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Prática e regulamentação do franchising no Brasil

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Agenda 20/05/2015 às 03:03

3. Contrato de Franchising

O contrato de franchising é um contrato por adesão, com cláusulas gerais, uniformes, abstratas e imutáveis, as quais o franqueado adere ou não ao assiná-lo. O instrumento deve também ser comutativo, sendo oneroso e sinalagmático, uma vez que ele se aperfeiçoa só e exclusivamente pelo assentimento de ambas as partes, pela convergência das vontades do franqueador e do franqueado. Fruto das negociações que o procederam, deverá consagrar a transparência, a sinceridade, a lealdade e o respeito mútuo, que presidiram as relações iniciais entre franqueador e franqueado.7

O sistema, conforme citado anteriormente, surgiu nos EUA, em 1860, com a indústria de máquinas de costura Singer Sewing Machine. Atualmente, é definido pelo Art. 2º da Lei 8.955/94 como o contrato pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado o vínculo empregatício.

À respeito do tema, define Fran Martins que “O Contrato de Franquia compreende uma prestação de serviços e uma distribuição de certos produtos, de acordo com as normas convencionadas. A prestação de serviços é feita pelo franqueador ao franqueado, possibilitando a esse a venda de produtos que tragam a marca daquele. A distribuição é tarefa do franqueado, que se caracteriza na comercialização do produto. Os dois contratos agem conjuntamente, donde ser a junção de suas normas que dá ao contrato a característica de franquia.”

No que diz respeito à natureza jurídica do Contrato de Franquia, o mestre italiano Messineo (1971:450) ensina: “No direito moderno, os contratos usuais previstos no ordenamento jurídico e sujeitos a normas gerais e particulares são chamados nominados, porque são conhecidos da lei e regulados por ela. Junto a estes, no entanto, a prática vinha criando incessantemente outros, que se chamam inominados, não tanto porque não tenham denominação na lei, mas porque carecem de uma disciplina legislativa especial.”

Fazem parte do contrato de franquia os manuais de operação, administrativo, financeiro, arquitetônico, de uso da marca, de identidade, comunicação visual, treinamento de funcionários, seleção de pontos, propaganda e entre muitos outros.

Cada uma das partes, ao assinar o Contrato de Franquia, deve compreender claramente o que a outra está investindo na realção e o que se pretende extrair desta, sem falsidades ou ilusões.8

Perante o Direito brasileiro, nada obrigava que o contrato de franquia fosse escrito. Inclusive, algumas franquias, entre elas multinacionais de grande notoriedade, funcionavam no Brasil sem qualquer documento contratual formal, durante muitos anos, a não ser a mera troca de correspondências entre franqueador e franqueado. Tomando por base uma relação de confiança, parceria e absoluta lealdade entre as partes, a franquia pôde, naquela época, se dar ao luxo de funcionar sem contrato escrito.

Surge então o contrato de franquia, signalagmático e cumulativo, como dito anteriormente. Sinalagmático por prever reciprocidade no que diz respeito à manifestação de ambas as partes para o seu aperfeiçoamento; e comutativo por preservar a equivalência de valores nas prestações recíprocas. O instrumento pode ser também atípico e misto, portando em seu bojo a comissão mercantil, a compra e venda, o comodato, a prestação de serviços de organização, a transferência de tecnologia, o know-how e os métodos de venda.

Nos casos em que for atípico e misto, o contrato compreende também engineering (instalações, padronização e procura do local), management (administração e contabilidade, adestramento e assistência jurídica) e marketing (estudos de mercado, vendas promocionais, publicidade, lançamento de novos produtos). Tem-se um contrato multifacial, pois não existem modelos que sejam capazes de se adequar a todos os tipos de franquia, devendo ser redigido um contrato para cada hipótese concreta.

Trata-se, com isso, de uma combinação de vários modelos de contrato, sendo, portanto, híbrido e inominado, utilizando-se, entretanto, dos elementos dispostos na legislação correspondente, a Lei 8.955/94.

Sendo consensual e solene, o contrato de franquia é aperfeiçoado apenas mediante o consentimento por escrito ou formal, regra hoje obrigatória na legislação referente ao tema, de ambas as partes para a aquisição, modificação, resguardo ou extinção dos direitos nele aventados, obtendo validade independentemente de ser levado a registro perante o cartório ou órgão público.

O instrumento em questão não retrata apenas o início da operação, sendo de trato continuado, de modo a reger toda a convivência entre ambas as partes, como se verifica, por exemplo, no casamento civil mediante o contrato nupcial. Ressalte-se que o bom contrato de franquia é aquele que, embora regendo a convivência diuturna das partes, não deve sair da gaveta para ser consultado a toda hora. A ocorrência frequente da atitude descrita é sinal claro de uma relação mal sucedida entre as partes, correndo inclusive o risco de se extinguir.9

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Considerando que não existem modelos universais, mas pelo fato deste representar um “espelho” do fiel acordo entre as partes, o contrato de franquia deve ter os seguintes elementos básicos ou essenciais: figura do franqueador, titular da marca, o licenciamento da mesma (podendo ser especificado em documento anexo), a figura do franqueado e a concessão da franquia, e/ou o franqueamento do negócio propriamente dito, ou seja, o seu objetivo. Deve conter também, além de sua onerosidade, a transferência do know-how desenvolvido pelo franqueador, bem como seu acompanhamento ao longo da duração do contrato, introduzindo também novos métodos e dispondo sobre os direitos do franqueador.

As condições financeiras representadas pelas retribuições em pecúnia direta que o franqueado faz ao franqueador também são um elemento básico e essencial que deve estar disposto no contrato. Tais retribuições são feitas por meio do pagamento de taxa para ingresso no sistema, taxas continuas mensais (royalties) calculadas, geralmente, em percentual sobre o faturamento do franqueado, sem falar das taxas de propaganda também calculadas em um percentual sobre seu movimento. A remuneração paga pelo franqueado ao franqueador pode também ser indireta, sendo embutida na compra de instalações ou equipamentos, sem falar na própria mercadoria fabricada ou distribuída pelo franqueador, em que pese o inconveniente existente de, nas cobranças adiantadas, sem que haja correspondência sobre as vendas, o franqueado tender a se desinteressar pelo sistema.

A loja, o estabelecimento comercial utilizado ou ponto de venda a ser operado pelos franqueados deve guardar especificamente as mesmas características arquitetônicas de layout e decoração interna do estabelecimento- piloto de propriedade do franqueador, sendo, portanto, sua uniformizaçào e padronização questão de ordem, de modo que até a mesma atmosfera, sentida ou respirada em uma das lojas, seja assegurada em todas as demais unidades franqueadas. Pode-se considerar a loja como a grande embaladagem do produto oferecido ao público, devendo receber um tratamento mercadológico e não meramente arquitetônico ou de decoração interna formal.

Assim como na Circular de Oferta de Franquia, a territorialidade se apresenta como um dos elementos essenciais do instrumento em questão,

necessário para garantir a tranquilidade do sistema. O que ocorre, entretanto, é que em muitos casos a referida cláusula não é contemplada nos contratos celebrados, gerando discussão. O contrato pode estabelecer que o franqueado tenha direito à exclusividade ou à preferência de atuação em determinado território, podendo também prever o direito do franqueado de realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território, realizando inclusive exportações. Deve, também, o contrato de franquia definir o que seja a propaganda regional, para evitar mal-entendidos. As condições de treinamento do franqueado e seus funcionários, também dispostos na COF, sempre merecem espaço no contrato, que deve estar sempre o mais completo possível.

Da mesma forma, deverá estar explícito no contrato de franquia se o franqueado será o operador de sua franquia, ou quem o será, na hipótese de o franqueado vir a constituir uma firma ou pessoa jurídica com um ou mais sócios. Há também de estar disposto no contrato , quando houver, a possibilidade de cessão ou transmissão dos direitos decorrentes do mesmo, sejam por ação inter vivos ou causa mortis e as condições do exercício, nesses casos, do direito de preferência pelo franqueador, sem falar nas cláusulas dispondo sobre a não-concorrência, confidencialidade, sigilo por parte do franqueado dos elementos identificadores do conceito do negócio do franqueador (marcas, logotipos e entre outros).

A indicação de fornecedores, exclusivos ou não, da cadeia de franquia e suas condições de pagamento, apesar de não ser obrigatória, é uma cláusula que contribui de maneira eficaz para o bom relacionamento entre franqueador e franqueado. A recuperação pelo franqueador de todos os elementos corpóreos ou incorpóreos que lhe pertençam no caso de cessação do contratos antes de seu termo final, por sua vez, deve ser tratado como cláusula obrigatória do instrumento.

O contrato de franquia, pode, inclusive, ser único ou mais de um, desdobrados e separados em contratos estanques, mas interligados, como por exemplo contrato de franquia, de comodato, de licenciamento da marca e entre outros.

No que diz respeito às cláusulas penais, devem ser evitadas a imposição de multas demasiadamente onerosas, pois na prática, elas tem pouco efeito. Isso ocorre, em primeiro lugar, porque sendo incompatíveis com o valor do contrato, a justiça tende a diminuí-las, tornando-as harmônicas com a arrecadação do franqueado, na base de um percentual. Em segundo lugar, porque sendo o contrato de franquia um dos “instrumentos de venda” de que dispõe o franqueador do seu modelo de negócio, com multas pesadas no contrato, o franqueado em potencial pode se sentir intimidado ao invés de seguro, não ingressando no sistema.

Deve-se também, no contrato de franquia, evitar a imposição de cláusulas abusivas como a imposição de cotas mínimas de compras, pois dará a entender que o franqueador está mais interessado em passar adiante seus estoques do que prestar os serviços a que está efetivamente obrigado, como o treinamento do franqueado e seus funcionários, assistência técnica permanente, visitas periódicas de assessoramento e entre outros. 10

Caso contrário, o franqueado vai se sentir em uma espécie de camisa de força, perdendo a liberdade na administração de seus fundos, que é a essência do franchising. Por outro lado, não especificar cotas mínimas poderá significar que o franqueador poderá elevá-las de maneira descontrolada a qualquer momento.

O fim da relação contratual entre franqueador e franqueado pode se dar por rescisão, resilição ou resolução. A primeira consiste na ruptura do vínculo contratual por iniciativa de uma das partes e pode vir a ocorrer pelo simples inadimplemento de uma das cláusulas do contrato, ou até pelo descumprimento de padrões éticos, morais, leis, regulamentos e posturas municipais que devem ser observadas. A segunda consiste na ruptura pelo desejo de ambas as partes, podendo acontecer quando findo o prazo contratual, a qualquer tempo por mútuo consentimento ou mesmo por sentença arbitral. A terceira, finalmente, consiste na ruptura por sentença judicial, resultando no fim à relação contratual entre franqueador e franqueado. É também costume constar no contrato cláusulas que o extingam por denúncia vazia. O que fundamenta estas cláusulas é o fato do instrumento em questão ser baseado na boa-fé das partes. Portanto, se ao franqueado não interessar mais a continuação da franquia, basta comunicar a intenção sem necessidade de fundamentação da decisão.

Segundo Fabio Ulhoa, uma vez celebrados, os contratos de franquia devem ser registrados no INPI, por exigência da Lei 9.279/1996. Esse registro não representa, contudo, requisito de validade ou eficácia do ato, entre as partes contratantes.11 Como já dito anteriormente, a franquia não registrada é plenamente válida e eficaz entre o franqueador e o franqueado, e a ausência de formalidade não pode ser invocada, por qualquer um deles, a pretexto de descumprimento de obrigação contratual. Entretanto, o registro é condição para que o negócio produza efeitos perante terceiros, em especial o fisco e as autoridades monetárias. Sem o registro da franquia, não se admite a dedução fiscal dos royalties, pagos pela licença do uso de marca, bem como a remessa de dinheiro para o exterior.11

Ressalte-se também, no entanto, que o registro da franquia é condição de eficácia em atos perante terceiros, apenas na hipótese em que franqueador e franqueado titularizam direitos perante esses. Quando ocorre o inverso, ou seja, quando os terceiros são credores dos participantes da franquia, o registro não pode ser considerado condição de eficácia. É o caso, por exemplo, dos consumidores que, embora terceiros em relação aos participantes do contrato de franquia, não podem ter os seus direitos prejudicados pela ausência de registro. Nas hipóteses em que o consumidor pode agir contra o franqueador, em razão de irregularidade do franqueado, a ausência do registro não é fator excludente de responsabilidade.


4. Manuais Operacionais

Os manuais operacionais de franquia são partes integrantes do contrato de franquia. Estes devem, portanto, dispor sobre suas obrigações de forma coerente com o que disser o referido contrato. Deve o contrato de franquia declarar de maneira solene que os manuais são uma extensão destes, ficando o franqueado obrigado ao seu cumprimento, como se estivesse seguindo o próprio. Em outras palavras, é função dos manuais reforçar as obrigações contratualmente assumidas, complementando e detalhando essas mesmas obrigações, mas sem perder a flexibilidade inerente à atividade empresarial.

Define Luiz Felizardo Barroso que “os manuais operacionais são importantes porque definem procedimentos, estabelecem padrões de comportamento e corporificam a cultura da empresa”.12 Com isso, o franqueador que não entender de maneira clara qual é seu negócio jamais poderá produzir e oferecer a seus franqueados um manual, pois estes ficariam completamente perdidos. Ressalte-se que franquias que operam sem um manual tendem a se dissolver por falta de consistência.12

Geralmente, o próprio empresário redige o manual, mas pode ser aceita a figura do ghost writer. O consultor, na redação do manual, deve se limitar a oferecer ao empresário a filosofia do mesmo, sua importância o objetivos, seu conteúdo e sua estrutura. Importante ressaltar que seu papel também é acompanhar cada etapa da redação, dando sempre a palavra final.

Inicialmente, deve-se estruturar o manual em duas partes, sendo “Os Manuais do Franqueador” e “Manuais de Operação da Franquia”. O primeiro é aquele que define os procedimentos padronizados do franqueador para a rede franqueada. O segundo, por sua vez, deverá orientar o franqueado no dia-a-dia da operação franqueada. O correto é que tudo esteja manualizado, tendo-se em mente o uso de uma linguagem simples e direta.

É importante ter em mente que o franqueado quer saber tudo à respeito de seu negócio e com o maior nível de detalhamento possível. Surgirão dúvidas como: quando e como comprar os produtos necessários ao desenvolvimento do negócio; o que fazer quando as vendas estiverem caindo; como e quem contatar nos escritórios do franqueador; onde contratar e como contratar a mão-de-obra adequada para o negócio; como remunerar, treinar e motivar os empregados; como pagar os royalties; custos operacionais do negócio; o que fazer e a quem recorrer quando os equipamentos começaram a dar problemas; e entre muitos outros.

Para que seja confeccionado um bom manual operacional e, consequentemente, desenvolvido um projeto de franqueamento de negócios satisfatório, deverá a empresa ter os seguintes objetivos em mente: compartilhar o conhecimento do franqueador com seus franqueados; funcionar como uma espécie de apostila no treinamento do franqueado e de seus funcionários; fazer com que o franqueado e sua equipe tenham a qualificação correta na busca da excelência; fornecer de forma detalhada informações sobre a operação franqueada e servir de referência, modificando inclusive os valores do franqueado; fazer com que o franqueador e sua equipe se sintam seguros; assegurar a continuidade da execução das tarefas com qualidade, independentemente de qualquer mudança de pessoa, seja na rede franqueadora ou na unidade franqueada; desenvolver sistemas e procedimentos operacionais mais eficientes; aumentar de maneira gradual e constante o fluxo de informações entre as divisões da empresa; criar ferramentas de treinamento; fazer com que o franqueador dê sempre o seu máximo, buscando os melhores resultados; definir de maneira clara quais são os objetivos da franquia e qual a melhor forma de atingí-los; reduzir a dependência constante do franqueador com a direção da empresa e com as gerências; fazer com que a rede se torne o mais padronizada possível; proteger a rede franqueadora, visto que o manual operacional é parte integrante do contrato de franquia; e fornecer uma ferramente de trabalho para todos os departamentos da empresa franqueada.13

Todo manual funciona como um retrato instantâneo das operações de determinada empresa no momento em que é concluído. Posteriormente, pode-se dizer que ele será passível de modificações, quando estas forem necessárias. Muitas dessas modificações deverão ser sugeridas pelos próprios franqueados no curso de suas operações. Deve-se, portanto, começar por algo, por mais simples ou

O manual de franquia deve buscar dirimir quaisquer dúvidas relativas tanto à operação quanto à administração do negócio em questão. Em se tratando especificamente da operação, o documento deverá retratar o uso do respectivo sistema, em seu dia-a-dia, indicando padrões de eficiência, estoque de suprimentos, equipamentos, instalações, bem como sua manutenção e conservação. O controle da qualidade do serviço oferecido ao cliente também deverá ser enfatizado, uma vez que este é o seu destinatário.

Em suma, o manual deverá dispor sobre todos os sistemas operacionais e/ou procedimentos em volumes distintos, mantendo uma formatação que facilite a visualização constante do franqueado, servindo-lhe como uma referência para consulta no seu dia-a-dia. O manual deverá também ter, através do franqueador, a flexibilidade necessária para ser alterado de acordo com as novas necessidades do negócio.

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