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Qual será o legado da nossa geração ao planeta?

Um diálogo sobre a crescente crise ambiental

Agenda 26/11/2015 às 08:42

O artigo versa sobre a crescente crise ambiental e os seus efeitos, especialmente as mudanças do clima, bem como sobre a influência histórica da ação humana nesse processo e a necessidade de pensarmos em estratégias de reversão da degradação do ambiente.

Jared Diamond, na sua obra “Colapso”, afirma que as sociedades são capazes de escolher o sucesso ou o fracasso. Cita exemplos de várias civilizações passadas demonstrando como a forma de interação destas com o ambiente onde viviam resultaram em verdadeiras tragédias, em algumas situações, com o decréscimo de populações.

Um dos casos citados foi o da Ilha de Páscoa, isolada no meio do Oceano Pacífico, onde a busca incessante pela construção, pela elite local, de monumentos cada vez maiores, os “Moais”, acabou resultando na destruição da vegetação e da biodiversidade da ilha e no colapso econômico e alimentar daquela comunidade.

Evidentemente, vários fatores estruturais contribuíram para os resultados obtidos pelas sociedades no seu sucesso ou no seu fracasso, como cultura, modo de produção econômico, religião, dentre outros, motivo pelo qual o fracasso ou o sucesso social nunca é o resultado de mero voluntarismo ou de condutas individuais isoladas, mas deriva de ações coletivas, da compreensão que determinado grupo tem do meio onde vive.

Assim, se a cultura egípcia de interação com o Nilo resultou na evolução da agricultura, e numa civilização que dominou a região por milhares de anos até a invasão macedônica, a destruição intensiva dos ecossistemas, dos recursos hídricos, e as guerras civis resultaram no declínio do poder Maia mesoamericano. Quando da chegada dos conquistadores europeus, o poderoso Império Maia não era nem sombra do que havia sido no passado clássico, em decorrência de um processo interno de destruição na luta incessante entre as diversas “cidades-estado”.

Mesmo assim, tanto a cultura maia como a egípcia deixaram legados inestimáveis para a humanidade nos campos da agricultura, da arquitetura, da matemática, da astronomia, medicina, literatura e diversas outras ciências e, em vários aspectos, demonstraram maior capacidade de interação com o ambiente onde viviam do que as sociedades modernas e contemporâneas.

Alguns de casos tragédias sociais decorrentes da relação inadequado com o ambiente também são frequentes no mundo dominado pela cultura europeia judaico-cristã. A “Peste Negra”, surto de peste bubônica na Baixa Idade Média que dizimou entre 25 e 75 milhões de pessoas em toda a Europa, foi fruto do crescimento populacional urbano sem a adequada preocupação com saneamento e das constantes guerras, o que criou um campo fértil para a reprodução da pulga Xenopsylla cheopis, hospedeira da bactéria Yersinia pestis, que atacavam ratos (Rattus rattus) e outros roedores em todo o continente, resultando numa expansão sem precedentes do surto, o qual chegou até a Ásia Menor e a China.

Situação semelhante pode ser observada com a pandemia de Influenza que se espalhou pelo mundo entre os anos de 1918 e 1919, a famosa “gripe espanhola”, que dizimou mais de 40 milhões de pessoas, logo depois da Primeira Grande Guerra Mundial. A referida guerra criou as condições ideais para a expansão do vírus que afetou todos os exércitos que estavam alocados na Europa, sendo que 80% das mortes que atingiram as forças armadas norte-americanas durante a guerra foram decorrentes da gripe.

Além da grande gripe, a fome, o tifo e a malária também contribuíram para a elevação na mortalidade da guerra, todas decorrentes da destruição de cidades e ecossistemas pelo conflito bélico.

Se é verdade que a Guerra Civil Americana ou da Secessão, de 1861 a 1865, meados do século XIX, com a produção intensiva de armas de fogo e uso de barcos à vapor, foi a primeira manifestação da chamada “guerra industrial”, tal processo foi globalizado com a Primeira Guerra Mundial. Pela primeira vez tanques, submarinos e aviões foram utilizados para o massacre de soldados e da população civil. Pior do que isto, as guerras química e biológica foram utilizadas sem nenhuma preocupação por ambos os lados, sufocando milhões de soldados e animais, especialmente cavalos, nas trincheiras dos frontes ocidental e oriental.

Pois essa tecnologia militar, que teve ampliada a sua utilização na Segunda Grane Guerra, entre 1939-1945, passou a ser incorporada pela produção capitalista depois de 1945. A “Revolução Verde”, que contribuiu para a degradação dos ecossistemas tropicais na América Latina, na África e na Ásia, alimentou-se da guerra química para a produção de fertilizantes e de agrotóxicos, e foi somada à conversão do maquinário de guerra, como tanques, em máquinas agrícolas.

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A revolução verde foi, na verdade, uma estratégia econômica dos países centrais para “colonizar o mundo da agricultura” e resultou na conversão de várias fronteiras naturais em espaços de monoculturas intensivas no uso agro-químico, contribuindo para a contaminação do solo, de recursos hídricos, processos erosivos e de assoreamento, além da perda de biodiversidade, biomassa e de conhecimentos tradicionais e populares.

A pregada elevação na produção de grãos nunca chegou na mesa da grande maioria das pessoas, salvo como “alimentos processados”, na medida em que a soja e o milho, “commodities” mais beneficiadas com a revolução verde, são predominantemente utilizadas da indústria, e não na alimentação humana.

Outro efeito negativo decorrente da revolução verde, e pouco divulgado pelos grandes meios de comunicação, foi a produção crescente de gases estufa, tanto pela queima e derrubada da vegetação nativa, como pelo uso de agrotóxicos e fertilizantes industriais. Tais gases, somados ao dióxido de carbono vindo do uso de combustíveis fósseis no transporte e na economia industrial urbana, contribuíram de forma decisiva para os problemas que hoje enfrentamos com a crise do clima. Uma prova disso é que a maior contribuição do Brasil para o “efeito estufa” vem do meio rural, e não do urbano, especialmente da pecuária extensiva e das monoculturas de soja, pinus e eucaliptos, plantas importadas e impostas ao país pelo modelo econômico eurocêntrico da revolução verde.

Junto com a soja, com o pinus, com o eucalipto vieram os fertilizantes químicos e os agrotóxicos, como o “glifosato”, por exemplo, responsável pela mortandade das espécies responsáveis pela polinização de plantas, especialmente de abelhas nativas e borboletas. Um problema criado pela ação desregrada dos colonizadores que foi a contaminação genética das abelhas nativas pelas espécies europeias e, especialmente, africanas, hoje surge como solução, na medida em que as “abelhas híbridas africanizadas” são mais resistentes a doenças e aos agrotóxicos. Contudo, ainda não existem estudos conclusivos sobre o uso intensivo de clones estéreis nas monoculturas de eucalipto sobre o ambiente, com exceção do aumento no consumo de água e destruição de aquíferos.

Se o século XX foi uma era de extremos, conforme assertiva do historiador britânico Eric Hobsbawm, tendo em vista que foi o período em que ao mesmo tempo foram executados os maiores massacres e genocídios e se construíram os melhores patamares de qualidade de vida da história (pelo menos na Europa e na América do Norte), qual será o legado da nossa geração para o futuro?

No século passado descobrimos, pela primeira vez, que a humanidade tem condições de produzir os instrumentos para a total destruição do planeta, através da bomba atômica, das armas químicas e biológicas. O risco de vermos o mundo ter o mesmo destino de Hiroshima e Nagasaki foi uma constante permanente nos cálculos das potências da Guerra Fria!

Esse risco ainda não teve o seu fim decretado. Hoje o problema está fragmentado, disperso, e pode ressurgir com ações terroristas ou do fundamentalismo militar de direita. A forma como os Estados Unidos impuseram a invasão ao Iraque é uma demonstração clara de que os “senhores da guerra” não possuem preocupação com a verdade, nem com a preservação do planeta! Muitos pregam e ainda negam o evolucionismo darwiniano e a existência de mudanças no clima causados pela ação humana. Tal fundamentalismo pode nos levar a uma verdadeira catástrofe.

Além disso, hoje sofremos com os efeitos negativos de décadas de descaso com o planeta, decorrentes da economia capitalista moderna, cujo combate tem sido sistematicamente prejudicado pelo predomínio do pensamento neoliberal no centro das diversas economias. Cada centavo “economizado” em saneamento nos cada vez mais reduzidos orçamentos do Estado, ou direcionado para apagar a voracidade do mercado financeiro, representa toneladas de gases estufa lançados na atmosfera, poluição dos rios e dos mares, e contaminação do solo.Ou seja, os interesses econômicos dominantes, especialmente do capital financeiro, estão em conflito direto com a proteção do planeta e defesa da vida. Pouco adianta a compra de áreas de matas nativas por grandes ONGs internacionais, financiadas pelo mercado de capitais, quando a maior parte da população conviver sem as mais básicas condições de habitação, saneamento e qualidade de vida.

Além disso, muitas vezes, o dinheiro que é drenado para “reservas privadas” também é uma forma de proteger a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro. Mais sadio é o investimento efetivo em reservas extrativistas ou outros tipos de unidade de conservação de uso sustentável que não alijam a população tradicional dos seus meios de vida.

Aliás, muito do nosso patrimônio natural seria poupado se o dinheiro que hoje alimenta os juros de bancos e outros agentes financeiros fosse direcionado para políticas de qualificação do ambiente urbano, habitação e saneamento.

E aqui temos alguns dos principais desafios colocados para a nossa geração. Como combater as mudanças climáticas com o domínio de regimes de excessiva responsabilidade fiscal? Como investir em serviços básicos e combater a exclusão social frente ao predomínio do capital financeiro nos processos decisórios? Como garantir urgência à recuperação do ambiente sem confrontar o poder instituído nos mercados globais? Como enfrentar a crise ecológica global sem mudar os padrões de consumo impostos pela “sociedade do descarte”?

Os desafios são grandes, talvez inimagináveis pelas gerações pretéritas! Marx diria que a humanidade somente coloca à sua frente as tarefas que tem condições de enfrentar. E aí, talvez, esteja o grande legado que a nossa geração pode deixar: o de se desafiar! De colocar no centro das discussões e dos processos decisórios a importância de reverter o ritmo crescente de destruição do planeta e das mudanças do clima. Se não assumirmos este desafio, parece que nenhum outro caminho sobrará à civilização do século XXI além de um eminente fracasso.

Sobre o autor
Sandro Ari Andrade de Miranda

Advogado no Rio Grande do Sul, Doutorando em Sociologia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Sandro Ari Andrade. Qual será o legado da nossa geração ao planeta?: Um diálogo sobre a crescente crise ambiental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4530, 26 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40138. Acesso em: 25 dez. 2024.

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