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O novo Código de Processo Civil e o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR): breves considerações

Agenda 25/05/2015 às 13:02

A previsão normativa do incidente de resolução de demandas repetitivas desperta uma série de indagações interessantes tanto no campo teórico como no ambiente da prática processual.

Introdução

O novo Código de Processo Civil cria novo instituto jurídico intitulado “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas” (IRDR) previsto no capítulo VIII, do art. 976 e seguintes do código. Trata-se de uma técnica que inaugura uma espécie de cisão na cognição do processo, estabelecendo o julgamento das questões comuns em demandas repetitivas para os juízes de segundo grau, originando uma espécie de “procedimento-modelo”. A ideologia do novo CPC visa ultrapassar a mera eficácia das normas instrumentais e atingir a efetividade do processo, nessa esteira o IRDR traz como escopo uniformizar entendimentos e possibilitar a agilidade no julgamento dos processos, uma vez estabelecido o “processo-modelo” pelo segundo grau.  O juízo de primeiro grau, após instalado e julgado o incidente, deverá aplicar o padrão decisório estabelecido, mas com competência e legitimidade para atender às peculiaridades de cada caso concreto.

O impacto nos Tribunais: regimento interno e estrutura

A criação do instituto jurídico pelo NCPC não altera somente a sistemática das normas instrumentais e o procedimento em determinadas demandas; além do paradigma da nova mentalidade a ser inaugurado nos nossos Tribunais, também surge a necessidade de modificações na estrutura organizacional do segundo grau. A previsão contida no art. 978 do NCPC torna obrigatória a existência de um órgão determinado para o processamento e julgamento do IRDR, estabelecendo a necessária previsão no regimento interno da casa. Vemos, assim, que os Tribunais deverão providenciar a atualização de seus regimentos internos e repensar a distribuição de competências de suas câmaras, bem como a natureza do novo órgão julgador que deverá iniciar os trabalhos em março de 2016, juntamente com a entrada em vigor do novo código. Vale salientar que o órgão responsável pelo julgamento do IRDR será igualmente competente para julgar os recursos. Assim, além da fixação da tese jurídica, escopo maior do incidente, também recairá ao novo órgão o julgamento dos recursos quando existentes conforme previsto no parágrafo único do art. 978 do NCPC. Interessante notar que, pela dicção do novo código, os Tribunais deverão manter um banco de dados em canal direto com o CNJ informando sobre os incidentes e os temas correspondentes. Tal providência reforça a necessidade de adequação dos Tribunais a uma nova realidade e a necessidade da criação e alteração de estrutura interna.

Cláusula Geral e abertura interpretativa

O cabimento do IRDR dar-se-á nos casos nos quais seja observado o risco de controvérsia no julgamento de demandas que versem sobre questão de direito e nas demandas nas quais seja identificado o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, conforme enunciam os incisos do art. 976 do NCPC. É notório que tal qual o projeto e a normatização do código civil de 2002, o legislador do novo código de processo civil também fez a opção de trabalhar com cláusulas gerais. Com efeito, as cláusulas gerais, com possibilidade de abertura cognitiva, possuem uma maior sintonia com o mundo hipercomplexo do contemporâneo e a consequente diversidade de demandas, bem como com a imprevisibilidade de temas. Em que pese o acerto na técnica dogmática das cláusulas abertas, devemos manter a atenção para os limites interpretativos acerca dos temas e casos que preencham o conteúdo implícito nos incisos I e II do art. 976. Todo sistema racionalizado carrega um modelo ideal de funcionamento. Entretanto, esse plano ideal encara o risco de corrupção, ou seja, de desvirtuamento. A observação se impõe uma vez que o procedimento do IRDR pressupõe a análise da lide pelo segundo grau antes que seu mérito seja julgado no primeiro grau. Por certo, a possibilidade da análise da demanda por órgão colegiado antes do primeiro grau pode “seduzir” as partes a forçarem tese jurídica passível de IRDR. O conteúdo da cláusula geral é determinado por meio de interpretação e equilíbrio hermenêutico, nessa esteira convivemos com a pluralidade de possibilidades interpretativas nem sempre lógicas, mas que causam impacto na aplicação das normas. De antemão, o campo jurídico deverá realizar juízos reflexivos pautados na razoabilidade a fim de impedir que uma pluralidade de causas e temas sejam encartados como IRDR, tornando inviável o funcionamento eficaz dos órgãos de segundo grau. É válido observar que, na medida em que o incidente sofra um desvio interpretativo, a busca da efetividade do processo, preconizada pelo NCPC, torna-se comprometida.

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Conclusão: o “procedimento-modelo” democratiza?

O efeito imediato, após a admissibilidade do incidente de IRDR, é a suspensão dos demais processos, individuais e coletivos, que versem sobre o mesmo tema, em todo o Estado ou em toda uma região, a depender do caso. Os processos suspensos voltam a tramitar após o julgamento do IRDR ou no prazo de 01 (um) ano se o incidente não for julgado. Pois bem, no caso do julgamento do incidente, o resultado deverá orientar o modo como os juízes de primeiro grau deverão julgar. Em outras linhas, o julgado do segundo grau firma um “processo-modelo” que atinge todo o raio de processos suspensos pela existência do incidente. Algumas questões podem ser invocadas da referida situação. A primeira gira em torno da sistemática da suspensão, vez que através da publicização obrigatória do IRDR alguns casos podem ser repetidos em diversas partes do território nacional e, consequentemente, travar o julgamento de determinada matéria; outra questão diz respeito à uniformização de julgamento propiciada pelo IRDR e se tal uniformismo corresponde a um modelo de processo democrático com igual solução distribuída para diversas partes. Na mesma ordem dos reflexos democráticos, pergunta-se se, em verdade, o IRDR não tolhe a liberdade criativa do juízo de primeiro grau para analisar, estudar e decidir acerca do tema, vez que ficará limitado a aplicar o processo-modelo. Sem dúvida a previsão normativa do incidente de resolução de demandas repetitivas desperta uma série de indagações interessantes tanto no campo teórico como no ambiente da prática processual, o que nos instiga a refletirmos sobre sua sistemática. No entanto, considerações precisas sobre o alcance da efetividade esperam pela futura implantação. Quem viver verá.

Sobre a autora
Renata Celeste Sales

Mestre em Teoria Geral do Direito pela UFPE, Doutoranda em direito pela UFPE, Professora Adjunta da Faculdade Damas e Servidora Pública TJPE,

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Renata Celeste. O novo Código de Processo Civil e o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR): breves considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4345, 25 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39321. Acesso em: 22 nov. 2024.

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