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A magna carta do Rei João sem- terra faz 800 anos: uma vontade de Constituição

Agenda 04/06/2015 às 10:52

Após 800 anos, a primeira Constituição tida como da Era "moderna" , fim do feudalismo, mostra a complexidade de se firmar o binômio liberdade/igualdade.

Magna Charta Libertatum, seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni angliae


Uma breve reflexão

No dia 15 de junho próximo, a famosa Magna Charta Libertatum, completará 800 anos. Marco na história do constitucionalismo, nasceu não do desejo do povo, antes dos barões ingleses na tentativa de limitar o poder do rei.De fato, tanto os barões quanto o Papa Inocêncio III lograram êxito ao barrarem o poder absoluto que se encontrava nas mãos do rei João.

Ao refletirmos a situação e o momento histórico de 1215, mesmo ao reconhecermos que o povo como entendemos na democracia, não participou efetivamente do ato que levou João Sem-Terra a "promulgar" a Constituição que limitava seus poderes, percebemos a profunda mudança na ordem social que eclodiria em todas as nações e no futuro da humanidade. Por exemplo, em 1789 na França , na famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os revolucionários esculpem o artigo XVI, da seguinte forma:

" A Sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos nem a separação dos poderes não têm Constituição".

In: Declaração do direitos do homem e do cidadão, 26 de agosto de 1789.

Em outras palavras, os revolucionários de 1789 frisam que país sem Constituição é país algum. A idéia de Constituição evoluiu muito desde o ano 1215, todavia, um ponto nevrálgico permanece intacto: a limitação dos poderes.O poder concentrado na mão de um ou alguns poucos, caracterizou-se naquilo que compreendemos na teoria política como totalitarismo ou absolutismo , como já foi conhecido.

Uma Constituição é um marco de referência para o país que a têm e para o povo que a legitima e aceita. Os norte-americanos começam sua Constituição com a frase lapidar:

"Nós , o Povo dos Estados Unidos...".

In: https://www.braziliantranslated.com/euacon01.html (Consulta em 04/06/2015).

Ao refletirmos sobre a abrangência dessa frase, nos faz pensar o quanto a Constituição de um país representa em termos de valores morais , legais, direitos fundamentais e mais ainda, seu anseio de existir e ser respeitada como nação. Claro que os agentes políticos e a busca pelo poder estão cada vez mais presentes nas constituições. Grupos de pressão e grupos representativos da sociedade civil, exigem sua parcela de participação na confecção da constiuição que nasce na Casa Legislativa.

A idéia dos barões, que não deixam de representar uma elite, todavia, exigiam que o rei João que possuía trabalhos a perseguir Robin Hood, cedesse, coisa não fácil, parte de seus poderes e fosse menos intransigente com relação ao povo.

O modelo abraçado pelos países modernos e democráticos, quase todos, passam pela teoria da tripartição dos poderes, preconizada por Charles Louis de Secondat, mais conhecido como Montesquieu (1689-1755). Em sua obra " O Espírito das Leis " de 1748, visualizava a tripartição dos poderes, o executivo, o legislativo e o judiciário, independentes e harmônicos entre si. Tal pensamento foi amplamente abraçado pelos Iluministas franceses, entre eles, Denis Diderot (1713-1784) e Jean le Rond d'Alambert (1717-1783). Coincidentemente , nenhum desses teóricos viu a Revolução de 1789 e a "Era do Terror" de 1791 a 1793 na França.

O Brasil teve sua primeira Constituição em 1824, sob a égide de D. Pedro I, Constituição Imperial, fruto dos "gritos que chegavam da Europa". É perigoso quando o povo respira a possibilidade do poder. O Brasil é um caso à parte do que citamos acima sobre os Estados Unidos. Lá o povo, aqui o imperador, pela legitimidade de Deus. Leiamos o preâmbulo:

DOM PEDRO PRIMEIRO, POR GRAÇA DE DEOS, e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil : Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que tendo-Nos requeridos o Povos deste Imperio, juntos em Camaras, que Nós quanto antes jurassemos e fizessemos jurar o Projecto de Constituição, que haviamos offerecido ás suas observações para serem depois presentes á nova Assembléa Constituinte mostrando o grande desejo, que tinham, de que elle se observasse já como Constituição do Imperio, por lhes merecer a mais plena approvação, e delle esperarem a sua individual, e geral felicidade Politica : Nós Jurámos o sobredito Projecto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que dora em diante fica sendo deste Imperio a qual é do theor seguinte:

CONSTITUICÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL.

EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE.

TITULO 1º

Do Imperio do Brazil, seu Territorio, Governo, Dynastia, e Religião.

Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia.

Art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na fórma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.

Art. 3. O seu Governo é Monarchico Hereditario, Constitucional, e Representativo.

Art. 4. A Dynastia Imperante é a do Senhor Dom Pedro I actual Imperador, e Defensor Perpetuo do Brazil.

Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.

In: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm

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Ao pensarmos brevemente a data de 15 de junho de 1215, não queremos fazer estudo mais aprofundado sobre o constitucionalismo, contudo, refletir que a Constituição de um país é o reflexo de seu próprio povo, seja em sua confecção, seja no que está esculpido nas suas páginas, seja na inércia ou cumprimento do que nela está pactuado.

A Constituição não pode ser pretexto de democracia, não pode ser um texto inalcançável, não pode ser um "hieróglifo", não deve estar distanciado da vontade do povo. João-Sem-Terra teve que mitigar com os barões ingleses. A Constituição mexicana de 1917 reconheceu o direito dos trabalhadores, de forma tênue , todavia, foi um avanço e pela primeira vez na história das constituições. Na mesma esteira a Constiuição de Weimar de 1919 reconhece tal premissa.

O célebre alemão de nome francês: Ferdinand Lassalle (1825-1864) , ao proferir uma palestra para trabalhadores em 16 de abril de 1862, conhecida por nós com o título de : "A Essência da Constituição", reflete de uma forma coerente os aspectos das constituições e sua base fundamental: o social. Lassale era amigo de Karl Marx, embora, tenha rompido com esse em 1863 e se unido a Otto von Bismarck. Em síntese bastante apertada encontramos:

Cunhou o conhecido conceito sociológico de Constituição ao estabelecer que tal documento deve descrever rigorosamente a realidade política do país, sob pena de não ter efetividade, tornando-se uma mera folha de papel. Esse conceito nega que a Constituição possa mudar a realidade. A tese de Lassale foi contraposta por Konrad Hesse, que cunhou o conceito concretista da Constituição, por considerar que a Constituição não é um simples livro descritivo da realidade - o que a transformaria num simples documento sociológico -, mas norma jurídica, pelo que haveria de se estabelecer uma relação dialética entre o "ser" e o "dever.

In: LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado.13ª ed. rev. atualizada e ampliada. São Paulo Editora Saraiva. 2009. p.25.

Uma mera folha de papel, "Ein stück papier", penúltimo parágrafo do texto de Lassale. O advogado prussiano, envolto em questões políticas e amorosas, visto que morreu em um duelo por sua noiva em 1864, vaticinou e ao mesmo em um lampejo de extrema modernidade , mostrou o que não deve ser uma constituição: "Ein stück papier", "Uma mera folha de papel", sem vida social e sem anseios, pior, sem mobilidade social e sem credibilidade do povo. Hoje , no Brasil, temos a mais democrática das Constituições que já tivemos, como nos ensina o notável professor Drº Ayres Britto, de quem sou aluno no mestrado. Cabe ser efetiva, como todo instrumento legal e público deve ser.

Lex Fundamentalis assim se reporta o mestre jurista em suas aulas sobre nossa Constituição. Em um princípio fundamental e republicano, lembramo-nos da frase de Abraham Lincoln ao falar do ideal constitucional, de democrático e republicano. Que o poder seja do povo, para o povo e pelo povo: "and that government of the people, by the people, for the people, shall not perish from the earth". Que o dia 15 de junho nos faça refletir mais sobre tais implicações.

Sobre o autor
Sérgio Ricardo de Freitas Cruz

Mestre e doutorando em Direito. Membro do IBCCRIM e do IBDFAM.

Informações sobre o texto

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