O Rio Cocó faz parte da bacia dos rios do litoral leste cearense, tendo sua bacia hidrográfica uma área de aproximadamente 485 km² , com um comprimento total do rio principal de cerca de 50 km . A preservação do ambiente natural da área de influência do Rio Cocó sempre foi o objetivo de grupos da sociedade civil e de governos estaduais e municipais, principalmente seu trecho inserido no Município de Fortaleza. Dessa forma, o governo estadual através do DECRETO Nº 20.253, de 05 de Setembro de 1989 declarou de interesse social, para fins de desapropriação, as áreas de terra que indica compreendidas no contorno do Projeto do Parque Ecológico do Cocó e do DECRETO N° 22.587, 08 de Junho de 1993, declarou de interesse social, para fins de desapropriação, as áreas destinadas a ampliação do Parque Ecológico do Cocó. A área do Parque Ecológico do Cocó abrangida pelos decretos compreende o trecho da BR-116 à foz do Rio Cocó, localizado no Município de Fortaleza, Estado do Ceará, perfazendo um total de 1.155,2 hectares . O Parque Ecológico do Cocó está em processo de adequação ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, Lei Federal n° 9985, de 18 de julho de 2000, com proposta de denominação de Parque Estadual do Cocó.
O manguezal do Rio Cocó em seus trechos preservados formam uma mata de mangues, que se situa no coração da cidade de Fortaleza, num belo espetáculo trazido pela natureza, onde são vistos espécies de moluscos, crustáceos, peixes, répteis, aves e mamíferos, que compõem importantes cadeias alimentares.
O Parque Ecológico do Cocó é uma unidade de conservação correspondente, no âmbito estadual, a um Parque Nacional. Segundo a legislação específica aqui tratada, neste tipo de unidade de conservação, é necessária a delimitação de uma área contígua que deve corresponder a uma zona de amortecimento. Assim dispõe a Lei 9.985/2000:
Art. 25. As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos.
§ 1º O órgão responsável pela administração da unidade estabelecerá normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos de uma unidade de conservação.
§ 2º Os limites da zona de amortecimento e dos corredores ecológicos e as respectivas normas de que trata o § 1° poderão ser definidas no ato de criação da unidade ou posteriormente.
Resta claro, portanto, que as imediações do Parque ecológico do Cocó, quando ele for efetiva e juridicamente criado, devem ser destinadas ao estabelecimento de sua respectiva zona de amortecimento. Sobre a caracterização desta área, dispõe a legislação específica acima citada o seguinte:
Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC, estabelece critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação.
Art. 2º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
XVIII - zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade;
A legislação específica que rege o Sistema Brasileiro de Unidades de Conservação exige, neste tipo aqui tratado, ou seja, nos Parques (nacionais, estaduais e municipais) que, nas áreas contíguas, o entorno desta Unidade de Conservação seja transformado em uma zona de amortecimento, visando ao disciplinamento das atividades realizadas nas proximidades, com o objetivo de reduzir a pressão sob os ecossistemas compreendidos nos limites da Unidade de Conservação.
Assim, para a implantação do Parque Ecológico do Cocó, torna-se necessária a prévia definição de uma área contígua, próxima, capaz de funcionar como zona de amortecimento, o que, até a presente data, não foi feito pelo órgão ambiental competente, no caso a SEMACE.
Assim, em face desta omissão, costumava-se dizer, na cidade de Fortaleza, que a especulação imobiliária “come o parque do Cocó pelas beiradas”, uma vez que seu entorno vai sendo apropriado de forma ilícita. Como é evidente, na área delimitada para o Parque, nada pode ser construído. Exige a legislação específica, no entanto, que a proteção ambiental do Parque se estenda a uma área contígua, de transição, localizada nas proximidades da área protegida. Esta área de amortecimento visa, logicamente, a afastar as atividades da área protegida, uma vez que os expedientes de poluição (atmosférica, do lençol freático, redução da vegetação etc.), muito embora se iniciem fora da área especificamente protegida, podem, muito facilmente, se alastrar para esta área, comprometendo a proteção a ser estabelecida.
Assim, é preciso preservar não só a área do Parque do Cocó, como seu entorno. Não se diga que esta afirmação é apenas um anseio, pois, como se viu, é a própria legislação federal que impõe este dever jurídico para a entidade ambiental responsável pela administração da unidade de conservação.
Não se pode conceber como correta a interpretação de que uma omissão administrativa possa gerar direito ao particular de violar o meio ambiente. Na verdade, em face da postura preventiva que deve ser adotada nas questões desta natureza, resta evidente que cumpre ao Judiciário aferir, através da realização de robusta prova técnica, quais as áreas que deverão, ou não, ser consideradas como apropriadas para destinação como zona de amortecimento do futuro Parque do Cocó.
Assim, devem ser realizados estudos técnicos conclusivos acerca da delimitação das áreas que, estando no entorno da delimitação estabelecida para futuras desapropriações destinadas à implantação do Parque do Cocó, podem vir a ser caracterizadas como zona de amortecimento, devendo restar impedida a realização de novas obras em uma considerável área territorial do entorno, até que tal providência seja ultimada pelo órgão competente. A partir desta delimitação técnica, que compreenderá a caracterização ambiental de toda a área, com a especificação de seus ecossistemas, caberá à SEMACE coordenar a elaboração de um Plano de Manejo que irá, então, definir quais as atividades que podem e que não podem ser realizadas na área definida como zona de amortecimento.
Antes, portanto, desta definição técnica, qualquer intervenção na área do entorno do Parque que implique em construção, além de acarretar a concretização de uma situação fática irreversível, estará contribuindo, decisivamente, para a degradação de todas as áreas do entorno do Parque do Cocó, áreas estas que hoje já sofrem uma pressão considerável por parte do poder econômico especulativo.
A omissão do poder público, primeiro em criar definitivamente o Parque do Cocó e, segundo, em definir sua zona de amortecimento, acarretou um total descontrole no gerenciamento ambiental destas áreas, o que permitiu a construção de diversos empreendimentos, com o terrível efeito pedagógico que sinaliza para a especulação imobiliária com a possibilidade de ocupação indiscriminada de todo o entorno do Parque do Cocó, sem qualquer preocupação com os possíveis efeitos danosos que as atividades ali desenvolvidas possam vir a causar, no futuro, nos ecossistemas protegidos do próprio Parque.
SÃO ATIVIDADES PROIBIDAS NA ÁREA CITADA
• Na zona de amortecimento a implantação ou ampliação de quaisquer tipos de construção civil sem o devido licenciamento ambiental;
• Supressão de vegetação e uso do fogo;
• Atividades que possam poluir ou degradar o recurso hídrico, como também o despejo de efluentes, resíduos sólidos ou detritos capazes de provocar danos ao meio ambiente;
• Tráfego de veículos no interior do parque;
• Intervenção em áreas de preservação permanente, como: margens do rio, campo de dunas e demais áreas que possuem restrições de uso;
• Pesca predatória;
• Uso de veículos náuticos motorizados, salvo para fins de interesse público;
• Demais atividades danosas previstas na legislação ambiental.
A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente no Brasil (Lei nº 6.938, de 31.8.1981) inseriu como objetivos dessa política pública a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e a preservação dos recursos ambientais, com vistas a sua utilização racional e disponibilidade permanente (artigo 4º, I e VI). Daí porque se acentua que a implementação do princípio da precaução não tem por finalidade imobilizar as atividades humanas. Não se trata de precaução que tudo impede ou que em tudo vê catástrofes por males. O princípio da precaução, como bem acentuou Paulo Affonso Leme (obra citada, pág. 56), visa à durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta. Daí porque o princípio da precaução é uma referência indispensável em todas as abordagens relativas aos riscos.
A área do Parque Ecológico do Cocó está sujeita a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre ela, uma vez que se trata de unidade de conservação que deve possuir uma zona de amortecimento, cujas normas deverão ser estabelecidas pelo órgão de conservação da unidade (artigo 25 da Lei nº 9985/2000), razão pela qual tal área está sujeita a restrições específicas no propósito de minimizar os impactos ambientais.
A Lei nº 6.938/81 prescreve que se observará como princípios a proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas e a proteção das ameaçadas de desagregação. Por certo, como acentua Paulo Affonso Leme Machado (Direito Ambiental Brasileiro, 12ª edição, São Paulo, Malheiros, pág. 75), a preservação não é estática, de modo que é mister que se atualize e se faça reavaliações para poder influenciar a formulação das novas políticas ambientais, das ações dos empreendedores e das atividades da Administração Pública, dos legisladores e do Judiciário.
A zona de amortecimento fica sujeita a restrições administrativas. Como tal, não podem ser concedidas novas licenças. As licenças anteriores deverão ser cassadas. Fica, assim, reconhecida zona de proteção ao redor da biota.
Sendo assim, não há direitos adquiridos com relação à licença ambiental nessas áreas. Ora, a licença ambiental tem natureza jurídica de autorização, tanto que se trata de autorização, pois se fosse juridicamente licença, seria ato definitivo, sem necessidade de renovação. A autorização é ato precário e não vinculado, sujeito às alterações ditadas pelo interesse público.
Não há, na licença ambiental, o caráter de ato definitivo. Essa é a melhor interpretação a fazer com relação ao artigo 10, e seu § 1º, da Lei nº 6.938/81. O conceito de licença, tal como o conhecemos do Direito Administrativo, não está presente na expressão licença ambiental.
Sendo assim, não há direito adquirido à urbanização e à construção na área de entorno ao Parque Ecológico do Cocó, em detrimento de sua proteção ambiental.
De toda sorte, caberá ao Ministério Público Federal tomar as providências cabíveis para a preservação dessa área, que é um verdadeiro patrimônio ambiental. Seja através de instrumentos como recomendações, termos de ajustamento de conduta (formação de título executivo extrajudicial) e, ainda, judicializando questões, através do ajuizamento de necessárias ações civis públicas na defesa de interesses difusos na matéria.