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O contraditório e a ampla defesa no inquérito policial.

Agenda 15/05/2015 às 22:46

Um artigo que conceitua o inquérito policial e traz visões doutrinárias sobre o princípio do contraditório e ampla defesa neste procedimento. Será possível, obrigatório ou proibido a observação de tais princípios? Estas e outras questões serão abordadas.

1- Introdução

O inquérito policial é um dos temas mais interessantes do Direito pátrio e desperta curiosidade e diversos trabalhos acadêmicos, alguns com argumentos favoráveis e outros contra. Alguns estudantes de Direito e profissionais da área da segurança pública são favoráveis e entendem a necessidade de um procedimento investigatório inicial e imparcial para basear a ação penal, ainda que o inquérito não tem a função exclusiva de basear a ação penal. 

Por sua vez, aqueles juristas e estudantes mais ligados às idéias promovidas por membros do Ministério Público e alguns Magistrados entendem que o inquérito policial está cada vez mais defasado e perdendo sua utilidade nos moldes atuais. Inclusive, alguns defendem que por não ter contraditório e ampla defesa perde totalmente sua finalidade. 

Obviamente que este último pensamento não expressa a idéia deste autor já que a imparcialidade para a propositura da ação penal é fundamental para um julgamento honesto. Já sobre a formatação atual, há necessidade de analisar os benefícios que o contraditório e a ampla defesa possam trazer ao Inquérito Policial. 

Tais principios já são consagrados em nosso ordenamento jurídico e são basilares do processo penal, contudo, em razão das características do inquérito, não tem sua aplicação obrigatória. 

Desta feita, iremos conceituar o inquérito policial e suas características e ao fim analisar a incidência dos princípios supramencionados. 

2 - Conceito e finalidade de Inquérito Policial 

O conceito de Inquérito Policial é de fácil compreensão, sendo certo que não há uma divergência doutrinária para sua explicação, porém, para uma definição completa seria necessária à análise conjunta das mais diversas definições dos estudiosos do direito.

Por início, devemos abordar o ius puniendi do Estado, ou seja, sempre que alguém infringe uma norma estabelecida em nosso ordenamento jurídico, surge ao Estado à necessidade de repreender o autor do crime. O Estado tem o poder-dever de apurar o ocorrido, bem como chegar a sua autoria, colher as provas cabíveis e todos os indícios da materialidade. Desta forma, o Estado, em tese, mantem a garantia da ordem pública em prol de um bem comum. Com a cabal apuração do crime, o julgamento e a condenação do criminoso, a sociedade se sente mais segura e esta serve de exemplo a outras pessoas. 

A polícia judiciária, de acordo com a Constituição Federal de 1988, estará a cargo da Polícia Federal (art. 144, §1º, IV) e das Polícias Civis dos Estados (art. 144, §4º). A polícia judiciária tem por função zelar pela produção de provas, constatação dos autores dos cometimentos de crimes, de modo que os indícios não se percam com o passar do tempo.

Realizadas estas explanações, devemos retornar ao conceito de inquérito policial surgido, como vimos no capítulo acima, com o Decreto Regulamentar nº 4.824/71, referente à Lei nº 2.033 de 1871 que em seu artigo 42 o definia da seguinte forma: “O inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices e deve ser reduzido a instrumento escrito. A autuação de todas essas diligências forma o inquérito.”.

Estas definições foram mantidas com o passar do tempo e o inquérito policial foi devidamente regulamentado no código de processo penal, através da Lei 9.043/95, onde ficou determinado que tal procedimento seja de responsabilidade da polícia judiciária de cada Estado, bem como suas competências.

Na doutrina, encontramos diversas definições, sendo certo que para Fernando da Costa Tourinho Filho o inquérito policial trata-se de “conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma infração penal e sua autoria, a fim de que o titular da ação penal ingressar em juízo.” [1]

De maneira semelhante, Julio Fabbrini Mirabete escreveu que “o inquérito policial é todo o procedimento policial destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de uma instrução provisória, preparatória, informativa, em que se colhem elementos por vezes difíceis de obter na instrução judiciária”.[2]

Nas definições acima tratadas, o inquérito é colocado como uma peça informativa que visa, apenas, relatar as diligências realizadas pelos policiais e expor a autoria e materialidade do crime para embasar a propositura de ação penal. No entanto, não devemos tratar a definição de modo tão superficial, sem colocar os responsáveis pelo inquérito, sobre as diligências e a finalidade.

Portanto, este autor, após análises de muitos conceitos, elaborou uma definição que entende ser a mais completa e ideal para definir a importência do inquérito policial: O inquérito policial é um instrumento formal presidido e elaborado pelo Delegado de Polícia, representante da Polícia Judiciária, onde todas as investigações, diligências e as provas realizadas no intuito de esclarecer a autoria, materialidade, motivações e circunstâncias de um fato que se apresentou como criminoso, buscando a verdade real. Todas as informações angariadas pela investigação deverão ser documentadas para serem autuadas e formar o inquérito policial, que será, ao seu término, encaminhado a juízo e, em se comprovando a existência de um ilícito penal, servirá para embasar a ação penal e auxiliar na prestação jurisdicional. Ainda sim, o inquérito serve para apurar a verdade real de fatos que não aprentem se tratar de crimes, mas que necessitam ser melhores apurados. 

Isto posto, devemos analisar a finalidade do inquérito policial, a qual pode ser encontrada comumente como sendo a de servir para embasar a ação penal, ou seja, para que através dele o Ministério Público possa propor a denúncia e, assim, iniciar-se o processo criminal, ou ainda, em ação penal privada, servir ao ofendido.

No entanto, um instrumento como este, com uma definição tão importante na esfera penal não pode ter sua finalidade resumida apenas em servir à ação penal. Vejamos, se definimos o inquérito como um procedimento que busca a verdade real sobre um possível crime, é óbvio que este fato deve ser levado em consideração e considerado como a principal finalidade do inquérito policial.

A finalidade do inquérito policial é composta ainda por duas finalidades acessórias, ou seja, o IP serve para que o juiz se convença acerca de medidas cautelares durante o período de investigação e para a admissibilidade da ação penal. 

3 - Características do Inquérito

As características do inquérito policial são várias e cada doutrinador cita e exemplifica uma quantidade diferente destas características, ainda sim, três são as características principais, aquelas inseridas em todas as doutrinas, independente da atenção que este procedimento recebe na obra.

Para este estudo, iremos informar de um modo genérico as características do inquérito, contudo iremos discutir mais afundo apenas quatro delas, as mais importantes que são: Procedimento Escrito, Sigiloso, Inquisitório e Indisponibilidade. Tais exposições serão referidas nos subitens que se seguem. 

De acordo com o Parquet e doutrinador Fernando Capez em seu livro Curso de Processo Penal, as características inerentes ao inquérito policial, exceto as já mencionadas são: oficialidade; oficiosidade e autoritariedade.[3]

3 a) Procedimento escrito

O procedimento escrito, a meu ver, é o pilar de sustentação do inquérito policial, é a característica básica deste tipo de procedimento, embora muitos defendam a digitalização e uma morosidade menor ao inquérito para uma agilidade maior.

Esta característica advém de norma expressa inserida no código de processo penal em seu artigo 9º, como se pode ver in verbis:

Art. 9º: Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.

A imposição de que as peças sejam todas reduzidas a escrito ou datilografadas, ou modernamente digitadas, está de acordo com as finalidades do inquérito. De maneira abrangente, a finalidade do inquérito policial é descobrir a verdade real sobre um fato e se este comprovar ter sido criminoso deverá ser remetido ao Ministério Público para sustentar e acompanhar a denúncia. 

3 b) Sigiloso

A característica do sigilo no inquérito policial faz parte da sua natureza investigatória, posto que em alguns casos a exposição acerca de uma diligência pode torna-la infrutífera.

Romeu de Almeida Salles Junior escreve que “a finalidade do inquérito é levar a efeito uma investigação. Procura a autoridade, por meio dele, descobrir a prática de ilícitos penais, determinando a respectiva autoria. Torna-se necessário, pois, manter o sigilo das investigações e, por consequência, do próprio inquérito policial”.[4]

O Código de Processo Penal em seu artigo 20 anota que a autoridade deverá assegurar o sigilo necessário para elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

Em relação ao princípio constitucional previsto no artigo 5º, XXXIII, o qual trata do direito genérico de se obter informações dos órgãos públicos pode sofrer limitações ditados pela segurança da sociedade e do Estado, conforme disposição do próprio artigo.

3 c) Inquisitivo

Esta é uma característica muito importante do inquérito policial, pois está em sua natureza jurídica. Diz-se que o inquérito policial é inquisitivo visto que todo seu desenvolvimento está concentrado nas mãos de apenas uma autoridade, ou seja, todas as atividades persecutórias estão incumbidas a apenas um responsável.  O princípio da obrigatoriedade e o da oficialidade da ação penal estão intimamente ligados com a característica inquisitivista.

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Romeu de Almeida Salles Junior conceitua este procedimento como inquisitivo porque a “autoridade comanda as investigações como melhor lhe aprouver”.[5] E continua dizendo que é inquisitivo “pelo fato de a autoridade comandar as investigações com certa discricionariedade”.[6]

Outra peculiaridade é o fato de não haver um rito preestabelecido em lei, de modo que o presidente do inquérito policial é que determina os rumos da investigação, determinando a realização das diligências que entender cabível para a descoberta do autor do delito.

De acordo com Fernando Capez, a característica inquisitiva do inquérito configura-se com o disposto no artigo 107 do Código de Processo Penal que proíbe a arguição de suspeição das autoridades policiais, bem como o poder conferido às autoridades de indeferir qualquer diligência requerida pelo indiciado ou ofendido, de acordo com o artigo 14 do mesmo Diploma legal.  Vale ressaltar que o delegado não pode indeferir o exame de corpo de delito, única exceção, de resto todas as perícias podem ser negadas se não forem essenciais ao esclarecimento da verdade sobre os fatos. [7]

 

3 d) Indisponibilidade

A indisponibilidade, em muitas doutrinas, não é colocada no rol das características e sim, tratada conjuntamente no tópico sobre o arquivamento do inquérito policial.

Pois bem, ambos os temas tem o mesmo significa e é de fato uma característica, já que trata das normas para o arquivamento do inquérito, ou seja, características procedimentais.

Enfim, a indisponibilidade, segundo o art. 17 do Estatuto Processual Penal é a impossibilidade da autoridade policial determinar o arquivamento do inquérito policial, de modo que apenas o Ministério Público pode propô-lo.

Como já dito, o Ministério Público é, além de fiscal da lei, o detentor do direito da ação penal pública, ou seja, é necessário que seu representante opine pelo arquivamento, porquanto cabe ao titular valorar as provas colhidas e então decidir se há ou não embasamento para oferecer a denúncia.

De ofício, a autoridade judiciária não poderá determinar o arquivamento do inquérito, sob a pena de incidir sob sua decisão correição parcial já que deverá, obrigatoriamente, aguardar a manifestação do MP no sentido do arquivamento.

 

4 - Ampla defesa e o contraditório

A ampla defesa e o contraditório são comumente dito por todos nós em um sentido como se fosse apenas um princípio, quando na verdade são dois princípios, sendo eles um dos mais importantes do direito processual brasileiro, mais ainda, quando falamos de direito penal. É claro que antes de relacionarmos tais princípios com o inquérito policial necessitamos conceitua-los e diferenciá-los, para aí sim, conseguirmos analisar em conjunto ao inquérito policial.

Iniciaremos este estudo pela definição do princípio do contraditório, o qual diante de sua complexidade e dos estudos que o envolve, não será uma tarefa fácil e muito menos, conseguiremos exaurir todo seu conteúdo e discussão sobre ele.

Em um processo penal deve estar sempre presente o devido processo legal, o mais abrangente e importante do sistema processual brasileiro e em se tratando de processo acusatório há a necessidade de existir a garantia do contraditório para assegurar a ampla defesa do autor, deste modo estarão presentes a base da ampla defesa.  Há quem defenda que seria uma violência praticada contra o acusado se a ele fosse cerceado o direito do contraditório, deixando - o sem defesas.

O mestre Joaquim Canuto Mendes de Almeida escreve que “a verdade atingida pela justiça pública não pode e não deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa ao indiciado. É preciso que seja o julgamento precedido de atos inequívocos de comunicação ao réu: de que vai ser acusado, dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de fato (provas) e de direito”. “E continua no sentido de que é necessário também que essa comunicação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisso está o prazo para conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da imputação e para a oposição da contrariedade e seus fundamentos de fato (provas) e de direito”. [8]

Analisando o mesmo assunto, Julio Fabbrini Mirabete firma “que do princípio do contraditório decorre a igualdade processual, ou seja, a igualdade de direitos entre as partes acusadora e acusada, que se encontram num mesmo plano, e a liberdade processual, que consiste na faculdade que tem o acusado de nomear o advogado que bem entender, de apresentar as provas que lhe convenham etc.”.[9])

Esta análise de Mirabete funda-se na necessidade que se tem na justiça penal de se impor a igualdade entre as partes (audiatur et altera parts) para que essa isonomia processual garanta a legalidade da prestação jurisdicional prestada pelo Estado.

Nestes termos estamos nos aproximando e se aprofundando do resumo acerca deste princípio, visto que cada citação doutrinária que encontramos vai de encontro uma com a outra, como é o caso dos ensinamentos de Germano Marques da Silva, ao afirmar que “este princípio traduz- se na estruturação da audiência em termos de um debate ou discussão entre a acusação e a defesa. Cada um dos respectivos titulares é chamado a aduzir as suas razões de fato e de direito, a oferecer as suas provas, a controlar as provas contra si oferecidas e a discretear sobre o resultado de umas e outras”. [10]

Percebe-se então, a necessidade de que o acusador fundamente bem sua peça com os fatos que tem contra o suspeito, pois ao explicitar todos os motivos e fundamentos jurídicos, ele torna possível ao acusado preparar a contento sua defesa técnica, bem como produzir as provas necessárias para rebater a imputação que lhe é feita.

Anote-se que esta possibilidade do réu apresentar sua defesa e produzir suas provas é muito importante, visto que pelo simples fato de uma pessoa estar sendo investigada boa parte da sociedade começa a trata-la com certa diferença, sem sequer questionar acerca dos acontecimentos. Muitas vezes, se não fosse à possibilidade propiciada pelo contraditório, o acusado seria condenado sem ter podido se defender e provar sua inocência, de modo que sua reputação perante a sociedade estaria mais arranhada e os prejuízos para sua vida social seriam, em muitos casos, irreparável.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 é que se discute o princípio do contraditório e da ampla defesa e sua aplicabilidade junto ao inquérito policial, pois prescreve seu artigo 5º, LV, que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

Desde então os doutrinadores trabalham com essa discussão, posto que o inquérito policial tenha natureza administrativa e, portanto se encaixaria naquela disposição. Ainda sim, tal assunto é controverso e muito discutido, de modo que trataremos disso mais profundamente, logo abaixo.

Após este breve relato acerca da conceituação de contraditório, vamos tentar fazer o mesmo referindo-se ao princípio da ampla defesa.

Para iniciar o tema, nada melhor do que visualizar o que nos ensina Alexandre de Moraes que afirma: “Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de calar-se, se entender necessário”.[11]

Mais didaticamente, Greco esquematizou os meios inerentes à ampla defesa: “a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, é essencial à Administração da Justiça; e e) poder recorrer da decisão desfavorável”.[12]

Após a exposição das duas definições acima, fica nítido que a ampla defesa é uma garantia processual de suma importância a qual não deve ser negada a ninguém que se encontra na posição de acusado em um processo criminal. É uma garantia constitucional e mais do que isso é, também um direito cívico. Deste modo, o processado poderá defender-se das mais diversas maneiras, a fim de provar sua inocência.

Obviamente que, ainda que pese a importância dos meios de prova no concernente à ampla defesa, é de suma importância salientar que a ampla defesa também é composta por outras garantias, algumas de importância igual ou até superior ao do conjunto probatório. Neste sentido, o doutrinador André Rovégno destaca dentre o conjunto de aspectos assegurados pela ampla defesa os seguintes: “a necessidade de se conferir ao acusado, além da defesa pessoal (autodefesa), defesa técnica, com a possibilidade, para os mais necessitados, de obtenção de assistência jurídica integral e gratuita; a imperativa observância da ordem de manifestação no processo, com a defesa falando sempre por último; a existência de acusação clara e precisa; a plena possibilidade de apresentação de alegações e dados fáticos contra a acusação; a possibilidade de acompanhar a prova produzida; a possibilidade de impugnar, por meio de recurso, toda decisão desfavorável; a concessão de tempo e meios adequados para a preparação da defesa; e, por fim, o direito de não ser obrigado a depor contra si”.[13]

Apenas para fazer um desfecho sobre este princípio, vale ressaltar que a autodefesa e a defesa técnica também são de fundamental valor e estão interligadas, intimamente, pois o réu tem todo o conhecimento fático, com riquezas de detalhes, porém sem conhecimentos acerca das regras do Direito, ou seja, sua defesa não seria plena, de mesmo modo, de que não adianta todo o conhecimento do defensor, seja ele público ou constituído pela parte, se sem todo o conhecimento dos fatos não seria possível à elaboração de uma defesa técnica a contento. Deste modo, somente a união dos conhecimentos fáticos e das leis é que permitiria uma defesa mais completa e, novamente, estabelecida a ampla defesa, pois aí sim o réu tem condições de provar sua inocência.

Difícil, agora, é a tarefa de diferenciar ambos os princípios, de modo que a própria doutrina, devido ao grande número de estudiosos, acaba divergindo, posto que uma parte acredita que a ampla defesa está inserida no princípio do contraditório e a outra vice e versa.

Araújo Cintra, Alda Pellegrini e Candido Dinamarco sustentam que o direito de defesa se estriba no princípio do contraditório[14], ou seja, entende-se que o contraditório geraria a ampla defesa.

No entanto, ao analisarmos a maioria das doutrinas encontramos um posicionamento no sentido de que a ampla defesa é um princípio mais amplo e que, portanto contem a noção do contraditório.  Isso se percebe no pensamento de Edson Luis Baldan quando ele cita estar o “contraditório inserido no princípio maior que é a ampla defesa, com ele não se confundindo e a ele não se restringindo”. [15]

Em idêntico sentido, Vicente Greco Filho ensina que “o contraditório pode ser definido como o meio ou instrumento técnico para a efetivação da ampla defesa”.[16]

Uma diferenciação entre ambos é o fato de que o contraditório é um princípio inserido em nossa Carta Magna que qualifica a relação processual, porém existe um prazo determinado para ambos os litigantes se manifestarem com relação a determinado ato processual e caso este prazo seja perdido, ocorre à preclusão, no entanto, não se pode dizer que não houve o contraditório.

Portanto, ao contraditório é possível dizer que sobre ele incide a preclusão caso as partes percam seus prazos processuais, já a ampla defesa é originada com a ameaça, a simples perspectiva de uma violação a um direito, sem qualquer tipo de prazo.

Por fim, para encerrar essa diferenciação entre ambos os princípios, é de grande valia salientar a conclusão de André Rovégno que escreveu que “São, certamente, dois princípios que caminham lado a lado e que se tocarão nos mais diversos momentos e nas mais diversas situações. Vistos os dois princípios sobre esse enfoque, que realça a essência de cada uma das ideias, parecem-nos, portanto, diferenciáveis”. [17]

Superada essa fase de diferenciação, entraremos a fundo na possibilidade da utilização do princípio da ampla defesa e contraditório em sede de inquérito policial.

Se continuarmos analisando a obra de Rovégno, percebemos que em sua opinião “A doutrina brasileira, de forma dominante, tem sustentado que no inquérito policial não tem atuação os princípios do contraditório e da ampla defesa, assertiva que vem, normalmente, acompanhada de considerações genéricas, sobre a existência de acusado na fase da investigação criminal e sobre a natureza inquisitiva do inquérito policial, que, nessas condições, não comportaria atuação da defesa.” [18]

Contrariamente a possibilidade de estes princípios serem utilizados no inquérito policial temos a versão de Dilermando Queiroz Filho que em sua obra crava que “no inquérito policial, a ausência de relação processual, bem como na linha do que se disse acima, a inexistência de acusado, não autorizam com base no texto constitucional, a adoção dos princípios em estudo a esse expediente.” [19]

A maioria das teorias que defendem a impossibilidade do inquérito ser realizado sob a égide do contraditório e da ampla defesa se fundam em ideias iguais as de Dilermando Queiroz Filho, bem como em síntese alegam que o inquérito não permite defesa, pois é inquisitório e sigiloso.  Observam-se ainda, aqueles que acreditam que se a ampla defesa e o contraditório fossem implementados no inquérito policial, possivelmente as investigações fracassariam e as ações penais dificilmente teriam sucesso.

Existem alguns posicionamentos que estão entre o positivo e o negativo e que parcialmente entendem a necessidade do contraditório e da defesa, ainda que de maneira relativa. Ao nosso modo de ver, Antonio Scarance Fernandes em sua obra Processo Penal Constitucional diz que “só se exige a observância do contraditório, no processo penal, na fase processual, não na fase investigatória” [20] e salienta que, sem dúvida, exista a “necessidade de se admitir a atuação da defesa na investigação, ainda que não se exija o contraditório, ou seja, ainda que não se imponha a necessidade de prévia intimação dos atos a serem realizados”.[21]

Através do estudo da obra de Scarance, percebemos que ele se preocupa com os exames periciais que são elaborados durante o inquérito policial, exames estes que não poderão ser refeitos em outra oportunidade, de forma plena. Nestes casos, o autor acredita que, exceto naqueles casos em que os exames padecem de uma urgência em sua realização, o investigado deveria ser informado, para que possa apresentar quesitos ao perito e assim conseguir uma prova a seu favor. Ressalte-se que em casos que seja impossível a conservação da coisa ou com a possibilidade de se perderem os indícios do crime, não haveria a necessidade de realizar a comunicação ao investigado. 

Todavia, são poucos os autores que entendem que o inquérito admite parcialmente o princípio do contraditório e da ampla defesa.

Já Marcelo Fortes Barbosa, trata o tema de modo diferente, ou seja, para ele com o advento do artigo 5º, inciso LV, acredita que não há a possibilidade de negar a defesa em sede de inquérito policial, em especial em relação à conjugação das expressões “acusados em geral” e “processo administrativo”, presente no inciso citado, bem como diante de verificação da existência, no inquérito policial, de provas que não poderão ser repetidas em juízo, por exemplo, exames periciais.

Com relação ao primeiro argumento, afirma que a conjugação das expressões indica que o pátrio legislador pretendeu fazer uso amplo da noção de processo administrativo, onde se abrangeu todas as formas de processo administrativos existentes, inclusive o inquérito. Analisa que a Constituição Federal contempla o indiciado como sujeito de direitos e não só como objeto da investigação. [22]

Outro doutrinador que sempre esteve ao lado do reconhecimento do principio do contraditório e da ampla defesa no inquérito é Rogério Lauria Tucci, que em suas obras sempre se posicionou a favor do reconhecimento dos princípios em face da promulgação do texto constitucional. Em uma de suas obras ele disse que:

“... a evidencia que se deverá conceder ao ser humano enredado numa persecutio criminis todas as possibilidades de efetivação da ampla defesa, de sorte que ela se concretize em sua plenitude, com a participação ativa, e marcada pela contrariedade, em todos os atos do respectivo procedimento, desde a fase pré-processual da investigação criminal, até o fim do processo de conhecimento, ou do de execução, seja absolutório ou condenatória a sentença proferida naquele”. [23]

Anote-se mais uma vez o art. 5º, LV da Constituição Federal, já que para os doutrinadores que opinam pela processualização do inquérito policial, tal dispositivo constitucional reitera a garantia do contraditório e ampla defesa no processo penal. O contraditório deve ser admitido na investigação criminal, por tratar-se de procedimento administrativo, onde se encontra em jogo conflitos de interesses diversos de ambas as partes, o que proporciona uma carga processual, bem como se faz presente a necessidade de imperar as garantias inerentes ao processo.

Fauzi Hassan Chouke manifesta-se em prol da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa no procedimento investigatório policial. Ele defende “o entendimento no sentido de que conforme a Constituição Federal, o responsável pela investigação deve proporcionar ao investigado, meios de prova que favoreçam o mesmo”.[24]

Afinal, faz-se necessário salientar que em relação ao contraditório alguns mestres nos guiam pelo caminho de que o contraditório pode existir antes, porém deve ser colocado em prática a partir do indiciamento de uma pessoa no inquérito policial, já que ele deixaria de ser um objeto da investigação e passaria a integrar o polo passivo da investigação sendo acusado pelo delito.

Sobre isso, também se manifestou Rogério Lauria Tucci, o qual sustenta que:

(...) até o indiciamento formal não há necessidade de contraditório, porém, a partir deste ato, o contraditório passa a existir e o indiciado passa a contar com todas as garantias previstas na Constituição Federal, com especial destaque para a possibilidade de permanecer em silêncio durante o interrogatório, um direito do indiciado que não pode ser interpretado desfavoravelmente à sua pessoa, sob pena de estar-se rasgando a Constituição.[25]

Verifica-se decisão proferida pelo Superior Tribunal Federal neste sentido:

A situação de ser indiciado gera interesse de agir, que autoriza se constitua, entre ele e o Juízo, a relação processual, desde que espontaneamente intente requerer no processo ainda que em fase de inquérito policial. A instauração de inquérito policial, com indiciados nele configurados, faz incidir nestes a garantia constitucional da ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. [26]

5 – Conclusão

Este artigo, ab initio, trata do inquérito policial desde sua conceituação e características para facilitar a compreensão da possibilidade ou não de aplicação dos princípios do contraditório e ampla defesa.

Anote-se que o inquérito policial para a maioria da doutrina é entendido como um mero procedimento investigativo para basear a propositura da ação penal e que pode ser totalmente substituído, sem prejuízos. Obviamente que a ação penal pode ser intentada sem inquérito policial, porém sua importância é enorme.

No entanto, a definição mais completa apresentada neste artigo sobre inquérito policial foi formulada por este autor, após análise das mais diversas e respeitadas construções doutrinárias.

Portanto, com base no estudo deste artigo verificamos que o inquérito policial é muito mais do que uma peça para servir de base à ação penal, e sim, um procedimento que busca além de tudo a verdade real dos fatos apurados, independentemente de, inicialmente, serem criminosos ou não, bastando que tragam interesse policial. Para exemplificar temos o inquérito instaurado para apurar um suicídio.

Superada essa questão da definição do inquérito analisamos as definições de diversos autores acerca dos princípios do contraditório e ampla defesa, que em suma resumiu-se o contraditório como a oportunidade que é dada ao acusado de se defender, através da comunicação prévia de todos os atos e eventos processuais. Já a ampla defesa, de acordo com a maioria doutrinária, é um princípio mais amplo, que conglomera o contraditório. A ampla defesa é toda a possibilidade do acusado apresentar sua defesa e provar sua inocência, inclusive fazendo uso do silêncio se assim desejar e se inicia com a simples possibilidade de violação de um direito.

Pois bem, após as definições de contraditório e ampla defesa, expomos que existem três posições acerca da possibilidade da incidência deste princípios no inquérito policial, uma contra, uma intermediária e outra favorável.

Os doutrinadores mais conservadores alegam que o contraditório e a ampla defesa são princípios processuais, ou seja, não podem ser inseridos na fase pré-processual. Segundo seus defensores, o simples fato de se produzir o inquérito baseado no contraditório e ampla defesa o tornaria praticamente sem efeito, já que as partes seriam avisadas sobre os atos investigatórios antecipadamente. Outro fator que defendem é que a natureza inquisitiva e sigilosa impossibilitaria a inserção de tais princípios.

Por outro lado, alguns doutrinadores entendem que apenas o princípio da ampla defesa deve ser observado durante a fase de inquérito policial, pois a intimação acerca dos atos processuais acabaria atrapalhando as investigações, todavia entende que a ampla defesa é possível, inclusive, dando possibilidades ao investigado de oferecer requisitos à perícia técnica, quando estas puderem aguardar para serem realizadas.

A terceira posição é aquela que aceita a possibilidade de se aplicar os princípios do contraditório e da ampla defesa na fase de inquérito policial. Seus defensores alegam que a constituição federal sem eu artigo 5º instituiu que nos processos administrativos deverá existir o contraditório e a ampla defesa e entendem que o inquérito está inserido nestes procedimentos. Outro motivo é que alguns autores manifestam que o indiciado não é apenas um objeto da investigação e sim, uma parte com direitos, inclusive, afirmando que deve ser dado direito aos envolvidos de produzirem provas acerca de sua inocência e isto se daria com a possibilidade do contraditório e ampla defesa.

Parecem-nos mais correto aqueles argumentos que são favoráveis à aplicabilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa, ainda que com certa parcialidade em relação ao contraditório, pois os atos investigativos não podem ser revelados aos investigados previamente, pois isso frustraria a apuração. Contudo, em todos os outros atos é mais que necessária à aplicabilidade destes princípios, até mesmo, pois isso daria maior valor probante ao inquérito policial. Já a ampla defesa pode ser promovida durante toda a fase policial, inclusive com a comunicação das provas aos advogados das partes.  

6 - Bibliografia

[1] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 11ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 1989. P. 171

[2] MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 14ª Edição. Editora Atlas. São Paulo. 2003.  p. 60.

[3] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2008. p. 77/78

[4] SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito Policial e ação penal: indagações, doutrina, jurisprudência, prática. 7ª ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva 1998. p. 5 

[5] SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Inquérito Policial e ação penal: indagações, doutrina, jurisprudência, prática. 7ª ed., rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva 1998. p. 6

[6]  Ibidem, p. 7

[7] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 78

[8] ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. Princípios Fundamentais do Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973. p. 25

[9]  MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 43.

[10] SILVA, Germano Marques da. Curso de Processo Penal, V. II , Ed. Verbo. p. 77

[11] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9. ed., São Paulo: Atlas, 2001. p. 118

[12] GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 15.

[13] ROVÉGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. p. 269/270

[14] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Alda Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 6ª ed. amp. e atual., São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2001. p. 25

[15] SILVA, Marco Antônio Marques da (coord.). Tratado Temático de Processo Penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 132

[16] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 12ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 58

[17] ROVÉGNO, André. O inquérito policial e os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Campinas: Bookseller, 2005. p. 281

[18] Ibidem, p. 284

[19] QUEIROZ FILHO, Dilermando. Inquérito Policial. Rio de Janeiro: Editora Esplanada, 2000. p. 64/65

[20] FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 3ª ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 64

[21] Ibidem, p. 64

[22] BARBOSA, Marcelo Fortes. Garantias Constitucionais de Direito Penal e de Processo Penal na Constituição de 1988. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie. 1993. p. 144/146

[23] TUCCI, Rogério Lauria. Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro. Tese para concurso de professor titular de Direito Processual Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1993. p. 205

[24] CHOUKE, Fauzi Hassan. Garantias Constitucionais na investigação Criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 98

[25] MARTINS, Ricardo Maffeis, Reforma Penal (II) - Os problemas do arquivamento das investigações pelo MP. Disponível em: www.direitocriminal.com.br. Acesso em 04 de outubro de 2012.

[26] Nesse sentido: RT 522/403.

Sobre o autor
Elaercio Fernandes Filho

Escrivão de Polícia da Polícia Civil do Estado de São Paulo e Bacharel em Direito

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