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Considerações sobre os crimes contra o mercado de capitais

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Agenda 01/04/2003 às 00:00

INTRODUÇÃO

A lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que dispõe sobre o mercado de capitais e cria a Comissão de Valores Mobiliários, teve acrescentado pela Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001 [1], em seu corpo, todo um capítulo, contendo este três artigos, que prevêem condutas ilícitas e cominam para elas as respectivas sanções penais.

Já caberia aqui uma crítica, antes apontada por doutrinadores de escol no tocante a outras tipificações penais, quanto à sua localização, fora de um corpo legislativo concentrado e especializado, ou seja, lugar de se colocar tipificação de crime é no Código Penal, porém não foi esse o entendimento do relator do Projeto, Deputado Antônio Kandir, conforme entrevista concedida ao site Investshop [2].

De lege ferenda, no caso do capítulo em questão, levando-se em conta o bem jurídico preponderantemente protegido, qual seja, a administração do mercado de capitais, que é particular mas fiscalizada pela autoridade pública, temos que seria de bom alvitre que estivesse o capítulo localizado no Título XI – DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, logo após o Capítulo IV – Dos crimes contra as finanças públicas (arts. 359-A a 359-H).

Passemos então à análise dogmática dos tipos penais.


             Manipulação do mercado

Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas, com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Objetividade Jurídica: o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado.

A importância da confiança no mercado de valores mobiliários é destacada pela Dra. Norma Parente nos seguintes termos: "O grau de proteção aos investidores é fator determinante no desenvolvimento do mercado de capitais. Quando a Lei oferece proteção efetiva, os investidores estão mais dispostos a financiar as companhias e o mercado de capitais é maior e mais valorizado. Quanto maior a proteção aos investidores, maior será o preço que eles estarão dispostos a pagar pelas ações porque, com maior proteção, estes reconhecem que o retorno das companhias também será usufruído por eles, tanto quanto pelos controladores. Isto permite aos empresários financiar seus empreendimentos, fazendo do mercado de capitais uma real alternativa de capitalização das empresas." [3]

O conceito de valores mobiliários por sua vez é encontrado nos incisos do artigo 2º da própria Lei nº 6.385/76, ou seja: "I- as ações, partes beneficiárias e debêntures, os cupões desses títulos e os bônus de subscrição; II- os certificados de depósito dos valores mobiliários; III- outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades anônimas, a critério do Conselho Monetário Nacional.

Por outro lado a Resolução nº 1.907, de 26 de fevereiro de 1992, do Banco Central do Brasil, dispõe: "Art. 1º Considerar como valores mobiliários, para os efeitos do inciso III do art. 2º da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, os seguintes títulos: I - Direitos de Subscrição de Valores Mobiliários; II – Recibos de Subscrição de Valores Mobiliários; III – Opções de Valores Mobiliários, e IV – Certificados de Depósito de Ações."

O que não pode ser considerado como valores mobiliários é definido pelos incisos do parágrafo único, do artigo 2º da Lei nº 6.385/76, ou seja: "I – os títulos da dívida pública federal, estadual ou municipal; II – os títulos cambiais de responsabilidade de instituição financeira, exceto as debêntures."

Sujeito ativo: operadores no mercado de valores mobiliários, logicamente os regularmente investidos pois os não autorizados cometem o crime previsto no artigo 27-E, desta Lei. Trata-se, portanto, de crime próprio.

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Nada impede porém, que o crime seja praticado por um particular, em concurso com um operador devidamente habilitado, sendo que, neste caso, por se tratar de uma elementar, esta se comunica ao co-autor ou partícipe, nos termos do artigo 30 do Código Penal. Temos que aqui se trata dos especuladores (insider tradings) e "boateiros" que, criando uma situação artificiosa, em verdadeira fraude, muitas vezes corrompendo os operadores, buscam valorizar os papéis que detêm para vê-los negociados a altos preços, sendo que, na verdade, não ostentam tal valor, ou o contrário, ou seja, buscam desvalorizar os papéis que pretendem, para adquiri-los por ninharias, para logo em seguida, revendê-los pelo valor que efetivamente possuem obtendo assim o lucro fácil, em prejuízo e até quebra de empresas idôneas.

Sujeito passivo:

em especial os titulares de valores mobiliários e os investidores nesse mercado e, em geral, toda a coletividade que se vê prejudicada pela insegurança dessa atividade e que sofrerá o prejuízo em seus investimentos.

Embora a lei empregue, no tocante aos destinatários dos danos, o termo "terceiros", entendemos, como também entendeu Luiz Régis Prado, ao comentar a lei de crimes ambientais [4], que o emprego do plural não excluiria o crime daquele que somente causasse prejuízo a uma pessoa. Visa a lei abarcar o gênero e não condicionar a ocorrência de fato típico somente quando houver um número considerável de prejudicados.

Condutas típicas:

O nomen iuris do crime é "manipulação do mercado". Manipular significa engendrar, forjar, maquinar (manipular um plano) [5]. As formas previstas para essa manipulação são a realização de operações simuladas ou o exercício de outras manobras fraudulentas. O tipo penal da legislação portuguesa é expresso no sentido do que sejam práticas fraudulentas: divulgação de informações falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas e operações de natureza fictícia [6]

De se notar que não a é realização de qualquer operação simulada ou exercício de qualquer manobra fraudulenta que atinge o bem jurídico, mas sim aquelas que tenham o condão de interferir efetivamente no bom andamento das negociações do mercado, sob pena de se ferir o princípio da lesividade, tão em voga em nosso direito penal como medida de política criminal dos aplicadores do direito, visando coibir o fenômeno da "tolerância zero", estimulador da "inflação legislativa", mal que afeta o legislador do final do século XX e do início deste. Assim como definido na legislação comparada, consideram-se idôneos para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado, os atos que sejam susceptíveis de modificar as condições de formação dos preços, as condições normais da oferta ou da procura de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros ou as condições normais de lançamento e de aceitação de uma oferta pública [7].

Para aferição das possíveis condutas penais, devemos decompor o tipo em questão em tantos quantos são os verbos nele empregados e multiplicarmos esses verbos pelos elementos normativos e subjetivos especiais, sem nos olvidarmos das expressões indicadoras da interpretação analógica que se quis incluir, até formarmos tantos períodos completos quantos forem possíveis.

No modelo de conduta em análise verifica-se a intenção de que se dê interpretação analógica na expressão "outras manobras fraudulentas" que em tudo devem guardar identidade com "operações simuladas", sob pena de fugirmos do princípio da taxatividade, corolário da estrita legalidade reinante no direito penal incriminador [8].

Assim, com o artigo em questão, teríamos a possibilidade de formarmos pelo menos 24 (vinte e quatro) períodos completos e que descrevem condutas diferentes, as quais o legislador entendeu por bem tipificar como crimes.

Veja quais são no anexo I.

Elemento subjetivo:

o dolo, ou seja, a vontade livre e consciente de realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas.

Não é possível a forma culposa pois não foi prevista legalmente (artigo 18, parágrafo único, do Código Penal).

Elemento subjetivo especial do tipo:

a finalidade de alterar artificialmente, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, ou ainda, de causar dano a terceiros. Não há necessidade da verificação do resultado previsto pois se trata de crime formal. O resultado só será considerado para dosar a aplicação da pena de multa.

Verifica-se que o legislador construiu um tipo que possui duplo elemento subjetivo especial [9], ou seja, além da finalidade da alteração do normal funcionamento dos mercados, deve o agente também visar enriquecimento ilícito por qualquer pessoa, ou seja, obter vantagem indevida ou lucro, o que quase que sempre causaria prejuízo a terceiros, ou somente este, vez que o tipo termina com a alternatividade "ou causar dano a terceiros".

Como se pode ver, o crime em questão é bastante complexo, o que demanda calma e paciência do intérprete ao fazer sua aplicação ao caso concreto.

Elementos normativos do tipo:

Elementos normativos de valoração jurídica, cujas definições são encontráveis no Direito Comercial, mais especificamente no Direito Empresarial: operações, manobras fraudulentas, funcionamento dos mercados, valores mobiliários, bolsa de valores, bolsa de mercadorias, bolsa de futuros, mercado de balcão, mercado de balcão organizado, vantagem e lucro.

Elemento normativo de referência específica à possível causa de justificação: indevida (vantagem). Está presente no tipo, porém, diz respeito à antijuridicidade. Se a vantagem for devida a conduta se torna não só atípica como permitida [10].

Elemento modal do tipo:

O crime em questão possui uma característica especial que consiste no elemento modal, ou seja, para a sua perfeita configuração depende do lugar onde a conduta é praticada, no caso somente no mercado de valores mobiliários, ou seja, em bolsa de valores, de mercadorias ou de futuros, em mercado de balcão ou em mercado de balcão organizado. Isto somente vem a reforçar a nossa tese de que se trata de crime próprio, pois nesses lugares só podem realizar operações financeiras os intermediários regularmente habilitados.

Momento consumativo:

o crime se consuma com a efetiva realização da operação simulada ou com a execução de manobras tendendes a burlar o regular funcionamento dos mercados de capitais.

Tentativa:

perfeitamente possível na modalidade de realização de operação simulada, basta que a operação deixe de ser realizada por circunstâncias alheias à vontade do agente. Na modalidade de executar manobras fraudulentas é impossível vez que ou o agente efetua manobras e o crime já estará consumado, por se tratar de crime formal, ou fica somente na esfera da cogitação, que é impunível.

Concurso de crimes e de normas:

embora não se tenha encontrado tipo semelhante, que possa causar perplexidade na adequação típica, guardando o mercado de capitais certa similitude com as licitações, talvez por contemplar a realização de pregões, eventuais interpretações doutrinárias podem ser buscadas no estudo dos crimes previstos nos artigos 90 e 93 da lei de licitações (Lei nº 8.666/90) [11] ou no artigo 335 do Código Penal que a maioria dos autores considera tacitamente revogado pela citada lei. Também guarda alguma semelhança com o artigo 359-A do CP, introduzido pela Lei nº 10.028/2000, só que este tem por objeto as operações de crédito.

Ação Penal:

pública incondicionada. O membro do Ministério Público tomando conhecimento do ocorrido pode agir de ofício e oferecer denúncia, provocando o Judiciário e instaurando a ação penal contra o agente independentemente de representação de eventual ofendido.

Pena:

reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Por disposição do Art. 27-F, a multa cominada para o crime previsto neste artigo deverá ser aplicada em razão do dano provocado ou da vantagem ilícita auferida pelo agente e nos casos de reincidência, a multa pode ser de até o triplo do valor fixado.

Benefícios legais:

Incabível a transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95 c.c. o artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01), vez que a pena privativa de liberdade máxima cominada é de oito anos.

Aplicável o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, ou seja, suspensão condicional do processo, uma vez que a pena mínima cominada é de um ano.

Vigência:

O artigo 9º da Lei 10.303 de 31 de outubro de 2001, publicada no D.O.U. de 1º/11/2001, previu uma vacatio legis de 120 dias com exceção das companhias que se constituírem após a sua edição. Desta forma a lei, na parte penal, entrou em vigor em 1º/03/2002 [12]

Direito intertemporal:

por ser norma penal incriminadora, não retroage. Os fatos cometidos antes da vigência da lei, se não previstos em outras leis, permanecem penalmente impunes. Vale a pena lembrar que antes da lei somente existiam no ordenamento jurídico como infrações administrativas, a serem apuradas e punidas perante a Comissão de Valores Mobiliários.

             Uso Indevido de Informação Privilegiada

Art. 27-D. Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Objetividade Jurídica: o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, que não pode ser ilaqueado na fé-pública que merece.

De se notar que não a é divulgação antecipada de qualquer informação que atinge o bem jurídico, mas sim aquela que tenha o condão de interferir efetivamente no bom andamento das negociações do mercado, sob pena de se ferir o princípio da lesividade, tão em voga em nosso direito penal como medida de política criminal dos aplicadores do direito, visando coibir o fenômeno da "tolerância zero", estimulador da "inflação legislativa", mal que afeta o legislador do final do século XX e do início deste. Assim como definido na legislação comparada, entende-se por informação privilegiada toda aquela que não tornada pública, sendo precisa e dizendo respeito a qualquer emitente ou a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, seriam idôneas, se lhe fosse dada publicidade, para influenciar de maneira sensível o seu preço no mercado [13].

Sujeito ativo

: Pode gerar certa perplexidade a busca de quem o legislador pretendeu abarcar como agente do delito em tela. Seria interessante que o delito fosse expressamente próprio, ou seja, que o sujeito ativo revelasse informação relevante de que tivesse conhecimento em razão de função que ocupa, porém o artigo não o fez, somente se podendo extrair tal ilação do fato de estar o sujeito obrigado a manter o sigilo. Desta forma como aponta Denise Figueiredo de Paula Gomes [14], devemos buscar na Lei das Sociedades Anônimas quais seriam as pessoas que portadoras de informações privilegiadas possuam o dever de resguardá-las do conhecimento de terceiros. Na conjugação dos artigos 145, 155, 157, 160 e 165 da Lei nº 6.404/76, concluiu a referida autora, a cujo artigo remetemos o leitor, face a profundidade com que aborda o tema e a facilidade de seu acesso, deduz-se tratar dos administradores e as pessoas a eles equiparadas, ou seja os "insider tradings". Por se tratar de um tipo aberto, essa busca se torna necessária, pois conforme leciona Jescheck, citado por Regis Prado [15]: "O tipo como espécie de injusto deve conter todos os dados que concorrem para delimitar o conteúdo do injusto de um delito específico.

Haverá quem diga que se trata de crime comum, com o que não concordamos, vez que o particular que licitamente toma conhecimento de informação privilegiada pode valer-se dela e obter vantagem.

Nada impede que o particular aja conluiado com um desses "insider tradings" e seja por essa razão, apanhado pela lei penal no concurso de agentes, vez que o dever de manter sigilo é uma elementar e como tal, se comunicaria ao co-autor ou partícipe, nos termos do artigo 30 do Código Penal. Nesse aspecto, a legislação portuguesa merece os melhores aplausos pois, além de ser expressa quanto à "qualidade de titular de um órgão de administração ou de fiscalização de um emitente ou de titular de uma participação no respectivo capital", previu uma modalidade de crime derivado, com pena menor, própria de quem retransmita a informação ou dela se valha [16].

Sujeito passivo:

em especial os titulares de valores mobiliários e os investidores nesse mercado, e, em geral, toda a coletividade que se vê prejudicada pela insegurança dessa atividade que sofrerá o prejuízo em seus investimentos.

Conduta típica:

Utilizar significa fazer uso, empregar de qualquer modo [17], usar, empregar com utilidade, aproveitar, ganhar, lucrar [18] e até mesmo dando como brinde, pois a vantagem não precisa ser material, pode até ser de outra natureza, como para ganhar uma amizade, uma conquistar amorosa ou sexual.

Para aferição das possibilidades possíveis de condutas penais, devemos decompor o tipo em questão em tantos quantos são os verbos nele empregados e multiplicarmos esses verbos pelos elementos normativos e subjetivos especiais, até formarmos tantos períodos completos quantos forem possíveis, se necessário colocando-os em ordem direta para melhor clareza [19], sob pena de fugirmos do princípio da taxatividade, corolário da estrita legalidade reinante no direito penal incriminador [20]. Não se verifica no artigo em estudo expressões indicadoras da interpretação analógica o que prestigia ainda mais os referidos princípios.

Assim, com o artigo em questão, teríamos a possibilidade de formarmos exatamente 04 (quatro) períodos completos e que descrevem condutas diferentes, as quais o legislador entendeu por bem tipificar como crimes.

Veja quais são no anexo II.

Elemento subjetivo do tipo:

é o dolo, ou seja, vontade livre e consciente de utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado.

Elemento subjetivo especial do tipo:

Além disso é exigido mais de um especial fim de agir, quais sejam, os elementos especiais do injusto "de que tenha conhecimento", "da qual deva manter sigilo", "capaz de propiciar vantagem indevida" e "para si ou para outrem".

Pode-se até dizer que o delito poderia ser praticado com dolo eventual do agente quanto a um desses elementos, por exemplo, o sujeito sabe que a informação seria divulgada e na dúvida quanto a isso utiliza-se da informação sem se importar que fosse ele o primeiro a dá-la ao conhecimento do mundo dos negócios.

Como se vê, o verbo central, fixador da conduta é um só "utilizar", a informação é que precisa apresentar, de forma simultânea, qualidades especiais, ou seja, ser relevante, ser inédita, ser idônea a proporcionar privilégio vantajoso a alguém, além disso deve ser de domínio do agente em razão da função por ele exercida, com o acréscimo da obrigação legal de manter o sigilo.

Não é possível a forma culposa pois não prevista legalmente (artigo 18, parágrafo único, do Código Penal).

Elementos normativos do tipo:

Elementos normativos de valoração jurídica, cujas definições são encontráveis no Direito Comercial, mais especificamente no Direito Empresarial: mercado, vantagem, negociação e valores mobiliários.

Elemento normativo de referência específica à possível causa de justificação: indevida (vantagem). Está presente no tipo, porém, diz respeito à antijuridicidade. Se a vantagem for devida a conduta se torna não só atípica como permitida [21].

Momento consumativo:

com a revelação da informação sigilosa. Por se tratar de crime formal não é necessário nenhum resultado, ou seja, é prescindível a obtenção de vantagem.

Tentativa:

é possível caso a informação esteja sendo passada por escrito e se extravie ou por qualquer meio de comunicação que, por qualquer motivo, por exemplo, falha na execução do arquivo contendo a informação passada por e-mail, impeça a revelação da informação. No caso de revelação verbal a tentativa é impossível.

Concurso de crimes e de normas:

divulgação de segredo que não seja inerente à função de operador em mercado de capitais, artigo 154 do Código Penal: "Revelar alguém, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem. Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa". Caso esteja o mercado de capitais negociando títulos públicos, realizando os pregões licitatórios, como autoriza a Lei nº 9.491/97 no caso das privatizações, tratar-se-á do crime previsto no artigo 94 da Lei nº 8.666/90: "Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo. Pena – detenção de 2 (dois) a 3 (três) anos, e multa", que tacitamente revogou o artigo 326 do Código Penal [22].

Também guarda o artigo certa semelhança com a violação de sigilo funcional, prevista no artigo 325 do Código Penal: "Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação. Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa". Detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave". Porém a conduta do Código é revelar, enquanto aqui se trata de utilizar, mais abrangente e que poderia conter a divulgação como parte da forma de ação. Nada impede porém que, se divulgado ou revelado segredo, sem utilizá-lo em negociação, venha o agente a ser abarcado por um dos delitos da lei geral, que agora são subsidiários, sendo que o 325 do Código Penal já o era expressamente.

Há ainda certa proximidade com o artigo 177, inciso I, do Código Penal, embora dele se diferencie pelo fato de que ali o agente faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade ou oculte fraudulentamente fato a elas relativos, aqui, ao contrário se faz uso dessas informações [23].

Na legislação comparada se tem notícia do artigo 378, do Decreto-lei português nº 486/99 [24].

Ação Penal:

pública incondicionada. O membro do Ministério Público tomando conhecimento do ocorrido pode agir de ofício e oferecer denúncia, provocando o Judiciário e instaurando a ação penal contra o agente independentemente de representação de eventual ofendido.

Pena:

reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. Por disposição do Art. 27-F, a multa cominada para o crime previsto neste artigo deverá ser aplicada em razão do dano provocado ou da vantagem ilícita auferida pelo agente e nos casos de reincidência, a multa pode ser de até o triplo do valor fixado.

Benefícios legais:

Incabível a transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95 c.c. o artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01), vez que a pena privativa de liberdade máxima cominada é de cinco anos.

Aplicável o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, ou seja, suspensão condicional do processo, uma vez que a pena mínima abstratamente cominada é de um ano.

Vigência:

O artigo 9º da Lei 10.303 de 31 de outubro de 2001, publicada no D.O.U. de 1º/11/2001, previu uma vacatio legis de 120 dias com exceção das companhias que se constituírem após a sua edição. Desta forma a lei, na parte penal, entrou em vigor em 1º/03/2002 [25]

Direito intertemporal:

por ser norma incriminadora e prejudicial, não retroage [26].

Vale observar que, observada a data de vigência da lei especial, as penas previstas para os delitos previstos nos artigos 154 e 325 do Código Penal são bem mais brandas, o que as torna ultrativas quanto a eventuais fatos cometidos antes do surgimento da nova lei em nosso ordenamento jurídico.

O mesmo não se poderá dizer do crime previsto no artigo 94 da Lei das Licitações, Lei nº 8.666/90, vez que a pena mínima deste é mais grave que a mínima do artigo em comento. Já no tocante ao máximo cominado se dá o inverso.

Sobre o autor
Áureo Natal de Paula

bacharel em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, ex-escrevente técnico judiciário na Comarca de Fartura (SP), Procurador da Fazenda Nacional em Marília(SP) autor do livro Crimes contra o sistema financeiro nacional e o mercado de capitais, 6ª edição, Juruá, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Áureo Natal. Considerações sobre os crimes contra o mercado de capitais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3960. Acesso em: 23 dez. 2024.

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