4. Decreto-Lei e Medida Provisória
Apesar de a medida provisória ter sua inspiração no decreto-lei, ela traz consigo características novas diferenciando-se deste, todavia, tenha conservado alguns de seus requisitos.
O decreto-lei foi utilizado no Brasil em um período dominado pelo regime ditatorial, onde o Presidente da República apresentava-se como um Governo único, responsável por todo o comando do país; onde não se falava em democracia, pois ele ditava as regras.
A EC n.º 26, de 27.11.85, convocou a Assembléia Nacional Constituinte para elaboração de uma Constituição democrática, acabando assim com o poder dos governos autoritários. No entanto, o Constituinte, prevendo situações emergenciais em que a atuação do Legislativo não seria tão eficiente, conseqüentemente a necessidade de o próprio Chefe do Executivo ter o dever de solucionar os problemas para o bem comum da sociedade, mas não querendo utilizar-se para tanto de um remédio normativo tão criticado no regime anterior e que, por ora, preferia esquecer, é que resolveu contemplar a medida provisória, que pode ser adotada nos casos urgentes e relevantes, surtindo efeitos imediatos a partir da sua publicação e com força de lei, cabendo ao Chefe do Executivo decidir sobre sua conveniência, oportunidade, utilidade e necessidade de exercício, pois se encontra autorizada por um estado de necessidade e é capaz de criar direitos e obrigações.
Diferentemente do que acontece com as medidas provisórias, os decretos-leis eram, do ponto de vista formal, um ato legislativo e se inseria no mesmo patamar da hierarquia normativa, não precisavam ser convertidos em lei eram, simplesmente, aprovados ou rejeitados.
Clève (20) contempla várias diferenças entre a medida provisória e o decreto-lei, baseando-se na redação original do artigo 62 da CF/88. "A medida provisória pode ser adotada em casos de relevância e urgência (os dois pressupostos reclamam realização simultânea); já o decreto-lei tinha como supostos habilitantes a urgência ou o interesse público relevante; (ii) o Executivo não estava, por intermédio de decreto-lei, autorizado a aumentar as despesas públicas, sendo certo que esta restrição não ocorre em relação às medidas provisórias; (iii) a eficácia temporal da medida provisória corresponde a 30 dias enquanto a do decreto-lei era de 60 dias; (iv) a Constituição de 1988 não definiu, expressamente, as matérias suscetíveis de tratamento pela medida provisória; já a Constituição revogada autorizava a adoção de decretos-leis, apenas, nos casos de a) segurança nacional, b) finanças públicas, inclusive normas tributárias e c) criação de cargos públicos e fixação de vencimentos; (v) senão convertidas em lei no prazo constitucionalmente definido as medidas provisórias perdem eficácia desde a sua edição (ex tunc); já os decretos-leis, ultrapassando o prazo de sessenta dias, observado o disposto no art. 51, § 3º, da Constituição revogada, com redação oferecida pela Emenda Constitucional n.º 22/82, sem manifestação do Congresso Nacional, eram tidos por aprovados; (vi) conquanto não haja disposição expressa a respeito, tem-se que, no processo de conversão da medida provisória em lei formal, pode o Legislativo valer-se do poder de emenda; ao contrário, o texto constitucional anterior vedava expressamente a possibilidade de qualquer tipo de emendas ao decreto-lei; (vii) a rejeição da medida provisória ou a sua não conversão em lei no prazo de trinta dias implica a nulidade dos atos praticados sob a sua égide; o que inocorria na hipótese de rejeição do decreto-lei; (viii) em relação às medidas provisórias há dispositivo conferindo ao Congresso Nacional o dever de regular as relações jurídicas decorrentes, em caso de não conversão em lei no prazo previsto; idêntica previsão não teria sentido em relação aos decretos-leis, que, caso rejeitados, não implicavam a perda de eficácia ex tunc".
Com a EC n.º 32/01 novas semelhanças aparecem entre o decreto-lei e a medida provisória, pois com a nova redação o artigo 62 da Constituição Federal, caso não seja editado decreto legislativo até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia da medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidos, isto é, acarreta, nessa hipótese, efeitos ex nunc. Também limita a matéria objeto de sua atuação, no caso fazendo referência às matérias excluídas de seu alcance.
Tanto os decretos-leis quanto as medidas provisórias foram e são instrumentos comumente utilizados pelo Executivo; aquele à época da ditadura e este no período tido por democrático, que, por ora, configura-se em nosso país. Também são alvos de muitas críticas por parte dos juristas e legisladores, no caso das medidas provisórias a EC n.º 32/01 serviu para limitar a matéria, bem assim a reedição que chegou a ser exagerada por parte do Governo.
5. Medida Provisória e Lei
Para Celso Bandeira de Melo (21) "existem consideráveis diferenças entre medida provisória e lei: a MP cabe em casos excepcionais, a lei, em ordinários; a MP tem eficácia transitória, pois tem prazo de duração fixado na Constituição Federal, a lei, normalmente, é por prazo indeterminado e fixo seu prazo de duração quando temporária; a MP depende de aprovação de outro poder, a lei, depende apenas do órgão que a emanou; a MP não aprovada perde seus efeitos, a lei, ao ser revogada, cessa seus efeitos ex nunc; a MP depende de pressupostos materiais, a lei não".
A lei consubstancia uma situação ordinária, a MP uma extraordinária; a lei é ato originário do poder legiferante, a MP é um ato especial emanado excepcionalmente pelo Poder Executivo; o procedimento de elaboração para ambos os institutos é distinto entre si.
Afirma Celso Ribeiro Bastos (22) que a MP, embora tenha força de lei, não é lei em sentido formal, pois não nasce no Poder Legislativo, haja vista ser uma excepcionalidade do Executivo, e só com a integração da MP ao sistema jurídico nacional, após conversão em lei pelo Legislativo, é que seus efeitos ganham juridicidade.
No que diz respeito à expressão "força de lei", quer isto dizer o seguinte: força de lei engendra todo aquele conjunto de efeitos, inclusive preponderantes, que o ato formalmente legislativo tem, de forma que durante sua vigência ela acarreta todos os efeitos de uma lei comum.
E quanto à revogação de uma lei por meio de medida provisória, pode-se observar o seguinte: a expressão "com força de lei", de início, dá às MPs o status de lei, daí podermos dizer que ela é, também, revogatória, haja vista a impossibilidade de duas normas regularem um só assunto simultaneamente. No entanto, em um estudo feito com maior acuidade notamos que na verdade a MP possui efeitos suspensivos e não revogatórios, pois quando é rejeitada pelo Legislativo, seus efeitos são ex tunc, logo a norma que vigia antes dela volta a ter eficácia. Ocorre que no ordenamento jurídico nacional não se fala em represtinação tácita, logo concluímos que existem duas possibilidades: na primeira possibilidade a MP não revoga disposições legais em contrário, apenas ocasiona a suspensão de seus efeitos, de forma que quando é rejeitada pelo Congresso Nacional, a lei anterior volta a viger normalmente. Todavia as relações jurídicas delas decorrentes precisam ser disciplinadas pelo próprio Legislativo, ou seja, não se subordinam à lei que foi suspensa; na outra possibilidade a MP é convertida em lei e, conseqüentemente, seus efeitos são válidos desde sua publicação, o que, aparentemente, dá-lhe status de norma revogatória, mas, embora possa parecer, não foi a medida provisória que revogou a norma existente até sua publicação e sim a lei, na qual ela foi convertida. Dessa feita, conclui-se que os efeitos da MP são apenas suspensivos, e não revogatórios como nos suscitam concluir, em relação à norma vigente até sua publicação.
6. Emenda Constitucional n.º 32/01
Visando disciplinar a edição das medidas provisórias, limitando o seu conteúdo e fixando regras para sua tramitação, reedição e vigência, o Senador Espiridião Amim apresentou, em 1995, ao Senado Federal, o Projeto de Emenda Constitucional – PEC n.º 01/95, que recebeu o n.º 472 na Câmara dos Deputados, em 1997.
O projeto inicial sofreu modificações diversas até chegar à redação que, por fim, fez-se valer perante o legislador, obtendo sua aprovação e insurgindo dessa forma em nosso ordenamento jurídico com ponderáveis diferenciações em relação ao disciplinamento anterior da matéria prescrita pelo Constituinte originário, o que, por ora, traz maior estabilidade jurídica ao Estado, ao menos, até que o Executivo encontre subterfúgios suficientes para usar tal instituto ao arrepio da norma maior, como vinha fazendo até então.
Após delongadas discursões, o projeto de emenda constitucional, finalmente, foi aprovado em 11 de setembro de 2001 e publicado no Diário Oficial do dia 12 de setembro de 2001, trazendo substanciais alterações para a medida provisória, espécie normativa da competência do Chefe do Executivo, com o acréscimo de 12 parágrafos à redação original do art. 62 da Constituição Federal de 88.
A partir dela, uma medida provisória após ser editada passa a ter vigência por apenas sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta, se ainda não houver sido aprovada em ambas as Casas do Congresso Nacional ao término dos sessenta dias iniciais, o que veio limitar o exagero na reedição desse tipo de normatização, por parte do Governo, todavia a vedação quanto à reedição diz respeito apenas à mesma sessão legislativa.
Conforme ensinamentos do Professor Zélio Maia (23), "ao analisar a emenda verifica-se que parte da jurisprudência do STF sobre o tema perdeu validade e, especificamente sobre os limites materiais impostos à medida provisória, foi atendida velha reivindicação da doutrina que exigia clareza do texto constitucional quanto às matérias sobre as quais poderia a MP ser utilizada, ficando hoje claro, pelo § 1°, do art. 62, da CF, quais as matérias que não pode a medida provisória imiscuir-se, o que, a contrário sensu, definiu quais aquelas que a medida provisória estará autorizada a tratar".
Os pressupostos de edição das MPs, relevância e urgência, não foram modificados, mantendo-se como eram na redação original.
A emenda constitucional trouxe segurança jurídica à sociedade brasileira, que há muito se via de mãos atadas perante o reiterado uso, por parte do Presidente da República, das medidas provisórias, que, ultimamente, serviam como instrumento eficaz para regulamentar quaisquer matérias, desde a processual penal até a que tratava do cinema brasileiro, passando pelo direito trabalhista entre outros ramos do direito. É bem verdade que a relevância e a urgência são pressupostos de edição das MPs submetidos ao poder discricionário do Chefe do Executivo, mas com as novas limitações ele vai analisá-los com maior perspicácia antes de as emanar.
7. Medidas Provisórias
As medidas provisórias estão inseridas no âmbito do processo legislativo federal, art. 59, V, da Constituição Federal, e disciplinadas no art. 62 também da Constituição, modificado pela EC n.º 32, de 11 de setembro de 2001.
Argumentam alguns autores que esse instituto está com localização geográfica errada. Ensina-nos Sérgio D’Andréa Ferreira (24) que "a inserção da medida provisória no âmbito dos atos legislativos originários foi um erro cometido pela comissão de redação, pois na fase anterior à aprovação da redação final, a medida provisória não constava do texto. No entanto, a localização geográfica de um dispositivo não altera a natureza jurídica das coisas".
Segundo definição de Leomar Barros (25), "medidas provisórias são atos legislativos extraordinários adotados pelo Chefe do Executivo da União, com fundamento no art. 62 da Constituição brasileira sempre que ocorram os pressupostos habilitadores para a sua emissão, que são a urgência e a relevância da matéria a ser veiculada".
A medida provisória já era utilizada no sistema jurídico italiano antes de ser adotada no Brasil e, segundo Leomar Barros (26), foi importada ipse litteris da Itália para o nosso sistema, o que deu origem a diversos problemas já enfrentados pelos italianos, pois o Constituinte brasileiro não fez estudo prévio sobre o instituto e as conseqüências de adaptar um instituto típico de um regime parlamentarista a um regime presidencialista. Talvez essa adaptação, aparentemente irresponsável, feita pelo Constituinte seja explicada ao se lembrar que a sua real intenção era adotar, mediante plebiscito, que foi previsto na Carta Constitucional e efetivamente realizado em 1993, o regime parlamentarista, assim não ficaria tão diferente de seu modelo original. Ocorre que os cidadãos brasileiros, na sua maioria, acharam por bem preservar o regime de governo então vigente.
Conforme definição de Marcia Dominguez (27), medida provisória "é uma espécie privilegiada e excepcional de ato normativo, que se manifesta no desenvolvimento de atividade político-administrativa com a finalidade de melhor gerir os interesses do Estado-Sociedade, em razão da maleabilidade dos pressupostos relevância e urgência".
7.1. Natureza jurídica
Discorrer sobre a natureza jurídica de quaisquer uns dos institutos jurídicos não é fácil, ainda mais quando eles suscitam questões controvertidas, como é o caso das medidas provisórias. Entretanto, faz-se mister fazê-lo.
Primeiramente é importante afirmar que as medidas provisórias não são lei, o que nos é bastante claro, em virtude da necessidade de sua conversão em lei pelo Legislativo, caso contrário não haveria necessidade da conversão.
O fato de as medidas provisórias compreenderem o processo legislativo (art. 59 da CF) não quer dizer que elas são atos típicos do Poder Legislativo.
A MP tem a função de suprir uma lacuna existente no ordenamento jurídico, para atender a casos de relevância e urgência momentaneamente, de forma que não se possa pretender mais que o indispensável para atender ao resultado que os justifica.
Brasilino Pereira (28)afirma que "a previsão contida no art. 59 da Constituição Federal de que o processo legislativo compreende também as medidas provisórias não lhes outorga natureza legislativa, pois o sentido da inclusão está em que elas tendem a se converter em lei (art. 62). Ou seja, é uma hipótese especial de produção Legislativa".
Para ele a medida provisória "é uma espécie de delegação legislativa latu sensu. Conferida diretamente pelo Poder Constituinte ao Poder Executivo".
Enquanto que para Marco Aurélio Greco (29)as MPs têm natureza jurídica de "ato administrativo geral editado pelo Presidente da República em razão da situação constitucionalmente descrita". Portanto, o seu órgão emanador é administrativo, o qual busca gerir interesses nacionais dentro de uma função de governo.
Acompanho a teoria sustentada por Brasilino Pereira, afinal o Executivo, ao emanar uma medida provisória, está legislando sob a égide da Constituição. É certo que é por um período efêmero, mas plenamente eficaz.
7.2. Competência para edição
O caput do art. 62 da CF/88 atribui ao Presidente da República a competência para edição de medida provisória, não cabendo, portanto, ao Vice-Presidente, aos Ministros de Estados ou a quem quer que seja sua edição. Todavia o Vice-Presidente da República, o Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, bem como o Presidente do STF quando do exercício do cargo de Presidente da República, e somente nessa oportunidade, são, também, competentes para editá-las.
A Constituição por ser uma norma nacional não dispôs sobre a edição de MPs por ato de governadores estaduais ou distritais e prefeitos, fazendo referência apenas à competência do governo federal.
7.2.1. Competência dos Estados e dos Municípios
Adriano Sant’Ana Pedra (30), invocando o princípio da federação, defende a edição de MPs pelos governos estaduais e pelos prefeitos.
Segundo ele, ao se fazer a interpretação da Constituição Federal, no caso das medidas provisórias, tem-se sua interpretação extensiva, haja vista a Carta Maior não vedar expressamente a edição pelos dois entes federados da União.
O Autor observa, também, que os Estados e Municípios não podem auto-aplicar o art. 62 da CF/88, dado o seu caráter excepcional. Todavia não há óbice algum se as cartas estaduais e as leis orgânicas disciplinarem a matéria em seu âmbito.
O Autor afirma que as MPs são uma alternativa que o Constituinte de 88 ofereceu à competência legislativa de urgência, o que demonstra atualização do direito constitucional e nem por isso pode ser visto como ofensor aos postulados do Estado Democrático de Direito, de forma que são passíveis de serem adotadas pelos Estados e Municípios, sem com isso afetar a democracia e a separação dos poderes.
Segundo Ronaldo Poletti (31) "se a Constituição não proíbe expressamente, a interpretação há de ser extensiva e não restritiva".
Consoante Roque Carazza (32), os Estados e Municípios podem adotar MPs desde que obedeçam aos princípios e limitações que cercam a edição de medida provisória no âmbito federal.
7.3. Requisitos para edição
Os três poderes componentes do Estado exercem atividades típicas e atípicas, por exemplo, quando o Judiciário dispõem sobre a carreira de seus membros, ele está exercendo atividades legislativas, quando o Legislativo julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade, ele está atuando na seara do Judiciário, e o Executivo exerce extraordinariamente atividades legislativas quando emana medida provisória, no entanto, para isso devem ser obedecidos requisitos prescritos na Carta Magna.
Segundo Sérgio de D’Andréa Ferreira (33), "quando o governo decide adotar uma medida provisória é sinal de que não há nenhum instrumento jurídico dentro de todo o ordenamento capaz de ser mais satisfativo do que ela, porque ela objetiva solucionar, seja normativamente, seja em caráter geral, seja até in casu, algo que se apresenta com os pressupostos da relevância e urgência".
O autor compara o instituto da MP com as cautelares e liminares concedidas decorrentes do direito processual, e ao se comparar a medida provisória com uma cautelar de caráter conservatório, que preserva certos valores ou direitos até uma decisão definitiva não existem muitas semelhanças, todavia se a compararmos com uma liminar, que antecipa os efeitos do caso sub judice desejando que a solução de caráter antecipatório seja a definitiva e esse é o desejo do Chefe do Executivo ao emanar uma MP, ou seja, almeja que a solução, por ele encontrada, venha a ser definitiva após manifestação dos membros do Poder Legislativo, que podem converter a norma excepcional em lei.
Relevância e urgência são pressupostos da medida provisória por serem elementos que devem ser considerados em uma fase antecedente a sua edição e com o advento da EC n.º 32/01, não sofreram nenhuma alteração em relação ao texto original.
Para Manuel Ferreira Filho (34) o problema da urgência ganhou importância durante a 1ª Guerra Mundial, pois entre as duas grandes guerras, na Europa, houve necessidade da adoção de medidas urgentes para debelar as crises econômico-financeiras, daí sua origem italiana.
Buscando-se uma definição etimológica dos termos de relevância e urgência, temos, segundo descrição do dicionário eletrônico Michaelis, que urgência é aquilo que demanda pressa, demonstra aperto; já relevância é o fato que demonstra importância, relevo, proeminência. Portanto, algo que suscita atitudes imediatas do governo.
Sustenta Marcia Dominguez (35) que "o requisito urgência insere-se no periculum in mora, visto que em determinada matéria objeto de medida provisória, a espera do trâmite normal do processo legislativo pode inviabilizar o caráter acautelatório do instrumento constitucional, causando um dano irreparável ou de difícil reparação"; já o requisito relevância enquadra-se no pressuposto do fumus boni iuris, pois os motivos de emanação da MP devem ser altamente significativos em termos de premência, de forma que se configure a necessidade de o Poder Executivo legislar excepcionalmente.
Esses dois conceitos levam-nos a conceitos jurídicos indeterminados, que Marcia Dominguez (36) assim os justifica: "a opção pela expressão conceito jurídico indeterminado justifica-se por tratar-se (sic) de conceitos veiculados pelas normas jurídicas, compreendidas em sentido lato. Não abrange apenas as leis, incluindo-se entre elas os princípios intervenientes na própria emanação dos preceitos legais, ou seja, aqueles elementos aceitos e adotados no Direito como verdades axiomáticas, influindo na consciência do legislador, albergando princípios e regras".
A indeterminação conceitual de certos institutos, liga-se ao poder discricionário do agente de emanar ou não o ato, sendo, portanto, caracterizante de um poder juridicamente ilimitado.
Segundo Clève (37), "os pressupostos para a edição de medida provisória funcionam quer como fontes legitimadoras da atuação normativa excepcional do Presidente da República, quer como mecanismos deflagradores de sua competência legislativa extraordinária".
Os pressupostos de edição das MPs podem ser classificados em duas categorias: formal e material.
Quanto à formalidade podem ser editadas, única e exclusivamente, pelo Presidente da República, devendo ser submetidas de imediato ao Congresso Nacional e devem obedecer, ainda, a limitação material imposta na Carta Maior. Nesse aspecto não há muito o que se discutir, pois a lei é clara e precisa.
Quanto aos requisitos materiais faz-se mister discorrer com mais afinco, pois que são critérios, embora motivadores de sua edição, alçados subjetivamente pelo competente editor.
São apenas dois pressupostos, os quais devem, necessariamente, ser considerados juntos, pois acontecem concomitantemente, não se pode utilizar um ou outro, mas sim os dois e isso é evidente na determinação constitucional, ou seja, as MPs podem ser adotadas somente nos casos fáticos que suscitarem relevância e urgência. Observem que o legislador não fez uso de conjunção excludente e sim somativa, deixando em evidência sua intenção, qual seja a de cumular os dois requisitos.
Mas o que, na verdade, pode suscitar relevância e urgência? Para uma melhor compreensão desses termos é necessário defini-los antes.
Os atos normativos expedidos pelo Governo são de caráter administrativo, daí buscarmos, para melhor definição dos pressupostos, princípios do direito administrativo, como o da finalidade da Administração e o da moralidade administrativa. Pelo que se depreende daquele princípio o agente público deve, no exercício de suas funções, vislumbrar o interesse da coletividade em prol de qualquer interesse pessoal. Já em conformidade com o princípio da moralidade administrativa não só deve decidir sobre o que é legal e ilegal, justo e injusto, honesto e desonesto, oportuno e inoportuno, mas sobre o que é conveniente e inconveniente. Assim, atrelando esses dois pressupostos da administração pública aos atos do Presidente da República, torna-se mais fácil a complicada tarefa de definir o que venha a ser relevância e urgência suficientemente capaz de dar razão à edição de medida provisória.
Relevante é aquilo que comporta apenas os interesses da sociedade, ou seja, está voltado para o interesse público, caracterizando-se como uma relevância extraordinária, excepcional; e urgente é uma situação fática a ser regulada e que enseja resultado imprevisível, demonstrando um estado de necessidade legislativa, onde não se pode esperar pelo rito legislativo ordinário, pois a não providência imediata pode resultar em prejuízos de ordem administrativa, econômica, social ou de segurança pública.
O Chefe do Executivo tem discricionariedade para decidir sobre a relevância e a urgência da situação que o levar à edição de medida provisória, entretanto, não se pode falar em livre arbítrio, pois, assim como quaisquer agentes públicos, ele, também, tem o dever de decidir consoante os princípios da Administração Pública e não de acordo com sua vontade própria.
7.4. Alcance Material
O legislador originário de 88 não fez menção ao campo material das MPs, apenas tratou da urgência e relevância da situação capaz de dar causa à expedição de um ato emergencial pelo Executivo e com força de lei, intitulado medida provisória, logo não se cogitava de limitação material para esse instituto.
Mas o fato de o Constituinte não ter limitado a matéria objeto das MPs demonstra um erro formal para o qual ele não se ateve durante a redação e aprovação do texto constitucional, pois havia uma preocupação grande por parte dele de não conservar o DL, que era muito criticado e, embora de seara limitada, dava muita autonomia ao Presidente da República, sobretudo porque era fruto de longos anos de ditadura militar.
Não se pode dizer, por exemplo, que o Constituinte, por estar elaborando uma Lei Suprema democrática, teve a intenção de atribuir ao Chefe do Executivo poderes suficientes para, em caso de relevância e urgência, legislar sobre matéria de exclusividade do próprio Congresso Nacional, que ele privou até mesmo do âmbito da delegação. Acredito que, realmente, foi falta de cautela do legislador originário a não limitação material das MPs.
Segundo Leomar Barros (38), a importação das MPs do modelo constitucional italiano sem, à primeira vista, o conhecimento da sua efetiva prática no país europeu, não poderia resultar em outra coisa, senão em uma série de perplexidades e dificuldades na adaptação ao sistema jurídico nacional. Uma dessas dificuldades é a não definição das matérias sujeitas ao propósito das MPs, o que para ele resultou de uma técnica legislativa deficiente.
O autor prossegue fazendo referência à opinião de Fran Figueredo, professor da Universidade de Brasília, para o qual as MPs sujeitam-se aos princípios da excepcionalidade ontológica, ou seja, são parissimétricas às leis guardando com elas conexões analógicas, no entanto, a força de lei a ela atribuída nada mais é do que ficção jurídica. Desta feita, deve ser usada em situações excepcionais e extraordinárias para a tutela do interesse público violado ou ameaçado; da irreversibilidade fática, ou seja, não deve ser utilizada quando ocasionar situação fática consumada, impossível de voltar ao status quo ante. Posto que as MPs possuem caráter provisório, sendo passíveis de não conversão em lei pelo legislador nacional e dependendo da matéria que disciplinar é capaz de se convolar em algo definitivo; da intangibilidade do ato ou provimento cautelar, pois ao ser editada a MP desprende-se do seu autor, ficando vinculada tão somente ao legislador, que a pode converter em lei, emendá-la ou rejeitá-la extinguindo dessa forma seus efeitos, restando ao Presidente da República para alcançá-la apenas os líderes parlamentares.
Assim, defende, o autor, que não podem ser objetos de MPs as matérias que a Constituição Federal vedou delegação legislativa ao Presidente da República, organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros, nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais, planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
Seguindo a mesma linha de raciocínio Clèmerson Clève (39) diz que a "interpretação da Constituição exige maior dose de sofisticação", logo somente "a interpretação sistemática, embora com o auxílio inestimável dos demais elementos de interpretação, está capacitada para deduzir o correto sentido de seus dispositivos"
Desta feita, para Clève (40) são "insuscetíveis de disciplina por meio de MP baixada pelo Presidente da República (i) matérias que não reclamam tratamento legislativo", pois o legislador não pode sozinho propor projeto de lei reclamando pela modificação de determinada matéria, mas sim pelo menos um terço da Câmara ou do Senado Federal, o Presidente da República ou metade das Assembléias Legislativas das unidades federadas, "(ii) as que se satisfazem com o tratamento normativo secundário", como é caso das cláusulas elencadas no § 4º do art. 60 da CF/88, que não aceitam proposta de alteração tendente a aboli-las, "(iii) aquelas que não admitem delegação", pois constituem reserva absoluta do Legislativo, "(iv) as exigentes de eficácia diferida, (v) aquelas que desafiam eficácia normativa que, por sua natureza, inadmitem desconstituição, (vi) as sujeitas à iniciativa legislativa privativa dos demais poderes (inclusive Ministério Público e Tribunal de Contas), (vii) as residentes no campo de competência concorrente e privativa dos Estados, Distrito Federal e Municípios e as (viii) interferentes no exercício da atividade conferida aos demais poderes e órgãos constitucionais".
A partir de 1994 o legislador passou a limitar expressamente o campo das medidas provisórias, assim em 1º de março de 1994, por meio da ECR n.º 1, acrescentou dispositivo ao ADCT, vedando a regulação do Fundo Social de Emergência por meio de medida provisória.
Já em 1995, a EC n.º 5, de 15 de agosto, deu nova redação ao § 2º do art. 25 da CF/88, vedando a edição de medida provisória para a regulamentação da exploração ou concessão de gás canalizado, in verbis:
"Artigo único. O § 2º do art. 25 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para sua regulamentação."
Na mesma data o legislador incluiu uma outra limitação material às MPs, por intermédio da EC n.º 6, senão, vejamos:
"Art. 2º Fica incluído o seguinte art. 246 no Título IX – ‘Das Disposições Constitucionais Gerais:’
Art. 246. É vedada a adoção de MP na regulamentação do artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada a partir de 1995."
A EC n.º 7, também de 15 de agosto de 1995, repete a redação do art. 2º da EC n.º 6/95, já a EC n.º 8, desse mesmo dia, veda a adoção de MP para regulamentar o disposto no inciso XI do art. 21 da Constituição Federal com a redação dada pela respectiva emenda, ou seja, somente à União é possível legislar sobre a exploração, direta ou mediante autorização, concessão ou permissão dos serviços de telecomunicações, cabendo à lei dispor sobre a organização de seus serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais.
Em novembro de 1995 foi promulgada a EC n.º 9, de 9 de novembro, que vedou a edição de MPs na regulamentação da matéria prevista nos incisos I a VI e dos §§ 1º e 2º do art. 177 da Constituição Federal, os quais dispõem sobre monopólio da União no que se refere ao petróleo, ao gás natural, bem como outros hidrocarbonetos fluidos.
Como se pode observar, a partir de 1995 os anseios jurídicos e doutrinários, não me esquecendo dos sociais, em relação à limitação material das MPs, começaram a ser satisfeitos, chegando, agora em 2001, com o advento da EC n.º 32, de 11 de setembro, talvez, ao ápice das restrições, pois foi bastante clara e precisa, senão, vejamos:
"§ 11. É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
a)nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
b)direito penal, processual penal e processual civil;
c)organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
d)planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;
II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;
III – reservada à lei complementar;
IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República."
Dessa forma sanou as dúvidas existentes quanto ao campo de atuação desse instituto normativo de caráter extraordinário.
Agora nos é evidente que não há que se falar em regulamentação da nacionalidade, da cidadania, dos direitos políticos, dos partidos políticos, do direito eleitoral, pois, salvo esta última categoria de direitos, todo esse elenco faz parte das cláusulas constitucionais dispostas no art. 60, § 4º, da CF/88, as quais não podem ser abolidas pelo constituinte de segundo grau (41) e muito menos pelo Presidente da República na condição de agente legiferante.
Até a EC n.º 32/01, havia grande polêmica entre os operadores do Direito, se o direito material penal e o processual poderiam ou não ser objetos de MPs.
Para Clève (42), não havia dúvida de que matéria penal se encontrava alheia ao campo de atuação das MPs, especialmente, no que se referia à instituição de ilícitos, redefinição ou majoração das penas, pois a probabilidade de condenação por crime definido em MP implicaria eventual manifestação de efeito irreversível, logo seria incompatível com a legislação de urgência.
O insigne Ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence, atuando como relator do Agravo de Instrumento 147734-2, publicado no Diário da Justiça do dia 16/02/95, afirmou não existir limites materiais à edição de medida provisória.
Quer, isso dizer, que a matéria penal também seria alvo das MPs, conforme entendimento da nossa suprema Corte Judicial.
A EC n.º 32/01 colocou um ponto final na discussão do que seria ou não objeto de medida provisória, satisfazendo-se a opinião doutrinária preponderante.
Quanto à organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, bem a regulamentação das carreiras e a garantia de seus membros, a Constituição Federal atribui ao STF a competência para propor lei complementar que disponha sobre a carreira dos magistrados, logo não seria coerente nem oportuno deixar que o Executivo fizesse as vezes desse, cabendo a cada Tribunal dispor sobre sua própria organização, bem assim o Ministério Público.
A EC n.º 32 atribuiu competência ao Presidente da República para majorar ou instituir impostos, ficando a produção de seus efeitos somente para o exercício financeiro seguinte e desde que tenha sido convertida em lei até o último dia daquele ano em que for editada, excetuando-se as previsões dos arts. 153, I (imposto de importação), II (imposto de exportação), IV (imposto sobre produtos industrializados), V (operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativos a títulos ou valores mobiliários) e 154, II (imposto extraordinário). O que pôs fim à controvertida questão quanto à possibilidade de MP regulamentar matéria tributária, provocada pela legislação anterior.
7.5. Efeitos
Preliminarmente cabe dizer que os efeitos das MPs são imediatos desde sua publicação.
O Constituinte Originário de 88 concebeu efeitos ex tunc as medidas provisórias que não fossem convertidas em lei n prazo de trinta dias a contar de sua publicação, cabendo ao Congresso Nacional a incumbência de regulamentar as relações jurídicas delas decorrentes, sem, contudo, estipular o prazo em que essa regulamentação deveria ser concretizada.
Com a conversão da medida provisória em lei seus efeitos propagar-se-iam no tempo desde sua publicação, o que na prática não acarretaria dúvidas nem instabilidade jurídica.
Com o advento da EC n.º 32/01 o legislador atribuiu às MPs, além dos efeitos ex tunc, também os efeitos ex nunc, da seguinte forma, in verbis:
"Art. 1º (omissis)...
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas." (Grifei)
Como já foi falado, a medida provisória deve ser convertida em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável por igual período. Não acontecendo essa conversão, cabe ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas dela advindas, mediante decreto legislativo. Contrariamente ao constituinte de 88, o Legislador de 2001, ao aprovar a EC n.º 32/01, estipulou o prazo de sessenta dias para que o Congresso Nacional edite o decreto legislativo disciplinador das referidas relações jurídicas, após a rejeição ou perda de eficácia da MP, não havendo a publicação do decreto legislativo a medida provisória continuará regendo as relações jurídicas às quais deu origem.
Consoante o § 12 da nova redação do art. 62 da Constituição, a medida provisória conservar-se-á integralmente em vigor quando da existência de projeto de lei de conversão que altere seu texto original até que se efetive a sanção ou o veto do projeto.
Quando a MP for convertida no tempo devido, fazendo-se lei, não há que se preocupar com seus efeitos, pois são válidos desde sua publicação.
Estipulando tempo para a edição do decreto legislativo pelo Congresso Nacional, bem assim concedendo efeitos ex nunc às MPs, o agente legiferante protegeu, de certa forma, a estabilidade jurídica no país, pois até a edição da EC n.º 32 não se falava em tais efeitos, daí, não convertidas as MPs em lei, o Congresso Nacional regulamentava as relações jurídicas delas originadas da forma que bem entendia e no prazo que lhe conviesse, deixando a sociedade insegura quanto aos seus direitos.
7.6. Durabilidade
Segundo o disposto no § 3º, acrescentado ao art. 62 da CF, as medidas provisórias devem ser convertidas em lei no prazo de 60 dias, prorrogável por igual período e uma única vez, sob pena de perder sua eficácia desde a edição, cabendo ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes, por intermédio de decreto legislativo.
No § 11 o legislador estipulou o prazo de 60 dias após a rejeição ou perda de eficácia da MP para que o Congresso edite o decreto legislativo que irá disciplinar as relações jurídicas decorrentes da medida provisória publicada e, se assim não fizer, a MP voltará a reger os atos praticados durante sua vigência. Com a redação do § 11 é possível ao CN não apreciar a MP no prazo devido sem, contudo, prejudicar a sociedade, pois os atos praticados sob a égide da MP serão convalidados por ela.
7.7. Controle pelo Congresso Nacional
Cabe ao Congresso Nacional a conversão das MPs em lei.
O controle legislativo de medida provisória tem início após sua imediata submissão, pelo Presidente da República, ao Congresso Nacional, de forma que o plenário das duas Casas Legislativas nacionais delibere sobre o seu mérito.
Antes da apreciação por quaisquer das Casas, caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer.
A deliberação do Congresso Nacional sobre o mérito das MPs é condicionado a um juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.
O § 8º que foi acrescentado pela nova redação dada ao art. 62, CF/88, prescreve que a votação das medidas provisórias terá início na Câmara dos Deputados. Todavia deverá haver, para a devida conversão de MP em lei, a votação nas duas Casas do Congresso Nacional.
Uma observação importante a ser feita é quanto à perda de poderio do Senado Federal em relação à apreciação das medidas provisórias, pois, como é cediço, no processo legislativo a Casa revisora não tem muita relevância na aprovação das normas, haja vista ela ser incumbida, digamos assim, de apenas ratificar a votação feita na Casa primária, podendo, de certo, emendar ou diminuir a redação original dos projetos que aprecia, entretanto seu poder de decisão é mínimo, pois ao finalizar a revisão devolve o projeto para a Casa originária e esta, sim, aprecia as alterações, caso tenham sido feitas, e já encaminha para o órgão competente para a promulgação. No caso da medida provisória convertida, o encaminhamento deve ser feito ao Presidente do Senado Federal, que irá promulgar o projeto votado.
7.7.1. Prazo de apreciação
Reza o § 6º, acrescentado ao art. 62 da Constituição, pela EC n.º 32/01, que se a medida provisória não for apreciada pelo Legislativo no prazo máximo de 45 dias contados a partir de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando, ou seja, o Congresso Nacional, nesse caso, deve interromper a apreciação de quaisquer matérias para obedecer à relevância e urgência da medida provisória. Assim o Legislativo fica obrigado a deliberar sobre a MP em tempo hábil, pois não o fazendo, não poderá dar andamento a sua pauta ordinária, o que, de certa forma, trará transtorno interno e externo ao Legislativo. Aquele em razão do atraso nas votações e este em prol da pressão social.
Já o § 7º, que foi acrescentado de igual forma ao art. 62 da CF/88, prescreve sobre a prorrogação da MP, que será de 60 dias se não tiver sido encerrada sua votação nas duas Casas Legislativas.
Esse parágrafo contempla a dilatação do prazo de vigência da MP. O prazo é de 60 dias, prorrogável uma única vez por igual período, caso, ainda, não tenha sido aprovada ou rejeitada pelo Congresso, isto é, uma medida provisória agora pode viger, na sua forma original, por até 120 dias sem necessidade de reedição.
Contempla também a possibilidade de o Legislativo Federal ter sobrestadas todas as suas deliberações alheias à medida provisória por um período máximo de 75 dias, tempo que ele tem para apreciar a matéria de uma MP, pois não o fazendo nesse interstício a MP perde sua eficácia e começa a contar um novo prazo para o Legislador.
Conforme disciplina o § 11 do art. 62 da CF/88, com a nova redação dada ao art. 62 da Constituição, se o CN não edita decreto legislativo após a perda de eficácia ou rejeição de MP no prazo de 60 dias, esta conservará, integralmente, seus efeitos em relação aos atos praticados durante sua vigência.
Nesse caso não haverá mais a necessidade de expedição do decreto legislativo, capaz de regular as relações jurídicas decorrentes da respectiva MP.
Fazendo-se uma observação, talvez um pouco precoce, do Legislativo, acredito que o Legislador, ao positivar essa possibilidade de a MP, mesmo após 120 dias de vigência, ser capaz de assegurar as relações jurídicas às quais deu origem, resguardou a omissão legislativa quando da não-edição do decreto legislativo e, provavelmente, essa omissão será uma prática rotineira em seu âmbito.
Resta-nos saber como a anomia (43) decorrente do espaço de tempo existente entre a perda de eficácia das medidas provisórias e os 60 dias que o Congresso ainda tem para editar ou não o decreto legislativo. A emenda constitucional 32 (§ 11 acrescentado ao art. 62 da CF/88) prescreve que uma medida provisória só voltará a ter efeitos em relação aos negócios praticados à época de sua vigência decorridos 60 dias após sua perda de eficácia ou rejeição e, ainda, inexistir decreto legislativo que regulamente tais atos. Esse período é consideravelmente longo, o que, certamente, poderá trazer-nos problemas jurídicos, tais como ações de inconstitucionalidade junto ao Poder Judiciário, pois até a promulgação da EC 32/01 não se falava em institucionalização da anomia em nosso sistema normativo.
O Congresso Nacional, constitucionalmente falando, tem o dever de apreciar as medidas provisórias em tempo hábil, tempo esse que o próprio Congresso considerou bastante para a adoção das medidas necessárias. E não se omitir como vem fazendo ao longo do tempo, pois no período compreendido entre o ano de 1988, início de vigência da Constituição, e 2001 só foi editado um decreto legislativo para disciplinar os negócios advindos das MPs publicadas. Por essa razão posso dizer que a institucionalização da anomia no ordenamento jurídico brasileiro serviu de subterfúgio para justificar a atitude omissa do Congresso Nacional.
É inquestionável que cabe ao Executivo adotar medidas "urgentes" com força de lei, contudo, cabe ao nosso Congresso ratificá-las ou não, afinal é ele o responsável pela manutenção coordenada do ordenamento jurídico vigente.
Consoante o parágrafo 4º acrescido pela emenda, os prazos de deliberação serão suspensos no decorrer do recesso parlamentar.
Com a nova redação do parágrafo 8º do art. 57, da CF/88, pela EC 32/01, caso o Congresso Nacional seja convocado extraordinariamente, as medidas provisórias em vigor na data da convocação serão automaticamente incluídas na pauta da convocação.
O Legislador atribuiu a ele mesmo a função de controlar as MPs, também se obrigou a ter celeridade seja na rejeição ou na conversão, pois deu total relevância à deliberação sobre medida provisória, se ainda não tiver dado início à votação da MP, que lhe for submetida por ato do Presidente da República, todavia não cabe a ele apreciar os pressupostos de edição das medidas, pois tais pressupostos são prerrogativas tão somente do Chefe do Executivo.
7.7.2. Emendas ao texto original
No que concerne à redação do § 12, aditado ao art. 62 da Constituição, é facultado ao Congresso Nacional elaborar projeto de lei de conversão de medida provisória em lei alterando-lhe o texto original, projeto esse que pode ser vetado ou sancionado. Nesse caso, até que o texto aditivo seja vetado ou sancionado a medida manter-se-á integralmente em vigor. O que foi uma inovação em relação à norma anterior.
7.7.3. Decreto Legislativo
O decreto legislativo tem sua previsão legal no inciso VI, do art. 59, da CF/88. Insere-se, portanto, no domínio do processo legislativo federal.
Duas das possibilidades de edição do decreto legislativo pelo Congresso Nacional são usadas para disciplinar as relações jurídicas decorrentes de medidas provisórias, quais sejam: primeira, quando uma medida provisória perde sua eficácia por decurso temporal; segunda, quando o Legislador ao apreciar a MP a rejeita.
É de competência do Presidente do Senado Federal a promulgação de lei federal de conversão, o que formaliza a aprovação feita pelo Congresso Nacional. Previsão essa que, segundo Raul Machado Horta (44), impossibilita o veto presidencial.
Para o Autor, "o referido procedimento deveria ser reexaminado, pois a sanção, a promulgação e a publicação das leis são atos da competência constitucional privativa do Presidente da República", art. 84, IV, da CF. Cabendo ao Presidente do Senado Federal apenas os casos elencados nos parágrafos 3º e 7º do art. 66 da Constituição, e ao Vice-Presidente do Senado nos casos de omissão daquele.
Dessa forma o decreto legislativo tem o objetivo de disciplinar as relações jurídicas decorrentes de medidas provisórias que foram rejeitadas pelo Congresso Nacional ou perderam sua eficácia, resguardando, por conseguinte, os direitos dos cidadãos, que não podem ficar a mercê da anomia jurídica.
7.8. Reedições
Segundo Nelson Cândido Motta (45) "o artifício das reedições foi a fórmula encontrada para evitar que medidas provisórias expedidas com força de lei, e dotadas de plena eficácia durante a sua vigência, ao deixarem de subsistir, por simples decurso do exíguo prazo de 30 dias, conflagrarem irremediavelmente as relações jurídicas constituídas, sob seu império. A previsão constante do parágrafo único do artigo 62, que" cometia "ao Congresso Nacional o dever de ‘disciplinar as relações jurídicas’ decorrentes das MPs tornadas ineficazes (a partir da data da edição de cada uma delas)" era "praticamente de execução impossível".
Ele fez essa crítica com base nos dados fáticos do fenômeno da reedição e da não conversão das MPs pelo Congresso Nacional no período de 1988 a agosto de 1998, haja vista nesse período 2.728 medidas provisórias terem sido editadas e reeditadas, das quais apenas 337 terem sido convertidas em lei, sendo que as demais (2.391) editadas e reeditadas continuavam, à época, dependendo de aprovação pelo Legislativo federal para se incorporarem ao ordenamento jurídico brasileiro como lei.
O § 10, acrescido ao art. 62 da CF pela EC 32, veda a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido eficácia por decurso de prazo. Mas devemos nos ater ao detalhe de que a reedição só ficou vedada na mesma sessão legislativa, não havendo óbice algum quanto a sua reedição em outra sessão legislativa, ou seja, considerando-se que anualmente existe apenas uma sessão legislativa, a mesma medida provisória só pode vir a ser objeto de reedição no ano seguinte ao que foi editada.
Com a redação do § 3° acrescentado ao art. 62 da Constituição Federal, segundo o professor Zélio Maia (46), "sepultou de vez a abominável possibilidade de o chefe do executivo legislar ad eternum por medida provisória, restando resgatado o princípio da separação do poderes tão combalido nos últimos anos pela inquestionável retração do legislativo por obra das sucessivas medidas provisórias editadas sobre a mesma matéria o que ficou conhecido como REEDIÇÕES DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS".
7.9. Controle pelo Judiciário
Ao Judiciário é atribuído o controle da emanação de medidas provisórias, haja vista seu controle ser idêntico ao da lei.
O Judiciário atua no controle das MPs tanto por intermédio do controle difuso quanto do concentrado, este exercido pelo Supremo Tribunal Federal e aquele por qualquer órgão julgador do Judiciário.
Todavia conforme reiteradas decisões do STF (ADIns 162, 526, 1.397, 1.417 e 1667-9) não cabe ao Poder Judiciário aquilatar a presença, ou não, dos critérios de relevância e urgência, invocados pelo Poder Executivo para a edição de medida provisória, a não ser que a ausência deles se manifeste de maneira objetiva, de molde a inviabilizar qualquer juízo em sentido contrário.
Com o advento da emenda 32/01, algumas decisões do STF perderam eficácia, v. g., aquelas que tratavam da sua ilimitação material, pois agora é sabido que as MPs são limitadas materialmente. O que vai, provavelmente, reduzir o número de ações perante o Judiciário se o Presidente da República obedecer aos princípios constitucionais.
Entende o Supremo Tribunal Federal que a conversão em lei da medida provisória tem o condão de superar as alegações de inocorrência de seus pressupostos constitucionais de urgência e relevância (ADIn 1.417/DF).
Segundo essa orientação, os eventuais vícios ocorridos na edição da MP, no que tange à ausência dos requisitos de urgência e relevância, não contaminam a lei de conversão, não acarretando a invalidade desta. Ainda que não se tenha verificado a ocorrência dos referidos pressupostos na edição da medida provisória, a sua conversão em lei pelo Congresso Nacional tem o condão de sanar essa irregularidade.
Essa orientação continua plenamente compatível com o texto constitucional.