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A perda de uma chance no direito brasileiro:

um dano autônomo ao resultado final esperado

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Agenda 05/08/2015 às 15:40

3. REQUISITOS E LIMITES PARA A APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

3.1. Seriedade e realidade das chances perdidas

Superada a proposta classificatória, a distinção entre “perda da oportunidade de obter uma vantagem” e “perda da própria vantagem” e a análise da natureza jurídica, a correta aplicação da teoria da perda de uma chance requer mais do que “mera possibilidade” ou “mera expectativa”. Não é qualquer oportunidade perdida que dará ensejo à reparação civil, ela deverá ser “séria” e “real” e sua quantificação estará vinculada ao grau de probabilidade de que a oportunidade perdida se realizaria. Assim, a Ministra do STJ, Nancy Andrighi, entendeu em voto proferido no Recurso Especial n. 965.758/RS[8], que o julgador deve buscar no caso concreto “diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”.

A doutrina majoritária indica dois requisitos indispensáveis para a configuração da perda da chance como dano indenizável: a seriedade e a realidade da chance perdida. Dessa maneira, pretensões judiciais relativas a chances que poderiam se materializar apenas num futuro distante terão pouca probabilidade de lograr êxito, ao passo que as pretensões vinculadas a oportunidades perdidas passadas ou projetadas num futuro mais próximo terão mais chances de vitória. Para ilustrar o que seria ausência de seriedade e realidade, temos o caso de um menino de 8 anos que, recém-matriculado em uma escolinha de futebol, sofre um acidente e por isso não se torna uma grande estrela do esporte, deixando de auferir salários vultuosos, etc. (HIGA, 2012).

Para ilustrar ainda mais a questão da realidade e seriedade das chances perdidas, vale analisar outro exemplo que foi, inclusive, objeto de demanda judicial. Tratava-se de uma jovem de 19 anos, que era revendedora de produtos de beleza e tinha a intenção de ingressar no Curso de Pedagogia ou Informática, no entanto teve seu sonho abruptamente interrompido, pois, em decorrência de um atropelamento, ficou cega, com problemas na fala e passou a ter que conviver com o auxílio de outras pessoas para realizar atividades básicas do dia-a-dia como ler, escrever e caminhar, o que acabou por impedi-la de cursar o ensino superior. A demandante incluiu em sua pretensão o pedido de pensão mensal vitalícia em face do réu, com fundamento na “perda da oportunidade de ascensão profissional”, que no caso seria deixar de ser revendedora para se tornar pedagoga.

Neste caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[9] entendeu que a autora teria sido privada de uma chance plausível de ascensão profissional a médio prazo, concedendo a indenização pleiteada. Entretanto, Savi (2012) não concordou com o entendimento proferido neste julgado, sob o argumento de que, ainda que seja inegável a gravidade do acidente e suas consequências, não há como falar em chance séria e real, uma vez que a jovem possuía apenas 19 anos e sequer escolhera o curso que pretendia cursar. Além disso, à época, não estava inscrita em nenhum exame vestibular universitário, tampouco era possível afirmar com a devida certeza se ela continuaria ou não exercendo a profissão de revendedora.

Com o intuito de explicar a questão, Cavalieri Filho (2014, p. 98) assim leciona:

(...) é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória. A vantagem esperada pelo lesado não pode consistir numa mera eventualidade, suposição ou desejo, do contrário estar-se-ia premiando oportunismos, e não reparando as oportunidades perdidas.

Pettefi da Silva (2013, p. 138), em brilhante estudo sobre o tema, também descarta qualquer possibilidade de se indenizar a chance perdida em casos de “simples esperança subjetiva” do autor da demanda.

Neste ponto, doutrina e a jurisprudência são uníssonas. Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça entende pela não concessão de indenização decorrente de perda da chance em casos de ausência de seriedade e realidade da chance perdida.

No que tange à expressão das chances sérias e reais em termos percentuais, Cavalieri Filho (2014) e Savi (2012, pp. 122-123), inspirados na doutrina italiana, procuraram estabelecer um percentual probabilístico mínimo para que a perda da chance seja considerada apta a ensejar responsabilidade civil. Este último sintetizou tal pensamento da seguinte maneira:

Entendemos que somente será possível admitir a indenização da chance perdida quando a vítima demonstrar que a probabilidade de conseguir a vantagem esperada era superior a 50% (cinquenta por cento). Caso contrário, deve-se considerar não produzida a prova da existência do dano e o juiz será obrigado a julgar improcedente o pedido de indenização (grifo nosso).

No entanto, essa proposta é extremamente refutada pela doutrina que critica o “tabelamento” do conceito de seriedade, que acabaria por gerar catastróficas injustiças. Higa (2012) propõe uma série de exemplos no campo das probabilidades com o intuito de rechaçar a utilização deste critério.

Afirma que não há como dizer que um candidato a um determinado cargo eletivo com 40% das intenções de voto nas pesquisas não é detentor de grande chance de vitória. Também não se sustenta que um paciente com 30% de chances de cura não teria direito à reparação em caso de perda dessa chance. Tampouco se pode dizer que num jogo de “cara ou coroa”, no qual ambos os jogadores possuem 50% de chances, nenhum deles possui chance séria e real.

Além do argumento embasado na estatística, Higa (2012, p. 88) também aborda a incompatibilidade do critério tarifado com as cláusulas gerais adotadas pelo Código Civil de 2002. Este sistema legislativo aberto tem justamente a intenção de evitar qualquer “engessamento” na aplicação do direito, bem como atender à infinita gama de situações da vida cotidiana. Vejamos o que diz:

(...) a eleição da lei pelo critério aberto deu-se justamente pela complexidade da gama de situações no mundo fenomênico que podem fazer com que o percentual de probabilidade para que a chance seja considerada séria não atenda a um padrão rígido, antes experimentando oscilação pendular na materialização do justo, de acordo com as circunstâncias de cada caso, e delegando ao juiz o mister de integrar um dos elementos da lei.

Em conclusão à problemática exposta, sugere, ainda, que a hermenêutica utilizada pelo magistrado na investigação da seriedade da chance perdida deva se ater ao ponto cirúrgico “em que uma determinada quantidade deixa de ser algo amorfo e destituído de valor, para, transmudando a sua qualidade, transformar-se em algo sério, merecedor de tutela jurisdicional segundo a teoria das chances perdidas” (HIGA, 2012, p. 92).

Corroborando o entendimento acima exposto, o STJ, no julgado que ficou conhecido como o “caso do Show do Milhão” entendeu pela possibilidade de se considerar uma chance séria e real, ainda que a probabilidade de êxito seja inferior a 50%. Este célebre caso será ainda minuciosamente analisado no presente trabalho como o modelo ideal de aplicação da perda de uma chance no Direito Brasileiro.

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3.2. A mensuração do quantum indenizatório

Antes de adentrar propriamente na proposta de quantificação indenizatória das chances perdidas, vale salientar que, na responsabilidade civil pela perda de uma chance, a reparação se dará em virtude da perda da chance e não com relação à perda do resultado final aguardado (PETEFFI DA SILVA, 2013).

Neste cenário, conclui-se com veemência que a indenização decorrente da perda de uma chance deverá ser concedida sempre em patamar inferior ao montante esperado pela vítima, ainda que estejamos na seara do dano moral (PETEFFI DA SILVA, 2013). Ou seja, o montante a ser indenizado nunca poderá ser equivalente ao ganho que a vítima obteria caso não tivesse perdido a oportunidade e tivesse conseguido alcançar o resultado final esperado. Savi (2012, p. 67) descreve que a premissa fundamental a ser estabelecida para a quantificação:

é a de que a chance, no momento de sua perda, tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável. É, portanto, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade.

Outro ponto fundamental para a compreensão da mensuração ideal do quantum indenizatório da chance perdida é defendido pelo Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (2010 apud HIGA, 2012), que assevera ser crucial a incidência do princípio da reparação integral do dano para o ressarcimento dos danos sofridos pelo ofendido, afastando qualquer interpretação diversa. O fundamento decorre da falsa percepção de que o fato que se indeniza é o dano final, ou seja, o que deve ser considerada é a chance perdida em si mesma como entidade componente do patrimônio material ou imaterial do ofendido, indenizável na sua totalidade e suscetível de atribuição de um valor econômico certo.

Nota-se que a investigação da correta quantificação do montante a ser indenizado no caso de perda da chance é tarefa árdua conferida ao julgador. A doutrina sugere que se utilize um “coeficiente redutor”. A ideia baseia-se em apurar o valor do montante que poderia ser incorporado ao patrimônio da vítima (caso não houvesse a interrupção do curso do processo aleatório) e deste valor (correspondente ao dano final) deverá incidir um coeficiente de redução referente ao percentual de êxito que o ofendido teria de conquistar o resultado final esperado (HIGA, 2012). No mesmo sentido, Savi (2012, p. 123) assevera que a mensuração do quantum indenizatório “deverá ser feita por arbitramento, de forma equitativa pelo juiz, que deverá partir do dano final e fazer incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada”.

O equívoco não raramente cometido pela jurisprudência reside na confusão entre a perda de uma chance e os lucros cessantes para quantificar o dano indenizável. Tal falha pode ser constatada no julgamento da Apelação Cível n. 70.005.473.061 de 2003[10], realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que julgou um clássico caso do advogado negligente que perde o prazo para interposição de recurso contra sentença contrária aos interesses de seu cliente. O acórdão de fato reconheceu a perda da chance como dano indenizável, entretanto o quantificou como se lucro cessante fosse, condenando o réu a pagar todo o montante que o cliente teria direito se o recurso fosse tempestivamente interposto e provido. Neste caso, a quantificação do dano não poderia ser equivalente ao resultado final almejado, devendo ser aplicado o coeficiente redutor, já que, na melhor das hipóteses, seria possível afirmar que havia uma interessante chance de êxito, sendo esta chance que deveria ter sido quantificada e consequentemente indenizada (SAVI, 2012).

No entanto, existem casos isolados em que a interrupção da chance possui relação de certeza com a perda da vantagem final esperada, ou seja, existe nexo de causalidade completo entre a conduta do ofensor e o dano final, sendo situação clara de afastamento da aplicação da teoria da perda da chance, reverberando diretamente na quantificação do dano. Tal situação peculiar será ilustrada a seguir.

Sabe-se que o instituto da súmula vinculante, trazido pela Emenda Constitucional n. 45 de 2004, tem o condão de vincular os Tribunais de segunda instância no que tange às decisões judiciais. O entendimento sumular deve ser rigorosamente seguido pelos Tribunais, e sua inobservância enseja a possibilidade de interposição de reclamação constitucional. Neste sentido, Savi (2012, pp. 66-67) propõe a seguinte situação:

Na vigência do sistema de súmula vinculante será possível, em alguns casos concretos, condenar o advogado, que perde um prazo para interposição de um recurso, ao pagamento de lucros cessantes, ao invés de condená-lo ao pagamento de indenização pela perda da chance. Isto porque, sabendo-se de antemão qual é a posição do STF acerca de determinada matéria e estando o Tribunal de origem vinculado àquele posicionamento, é razoável acreditar que o cliente do advogado negligente obteria uma decisão naquele sentido.

Entretanto, para a configuração acima descrita, a vítima deverá comprovar que a situação fática que envolvia a demanda judicial em que foi derrotada (em virtude da negligência do advogado) era a mesma utilizada pelo STF para a edição da súmula vinculante. Comprovada a identidade entre a ação judicial fracassada e os casos que originaram a súmula e que o Tribunal estaria obrigado a dar procedência ao pleito do cliente prejudicado, o advogado deveria ser condenado, a título de lucros cessantes, a indenizar todo o montante que seu cliente razoavelmente teria direito a receber no caso de ver o seu recurso provido, ou seja, no caso de êxito na demanda judicial.

Vale ressaltar que existem ocasiões em que é possível utilizar-se de regras estatísticas. Nestes casos, o juiz poderá valer-se delas para quantificar o dano indenizável decorrente da perda de uma chance. Entretanto, é importante frisar que não são todos os fatos da vida que são suscetíveis de aplicação da estatística pura e simples, devendo o julgador analisar, no caso concreto, quando será possível sua utilização. Vale citar aqui, novamente, o julgado do STJ no “caso do Show do Milhão”, que brilhantemente se valeu desse expediente para quantificar o dano indenizável. perda de uma chance no Direito Brasileiro.

3.3. Compatibilidade da Teoria da Perda de uma Chance no ordenamento jurídico brasileiro

Sabe-se, como já aludido no presente trabalho, que o Código Civil de 2002 adotou em seu bojo a técnica legislativa de cláusulas gerais, a fim de permitir maior flexibilidade no enquadramento do caso concreto à norma jurídica. Ademais, juntamente com tal preceito, é movimento sem volta a análise do direito privado sob o prisma constitucional. Dessa maneira, a Constituição Federal, ao estabelecer que a indenização deve ser justa e eficaz, consagrou o princípio da reparação integral dos danos. Via de consequência, nos casos em que a chance perdida for amplamente provada e entendida como um dano quantificável, demonstrando o nexo causal entre a conduta e a perda da chance, não há óbice para sua aplicação (PETEFFI DA SILVA, 2013).

Desse modo, o Diploma Civilista estabeleceu em seu art. 186 uma cláusula geral relativa à Responsabilidade Civil. O referido dispositivo possui a seguinte redação: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Em complemento, o art. 927 propõe que “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Após a leitura dos artigos, fica evidente que o legislador se utilizou de um conceito aberto e amplo de dano, não se preocupando em especificar quais as espécies abarcadas por este conceito (SAVI, 2012).

Savi (2012, pp. 105-106) complementa que os supracitados dispositivos, quando somados aos artigos 948 e 949, oferecem um suporte ainda maior, necessário para a aplicação da teoria da perda de uma chance no Brasil. Em conclusão:

não há, a nosso sentir, no Código Civil Brasileiro em vigor, qualquer entrave à indenização das chances perdidas. Pelo contrário, uma interpretação sistemática das regras sobre a responsabilidade civil traçadas pelo legislador pátrio nos leva a acreditar que as chances perdidas, desde que sérias e reais, deverão ser sempre indenizadas quando restar provado o nexo causal entre a atitude do ofensor e a perda da chance.

Finaliza seu entendimento, considerando o dano decorrente da perda da chance um dano emergente, o alocando na primeira parte do art. 402 do Código Civil, que assim dispõe: “Salvo as exceções expressamente previstas, em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar” (grifo nosso).

Judith Martins-Costa (2003 apud PETEFFI DA SILVA, 2013) entende que o local mais adequado para tratar a perda da chance é o art. 403, cujo texto é assim disposto: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato (...)” (grifo nosso).

Higa (2012, pp. 110-113), com fins meramente didáticos, subdivide a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance em contratual e extracontratual. Na seara contratual, acredita ser o art. 389 do Código Civil a “porta de entrada” para o dano decorrente da perda da chance. Ressalta que este viés tem sido o mais experimentado no que tange à perda das chances, principalmente quando é invocada a chamada “obrigação de meio”, como é o caso do advogado, que possui relação contratual com seu cliente, o mesmo ocorrendo com o médico e seu paciente, dentre outros. No que tange à seara extracontratual entende os dispositivos 186 e 927 como seus fundamentos legais de aceitação sistemática.

Dessa forma, o mesmo autor (HIGA, 2012, p. 111), de forma objetiva, sintetiza o motivo pelo qual a Teoria da Perda de uma Chance deve ser aceita no ordenamento jurídico brasileiro:

(...) a perda de uma chance é instrumento de tutela dos valores constitucionalmente protegidos, na medida em que irá, em última análise, indenizar, com justiça, a esfera de bens violada, seja ela moral, material ou estética (CF, art. 5º, V e X). Sua reparação prescinde de qualquer prescrição positiva específica, porquanto tem ampla guarida na cláusula geral de responsabilidade civil.

Portanto, o novo paradigma solidarista do qual o Novo Direito Civil Constitucional faz parte, não cria qualquer óbice para a aceitação da perda de uma chance como um dano certo e indenizável.

3.4. Análise do atual entendimento dos Tribunais

Não obstante se tratar de temática extremamente jovem, tendo sido apenas reconhecida há aproximadamente 25 anos na jurisprudência brasileira (como se observou no esboço histórico do presente trabalho), a teoria da perda de uma chance já é amplamente utilizada por inúmeros tribunais de todo o país. Os magistrados, de vários modos e sob várias perspectivas, aplicam a perda de uma chance como instrumento útil ao deslinde das ações reparatórias de danos. Entretanto, mesmo com o avanço exponencial experimentado, não seria oportuno dizer que a teoria já goza de aplicação irrestrita e sem ressalvas, uma vez que parte da jurisprudência pátria ainda não teve o devido contato com suas corretas premissas (PETEFFI DA SILVA, 2013).

No momento atual, o que se nota não é uma posição contrária à aplicação da Teoria da Perda de uma Chance, mas sim a dificuldade encontrada pelos tribunais em harmonizar seus conceitos. Em breve pesquisa jurisprudencial, observando principalmente a atividade jurisdicional dos Tribunais de Justiça dos Estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, já é possível observar uma clara ausência de uniformização no que tange ao entendimento do instituto de origem francesa (SAVI, 2012).

Como já abordado no presente trabalho, no capítulo sobre a divergência quanto à natureza jurídica, algumas decisões entendem que a perda da chance estaria apta apenas a ocasionar danos extrapatrimoniais, outras confundem o instituto com os lucros cessantes e uma parcela entende tratar-se de um dano emergente quando o prejuízo for material, mas compatível com os danos morais, inclusive podendo cumular-se entre si (SAVI, 2012).

Com a ebulição dos julgados referentes à perda de uma chance, o Superior Tribunal de Justiça foi provocado a se pronunciar sobre o tema e, num primeiro momento, raramente utilizava-se explicitamente da Teoria da Perda de uma Chance. Entretanto, com o advento do novo Código Civil e sua adequação ao paradigma solidarista inserido no texto constitucional, os conceitos de Responsabilidade Civil evoluíram e o referido Tribunal Superior se viu no mister de considerar a perda de uma chance como dano indenizável (PETEFFI DA SILVA, 2013).

O leading case sobre o tema, que ficou conhecido como o caso do “Show do Milhão”, foi o mais emblemático até então realizado pelo STJ, servindo de parâmetro para os posteriores enfrentamentos e é tido pela doutrina como o julgado “ideal” em matéria de responsabilidade civil pela perda de uma chance.

O supracitado acórdão proferido no Recurso Especial n. 788.459/BA[11], de 2006, enfrentou o caso de uma participante do famoso programa televisivo de perguntas e respostas, transmitido pelo SBT, chamado “Show do Milhão”. No caso em tela, a participante logrou êxito até alcançar a última pergunta do quiz, que, caso fosse corretamente respondida, ensejaria o prêmio de 1 milhão de reais, entretanto, a referida pergunta não estava corretamente formulada, não sendo passível de resposta. A pergunta assim dispunha: “A Constituição reconhece direitos dos índios de quanto do território brasileiro? 1) 22%; 2) 2%; 3) 4% ou 4) 10%. O questionamento era visivelmente mal formulado e claramente induzia a participante em erro, uma vez que a Constituição Federal não contempla qualquer percentual mínimo de ocupação indígena no território. Tal situação gerou profundo receio da participante em responder à pergunta, o que ocasionou sua desistência e, por conseguinte, levando a importante, mas insuficiente quantia de 500 mil reais até então adquirida (TARTUCE, 2013b).

A participante, sentindo-se lesada, foi a juízo requerendo os outros 500 mil reais que, somados ao valor já conquistado, seria equivalente ao montante total a que teria direito se tivesse acertado a última pergunta. Obteve êxito tanto na primeira, quanto na segunda instâncias. No entanto, em sede de Recurso Especial, o STJ, apesar de ter confirmado parcialmente o entendimento prolatado nas instâncias inferiores, entendeu de modo diverso no que diz respeito à tênue diferença entre a perda da chance de obter a vantagem esperada e a perda da vantagem esperada propriamente dita. O Ministro Fernando Gonçalves, em voto proferido no referido acórdão, concluiu que não era possível dizer, com absoluta certeza, que a autora acertaria uma nova pergunta que viesse a ser elaborada. Dessa forma, entendeu pela impossibilidade de condenar o valor do montante integral, qual seja, 1 milhão de reais (SAVI, 2012).

Em complemento, o Ministro reconheceu que restou configurada uma oportunidade séria e real de a participante ganhar o prêmio máximo do programa, tendo essa oportunidade, por si só, valor econômico autônomo capaz de gerar uma indenização. No cálculo do quantum indenizatório, foi utilizada a lei das probabilidades matemáticas que se encaixou perfeitamente ao caso concreto. Como havia quatro opções de resposta, as chances eram de 25% de acerto e, como a última pergunta valia, de forma isolada, 500 mil reais, a condenação incidiu sobre este montante, sendo fixada em 25% de 500 mil reais, ou seja, 125 mil reais (SAVI, 2012).

O acórdão é tido como impecável e extremamente técnico. Os requisitos e limites de aplicação foram completamente observados, quais sejam, a seriedade e a realidade da chance, bem como o quantum indenizatório foi perfeitamente calculado com base na aplicação de um coeficiente redutor ao montante integral do dano final.

Outro acórdão importante proferido pelo STJ é de 2009 e também é paradigma para a correta utilização da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Trata-se do acórdão proferido no Recurso Especial n. 1.079.1850, já anteriormente citado no presente trabalho. Neste caso, o advogado perdeu o prazo de interposição do recurso de apelação, frustrando a chance de êxito de seu cliente, bem como a oportunidade de ver seu recurso apreciado em segunda instância. A importância do acórdão está no entendimento de que a perda de uma chance está apta a ensejar tanto danos patrimoniais, quanto extrapatrimoniais, a depender do caso concreto.

Ademais, inúmeros outros julgados tiverem como matéria analisada a perda de uma chance. Foi o que ocorreu nos Recursos Especiais n. 1.190.180-RS[12] e n. 821.004-MG[13].

Em matéria trabalhista, alguns acórdãos proferidos por Tribunais Regionais do Trabalho já entenderam que a perda de uma chance é compatível com o direito laboral, como é o caso do Tribunal Mineiro. Vejamos um trecho da ementa proferida no Recurso Ordinário n. 1533-2007-112-03-00-5[14]:

(...) Se o reclamante tinha como justa e real a probabilidade de um ganho salarial decorrente de sua promoção ao cargo de supervisor de vendas da reclamada, porque aprovado em processo seletivo interno da empresa, mas viu perdida a chance de conquistar esse resultado em razão de ato ilícito praticado pelo empregador, quando da sua dispensa, manifestamente abusiva e ilícita, faz jus à reparação patrimonial decorrente deste ilícito. E aqui, independentemente dos ganhos perdidos, o que se indeniza é o prejuízo consistente na perda dessa oportunidade, a perda da chance real de alcançar a promoção legitimamente esperada.

No entanto, na seara trabalhista, a aceitação da perda de uma chance não se demonstra tão consolidada quanto em âmbito cível como se observa no entendimento do STJ. O Tribunal Superior do Trabalho ainda não foi exaustivamente provocado e, portanto, não emitiu ainda seu ponto de vista dominante. Contudo, alguns acórdãos proferidos pela Corte Superior do Trabalho indicam a aceitação da teoria na seara trabalhista, desde que cumpridos os requisitos analisados no presente trabalho.

O TST já se pronunciou no caso de uma trabalhadora que pleiteava indenização pela perda de uma chance, na qual alegava perda da oportunidade de obter lucro com a aplicação financeira em mercado de capitais, em virtude do atraso no pagamento de suas verbas rescisórias. No Recurso de Revista n. 144540-94.2006.5.02.0085[15], de relatoria do Ministro Renato de Lacerda Paiva, decidiu-se que não houve provas suficientes de que a reclamante aplicava, com frequência, numerários no mercado de capitais, ou tivesse a intenção de aplicar aquela quantia específica referente às verbas rescisórias. Do mesmo modo, não foi possível afirmar com a seriedade necessária que a aplicação renderia lucros, visto que o mercado de capitais é oscilante. Diante de tal fundamentação, tornou-se possível inferir que o único entrave para aplicação da teoria foi a ausência de lastro probatório mínimo para comprovar a perda da chance, levando a interpretar que o TST aplicaria a teoria em caso de contexto probatório favorável (HIGA, 2012).

Em outro acórdão proferido[16], o TST considerou possível a indenização pela perda da chance por quebra da expectativa de um trabalhador que se viu privado da oportunidade obter novo emprego em virtude de um equívoco cometido pelo preposto da reclamada. Vejamos um trecho da ementa: 

Em tal situação, deve o julgador avaliar o possível aumento patrimonial que a vítima obteria, se não houvesse o evento danoso; vale dizer, se o preposto da Reclamada não tivesse agido com negligência em relação ao teste de seleção a que se submeteu o Reclamante.

No mesmo sentido, o acórdão n. 1233-28.2011.5.14.0003[17], de relatoria do Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, proferido em Recurso de Revista.

Diante do exposto, é inegável que a teoria da perda de uma chance está consolidada na jurisprudência do STJ e consequentemente nos Tribunais Estaduais e, sem sombra de dúvida, na seara trabalhista o caminho a ser trilhado pelos Tribunais Regionais e pelo TST parece ser o mesmo.

Sobre o autor
Gabriel Junqueira Campos

Advogado em Juiz de Fora - MG. Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Júnior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Gabriel Junqueira. A perda de uma chance no direito brasileiro:: um dano autônomo ao resultado final esperado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4417, 5 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40498. Acesso em: 25 nov. 2024.

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