O direito natural que os escritores chamam de “jus naturale” é a liberdade de toda pessoa tem de usar o seu próprio poder a seu arbítrio para a conservação da sua natureza, isto é, da sua vida, e, consequentemente, de fazer qualquer coisa que, segundo o seu próprio juízo e a sua razão, considere como o meio mais idôneo para este fim. (HOBBES Thomas, Leviatano, Editora Laterza, Roma, 2011, pág. 105 )
O jusnaturalismo ou o direito natural é a corrente de pensamento jurídico-filosófica que pressupõe a existência de uma norma de conduta intersubjetiva universalmente válida e imutável, fundada sobre a peculiar ideia da natureza preexistente em qualquer forma de direito positivo que possa formar o melhor ordenamento possível para regular a sociedade humana, principalmente no que se refere aos conflitos entre os Estados, governos e suas populações.
Para a doutrina jusnaturalista, o direito positivo nunca se adéqua completamente a lei natural, porque o direito positivo contém elementos variáveis e mutáveis em todo o lugar e em todo o tempo, portanto, segundo esta corrente de pensamento, as normas de direito positivo seriam realizações imperfeitas que apenas se aproximariam das normas do direito natural (ABBAGNANO Nicola, Dicinário de Filosofia, 3ª ed., Utet, 1998, págs. 621 a 641)
As primeiras reflexões sobre o direito natural são encontradas no pensamento grego clássico e no cristianismo antigo e medieval. Porém, entende-se que o jusnaturalismo fora uma corrente jurídico-filosófica desenvolvida em seiscentos e setecentos, que reelaborou o conceito clássico do direito natural, interpretando-o de forma mais racional e humana (ADORNO Francesco, História da Filosofia, volume II, 12ª edição., Editora Laterza, 1983, págs. 218 a 221).
O final da chamada Escola do Direito Natural coincide com a morte de Kant em 1804 e também com a promulgação, no mesmo ano, do código napoleônico, que serviu de modelo e influenciou as legislações de vários países no mundo, por ser considerado um código moderno e que trazia uma maior clareza e simplicidade às normas. O referido código tinha como principais características a igualdade dos cidadãos perante lei, a abolição do feudalismo e a proteção do direito de propriedade.
Importante ressaltar que a partir do século V a.c. começaram a delinear-se as três principais tendências que caracterizaram as várias correntes jusnaturalistas que desenvolveram-se no curso dos séculos, como a que pressupunha uma lei justa e absolutamente válida, sendo, inclusive, superior a lei positiva, porque era derivada de uma lei acima das lei humanas, era o chamado jusnaturalismo voluntário. Depois surgiu o jusnaturalismo naturalístico, que entendia a lei natural como um instinto comum de qualquer animal, e, por fim, o jusnaturalimo racionalístico, que interpretava a lei da natureza como um ditame da razão (Norberto Bobbio, Nicola Matteuci, Gianfranco Pasquino, "O dicionário da Política", 1a. edição, Utet, 2004, págs.390 a 394 ).
Havendo a ruptura da unidade religiosa com a reforma protestante, a moderna corrente jusnaturalista se desvincula da fé religiosa, inspirando-se no racionalismo cartesiano e concentrando-se na análise filosófica da pesquisa de leis gerais que fossem capazes de regular a convivência social. Esta nova interpretação do direito natural se prende a necessidade de formular um novo direito internacional que pudesse assegurar uma pacífica convivência entre as nações europeias.
O maior empenho em formular um novo direito internacional foi através dos pensamentos do holandês Hugo Grocio em sua obra denominada “De iure belli ac pacis”, na qual se discutiu muito sobre a licitude da guerra, desenvolvendo-se algumas considerações sobre o direito internacional e a necessidade de inovações neste campo. A parte considerada a mais importante do livro de Ugo Grocio sobre este tema demonstra uma repulsa em relação à redução do direito positivo a um mero sistema de normas arbitrárias, pois, segundo o autor, o direito positivo se fundamentava em princípios universalmente válidos e destacados da natureza racional humana. Estes princípios universais aos quais se referia Grocio derivavam, segundo o seu entendimento, da natureza racional do homem e constituíam o direito natural.
Segundo a teoria de Grocio, o direito natural derivava da essência racional comum de todo homem e tinha validade absoluta como a dos princípios matemáticos, portanto, para Grocio, como não se poderia modificar os princípios matemáticos, também não se poderia modificar os princípios do direito natural, os quais seriam absolutamente válidos, e assim, Grocio introduz uma nova ideia do jusnaturalismo laico que defendia, por exemplo, a manutenção dos pactos que derivavam do respeito a propriedade e a obrigação de manter as promessas feitas (Francesco Adorno, Tulio Gregori e Valerio Verra, História da Filosofia, volume II, 12ª edição., Editora Laterza, 1983, págs. 218 a 221).
Um dos mais notáveis jusnaturalistas foi Thomas Hobbes, que defendia com veemência que deveriam ser conferidos plenos poderes nas mãos de um único indivíduo. Defendia, também, que o três poderes - o judiciário, o executivo, e o legislativo - eram uma sorte de instrumentos nas mãos do soberano para assegurar a ordem em uma determinada sociedade. Para Hobbes, o homem sairia daquele chamado “estado natural”, efetuando um pacto imaginário, pelo qual cada um dos membros renunciaria ao seu direito natural em relação ao outro, mantendo, assim, o respeito ao pacto através de um absolutismo puro.
Outro importante jusnaturalista foi John Locke, que, em sua obra denominada “Segundo tratado sobre o governo civil”, percebe o homem em um estado natural governado por três princípios novos: razão, igualdade e liberdade. Segundo o entendimento de Locke, o homem possui direitos de nascença, como a vida, a liberdade e a saúde, mas a responsabilidade de garantir esses direitos era do soberano, ou seja, o soberano deveria salvaguardar os referidos direitos. No entendimento de Locke, entre os governantes e os governados dever-se-ia criar um pacto social que seria respeitado por ambas as partes (pacta sunt servanda), pois, para Locke, a revolução nada mais seria que a falta de respeito a este pacto.
Locke defendia a separação do poder legislativo do poder executivo, inclusive, com atribuições diversas, pois ele tinha como referência a situação da Inglaterra naquela época, por isso, na obra de Locke, encontramos os fundamentos do constitucionalismo e das mais modernas garantias sociais. No âmbito das reflexões políticas, o filósofo britânico idealizou um sistema que pudesse fornecer uma melhor vantagem para todos: “Lo stato mi sembra la società degli uomini costituita soltanto per conservare e accrescere i beni civili. Chiamo beni civili la vita, la libertà, l'integrità del corpo e la sua immunità dal dolore, e il possesso delle cose esterne, come la terra, il denaro, le suppellettili ecc.” (LOCKE John, Lettera sulla tolleranza, escrita em 1685 na Holanda e publicada em 1689).
Concluímos que esta concepção do direito teve uma grande importância no desenvolvimento das normas, porque dominou a cultura jurídica por muitos séculos, pois não era somente um movimento cultural, mas uma parte direta da vida jurídica. Os juristas a aplicavam diretamente por se entender que o direito natural continha os critérios de justiça, os quais vinculavam, inclusive, os soberanos, tendo em vista que, se os mesmos violassem o direito natural, suas normas não seriam consideradas legítimas ou verdadeiramente legais.