da Capacidade Contributiva, como forma de controle de abuso por parte do Estado no desempenhar do seu poder de tributar.

            Em segundo lugar, lista o Princípio da Progressividade, que permite o aumento da carga tributária através do aumento da alíquota, na maioria dos casos, fundado em um ou mais critérios objetivos, vislumbrando, de forma geral, um critério extrafiscal de justiça social.

            Por fim, cita o Princípio da Seletividade, que possibilita a majoração ou minoração da carga tributária que incide sobre determinados produtos ou serviços, de acordo com sua essencialidade ou necessidade. Assim, percebe-se a extrafiscalidade quando o Estado aplica maior carga tributária a atividades supérfluas ou menor carga para atividades essenciais ao bem comum.

1.2      Extrafiscalidade ambiental

            Entendida a extrafiscalidade como uma das funções que podem ser desempenhadas pelos tributos, é hora de analisar como a tributação pode ser utilizada para a proteção ambiental e prevenção da poluição, em suas mais variadas facetas.

            José Marcos Domingues de Oliveira[9] alerta que, devido à crescente preocupação com o meio ambiente e com a situação dos nossos ecossistemas percebido nas últimas décadas, os Estados contemporâneos passaram a inserir nas pautas de planejamento as repercussões ambientais de decisões das políticas econômicas, comerciais, agrícolas, energéticas e tributárias.

            Dessa forma, apresenta-se o sistema tributário e os tributos em si, através de uma atuação extrafiscal, como instrumentos do Estado para estimular condutas não-poluidoras e desestimular as poluidoras, entendendo o meio ambiente equilibrado como direito de todos e dever do Poder Público, como será mostrado no tópico 3.1 da presente monografia.

            Inaugura-se, então, o conceito de Tributos Ambientais, aqui compreendidos aqueles que são instituídos visando a tutela de bem ambiental específico ou a utilização dos tributos já existentes, por isenções e benefícios, de acordo com critérios de tutela ambiental.

            Rafael Soares Moreira[10] leciona que “o tributo voltado ao meio ambiente deve exercer, no mínimo, duas funções: a) a de procurar compor o custo sócio-ambiental com o aferimento de recursos destinado a suprir a degradação do meio ambiente perpetrada; b) induzir, positiva ou negativamente, comportamentos no sentido da realização da defesa e da preservação do meio ambiente. Esta última hipótese verifica-se no item proposto anteriormente, destinado à função extrafiscal do tributo como fundamento da tributação ambiental.”

            José Marcos Domingues Oliveira[11] assevera que a atuação estatal através da intervenção tributária visando a proteção ambiental baseia-se no Princípio do Poluidor Pagador.

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            Este princípio do Direito Ambiental tutela que, nas palavras de Prieur citado por José Marcos Domingues Oliveira[12], “os custos sociais externos que acompanham a produção industrial devem ser internalizados, quer dizer, tomados em conta pelos agentes econômicos nos seus custos de produção”.

            A legislação brasileira já tratava do assunto ao determinar, na Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiental), no inciso VII do art. 4º que o usuário do meio ambiente deve contribuir pela utilização dos recursos ambientais. Vale lembrar que tal legislação foi recepcionada pelo §2º do art. 225 da Constituição Federal de 1988.

            Na seara da Tributação Ambiental, o princípio do poluidor pagador relaciona-se com o princípio retributivo, determinando que o agente que não polui seja aquele “não-pagador”.

            Rodrigo Bordalo[13], por sua vez, enxerga neste desdobramento do princípio do poluidor-pagador o surgimento de outro princípio do ramo do Direito Ambiental, ao qual chama de Princípio do Protetor-Recebedor, segundo o qual aquele contribuinte que desenvolva suas atividades em acordo com os ditames da tutela ambiental deve ser beneficiado pelo Estado, inclusive através de políticas fiscais.

            Aplica-se, segundo José Marcos Domingues Oliveira[14]“sólidos fundamentos da doutrina kelseniana da sanção premial ou recompensatóra, por sua vez estribada no princípio retributivo (Vergeltung): assim, o Estado reconhece o esforço do cidadão em cumprir a lei, e não apenas castiga o recalcitrante; tributa-se menos – a título de prêmio – quem não polui ou polui relativamente menos.”

            O princípio do poluidor-pagador se manifesta em duas frentes. A primeira impositiva, significando o dever do Estado em cobrar daquele que polui um ressarcimento capaz de custear os serviços públicos destinados à preservação e recuperação ambientais ou às atividades de fiscalização ambiental desenvolvidas pelo Poder Público.[15]

            Lado outro, existe a face seletiva do princípio citado, que permite ao Poder Público a majoração da tributação de modo a favorecer “atividades, processos produtivos ou consumo ‘ecologicamente corretos’ e desestimular o emprego de tecnologias defasadas, a produção e o consumo de bens ‘ecologicamente incorretos’”[16].

            Em ambos os casos é possível vislumbrar a extrafiscalidade ambiental, pois, em um e em outro, o tributo é utilizado para se atingir uma determinada função social, nesse caso, a de tutela do meio ambiente.

            Dessa forma, manifesta-se claramente a extrafiscalidade na tributação que visa incentivar a prática de atividades, econômicas ou não, que respeitem o direito coletivo ao meio ambiente.

1.3      Classificação dos tributos em face do direito ambiental

            Continuando a correlação que José Marcos Domingues de Oliveira faz entre Direito Tributário e Meio Ambiente, faz-se necessários expor a classificação que o autor traz dos tributos do ponto de vista ambiental, utilizando-se de análises técnicas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

            Segundo o autor[17] classificam-se os tributos em

  1. Efluente charges (encargos sobre efluentes): “cobrados em face das atividades públicas de controle, autorização, registro e fiscalização, inclusive quanto às descargas poluentes líquidas, aéreas ou sonoras”;
  2. User charges (encargos de usuário): “cobrado pela a utilização dos sistemas de esgotamento sanitário público”;
  3. Product charges (encargos sobre produtos): “cobrados sobre o preço de produtos poluentes; um sistema de graduação de alíquotas permite incentivar-se ou desestimular-se a produção e o consumo de bens mais ou menos meritórios face às políticas ambientais”;
  4. Environmental surtaxes (adicionais ambientais): “cobrados como majoração do imposto de renda”.

             Dessa forma, as taxas de polícia se subsumem à classe dos efluente chares, as taxas de utilização dos serviços de saneamento, bem como do uso de recursos hídricos são classificadas como user charges, e, por fim, as classes dos product charges  e environmental surtaxes abarcam os impostos cobrados sobre as atividades dos contribuintes e suas consequências[18].

            Nas palavras de José Marcos Domingues de Oliveira[19], “um tributo pertence à categoria dos tributos ambientais se sua base de cálculo é uma unidade física (ou uma medida indireta que a substitua) de qualquer coisa que, em caso de utilização ou de disposição, tem uma repercussão negativa certa sobre o meio ambiente”.

            Portanto, tem-se o sistema tributário como ferramenta de prevenção e combate à poluição, conciliando-se as espécies tributárias com função extrafiscal destinada à proteção ambiental.

2       CONTORNOS CONSTITUCIONAIS DA TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL

2.1      O Direito ao Meio Ambiente

            O conceito legal de meio ambiente, na legislação brasileira, está disposto no art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81, que dita que o meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

            Como se depreende da leitura do dispositivo legal, a lei brasileira é restritiva ao conceituar meio ambiente, considerando, deste, apenas os aspectos naturais. Para grande parte da doutrina, o conceito de meio ambiente deve ser mais amplo e global, de forma a incorporar, também, os aspectos artificiais e culturais[20].

            José Afonso da Silva, citado por Thomas de Carvalho Silva[21], aduz que “abrangente de toda a natureza, o artificial e original, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arquitetônico”

            Ademais, deve estar apreendido no entendimento de meio ambiente o conceito de Meio Ambiente do Trabalho, inserido no mundo jurídico através da Constituição Federal de 1988, através do art. 200, VIII, cujo conceito é “o conjunto de fatores físicos, climáticos ou qualquer outro que interligados, ou não, estão presentes e envolvem o local de trabalho da pessoa”[22].

            Ao tratar do meio ambiente, a Constituição Federal de 1988 acabou por avançar na tutela legal ambiental, recepcionando este conceito mais amplo de meio ambiente. Em capítulo próprio reservado ao tema, inserido no Título “Da Ordem Social”, a CFRB/88, no art. 225, dispõe que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

            A Constituição deu ao meio ambiente, o status de bem de uso comum do povo. Em análise mais detalhada, percebe-se que, ao fazê-lo, a CFRB/88 cria uma nova categoria de bem jurídico que consiste no bem ambiental, direito de todos e dever do Estado, essencial à boa qualidade de vida dos cidadãos[23].

            Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citada por Thomas de Carvalho Silva[24], ensina que “consideram-se bens de uso comum do povo aqueles que, por determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdade de condições”.

            De tal sorte, considera-se que a Constituição Federal de 1988 abriu precedente jurídico histórico de tutela ambiental, tratando o meio ambiente como verdadeiro direito difuso, de uso comum e essencial à sociedade. Outrossim, a defesa desse bem jurídico passa a ser formal e constitucionalmente uma função do Poder Público, em todas as suas esferas. Assim, possibilita-se a utilização de um leque de institutos e instrumentos que estão à disposição do Estado para a defesa do interesse público.

            No mesmo sentido, Flávia Rangel[25] aduz que “o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CRFB/88) está diretamente relacionado ao direito à vida (art. 5º, caput, CRFB/88), consubstanciando-se em um preceito fundamental intransponível e orientador de todas as políticas públicas. Por conseguinte, o Estado tem o poder-dever de intervir na economia para garantir a proteção ambiental [...]”.

            Um dos objetivos deste estudo monográfico é entender a utilização do sistema tributário pátrio, enquanto ferramenta do Estado, na defesa do direito constitucional ao meio ambiente.

2.2      Meio Ambiente e a Ordem Econômica Social

            A Ordem Econômica de um país é entendida como o conjunto de diretrizes econômicas e financeiras que regulam a produção e circulação de riquezas na sociedade.

            Tal conjunto de diretrizes tomou contornos jurídicos quando o fenômeno constitucionalista se deu em âmbito internacional, iniciado com as constituições do México (1917) e da Alemanha (1919). Dessa forma, os Estados passaram a disciplinar, de forma sistemática, o a ordem econômica, determinando formas de organização e funcionamento da economia.

            No Brasil, a criação de um sistema jurídico de regulação da ordem econômica se deu, de início, com a edição da Constituição de 1934, e hoje está constitucionalmente regulamentada, em diretrizes gerais, no art. 170 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que assim dispõe[26]:

            “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995).

            Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

Como se vê, a ordem econômica do Brasil está lastreada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade proporcionar a todos uma existência digna, de acordo com os ditames da justiça social.        

A Constituição demanda que a ordem econômica esteja em consonância com um modelo de desenvolvimento sustentável e igualitário, que possibilite a existência de um mercado capitalista com distribuição de renda e riquezas. Para tanto, erige uma série de princípios que são fundamentais para a efetivação de um projeto econômico que se ajuste ao equilíbrio socioambiental.

Nesse cenário que, em seu inciso VI, o art. 170 da CFRB/88 eleva a proteção do meio ambiente como princípio basilar da ordem econômica, condicionando a atividade produtiva ao respeito ecológico, e abrindo previsão legal de atuação do Poder Público no sentido de interferir para que a exploração econômica esteja intimamente relacionada com a tutela do meio ambiente.

O referido dispositivo legal dita que a ordem econômica deve, necessariamente, observar a defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

José Afonso da Silva[27], ao discorrer sobre a ordem constitucional econômica do Brasil, cita os Princípios de Integração como sendo aqueles que direcionam a problemática da economia para a solução de problemas de marginalização regional ou social, incluindo, aqui, a tutela ambiental. Segundo o autor, o art. 170, VI, da CFRB/88 “reforça a possibilidade de intervenção do Poder Público para assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

Sobre o assunto, Ribeiro e Maidana[28] aduzem que “O artigo 170 da Constituição Federal, principalmente no que se refere aos fundamentos, aos objetivos e aos princípios da ordem econômica e financeira, está diretamente relacionado à política ambiental prevista no art. 225. A ordem econômica não pode ficar desvinculada dos preceitos de proteção ao meio ambiente em razão do fator inerente a qualquer atividade produtiva: o fator natureza.”

Tal integração existente entre a ordem econômica, ambiental e social é imprescindível para a efetivação dos ideais previsto na Constituição Federal, pois só assim é possível conceber um modelo de desenvolvimento econômico sustentável que, de um lado, possibilite ao Estado a geração ecologicamente equilibrada de recursos que serão destinados às políticas sociais, e de outro, proporcione aos cidadãos uma vida digna, fundada no bem-estar social[29].

Dessa forma, encontra-se fundamento constitucional para criação dos tributos ambientais, tendo em vista que a tributação é instrumento de intervenção econômica do Estado, podendo ser, portanto, utilizado para atender às necessidades de um meio ambiente saudável e equilibrado, como previsto no art. 225 da CFRB/88.

2.3      Amparo Constitucional da Extrafiscalidade Ambiental

Como dito alhures, o art. 225 da CFRB/88 garante a todos o direito ao meio ambiente equilibrado, sendo função de todos e do Poder Público, em todas as suas esferas, a tutela dos bens ambientais, para garantir boa qualidade de vida às presentes e futuras gerações.

Por sua vez, o art. 170 da Constituição Federal insere o meio ambiente como parte fundamental e estruturante da ordem econômica do país. A proteção ao meio ambiente transforma-se em princípio da exploração econômica, não podendo esta ser dissociada daquela. Ademais, possibilita ao Poder Público a atuação na defesa ecológica, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

A análise dos dispositivos legais apresentados até aqui, bem como do cenário disposto no capítulo 2 da presente monografia, permite a afirmação segura de que é constitucional a instituição de tributos que visem a proteção ambiental.

Sendo a tributação um instrumento do Estado tanto de arrecadação de recursos quanto de influência socioeconômica, e sendo o Estado instituição primordial de defesa ambiental, a conclusão lógica é de que o sistema tributário, através dos tributos ambientais, ou Green Taxes, pode atuar na proteção ao meio ambiente, favorecendo práticas ecológicas e influindo negativamente nas relações sociais de produção que são degradantes dos bens jurídicos ambientais.

3       ANÁLISE DE TRIBUTOS AMBIENTAIS EM ESPÉCIE

            Entendida a extrafiscalidade ambiental e possibilidade constitucional de instituição dos chamados tributos ambientais, é chegado o momento de analisar o ordenamento jurídico brasileiro, buscando, na Constituição Federal de 1988 e nas legislações infraconstitucionais esparsas, exemplos de tributos que desempenham a função extrafiscal de tutela do meio ambiente, ou que são instituídos e cobrados com este escopo.

            Para tanto, utilizar-se-á, por motivo organizacional e didático, apresentar-se-á cada tributo em subitens de acordo com as espécies tributárias, como previsto no Código Tributário Nacional e Constituição Federal da República do Brasil de 1988.

3.1      Impostos

            Espécie de tributo prevista no art. 16 do Código Tributário Nacional, recepcionado pelo art. 145, I, da CFRB/88, o imposto é um tributo tem por fato gerador uma situação que independe de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, considerado, por este motivo, como não-vinculado.

            O imposto é inserido no contexto da tributação ambiental quando, visando um fim extrafiscal, é utilizando para proteção do meio ambiente, através de isenções ou benefícios para os contribuintes que atenderem a critérios ambientais previstos em lei.

3.1.1     Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. ICMS Ecológico

            O Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços está previsto na Constituição Federal de 1988 no art. 155, inciso II, dando aos estados e ao Distrito Federal competência para instituir imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

            A própria CFRB/88, em seu art. 158, IV, dispões que pertencem aos Municípios 25% da arrecadação do Estado sobre as operações objeto de incidência do ICMS, adicionando, em parágrafo único, que esse montante será parcelado entre os Municípios de acordo com os seguintes critérios:

“I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.”

            É através do segundo inciso que pode se manifestar a extrafiscalidade ambiental, pois as legislações estaduais podem eleger critérios de tutela ambiental para definir como será a repartição da arrecadação do ICMS entre os seus Municípios, criando-se, dessa forma, o ICMS Ecológico.

            Entre os critérios utilizados estão o percentual do território do município que for legalmente considerada como Área Protegida, conforme previsto no art. 225, §1º, III, da CFRB/88, bem como a criação de novos espaços como esses, gestão ecológica dos resíduos sólidos, tratamento de esgoto, entre outras.

            O ICMS Ecológico pode ser compreendido, então, como[30] “um mecanismo tributário que possibilita aos municípios acesso a parcelas maiores que àquelas que já têm direito, dos recursos financeiros arrecadados pelos Estados através do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, o ICMS, em razão do atendimento de determinados critérios ambientais estabelecidos em leis estaduais”

            A Associação O Eco[31] cita os Estados da Federal que adotaram o modelo ambiental do tributo, entre os quais o Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Amapá, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Mato Grosso, Tocantins, Acre, Rio de Janeiro e Ceará.

3.1.2     Imposto Sobre Territorial Rural (ITR)

            De competência da União, o Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR) é previsto no art. 153, VI, da CFRB/88. No §4º, I, do mesmo artigo, a Constituição Federal prevê o tributo “será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas”.

            É possível enxergar, aqui, clara função extrafiscal dada ao ITR pela Constituição Federal de 1988, pois, em seu texto, evidencia o tributo como forma de efetivar a função social da propriedade. Por sua vez, essa extrafiscalidade passa a ser ambiental quando, ao se analisar o art. 186, II da CFRB/88, constata-se que a função social da propriedade rural é cumprida através da “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.

            Vale dizer que o texto constitucional criou critério de viés ambiental que possibilita a majoração ou redução da alíquota do ITR de acordo com a maior adequação ou não do contribuinte aos preceitos da proteção ambiental em relação à destinação que dá à sua propriedade rural. Assim, menor carga tributária incidirá para aqueles imóveis rurais nos quais a utilização dos recursos naturais disponíveis é ecologicamente sustentável, em respeito ao equilíbrio ambiental, enquanto maior será o valor do imposto cobrado sobre aqueles imóveis em situação contrária.

            Outrossim, Flávia Rangel[32] lembra que a Lei nº 9.393/96, legislação especial que trata sobre o Imposto sobre Propriedade Territorial Rural, estipula “a isenção da cobrança do ITR em hipótese de áreas de reserva legal, preservação permanente, reservas particulares do patrimônio natural e das áreas de servidão florestal.”

3.1.3     Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA)

            O Imposto sobre Produtos Industrializados é de competência da União e está previsto do art. 153, IV, da Constituição Federal de 1988, e é regulamentado pelo Decreto nº 7.212/2010. A alteração de alíquota do IPI é prevista no §1º do citado art. 153, de atribuição do Poder Executivo, atendidas as condições e os limites definidos em lei.

            O Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores, por sua vez, é um tributo de competência estadual, como dita o art. 155, III, da CFRB/88, que acrescenta, no §6º, II, a possibilidade de diferenciação da alíquota do IPVA em função do tipo e utilização do veículo.

            Em comum há o fato de serem usados no ordenamento jurídico pátrio, os dois impostos, de forma a exercer uma função extrafiscal que atenda à tutela ambiental.

            José Marcos Domingues de Oliveira[33] elucida que o Decreto Federal nº 755/93 estabeleceu diferentes alíquotas para o IPI que incide sobre a propriedade de veículos que são movidos à gasolina e de veículos que utilizam álcool como combustível. Para o primeiro grupo, as alíquotas variam de 25% a 30%, enquanto o segundo conta com alíquotas que vão de 20% a 25%.

            Oliveira[34] lembra ainda que “embora essa tributação diferenciada visasse originalmente incentivar a produção doméstica de álcool carburante [...], o mecanismo veio a contribuir para decréscimo geral nos níveis de poluição do ar nas cidades, transmudando-se em incentivo ao consumo de combustíveis ‘limpos’ ou não-poluentes”

            Utilizando-se do mesmo critério de combustível utilizado, o Estado do Rio de Janeiro editou a Lei nº 5.635/10 na qual reduz de 4% para 3% a alíquota de IPVA para carros movidos tanto a gasolina quanto a álcool (flex), incentivando o uso de carros que aceitem um combustível menos poluente que a gasolina, derivado do petróleo, como assevera Flávia Rangel[35].

3.1.4     Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)

            Previsto no art. 156, I, da CFRB/88, o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana é de competência do Municípios. O parágrafo primeiro do referido dispositivo dita que o IPTU tem caráter de progressividade em razão do valor do imóvel, podendo ter alíquotas diferenciadas em razão da localização e do uso.

            Lado outro, o art. 182, §4º, II, da CFRB/88 prevê a progressividade do IPTU em caso de descumprimento da função social da propriedade, esta definida no plano de diretor de cada município, como expresso no §2º do supracitado artigo.

            Tem-se no direito brasileiro a ocorrência de algumas legislações municipais que utilizam critérios ambientais para a cobrança do IPTU, conferindo a este tributo manifesta função extrafiscal quando utilizado como instrumento de proteção ou preservação ambiental. É o chamado IPTU verde.

            O Município de São Carlos-SP, por exemplo, concederá descontos de até 2% no IPTU para o ano de 2015 para os contribuintes que possuírem imóveis edificados horizontais com árvores em frente à calçada ou com área permeável, como estabelece o Decreto Municipal nº 264/2008[36].

            Por sua vez, o Município de Guarulhos-SP editou a Lei 6.793/10 que concede incentivo ambiental traduzido no desconto de até 20% sobre o valor do IPTU para imóveis edificados “que adotem duas ou mais medidas sustentáveis como sistema de captação de água da chuva, utilização de sistemas alternativos de aquecimento e geração de energia e até instalação de telhado verde”[37]

            Alfredo Fuchs[38] traz o exemplo da cidade de Porto Alegre no Rio Grande do Sul: “ A capital gaúcha, em 2003 editou o Decreto n. 14.265, depois revogado pelo Decreto n. 16.500, em 10 de novembro de 2009 que, no seu artigo 111, inciso XVIII, isenta o imóvel, ou parte dele, reconhecido como Reserva Particular do Patrimônio Natural, as áreas de Preservação Permanente, as áreas de Proteção do Ambiente Natural, estando conformes com a legislação federal aplicada à espécie, além de outras áreas de interesse ambiental, desde que preservadas de acordo com critérios estabelecidos no mesmo decreto municipal”.

            Dessa forma, o IPTU é exemplo de mais um tributo utilizado como ferramenta da tutela ambiental, prova da eficácia do sistema tributário como mais um meio de atuação do Estado em prol da garantia do direito ao meio ambiente equilibrado.

3.2      Taxas

            A taxa é uma espécie tributária que é cobrada em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição, nos termos do art. 145, II, da CFRB/88, que recepcionou o art. 77 do Código Tributário Nacional.

            O art. 78 do Código Tributário Nacional define o poder de polícia como a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão do interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

            Nessa mesma linda, as taxas ambientais são aquelas referentes aos serviços públicos relativos à preservação e recuperação ambiental, bem como ao exercício do poder fiscalizatório do Poder Público em relação às atividades com impacto ambiental.

            José Marcos Domingues de Oliveira[39] leciona que as taxas ambientais tem como “fatos geradores o licenciamento, a fiscalização e a limpeza ou recuperação ambiental”.

            Oliveira[40] continua, afirmando que as taxas ambientais “ devem ser graduadas conforme o custo dos serviços públicos ambientais relacionados à carga poluidora gerada pelos contribuintes, podem representar substanciais receitas públicas para custeio das correspondentes tarefas administrativas; isto sem prejuízo de também poderem produzir efeito indutor do poluidor a buscar alternativas de comportamento menos poluidor visando diminuir o montante da taxa que lhe cabe pagar”.

            No ordenamento jurídico pátrio nota-se a incidência de algumas taxas ambientais, como se pretende demonstrar a seguir.

3.2.1     Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental

            O art. 17-B da Lei nº 10.165/2000, que altera a Lei no 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), institui a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA – referente ao exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA – para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.

            Outrossim, José Marcos Domingues[41] salienta que o art. 17-A da Política Nacional do Meio Ambiente, incluído pela Lei nº 9.960/2000, cuja redação estabelece “os preços dos serviços e produtos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA”, em verdade fala de verdadeiras taxas ambientais cobradas em decorrência dos serviços públicos prestados pelo referido órgão, na sua atuação de tutela ambiental.

3.2.2     Taxa de Preservação Ambiental de Fernando de Noronha, Cairu e Ilha Bela

            O art. 83 da Lei nº 10.403/89 do Estado de Pernambuco, que trata sobre a tributação no Arquipélago de Fernando de Noronha, institui a Taxa de Preservação Ambiental – TPA – de Fernando de Noronha, que tem como objetivo “assegurar a manutenção das condições ambientais e ecológicas do Arquipélago de Fernando de Noronha”.

            Segundo a lei, a taxa é cobrada de todas as pessoas não residentes ou domiciliadas no Arquipélago que estejam em visita turísticas, com isenções descriminadas pelo próprio texto legal, entre as quais as visitas a serviço da Administração Público ou de caráter científico voltado para pesquisas.

            De igual escopo é a TPA instituída pela Prefeitura Municipal de Cairu-BA através da lei complementar 387, destinadas aos visitantes do Morro de São Paulo, no arquipélago de Tinharé, importante ponto turístico da região[42].

            Por fim, cita-se a TPA do Município de Ilhabela, que cobra taxa ambiental dos turistas com carros cujas placas são de outros municípios e são usadas para o custeio de projetos ambientais, aquisição de veículos utilizados para atividades ligadas ao meio ambiente e para os serviços de transbordo de lixo e resíduos da região, conforme dispõe a Lei municipal nº 547/07.

            Dessarte, as taxas ambientais aparecem como importante ferramenta de custeio das atividades estatais destinadas à tutela ambiental. Incide o efeito fiscal, de arrecadação de recursos vinculados ao custeio de serviços público, bem como o efeito extrafiscal, aqui inserindo-se a extrafiscalidade ambiental, pois a instituição dos tributos, e a utilização da receita adquirida, visam a proteção de bens ambientais específicos.

3.3      Contribuição de Melhoria

            Tributo inserido no ordenamento jurídico nacional pelo art. 81 no Código Tributário Nacional e recepcionado pela Constituição Federal de 1988, no art. 145, III, as Contribuições de Melhoria são valores pagos por proprietários que tenham seus imóveis economicamente valorizados em decorrência de obra ou serviço prestado pelo Poder Público nas adjacências de tais imóveis.

            José Marcos Domingues de Oliveira[43] escreve que, na seara ambiental, a contribuição de melhoria “se legitimará [...] quando obras dessa natureza beneficiarem a propriedade imobiliária do contribuinte”.

            Oliveira dá o exemplo da Lei nº 1.364/88 do Município do Rio de Janeiro que prevê contribuição de melhoria incidente sobre os proprietários de imóveis valorizados por obras públicas como arborização, proteção contra erosão, aterros e tratamento paisagístico.

            Este tributo, analisado através da ótica ambiental, aparece como grande fator de incentivo ao Poder Público para promover obras com escopo de proteção ou recuperação ambiental, uma vez que poderá retirar parte do custeio para essas obras dos contribuintes diretamente beneficiados pela valorização dos seus imóveis.

3.4      Contribuições Especiais

            O art. 149 da CFRB/88 cria competência exclusiva da União para criar contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesses das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas.

            Embora haja divergência, parte da doutrina entende que as contribuições especiais, como conhecidas, são espécies tributárias inauguradas pelo texto constitucional, cujo objetivo é, como se infere da simples leitura do dispositivo, permitir maior atuação da União nos setores sociais, no domínio econômico e nos interesses de categorias profissionais ou econômicas.

            Para Paulo de Barros Carvalho[44], são três, portanto, as categorias de contribuição: social, interventiva, e corporativa, “tendo o contribuinte empregado, como critério classificatório, a finalidade de cada uma delas, representada pela destinação legal do produto arrecadado”.

            De relevância para o presente trabalho, tem-se uma contribuição interventiva com nítido caráter extrafiscal ambiental, motivo pelo qual se passa à análise da mesma.

3.4.1     Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre os Combustíveis – CIDE Combustíveis

            O art. 177, §4º, da CFRB/88 prevê a instituição da contribuição de intervenção no domínio econômico relativa às atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível.

            A Lei nº 10.336/2001 institui a CIDE Combustíveis e determina graduação crescente da alíquota do tributo proporcional ao grau de poluição ou degradação ambiental do combustível sobre o qual incide.

            Nessa linha, Daniely Andressa da Silva[45] diz que “desta maneira,  institui-se um incentivo ao consumo de produtos renováveis e ambientalmente menos danosos (como o álcool), em consonância com as políticas de prevenção que regem o Direito Ambiental.”

            Ademais, a própria Constituição Federal disciplina que os recursos arrecadados serão destinados ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás, conforme disposto no art. 177, §4º, II, b.

            De tal modo, a CIDE Combustíveis permite a atuação do Poder Público de incentivar o consumo de combustíveis menos poluentes e renováveis, ao mesmo tempo em que gera recursos para serem gastos com programas ambientais e com a tutela do meio ambiente em si.

CONCLUSÃO

            A consciência ambiental e um modelo de desenvolvimento ecológico são essenciais para a manutenção do planeta e da vida aqui abrigada na forma como se conhece. Além da atuação individual em prol da tutela ambiental, o Estado, enquanto garantidor de direito, assume papel fundamental na preservação ambiental.

            A Constituição Federal de 1988 faz avançar o Direito Brasileiro no que tange a reconhecer o meio ambiente equilibrado como direito fundamental de todos e dever do Estado (art. 225), intimamente ligado ao direito à vida (art. 5º, caput).

            Ademais, erigido a princípio da ordem econômica do Brasil, a proteção ambiental passa centralizar as políticas econômicas e produtivas do país, possibilitando-se a atuação do Estado brasileiro no sentindo de tratar de forma diferente os processos e as atividades produtivas conforme o respectivo impacto ambiental (art. 170, VI, CFRB/88).

            Enquanto parte da ordem econômica estatal, o Sistema Tributário Nacional tende, necessariamente, a inserir a tutela do meio ambiente na criação, incidência e cobrança de tributos, surgindo, então, o conceito de tributo ambiental, aqui entendido aqueles criados com fim específico de custeio de serviços destinados à proteção ambiental e aqueles que, na sua forma de incidência, através de isenções e benefícios, cumprem uma função extrafiscal de guarda de determinados bens ambientais.

            Ao final do presente trabalho monográfico, é possível confirmar a configuração constitucional da tributação ambiental, pela análise conjunta dos dois artigos do texto da Carta Maior supracitados.

            Outrossim, encontrou-se no ordenamento jurídico brasileiro vários exemplos de tributos, de variadas espécies, que são instituídos ou utilizados com viés de tutela do meio ambiente, desempenhando a função fiscal de arrecadação de recursos e função extrafiscal de garantia do direito constitucional ao meio ambiente equilibrado.

            Pela análise do ordenamento jurídico pátrio, foi possível, então, perceber uma tendência de preocupação em conciliar o modelo de desenvolvimento econômico e preservação do meio ambiente, através da tributação ambiental. Prova dessa tendência é o Projeto de Emenda Constitucional 353/2009, que prevê uma reforma tributária ambiental fundamentada, principalmente em três eixos: introdução da extrafiscalidade ambiental em todos os impostos e contribuições, imunidade tributária para bens e serviços ambientalmente essenciais e repartição das receitas tributárias em razão de critérios ambientais.

            Enquanto dever do Estado, vários são instrumentos legais à disposição para cumprimento da tutela ambiental. Tem-se, por óbvio, a via penal, no sentido de cominar penas àqueles que colaboram, de alguma forma, com degradação ambiental.

            No entanto, como a degradação ambiental está diretamente relacionada com os modelos de produção e consumo hoje vigentes, parece mais adequado que atuação estatal deve ser intensificada na intervenção na ordem econômica, principalmente na tributação ambiental.

            A extrafiscalidade ambiental aparece como alternativa mais efetiva para a criação da consciência ecológica na sociedade, pois incidirá não só naqueles que cometem crimes ambientais, mas sim em toda a cadeia de produção e consumo na qual está inserida o tributo, ampliando-se, pois, o leque de pessoas envolvidas na problemática da tutela ambiental.

            Também, a possibilidade de benefícios e isenções fiscais para aqueles contribuintes que, no decorrer de suas atividades, poluam menos ou não poluam constituem verdadeira sanção premial, incentivando, sobremaneira, o desenvolvimento da ideia de proteção ambiental.

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Sobre o autor
Luan Augusto Valete

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Colegiado do Curso de Direito da Universidade Estadual de Santa Cruz da cidade de Ilhéus/BA como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Ambiental e Tributário Orientador: Profº Me. Dr. Harrison Ferreira Leite

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