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A cidadania pode modelar o Estado

Agenda 07/05/2015 às 13:54

Análise de que apenas a educação técnica não é capaz de eliminar as contradições nacionais, tampouco reduzir as desigualdades sociais. É necessário ir além: promover a cultura cidadã na população brasileira.

Em minhas reflexões, muitas vezes imagino que a falta de cultura cidadã seja um dos maiores males da sociedade brasileira. É clichê afirmar que um dos problemas centrais da nossa gente encontra guarida na falta de educação de qualidade. Repetidos são os discursos sobre o assunto. Mas eu ouso insistir em ir um pouco mais longe: a carência de cultura cidadã.

Quando se fala em educação, pensa-se logo na educação técnica: saber produzir algo a partir de conhecimento acumulado em bancos escolares. Mas somente por si só a educação técnica não resolve problemas sociais e tampouco elimina as contradições nacionais. Eis o equívoco que tentarei explicar. A pessoa pode ser um médico com pós-doutorado em Harvard, ter cursado engenharia nas melhores universidades, e ainda continuar carente de consciência social e cidadã, permanecendo incapaz de compreender o ambiente à sua volta por meio de uma perspectiva crítica e reflexiva. Saber produzir algo, consertar ou construir não gera transformação, mas faz do ser humano um técnico. Necessário, é claro. Mas ainda assim, técnico. Em matéria de cultura cidadã, por vezes, o mecânico da esquina, o vendedor ambulante, o chamado"camelô" pode lecionar aulas ao mais titulado cientista. E é na política que essa lógica manifesta maior evidência.

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A Constituição Federal de 1988, acertadamente, dividiu competências e responsabilidades aos diferentes cargos e esferas da administração pública. Entretanto, parte importante dos candidatos, e até mesmo dos mandatários, abominam quais são as reais atribuições dos cargos que pleiteiam ou que desejam a reeleição. Em outras palavras, o chavão "você sabe o que faz um Deputado Federal?", dito por um humorista durante o horário eleitoral não pode ser atribuído somente ao próprio humorista. Até por razões da minha profissão, advogado eleitoral e professor dessa mesma área, analisar propaganda política faz parte do trabalho. E posso dizer sem medo: boa parte dos outros candidatos também não sabem o que faz um deputado federal. Pelo menos o humorista admite.

Quem nunca viu um candidato a deputado estadual dizer que se eleito (ou reeleito) irá lutar pela redução da maioridade penal? Pois é. Redução da maioridade penal é tema de legislação federal, atribuição exclusiva do Congresso Nacional, que nada tem a ver com as atividades de um deputado estadual. Quando vejo isso penso: o sujeito está disputando o cargo errado, as pessoas não deveriam votar nele... Mas votam. E também continuam a votar no vereador que promete lutar pelo fim do fator previdenciário (outra competência federal), no prefeito que atribui à Presidência da República o problema da crescente violência (sem saber que Polícia Civil e Militar são subordinadas ao Governador do Estado), no senador que promete acabar com os buracos na rua (responsabilidade municipal), entre outras questões hilárias.

E tudo que é ruim pode piorar... A população, não raro, culpa a Presidência da República pela má qualidade da educação pública de nível fundamental e médio, pelos baixos salários dos professores e suas greves, cuja competência pertence aos Estados e municípios.

A conseqüência dessa carência de cultura cidadã é a formação de um círculo vicioso em que a confusão dos papéis, num cenário em que não fica claro quem manda ou quem são os responsáveis, tende a permitir que escolhas equivocadas de políticos em todos os níveis. O resultado perverso, quando nem povo e nem gestor fazem ideia do que podem fazer ou o que é alheio às suas atribuições, consagra o desgoverno e a produção normativa inconveniente, inoportuna e inconstitucional.

Sobre o autor
Renato Ribeiro de Almeida

advogado e Professor de Direito Eleitoral e Direito Constitucional. Bacharel em Direito pela USP, Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie e atualmente cursa Doutorado em Direito pela USP. É Advogado especialista em Direito Eleitoral, Constitucional, Administrativo e Parlamentar. Tanto como professor como na advocacia, Renato Ribeiro de Almeida notabilizou-se como um dos maiores nomes do país em Direito Eleitoral. Sua advocacia é destinada à defesa de agentes políticos, importantes personalidades públicas e empresas que se relacionam com o Poder Público. Como professor, já lecionou cursos e proferiu palestras em vários Estados, para advogados, juízes, promotores, estudantes de Direito e demais interessados em Direito Eleitoral. Ao longo de anos, alcançou reconhecida experiência no Supremo Tribunal Federal, no Tribunal Superior Eleitoral e nos Tribunais Regionais Eleitorais, contabilizando centenas de ações eleitorais por todo o Brasil. Além desse trabalho, são inúmeras as defesas e consultas em ações civis públicas por improbidade administrativas e defesas em Tribunais de Contas. Com eficiência e trabalhos exclusivos, cuja qualidade é uma obsessão, seja na advocacia ou na docência, prima por atuar em questões sensíveis e complexas, em que cada caso é tratado de forma única. Dentre os principais temas de concentração, destacam-se a rejeição de contas por parte dos Tribunais de Contas, ações judiciais por improbidade administrativa, condenações em comissões de ética nas Casas Legislativas, comissões parlamentares de inquérito (CPIs), propaganda política irregular, fundação de novos partidos políticos, abuso de poder político, abuso de poder econômico, fidelidade partidária, captação ilícita de recurso e “caixa dois”, eleições suplementares, entre outros.

Informações sobre o texto

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