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As duas faces do ativismo judicial

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Agenda 16/05/2017 às 14:08

O ativismo judicial tem relevância fundamental para a concretização dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, especialmente o princípio da dignidade da pessoa humana.

INTRODUÇÃO

O discurso acerca dos direitos fundamentais, no decorrer dos tempos, passou a fazer parte da “consciência e do tráfego social”, bem como, a se localizar no ponto central da jurisprudência do Supremo, não apenas sob a perspectiva qualitativa, como também quantitativa[1].

E na busca de terem esses direitos fundamentais satisfeitos e resguardados, a sociedade tem buscado cada vez mais o Judiciário, que por outro lado acaba por expandir suas funções objetivando satisfazer os anseios sociais e solucionar as lides que chegam em números avassaladores, criando assim o chamado ativismo judicial.

Para Vicente Paulo[2], o ativismo caracteriza-se da seguinte maneira:

O termo ativismo caracteriza-se pelas decisões judiciais que impõem obrigações ao administrador, sem, contudo, haver previsão legal expressa. Decorre da nova hermenêutica constitucional na interpretação dos princípios e das cláusulas abertas, o que tem despertado pesadas críticas ao Poder Judiciário, notadamente, ao Supremo Tribunal Federal.

Ocorre que, neste cenário, o ativismo assume duas “faces”: uma negativa e a outra positiva. A primeira feriria a separação dos poderes, gerando o enfraquecimento dos poderes eleitos e a desmobilização popular, bem como o exclusivismo moral do judiciário[3], e consequente insegurança jurídica. Já na segunda face, a fundamentação resta-se baseada na igualdade social, na garantia do mínimo existencial e na dignidade da pessoa humana, havendo interferência no dever de legislar, nas políticas públicas e nas decisões alocativas de recursos estatais e na atuação ativa diante das omissões e retardamentos do Legislativo[4].


2.FACE NEGATIVA

A constituição Federal de 1988, estabelece o princípio da separação dos poderes, qual seja a distinção entre as funções legislativa, executiva e jurisdicional.

De modo que, cada poder deve exercer sua função dentro do limite legal estabelecido, não devendo adentrar a esfera do outro poder, pois a atuação de um poder acaba por limitar a  atuação de um outro poder.

Desta maneira evidencia-se que o judiciário não possui função originária de lesgilar, mas ele acaba por atuar quando há vácuo institucional dos outros poderes,[5] especialmente o legislativo.

Carlos Alexandre[6] traz que:

Ante a omissão legislativa, o STF tem sido chamado a se pronunciar sobre determinadas matérias que caberiam ao Legislativo regulamentar. Por vezes, o STF não se limita a declarar a omissão legislativa, indo além do que a dogmática legalista tradicional convencionou ser o papel do Judiciário, qual seja, a subsunção do fato à norma, e ante a imposição de obrigações aos outros poderes e aos administrados em geral, a doutrina diz que há intromissão indevida do Judiciário nos demais Poderes da República, ferindo os princípios da separação dos poderes, a democracia e o estado democrático de direito.

E nesse meio de atuação acaba por ferir a separação dos poderes e intervir nas ações regulatórias, fator que pode sem dúvida gerar insegurança jurídica.

Conforme mencionou Geórgia Lage[7]:

 (...) a crítica se funda na alegação de que o Poder Judiciário não possui legitimidade democrática para, em suas decisões, insurgir-se contra os atos instituídos pelos poderes eleitos pelo povo. Assim, o Poder Judiciário, com seus membros não eleitos, não poderia demudar ou arredar leis elaboradas por representantes escolhidos pela vontade popular. Este poder não teria legitimidade para isso. É o que se chama de desafio contramajoritário, interferindo diretamente no poder regulatório e ferindo o princípio da separação dos poderes. Ou seja, onde estaria, a sua legitimidade para proscrever decisões daqueles que desempenham mandato popular, que foram escolhidos pelo povo?.

No que tange tal interferência ao poder regulatório, temos o exemplo clássico da “progressão de regime de cumprimento de pena em crimes hediondos”[8], decidido pelo Supremo Tribunal federal no HC 82.959, que buscava a declaração de inconstitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos (Lei Federal nº 8.072/1990, especificamente o seu art. 2º, §1º, que impossibilitava progressão do regime de cumprimento de pena dos acusados de crimes classificados como hediondos.

Em fevereiro de 2006, a maioria da Suprema Corte deferiu pedido de Habeas Corpus e declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1º do mesmo diploma legal. A decisão do STF, no entanto, não é de caráter vinculante, tendo acontecido em controle difuso de constitucionalidade. O STF entendeu que a vedação de progressão de regime prevista no referido dispositivo normativo viola o direito à individualização da pena, prevista no art. 5º, LXVI da Constituição Federal. No mais, que tal vedação é incongruente, uma vez que desconsidera o princípio da individualização da pena no § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90 e impõe o regime integralmente fechado, mas admite em seu art. 5º o livramento condicional.

Por fim, o Tribunal alegou que o enunciado do §7º, do art. 1º, da Lei 9.455/971 derrogou o §1º do art. 2º da Lei 8.072/90. Ainda que se refira especificamente ao crime de tortura esse é hediondo, passando assim ser o cumprimento de pena do crime hediondo inicialmente fechado, e não expressa e integralmente fechado. Desta maneira, trazia a legislação medidas de execução penal mais favoráveis aos acusados.[9]

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O argumento principal utilizado para fundamentar a decisão foi o princípio constitucional da dignidade da pessoa. Ocorre que sob tal argumento, o poder de punir do Estado restou mitigado, pois foi sobreposto pela interpretação do judiciário, que acabou por declarar inconstitucional parte de uma lei que fora criada pelo legislativo (a quem cabe precipuamente legislar) e a quem o povo elegeu para o fazer, objetivando maior rigidez na punibilidade, em busca de garantir a individualização da pena para proteger a dignidade da pessoa humana.

Nesse prisma, a sociedade fica a mercê de uma insegurança jurídica. Pois não há garantia de que o judiciário não continuará a declarar leis inconstitucionais face à interpretação de outros princípios, para assegurar outras garantias, invadindo outras esferas do poder. Um outro ponto pertinente é a fundamentação principiológica. Segundo Streck[10]:

Ativismo é quando os juízes substituem os juízos do legislador e da Constituição por seus juízos próprios, subjetivos, ou, mais que subjetivos, subjetivistas (solipsistas). No Brasil esse ativismo está baseado em um catálogo interminável de “princípios”, em que cada ativista (intérprete em geral) inventa um princípio novo. Na verdade, parte considerável de nossa judicialização  perde-se no emaranhado de ativismos.

 Sobre o assunto preleciona Daniel Sarmento[11]:

 E a outra face da moeda é o lado E a outra face da moeda é o lado do decisionismo e do "oba-oba". Acontece que muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de através deles, buscarem a justiça – ou que entendem por justiça -, passaram a negligenciar no seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta "euforia" com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com seus jargões grandiloquentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras "varinhas de condão": com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser. Esta prática é profundamente danosa a valores extremamente caros ao Estado Democrático de Direito. Ela é prejudicial à democracia, porque permite que juízes não eleitos imponham a suas preferências e valores aos jurisdicionados, muitas vezes passando por cima de deliberações do legislador. Ela compromete a separação dos poderes, porque dilui a fronteira entre as funções judiciais e legislativas. E ela atenta contra a segurança jurídica, porque torna o direito muito menos previsível, fazendo-o dependente das idiossincrasias do juiz de plantão, e prejudicando com isso a capacidade do cidadão de planejar a própria vida com antecedência, de acordo com o conhecimento prévio do ordenamento jurídico.

Assim sendo, o ativismo além de ferir a separação dos poderes expressa na Constituição Federal, o que gera o enfraquecimento dos poderes eleitos pelo povo com a consequente desmobilização popular, nos coloca diante do exclusivismo moral do judiciário, que de acordo com seu solipisismo decide com base no argumento principiológico, fatores preponderantes para o ocasionamento da insegurança jurídica.


3.FACE POSITIVA

Ao longo do tempo, o judiciário vem mudando, e sem dúvida, adotando novas abordagens interpretativas e decisórias.[12] Objetivando alcançar a igualdade social e garantir o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, tem assumido papel ativo na vida institucional brasileira[13], inclusive cobrando ao legislativo e buscando corrigir suas omissões e retardamentos.

Em discurso proferido na Suprema Corte em 23/04/2008 o Sr. Ministro Celso de Melo[14], em nome do Supremo Tribunal Federal, pronunciou o seguinte acerca do ativismo judicial:

 “Nem se censure eventual ativismo judicial exercido por esta Suprema Corte,  especialmente porque,  dentre as inúmeras causas que justificam esse comportamento afirmativo do Poder Judiciário, de  que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito, inclui-se a necessidade de fazer prevalecer  a primazia da Constituição da República, muitas vezes transgredida e desrespeitada por pura, simples e conveniente omissão dos poderes públicos. Na realidade, o Supremo Tribunal Federal, ao suprir as omissões inconstitucionais dos órgãos estatais  e ao adotar medidas que objetivem restaurar a Constituição violada  pela inércia dos poderes do Estado,  nada mais faz senão cumprir a sua missão constitucional e demonstrar, com esse gesto, o respeito incondicional que tem pela autoridade da Lei Fundamental da República. Práticas de ativismo judicial, Senhor Presidente, embora moderadamente desempenhadas por esta Corte em momentos excepcionais,  tornam-se uma necessidade institucional, quando os órgãos do Poder Público se omitem  ou retardam, excessivamente,  o cumprimento de obrigações a que estão sujeitos  por expressa determinação do próprio estatuto constitucional,  ainda mais se se tiver presente que o Poder Judiciário, tratando-se de comportamentos estatais ofensivos à Constituição, não pode se reduzir a uma posição de pura passividade. A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

Desta maneira o ativismo surge como forma de suprir as omissões e retardamentos do judiciário que deixam de cumprir seu papel, respeitando a própria Constituição, de modo que, as lides não decididas por ausência de leis ou de suas votações nas casas do Congresso Nacional, bem como os conflitos não resolvidos, acabam por chegar ao Judiciário, que não podendo se omitir de julgar, tomam decisões ativistas, com o fim de garantir os direitos expressos na própria Constituição.

A exemplo, entre tantas outras situações que ocasionaram decisões ativistas positivas, temos a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a União estável entre casais do mesmo sexo , conforme ementa do julgado abaixo:[15]

1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no § 3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral[16].

As ações julgadas buscavam o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, e que os direitos e deveres dos companheiros nas uniões heteroafivas fossem estendidas às uniões homoafetivas. A justificava baseava-se nos preceitos fundamentais de igualdade e liberdade, bem como o princípio da dignidade da pessoas humana, todos expressos na Constituição.

Necessário se observar, que a referida decisão adveio das Ações de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e Direta de Inconstitucionalidade (ADI), ou seja, a decisão fora tomada mediante provocação do Executivo e do próprio Judiciário, e não do legislativo, a quem caberia legislar sobre o assunto. Porém, diante da omissão, coube ao Judiciário, mais especificamente ao Supremo tribunal Federal, decidir de maneira ativista.

Ainda que assim não fosse, faz-se necessário pontuar alguns outros argumentos favoráveis ao ativismo judicial.

No que tange à questão principiológica, segundo Canotilho[17], os princípios não são mais abstratos e gerais, sem qualquer aproveitamento como no jusnaturalismo, ou de uso subsidiário como no juspositivismo. Hoje, passaram a ter status de norma constitucional, alcançando o cume do ordenamento jurídico, denotando os valores necessários trazidos pela lei maior.

Quanto à legitimidade dos membros do Poder Judiciário decorre da própria constituição. De tal modo, os juízes não atuam em nome próprio, mas de acordo com a lei e com autorização da própria constituição. Deste modo, ao aplicarem as leis e a própria constituição estão consolidando a vontade da maioria, a própria vontade majoritária. Assim, o ativismo seria então um instrumento que promove a democracia.[18]

Não obstante o já demonstrado, há crítica de que o ativismo judicial estaria violando a separação dos poderes, porém esta atuação proativa na Constituição Federal de 1988 com a disciplina tripartite das funções do poder, foi transformada consideravelmente. O princípio da separação de poderes evoluiu desde a sua sistematização inicial, sobrevindo uma flexibilização[19], que permite ao judiciário intervir positivamente nas outras esferas do poder.

Sobre a autora
Eva Gomes

Advogada. Professora. Mestra em Direito Constitucional. Pós-graduada em Direito Público. Presidente da Comissão da Mulher Advogada em Caruaru-PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Eva. As duas faces do ativismo judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5067, 16 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40366. Acesso em: 24 nov. 2024.

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