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Considerações sobre os crimes contra o mercado de capitais

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01/04/2003 às 00:00
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             Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função

Art. 27-E. Atuar, ainda que a título gratuito, no mercado de valores mobiliários, como instituição integrante do sistema de distribuição, administrador de carteira coletiva ou individual, agente autônomo de investimento, auditor independente, analista de valores mobiliários, agente fiduciário ou exercer qualquer cargo, profissão, atividade ou função, sem estar, para esse fim, autorizado ou registrado junto à autoridade administrativa competente, quando exigido por lei ou regulamento:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Objetividade Jurídica: o interesse social, especialmente o dos investidores no mercado de capitais, de que as funções abarcadas pelo tipo somente sejam exercidas por pessoas aptas para tanto e confiáveis, ou seja, legalmente qualificadas seja por lei ou regulamento, ou seja, que estejam devidamente autorizadas e registradas junto aos órgãos competentes.

Sujeito ativo:

qualquer pessoa. Em tese podem os próprios agentes cometerem o ilícito caso ocorra o desvio de função, ou seja, estejam habilitados para determinadas funções e exerçam outras para as quais não as obtiveram, v.g., estão inscritos somente para auditores e ajam como agentes autônomos ou vice-versa.

Ao que tudo indica, quis a lei tipificar uma conduta própria de pessoa jurídica, ou seja "atuar como instituição integrante do sistema de distribuição...", apesar da polêmica que grassa quanto à capacidade criminal da pessoa jurídica. [27] A definição de que se deve compreender como sistema de distribuição vem prevista no artigo 15 da Lei nº 6.385/76, ou seja: as instituições financeiras e demais sociedades que tenham por objeto distribuir emissão de valores mobiliários: a) como agentes da companhia emissora; b) por conta própria, subscrevendo ou comprando a emissão para a colocar no mercado; as sociedades que tenham por objeto a compra de valores mobiliários em circulação no mercado, para os revender por conta própria; as sociedades e os agentes autônomos que exerçam atividades de mediação na negociação de valores mobiliários, em bolsas de valores ou no mercado de balcão; as bolsas de valores, as entidades de mercado de balcão organizado, as corretoras de mercadorias, os operadores especiais e as Bolsas de Mercadorias e Futuros; e as entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários. Porém permite, quem sabe até para gerar mais polêmica entre os que não admitem a responsabilização penal da pessoa jurídica, uma interpretação de que se quis esclarecer a função do mercado de valores mobiliários, ou seja "instituição integrante do sistema de distribuição", o que se nos afigura bastante forçado.

Sujeito passivo:

O Estado e secundariamente os operadores legalmente investidos que gastaram tempo e dinheiro para se especializarem e se vêem privados do livre exercício de sua profissão pela concorrência desleal praticadas pelos usurpadores.

Conduta típica

: O nomen iuris do crime em estudo é "Exercício Irregular de Cargo, Profissão, Atividade ou Função". A forma como esse exercício se dá é mediante a atuação no mercado de capitais. Atuar, isto é, exercer ou estar em atividade, agir, exercer influência, influir (Aurélio), exercer ação, obrar, desempenhar um papel (Larousse Cultural).

Para aferição das possibilidades possíveis das condutas penais, devemos decompor o tipo em questão em tantos quantos são os verbos nele empregados e multiplicarmos esses verbos pelos elementos normativos e subjetivos especiais, sem nos olvidarmos das expressões indicadoras da interpretação analógica que se quis incluir, até formarmos tantos períodos completos quantos forem possíveis, se necessário colocando-os em ordem direta para melhor clareza [28], sob pena de fugirmos do princípio da taxatividade, corolário da estrita legalidade reinante no direito penal incriminador [29].

No tipo em questão, ao criar um subtipo para abarcar as condutas análogas [30] o legislador ampliou ainda mais essas possibilidades.

Assim, com o artigo em questão, teríamos a possibilidade de formarmos no mínimo 56 (cinqüenta e seis) períodos completos e que descrevem condutas diferentes, as quais o legislador entendeu por bem tipificar como crimes.

Veja quais são no anexo III.

Elemento subjetivo do tipo:

é o dolo, ou seja, vontade livre e consciente de atuar no mercado de capitais sem estar autorizado.

Não é possível a forma culposa pois não prevista legalmente (artigo 18, parágrafo único, do Código Penal).

Elemento modal do tipo:

O crime em questão possui uma característica especial que consiste no elemento modal, ou seja, para a sua perfeita configuração depende do lugar onde a conduta é praticada, no caso a atuação irregular somente poderá se dar no mercado de valores mobiliários, ou seja, em bolsa de valores, de mercadorias ou de futuros, em mercado de balcão ou em mercado de balcão organizado. Existe uma exceção a tal elemento no parágrafo único do artigo 16 da Lei nº 6.385/76: "só os agentes autônomos e as sociedades com registro na Comissão poderão exercer a atividade de mediação ou corretagem de valores mobiliários fora da bolsa" [31].

Norma penal em branco:

O tipo para se aperfeiçoar depende de ser integrado por um dispositivo legal ou regulamentar, caso inexista ou seja revogado o complemento existente, o fato passa a ser atípico.

No caso do artigo em comento as atividades que dependem de autorização prévia da Comissão de Valores Mobiliários estão previstas no artigo 16 da própria Lei nº 6.385/76, na redação que lhe deu a Lei nº 10.303, DE 31 DE OUTUBRO DE 2001, ou seja: distribuição de emissão no mercado (Art. 15, I); compra de valores mobiliários para revendê-los por conta própria (Art. 15, II); mediação ou corretagem de operações com valores mobiliários; e compensação e liquidação de operações com valores mobiliários. O parágrafo único do referido artigo conclui que "só os agentes autônomos e as sociedades com registro na Comissão poderão exercer a atividade de mediação ou corretagem de valores mobiliários fora da bolsa".

Momento consumativo:

Com a realização do primeiro negócio atuando como operador de mercado de capitais.

Tentativa:

é possível, basta que no primeiro ato de atuação seja surpreendido pela fiscalização ou que as pessoas do mercado de capitais não aceitem receber a intermediação do usurpador exigindo sua identificação e sua credencial.

Concurso de crimes e de normas:

o legislador criou um subtipo penal ao utilizar a expressão analógica "qualquer cargo, profissão, atividade ou função" para abranger fatos similiares. Não se tratando das funções expressamente indicadas ou outras que lhe sejam essencialmente similares, até porque, sistematicamente, estando o subtipo inserido em uma lei especial, não poderia ele abarcar outras atividades regulamentadas, senão somente aquelas que lhe sejam correlatas. Esse subtipo guarda identidade com a contravenção prevista no artigo 47 da Lei das Contravenções Penais [32], que como tipo subsidiário abrangeria todas as outras profissões regulamentadas [33].

Por óbvio, se existirem tipos específicos para determinadas atividades como v.g. a de médico, cuja violação perfaz o tipo do artigo 282 do Código Penal [34], afastada estará a aplicação do artigo em questão e do artigo 47 da Lei das Contravenções Penais.

No caso das atividades de industrial ou comerciante, aplica-se o artigo 49 da Lei das Contravenções Penais.

Antes da edição da lei em comentário, Damásio E. de Jesus [35] por força da expressão "ou de outra atividade" entendia, com razão, que estariam nela incluídos os "membros das bolsas de valores, corretores de mercadorias, despachantes aduaneiros, leiloeiros etc.." [36]. Essa interpretação, atualmente, não pode mais ser sustentada ante o aparecimento da lei especial que revogou a geral.

Ação penal:

pública incondicionada. O membro do Ministério Público tomando conhecimento do ocorrido pode agir de ofício e oferecer denúncia, provocando o Judiciário e instaurando a ação penal contra o agente independentemente de representação de eventual ofendido.

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Benefícios legais:

Perfeitamente cabível a transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95 c.c. o artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01) vez que a pena privativa de liberdade máxima cominada é de dois anos.

Caso não haja possibilidade de transação por questões subjetivas, v.g. ter sido o agente já beneficiado pelo mesmo artigo no prazo de cinco anos [37], será aplicável o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, ou seja, suspensão condicional do processo, uma vez que a pena privativa de liberdade mínima cominada é de um ano.

Vigência:

O artigo 9º da Lei 10.303 de 31 de outubro de 2001, publicada no D.O.U. de 1º/11/2001, previu uma vacatio legis de 120 dias com exceção das companhias que se constituírem após a sua edição. Desta forma a lei, na parte penal, entrou em vigor em 1º/03/2002 [38]

Direito intertemporal:

sendo norma penal incriminadora, é irretroativa. Os fatos cometidos antes da vigência da lei, se não previstos em outras leis, permanece impune.

Anexo I – Condutas possíveis para o artigo 27-C

1.1.1- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, com o fim de obter vantagem indevida para si.

1.1.2.- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, com o fim de obter vantagem indevida para outrem.

1.1.3.- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, com o fim de causar dano a terceiros.

1.2.1.- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de mercadorias, com o fim de obter vantagem indevida para si.

1.2.2- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa mercadorias, com o fim de obter vantagem indevida para outrem.

1.2.3.- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de mercadorias, com o fim de causar dano a terceiros.

1.3.1.- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão, com o fim de obter vantagem indevida para si.

1.3.2.- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão, com o fim de obter vantagem indevida para outrem.

1.3.3.- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão, com o fim de causar dano a terceiros.

1.4.1.- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida para si.

1.4.2.- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida para outrem.

1.4.3.- Realizar operações simuladas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão organizado, com o fim de causar dano a terceiros.

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2.2.2- Executar outras manobras fraudulentas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa mercadorias, com o fim de obter vantagem indevida para outrem.

2.2.3.- Executar outras manobras fraudulentas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de mercadorias, com o fim de causar dano a terceiros.

2.3.1.- Executar outras manobras fraudulentas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão, com o fim de obter vantagem indevida para si.

2.3.2.- Executar outras manobras fraudulentas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão, com o fim de obter vantagem indevida para outrem.

2.3.3.- Executar outras manobras fraudulentas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão, com o fim de causar dano a terceiros.

2.4.1.- Executar outras manobras fraudulentas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida para si.

2.4.2.- Executar outras manobras fraudulentas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão organizado, com o fim de obter vantagem indevida para outrem.

2.4.3.- Executar outras manobras fraudulentas com a finalidade de alterar artificialmente o regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários no mercado de balcão organizado, com o fim de causar dano a terceiros.

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Sobre o autor
Áureo Natal de Paula

bacharel em Direito pela Faculdade Estadual de Direito do Norte Pioneiro, ex-escrevente técnico judiciário na Comarca de Fartura (SP), Procurador da Fazenda Nacional em Marília(SP) autor do livro Crimes contra o sistema financeiro nacional e o mercado de capitais, 6ª edição, Juruá, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAULA, Áureo Natal. Considerações sobre os crimes contra o mercado de capitais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3960. Acesso em: 25 abr. 2024.

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