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A estabilidade acidentária e o ônus probatório das partes

Agenda 01/03/2003 às 00:00

O Direito do Trabalho se destaca dos demais ramos do Direito por seu aspecto protetor, que visa garantir ao empregado, figura mais fraca na relação empregatícia, direitos mínimos e condições adequadas de trabalho. Nesse sentido, a saúde do trabalhador recebe atenção especial da lei, que além de estabelecer restrições contratuais (como limites à jornada de trabalho, proibição de trabalho insalubre ou perigoso para menores, etc.) cria obrigações a serem cumpridas pela empresa, como observância às normas de saúde e segurança no trabalho, fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) entre outras.

Com o advento da Lei 8.213/91 um novo avanço se deu em termos de proteção a saúde do empregado. É que o artigo 118 da citada lei garante a estabilidade no emprego ao trabalhador que sofrer acidente de trabalho, pelo prazo mínimo de doze meses após o afastamento pela Previdência Social. A estabilidade se estende ainda aos casos de acidente de trajeto e doença profissional ou do trabalho. Embora essa lei já tenha completado mais de uma década de existência, muito se discute sobre o alcance da estabilidade mencionada.

Para aquisição da estabilidade a lei estabelece dois requisitos básicos: a existência de acidente do trabalho ou doença laboral, e a percepção do auxílio-doença acidentário. Este último não se confunde com o auxílio-doença comum, benefício previdenciário concedido nos casos de doença comum ou acidentes estranhos ao trabalho. Também independe da percepção do auxílio-acidente, que é devido no caso de acidentes com seqüelas permanentes que acarretem a diminuição da capacidade laborativa do segurado.

Para que o empregado receba o benefício do auxílio-doença acidentário é necessária a apresentação da CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) ao Instituto Previdenciário, e sua emissão, a princípio, é obrigação da empresa (artigo 22 da referida lei), embora possam emiti-la o sindicato da categoria, o médico que assistir o empregado, autoridades locais ou mesmo o próprio segurado e seus dependentes (parágrafo 2º). O que muitas vezes ocorre é que algumas empresas, com o intuito de evitar a aquisição do direito à estabilidade acidentária pelo empregado, deixam de emitir a CAT, e este, por falta de conhecimento, não utiliza a faculdada mencionada. Evidente que diante do desconhecimento do acidente/doença do trabalho, o Instituto Previdenciário acaba por conceder o benefício do auxílio-doença comum, não preenchendo assim, o empregado, os requisitos legais para a aquisição da estabilidade.

Impossível seria aceitar que o empregador tirasse vantagem da própria torpeza, pois não cumprindo ele obrigação imposta pela lei, acabaria por prejudicar o empregado em benefício próprio. Nessas situações, a Justiça do Trabalho tem proferido decisões favoráveis aos empregados, garantindo o direito à estabilidade mesmo sem a percepção do auxílio-doença acidentário:

REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO – ESTABILIDADE ACIDENTÁRIA – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA – Se a empresa reclamada deixa de fazer o exame demissional, não impugna a existência do acidente de trabalho e deixa de emitir a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), a que também estava obrigada, é óbvio que todos esses atos acabaram culminando na impossibilidade do autor de ver reconhecida, pela própria empresa, a estabilidade do art. 18 da Lei nº 8.213/91. Assim, correta a decisão que declarou nula a resilição contratual e determinou a reintegração do reclamante no emprego. (TRT 8ª R. – RO 4339/2001 – 3ª T. – Rel. p/o Ac. Juiz Marcus Augusto Losada Maia – J. 11.10.2001) (grifo nosso)

ESTABILIDADE PROVISÓRIA – DOENÇA PROFISSIONAL COMPROVADA – NÃO EMISSÃO DE CAT – Restando comprovado o nexo causal entre o trabalho executado e a doença profissional diagnosticada – tendinite II/III -, e verificando-se que os afastamentos ocorridos superaram quinze dias anuais, sem que, no entanto, fosse emitida a competente CAT, deve a empresa suportar o ônus da indenização pecuniária, referente ao período estabilitário a que faria jus a autora, uma vez que o hipossuficiente não pode ser prejudicado por ato omissivo do empregador. (TRT 15ª R. – Proc. 12238/00 – (40613/01) – 1ª T. – Rel. Juiz Luiz Antonio Lazarim – DOESP 01.10.2001 – p. 25) (grifo nosso)

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Todavia, a questão é bastante delicada, muitas vezes dependendo de prova técnica para comprovação do fato gerador do direito. Podemos citar aqui algumas situações que ocorrem com certa freqüência: empregado afastado por doença/acidente comum em virtude da não emissão da CAT pela empresa; empregado afastado por doença/acidente do trabalho tendo a CAT sido emitida por uma das pessoas enumeradas no parágrafo 2º do artigo 22 da Lei 8.213/91; empregado doente/acidentado que não percebeu qualquer tipo de benefício previdenciário. Cada um desses casos apresenta solução processual diferente, que tentaremos analisar a seguir.

No primeiro caso (afastamento por doença comum sem emissão da CAT) cabe ao empregado fazer prova do nexo causal entre o acidente/doença e o trabalho exercido. No caso de acidente, normalmente essa prova é a testemunhal, pois se relaciona com um fato ocorrido no local de trabalho ou no trajeto para o mesmo. Já no caso de doença, é necessária a produção de prova técnica (através de perícia realizada por médico do trabalho) para atestar ser a doença ligada ao trabalho ou não. O ônus probatório, portanto, é do empregado.

Na segunda situação (afastamento por doença/acidente do trabalho, com CAT emitida por empregado, sindicato, médico, etc.) não é necessária a prova do nexo causal entre a doença ou acidente com o trabalho, pois cabe ao órgão previdenciário avaliar a situação do segurado e lhe conceder o benefício devido. Tendo o INSS reconhecido a doença/acidente como sendo relativa ao trabalho, desnecessária é a produção de prova por parte do empregado (além da juntada da própria comunicação e do deferimento do benefício pelo órgão previdenciário). Já o empregador pode produzir prova no sentido de desconstituir as informações da CAT, pois não foi ele seu emissor. Esse ônus decorre da interpretação do artigo 818 da CLT ("a prova das alegações incumbe à parte que as fizer") em conjunto com o artigo 20, §2º da Lei 8.213/91, pois se existe a autorização legal de o empregado ou terceiro emitir a CAT, tem ela total validade, admitindo porém, prova em contrário. O mesmo entendimento se extrai do artigo 389, I do CPC, pois afirma aquele dispositivo que o ônus da prova cabe à parte que alega a falsidade do documento, sem mencionar ser a falsidade formal ou material. As provas seriam as mesmas utilizadas na situação retro, ou seja, testemunhal em relação ao fato do acidente e pericial em relação ao tipo de doença.

Na terceira hipótese (empregado que, embora tenha contraído doença/sofrido acidente, não percebe nenhum benefício do órgão previdenciário) é necessária uma análise mais profunda dos dispositivos relacionados à estabilidade acidentária para se atingir conclusões mais precisas. Já foi visto anteriormente que é um requisito fundamental para aquisição do direito à estabilidade a percepção do benefício previdenciário. Este, por sua vez, só é devido após o afastamento do empregado por 15 (quinze) dias, a cargo da empresa, passando em seguida a perceber o benefício previdenciário (artigo 60 da Lei 8.213/91). Logo, se a incapacidade cessa em tempo inferior àquele previsto na lei, direito algum tem o empregado, pois não foi preenchido requisito essencial (tempo mínimo de afastamento).

Mas o que dizer quando o empregado, estando incapacitado por tempo igual ou superior ao mínimo exigido, acaba por ser demitido neste ínterim? Neste caso a demissão pode ser considerada obstativa da estabilidade, mesmo porque o período inicial de afastamento (15 dias a cargo da empresa) é considerado como de interrupção do contrato de trabalho - suspensão da prestação de serviços com pagamento de salário - garantindo a lei "todas as vantagens que, em sua ausência, tenham sido atribuídas à categoria a que pertencia na empresa" quando de seu retorno ao serviço (CLT, artigo 471). Se a lei concede vantagem mais ampla, certamente deve assegurar direito básico, a manutenção do próprio emprego. Assim, entendemos que no decorrer desse período a demissão é nula, por força do citado dispositivo, em conjunto com o artigo 60 da lei de benefícios da Previdência Social.

Agora indagamos: qual o caminho processual a ser trilhado? Evidente que o empregado deverá propor ação trabalhista postulando a reintegração ao emprego ou indenização correspondente, cabendo a ele provar não só a existência de doença ou acidente do trabalho, como o fato de a suspensão ser superior a 15 dias. Caso tenha o empregado percebido auxílio-doença por mais de 15 dias após a demissão – o que é plenamente possível, pois ele mantém a qualidade de segurado mesmo após a dispensa, durante os prazos e condições estabelecidas pela Lei Previdenciária – o aspecto objetivo (tempo de afastamento) já estaria satisfatoriamente comprovado, faltando comprovar o início do sinistro ou moléstia e a ligação entre aquela e o trabalho exercido. O que se nota é que, quanto maior a má-fé ou descumprimento da lei por parte da empresa, tanto maior é a dificuldade da prova a ser produzida pelo empregado.

Embora possa parecer que a lei (art. 118 da Lei 8.213/91) estabeleça requisitos claros para aquisição da estabilidade, tal dispositivo precisa ser interpretado segundo os fins sociais por ele visados (artigo 5o da LICC, Decreto-lei 4657/42. Nesse sentido devemos lembrar que no Direito do Trabalho prevalece a interpretação mais favorável ao empregado, conforme rege o Princípio Protetor, viga mestra do Direito Laboral, plenamente aplicável ao caso em estudo. ). Não há dúvida que no caso da estabilidade acidentária o que se busca é proteger o empregado, vítima do próprio trabalho. Assim, deve-se adaptar a letra fria da norma e acomodá-la às situações reais da vida, pois somente assim atingiremos um sistema jurídico justo e que garanta efetiva proteção ao trabalhador.

Sobre o autor
Luiz Fernando Pereira

advogado em Joinville (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Luiz Fernando. A estabilidade acidentária e o ônus probatório das partes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3883. Acesso em: 23 dez. 2024.

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