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Convencido, convertido ou coagido:

a força ressocializadora das entidades religiosas nas unidades prisionais

Agenda 11/08/2015 às 10:38

Abordamos a ressocialização promovida pelas entidades religiosas nas unidades prisionais. Quais os riscos dessa prática? E os benefícios?

Sumário: 1. Introdução. 2. Atuação e objetivos. 3. Junção de forças para o bem comum 4. Conclusão. 5. Referências.

Resumo O presente artigo aborda a temática referente à ressocialização promovida pelas entidades religiosas nas unidades prisionais. A CF/88 assegurou a plena liberdade religiosa, de culto e credo, inclusive a ausência desse sentimento, e, no plano infraconstitucional, coube à LEP regulamentar a assistência religiosa nos presídios, seguindo os ditames do Texto Magno, sempre tendo em mira a laicidade do Estado.

Palavras-chave: grupos religiosos. ressocialização. liberdade. credo. culto. Estado. laico.


1. Introdução

Esse jargão é bastante conhecido no meio religioso, sendo amplamente utilizado como forma de medir o grau de comprometimento do fiel com suas obrigações religiosas, ou religião. Todavia, na atualidade, em razão da atuação ostensiva e marcante de grupos religiosos, em diversos setores da sociedade, tais expressões se disseminaram e alcançaram, também, a comunidade carcerária.

Todo aquele que transita pelos presídios percebe a presença desses agrupamentos de confissão religiosa, que, lastreados em elementos, livros e apostilas doutrinárias, preceitos religiosos, éticos e comportamentais, apregoam a ressocialização, sem deixar de prestar o conforto espiritual, cumprindo, na visão destes, uma “ordenança Divina”.

Em que pesem as superiores razões transcendentais para legitimar e justificar a presença religiosa nos presídios, é bem verdade que a CF assegurou a liberdade de culto e de credo, tendo a LEP regulamentado a assistência religiosa nos presídios, com plena e irrestrita liberdade de culto, sobretudo porque o Estado é laico, sendo, inclusive, assegurado ao apenado o direito de não professar qualquer credo e, portanto, não se imiscuir em cerimônias religiosas.


2. Atuação e objetivos

A questão que se põe diz respeito à contribuição dessas comunidades religiosas para a efetiva reinserção social dos custodiados, evitando-se, assim, a tão indesejada reincidência.

A caótica realidade do sistema carcerário brasileiro (carência de infraestrutura básica, celas superlotadas e imundas, sem areação adequada ou luminosidade suficientes e atos de violência e vandalismo) evidencia a insuficiência do Estado em prover o mínimo existencial para a efetiva ressocialização do apenado, trazendo punições severas à toda sociedade (alto custeio do sistema penal), afetando os resultados de recuperação dos reeducandos e repercutindo negativamente nos os índices de reincidência e criminalidade.

Nesse vácuo existencial do Poder Público, crescem e atuam de forma bastante incisiva e ostensiva os grupos religiosos. Eles adotam linguagem simples, acessível, direta e objetiva e estratégias de pregação inovadoras. Além de promessas para vida vindoura, trazem promessas de restauração para vida terrena, conferindo, também, suporte material às famílias dos presos. Ponto este que ganha, de vez, os apenados, que, em razão da prisão, não podem prover o sustento de que precisa a família, vindo o auxílio externo em boa hora, sendo essa atuação um dos elementos que justificam a propagação e aceitação destas comunidades civis pela comunidade carcerária.

Outro aspecto relevante é a própria situação de vulnerabilidade que o cárcere gera, isto é, essa restrição ambulatorial e o cotidiano tenso nas prisões, onde qualquer alento é bem-vindo, sendo a gratidão eterna, ao menos enquanto pena existir. A pretensa missão alardeada por estes ajuntamentos religiosos é o chamamento dos reeducandos à consciência, com o objetivo de dissuadi-los da seara criminosa e, ao final, termina-se, indubitavelmente, por angariar novos fiéis.

Noutro diapasão, outros sustentam que a finalidade escamoteada seria a formação de novos fiéis com aptidão para geração de riquezas para a entidade religiosa, formando, portanto, nova cadeia, a religiosa, muito mais difícil de ser vencida, por ser de intima convicção, já que é atinente à dita fé, aspecto da alma insidicável exclusivamente pelos meios racionais.

A despeito desse pensamento, é notória a mudança comportamental daqueles que se dedicam à prática e disciplina religiosa, ao menos, dentro das unidades prisionais e enquanto cumprem pena. Tanto é que existem alas nos presídios destinadas especificamente aos religiosos, como sendo um setor de disciplina, ordem, excelência e recuperação de outros presos.

Muitos, após o cumprimento integral da pena, passam a se dedicar a atividades religiosas fora e dentro dos presídios, invocando “um suposto chamado divino” que teria sido despertado enquanto estavam custodiados. Isso é o que se chama de efeito multiplicador do proselitismo.

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3. Junção de forças para o bem comum

Nessa ótica, ao Estado, cabe assegurar a liberdade de credo e culto, sem discriminação e contribuir para que haja a efetiva ressocialização, seja de forma direta, com sua atuação intensiva, a qual precisa ser mais eficiente, ou mediante atuação reflexa, permitindo a atuação de grupos da sociedade civil que externem ideais condizentes à recuperação total do ressocializando.

O Estado, sem prejuízo da atuação fiscalizatória, não deve criar entraves ou embaraçar a atuação desses agrupamentos civis que se dedicam a restaurar a vida de outrem, pouco importando a bandeira religiosa, sobretudo, por se tratar de clientela vulnerável inserta em um sistema prisional sofrível, que pune o sentenciado duplamente por um mesmo fato ou ato, em um odioso e inconstitucional bis in idem.

Ademais, esse contato com pessoas extramuros é bem salutar, pois tem grande efeito psicológico sobre os apenados, já que contribui para o aumento da autoestima e confiança destes, retirando-lhes a sensação de renegação, sobretudo dos órgãos oficiais, que, na maioria das vezes, não lhe concedem estruturas penitenciárias adequadas para que possam cumprir a pena, tampouco lhe proveem o arcabouço assistencial a que a Lei previu.

Disto decorre a necessidade de se fomentar o intercâmbio da sociedade civil com o sistema prisional, como forma de quebrar preconceitos e barreiras, bem como propiciar mecanismos de ressocialização, de modo a minorar e, progressivamente, abolir as distorções no sistema penitenciário que redundam nos indesejados motins.


4. Conclusão.

É preciso que se entenda que vivemos em um mosaico etno-cultural, fruto de uma sociedade plural e cada vez mais complexa e imbricada, a qual não pode ver os apenados como inimigos da sociedade, até porque, no Brasil, não há penas capitais, mas vigora o princípio da dignidade da pessoa humana. Todos nós estamos suscetíveis a equívocos e, aqui, parafraseando Cristo, atire a primeira pedra, quem nunca cometeu uma infração, qualquer que seja sua natureza ou gravidade. Talvez, a nossa diferença, ou melhor a nossa sorte, foi não termos sido flagranteados pelos órgãos repressores do Estado, sejam penais ou administrativos, daí se vale outra máxima de Cristo, que externa que, com o mesmo rigor que julgarmos, seremos julgados.

Assim, deve-se envidar esforços institucionais e da própria coletividade, no sentido de alcançar a reinserção massiva dos sentenciados, o que passa, sem dúvidas, pela rejeição de uma postura inativa e da adoção de uma positiva, que não se restringe ao fornecimento de trabalho, alimentação, educação e registro documental, mas de concessão da plena e efetiva cidadania, já que, infelizmente, independente do delito, aqueles condenados, por sentença com trânsito em julgado, sequer podem votar, o que demonstra a necessidade de humanização urgente, não só do ambiente físico do sistema prisional, mas também, do normativo, com o fito de cumprir o ideal da norma que é reinserir, agregar, restaurar e recuperar, evitando a reincidência.

A vedação constitucional ao voto àqueles condenados por sentença judicial transitada em julgado deve ser reinterpretada à luz do Pacto de São José da Costa Rica, que assegura a todo cidadão o direito ao voto. Assim, aqueles que ostentam sentença com trânsito em julgado não deixam de ser cidadãos pelo simples fato de terem sido apenados, devendo-lhes ser garantido o direito ao voto. Pensamento contrário legitimaria o Direito Penal do Inimigo, que destitui algumas pessoas do caráter de cidadão, algo inaceitável, sob o pálio do Estado Democrático de Direito.

Agora, novamente parafraseando as Escrituras Sagradas, estamos no período de graça, isto é, no momento em que a misericórdia, favor e a bondade de “Deus” superabundam. Não por outra razão, a nossa CF/88 foi elaborada para inaugurar nova fase democrática e, portanto, veio repleta de direitos e garantias fundamentais e das famosas cláusulas pétreas.

No âmbito social, tem-se visto a implementação de ações afirmativas e programas assistencialistas, com forma de inclusão social de grupos historicamente e socialmente vulneráveis. Vê-se o crescimento da militância e consagração dos direitos dos gêneros raciais, religiosos e sexuais. Tem-se acompanhado grande fiscalização, seja dos órgãos e agentes estatais ou da sociedade civil organizada e, também, por meio da atuação incansável da imprensa, que é o portal de ressonância da coletividade, em que pesem eventuais tendências de alguns órgãos midiáticos, algo absolutamente normal, cabendo aos receptores filtrarem as informações com senso crítico.

Todavia, diante das crises cíclicas que vivenciamos, sejam estas institucionais ou econômicas, não saberemos por quanto tempo perdurará este “estado” de busca à efetivação de direitos fundamentais. Tanto é que, atualmente, alguns já defendem abertamente a adoção de penas capitais, a redução de maioridade penal, o aumento de penas e crimes para combater a violência, e o fim de políticas assistenciais e reparatórias, sem perceber que medidas mais radicais, desacompanhadas de políticas sociais não eleitoreiras, não atingiram a gênese do problema e só causaram mais desajuste social.

Finalizo com uma frase que adoto e creio que seja de autoria desconhecida, mas, se não, desde já, peço a devida autorização para utilizar: pena para quem precisa, na medida da razoabilidade e proporcionalidade, e dignidade para todos.


5. Referências.

AMORIM, Rodolfo de Oliveira e SILVA, Bruno Joviniano de Santana. Progressão de regime retroativa x direito adquirido Distinção e a progressão de regime per saltum. Jus Brasil, Salvador, 04 jun. 2015. Disponível em: http://brunojssilva.jusbrasil.com.br/artigos/195029660/progressao-de-regime-retroativa-x-direito-adquirido-distincao-e-a-progressao-de-regime-per-saltum. Acesso em: 4 jun. 2015.

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. 13ª Edição. Editora Ediouro: Rio de Janeiro, 1999.

COSTA NETO, Nilo de Siqueira. Ressocialização do preso: falência do sistema penitenciário. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3560, 31 mar. 2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/24073>. Acesso em: 24 jun. 2015.

REGATIERI, Daniella Geres de Lima. Ressocialização como fim da pena. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 4050, 3 ago. 2014. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/30639>. Acesso em: 23 jun. 2015.

SILVA. Bruno Joviniano de Santana Silva. Indulto retroativo: Respeito ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito. Disponível em: http://www.prolegis.com.br/indulto-retroativo-respeito-ao-direito-adquirido-e-ao-ato-juridico-perfeito/. Acesso. 26. Jun 2015.

SILVA. Bruno Joviniano de Santana Silva. O atestado de pena a cumprir. Direito fundamental. Instrumento de ressocialização. Disponível em: http://brunojssilva.jusbrasil.com.br/artigos/195009685/o-atestado-de-pena-a-cumprir-direito-fundamental-instrumento-de-ressocializacao?ref=topic_feed. Acesso. 04. Jun 2015.

Sobre o autor
Bruno Joviniano de Santana Silva

Defensor Público. Ex Advogado da Petrobrás. Ex Analista Judiciário do TJDFT. Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Bruno Joviniano Santana. Convencido, convertido ou coagido:: a força ressocializadora das entidades religiosas nas unidades prisionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4423, 11 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41598. Acesso em: 2 nov. 2024.

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