A politização da Supremo Tribunal Federal - STF é um assunto levantado com frequência no decorrer da última década. Questionam-se a viabilidade democrática das indicações presidenciais para a composição de ministros do STF e a possível influência que o Presidente da República pode ter em decisões polêmicas cabíveis à corte.
Inspirado no modelo norte americano, a Constituição da República de 1988, em seu artigo 101, dispõe que o Supremo Tribunal Federal será composto por onze Ministros, escolhidos dentre cidadão com mais de trinta e cinco anos e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. No parágrafo único, do mesmo artigo, está determinado que os Ministros serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.
Alguns segmentos entendem que a controvérsia se inicia no termo “nomear”. André Luiz Melo defende que o dispositivo alude apenas à função do Presidente de “nomear” após a aprovação do Senado Federal, estabelecendo uma lacuna constitucional em relação a quem seria responsável pela indicação. Obviamente não seria necessária nenhuma modificação do texto constitucional, apenas a criação de uma Lei que regulamentasse tal processo seria a solução para o suposto problema.
Muito há que questionar a conveniência do Presidente da República nas indicações dos Ministros que compõe o Supremo Tribunal Federal. O modelo sustentado por Mariana Prado e Cláudia Türner analisa o padrão dos últimos Presidentes da República em tentar manter sua influência nas decisões públicas a partir de maiores números de indicações para o STF e, nesses nomes, a prevalência na escolha de pessoas cada vez mais jovens[1].
A hipótese de influência torna-se mais perceptível quando se nota a importância das posições dos Ministros em julgamentos conflitantes e polêmicos. A decisão do STF que permitiu o aborto de anencéfalos[2] exemplifica com clareza a situação. O Presidente da República que se elegeu em um partido conservador e, persiste com essas características em seu governo, pode não concordar com essa decisão e a maneira de promover a sintonia entre o entendimento dogmático do seu partido e a aplicação do direito pelo STF é a seleção das indicações dos Ministros que irão compor a casa.
Em resposta a teoria de Prado e Türner, Diego Werneck Arguelhes e Leandro Molhano Ribro indicam as limitações de suas análises. Os autores acreditam que existem de fato a influência interna nas indicações presidenciais, contudo, elas não são tão efetivas assim[3].
As decisões proferidas pelo STF são colegiadas, de modo que o entendimento de um único Ministro não irá interferir de maneira direta na aplicação do Direito e na uniformização das decisões constitucionais. Dessa forma, segundo eles, o Presidente da República não possui uma influência direta nas decisões e não contribui de maneira extremamente efetiva para a sua politização.
Contudo, os autores deixaram de analisar um importante aspecto na história política nacional. O PT encontra-se no governo Federal por treze anos e, atualmente, dos dez Ministros que compõem a casa, três foram indicados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e quatro pela presidente Dilma Roussef. Pode-se concluir, portanto, que sete Ministros, dos dez, foram indicados pelo Partido dos Trabalhadores.
Insta salientar que no dia 16 de junho de 2015, haverá a posse de Edson Fachin como ministro do STF, também indicado pela atual presidente em virtude da aposentadoria do ex-ministro Joaquim Barbosa. Dessa forma, oito Ministros indicados pelo PT irão compor a casa.
Nesse contexto torna-se questionável a resposta dada por Arguelhes e Ribeiro no que se refere à influência realizada por parte do Presidente da República. Analisar apenas a figura do Presidente limita um entendimento melhor da atual composição do do STF, é necessário, portanto, ter como referência as convicções predominantes do partido que os indicam.
Os autores questionam, também, que independente do sistema colegiado de decisões, após a nomeação do Ministro nenhuma relação de dependência o prende ao Presidente da República mais. Não há controle das Decisões e a exoneração do cargo se dá a partir da sua aposentadoria, quando o Ministro alcança os 65 anos de idade. Um exemplo fático disso é o caso do ex-presidente dos Estados Unidos Dwight Eisenhower, que comenta abertamente que os principais erros que cometeu durante a sua presidência encontram-se na Suprema Corte, referindo-se aos ex-ministros Earl Warren e William Brennan. Dessa forma, não há nenhuma obrigação que prende o Ministro a manter qualquer tipo de vínculo com o presidente que o indicou.
Além disso, Diego Arguelhes e Leandro Ribeiro ressaltam que o Presidente da República não indica os Ministros com base, apenas, em sua idade – uma vez que, conforme já mencionado, a aposentadoria é a única forma que o Ministro se desliga do cargo e quanto mais novo for maior tempo permanecerá nesse - e orientação política. No caso de presidencialismo por coalizão, como ocorre no Brasil, o Presidente tem uma responsabilidade indireta de agradar o partido da sua base e o da oposição. Essa prática foi denominada como barganha.
Outra prática recorrente na agência presidencial é a sinalização. Com ela o Presidente indica para o cargo de Ministro pessoas que se identificam com parcelas da sociedade que se sentem pouco representadas. Foi o caso da indicação do ex-Ministro Joaquim Barbosa pelo ex- Presidente “Lula” como primeiro negro a compor a casa. Percebe-se, assim, que a sinalização é uma forma de aumentar a popularidade do Presidente da República e, como consequência direta disso, contribuir para que consiga mais votos.
A barganha e a sinalização indicam que o interesse do Presidente da República vai além da politização do STF, uma vez que o que predomina nesses casos são fatores diversos da convicção e posição políticas dos agentes.
Deve ser ressaltada a importância do Senado no controle da politização do Supremo Tribunal Federal. Na história da República brasileira o Senado apenas rejeitou uma indicação de Ministro para o STF, o abolicionista Cândido Barata Ribeiro, indicado pelo ex-Presidente Floriano Peixoto, rejeitado em virtude das suas convicções políticas em 1893.
Acredita-se que há uma grande relação entre a politização e a rapidez em que ocorre as Sabatinas no Brasil. A mais recente sabatina ocorreu em 12 de maio de 2015, com duração de aproximadamente 12 horas o jurista Luiz Edson Fachin foi aprovado pelo Senado como o novo Ministro do STF. O processo que se baseia em respostas a determinados questionamentos dos Senadores foi exaustivo, e diversos senadores pediram seu encerramento[1].
Contudo, nos Estados Unidos, embora as regras sejam semelhantes às do Brasil, o processo se dá de modo diverso. A título de exemplo, a primeira Ministra mulher e latina Sônia Sotomayor passou por quatro dias de Sabatina, teve que conversar pessoalmente com 89 senadores, além de todos os membros da Comissão de Justiça[1]. Dessa forma, muitos criticam que a politização do STF apenas acontece em virtude da inércia do Senado em não escolher com calma e de modo mais rigoroso os futuros Ministros do Tribunal Superior.
A Constituição alemã influenciou todos os países da Europa e, alguns da África, no que se refere ao processo de seleção dos Ministros que irão compor o Tribunal Constitucional Alemão, Bundesverfassungsgerich. Diferente do Brasil, as indicações dos “Juízes Constitucionais”, semelhante aos Ministros do STF, são feitas pelo legislativo. É necessário que haja a aprovação por 2/3 da casa e, principal, há um limite de mandato. Os Juízes Constitucionais possuem um mandato fixo de 12 anos, não passível de reeleição. O quórum elevado de aprovação, aliado com a limitação do mandato, contribui para que não ocorra a politização do Tribunal Constitucional Alemão.
Conforme endossado pelo Ministro Luís Roberto Barroso[2], a pouca politização e o pouco ativismo judicial da Bundesverfassungsgerich contribuíram para a transição democrática na Alemanha pós guerra, sendo, portanto, um símbolo bem sucedido da ruptura do passado.
Dessa forma, a politização do Supremo Tribunal Federal é um assunto em voga e merece ser trabalhado pelos demais juristas no intuito de conter sua ocorrência. Numa sociedade tão plural quanto a brasileira a homogeneização de pensamentos e convicções da Suprema Corte pode acarretar extemos prejuízos na tutela dos direitos fundamentais. Portanto, quanto mais diversificado o entendimento dos Ministros do STF, mais legitimas e justas serão suas decisões.
[1] COUTINHO, Filipe; HAIDAR, Rodrigo. EUA e Brasil tem mesmas regras mas jogos diferentes. Conjur. jul/2009.
[2] BARROSO, Luís Roberto. Supremo Tribunal Brasileiro, Suprema Corte Americana e Tribunal Constitucional Alemão: algumas notas sobre as distinções existentes. Disponível em: http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2011/08/STF-Suprema-Corte-Corte-Constitucional_Merval.pdf (Data de acesso: 14/06/2015)
[1] “Quando a sessão atingiu oito horas de duração, o senador Omar Aziz (PSD-AM) arrancou risos dos presentes ao criticar a duração da sabatina. "Não acho humano uma pessoa passar dez horas e meia sentado. Nem na época da escola, quando a gente ficava de castigo", afirmou. Ele reclamou que as questões formuladas ao jurista se repetiam. Disse ainda que nunca havia visto uma inquirição durar tanto tempo no Senado. “E ele nem é réu”, afirmou Aziz, para risos de parlamentares e de Fachin.” – SALOMÃO, Lucas; RAMALHO, Renan. CCJ do Senado aprova por 20 votos a 7 indicação do Luiz Fachin para o STF. G1. mai/2015.
Notas
[1] PRADO, Mariana; TÜRNER, Cláudia. A democracia e seu impacto nas nomeações das agências reguladoras e ministros do STF. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 250, p.28, jan./abr. 2010.
[2] Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54
[3] ARGUELHES, Diego Werneck; RIBEIRO, Leandro Molhano. Indicações presidenciais para o Supremo Tribunal Federal e seus fins políticos: uma resposta a Mariana Prado e Cláudia Türner. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 255, 2010.