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A impossibilidade da cobrança do título de crédito prescrito via procedimento monitório

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Agenda 01/06/2003 às 00:00

Sumário:1. Considerações preliminares – 2. A ação de procedimento monitório – 3. Aspectos históricos e direito comparado – 4. Particularidades do procedimento monitório – 5. A instrumentalidade do processo – 6. Conclusões – 7. Bibliografia.


1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

A Lei 9.079/95 criou o procedimento monitório, estabelecendo um tipo inédito de procedimento em nosso direito formal. [1] Esse procedimento visa agilizar o trâmite do processo de conhecimento, simplificando seu andamento quando o autor for detentor de documento escrito sem força de título executivo e poupando o juiz de prolatar uma sentença, visto que, uma vez não apresentados os embargos tempestivamente, o mandado de pagamento torna-se um mandado de citação executivo, de onde segue-se atos como a penhora, a avaliação, etc. e o procedimento passa a ser o executivo, previsto no Livro II do CPCB.

"A ação monitória é o meio processual diferenciado, pelo qual o credor de quantia certa ou de coisa determinada visa a obter o reconhecimento e a concretização de seu direito, comprovado por documento hábil sem eficácia executiva." [2]

"É o meio pelo qual o credor de quantia certa ou de coisa determinada, cujo crédito esteja comprovado por documento hábil, requerendo a prolação de provimento judicial consubstanciado, em última análise, num mandado de pagamento ou de entrega de coisa, visa a obter a satisfação de seu direito". [3]

"Trata-se de um remédio para eliminar, praticamente, o processo de conhecimento, permitindo ao credor substituir a comum ação de cobrança por um expediente que atraia o devedor a preferir o pagamento ao debate judicial. A ação monitória, portanto, foi criada em face da necessidade de se ter um procedimento intermediário que viabilizasse o pronto acesso da parte à execução, sem percorrer os demorados trâmites processuais impostos pelo rito ordinário." [4]

A jurisprudência de nossos tribunais vem, ao nosso ver, data venia, erroneamente, admitindo a cobrança de título de crédito prescrito via ação de procedimento monitório.

A afirmação de que o acolhimento deste tipo de procedimento ao título de crédito prescrito é errôneo deve-se ao fato de que, a ação, de procedimento monitório, nada mais é do que uma ação de conhecimento de rito especial onde se visa agilizar o andamento processual e conceder ao detentor do direito, configurado em um documento escrito sem força de título executivo, uma maior celeridade em sua pretensão.

Trata-se, a ação monitória, de procedimento, de direito formal. [5] No caso do título de crédito prescrito, temos uma relação jurídica de direito material [6] onde o direito encontra-se exaurido pela inércia do autor em ajuizar a ação competente no prazo legal. Esse título de crédito é regido por lei específica, [7] lei material que prevê seu lapso temporal para execução, ação de cobrança, cognitiva portanto, tudo regido por lei material, que especifica a relação jurídica sui generis ocorrente entre as partes que desse instituto jurídico se utilizarem, por livre e espontânea vontade.

Utilizar-se da ação de procedimento monitório quando da relação jurídica regida materialmente por um título de crédito somente seria admissível se o título encontrasse despido de executividade, como é o caso, v. g., do cheque após 180 (cento e oitenta) dias de sua emissão, por dois anos após decorrido esse interregno. [8]

Agora, após dois anos e cento e oitenta dias, não vemos como pode ser possível a cobrança via procedimento monitório do cheque então prescrito, despido de qualquer ação que assegure seu recebimento tendo em vista a presença do instituto da prescrição. [9] Falar-se que, se pode ser cobrado, via ação monitória, um papel qualquer onde exista a confissão de uma dívida, deve-se então ser aceito o título de crédito prescrito devido o fato de que se trata de papel muito mais importante é, para nos, um equívoco grave, pois, ao firmar-se, as partes, promessa qualquer de dívida em um papel qualquer, estão elas sujeitas à legislação material pertinente, que trata da ação pessoal própria, prevista pela lei material. (11

Em situação diversa, estando as partes envolvidas em relação jurídica regida pelo direito material, mais especificamente do direito comercial no caso em tela, os contratantes, os sujeitos presentes na relação jurídica comercial, encontram-se regidos pela legislação material pertinente, i. e., pela legislação específica ao título de crédito utilizado pelas partes na relação jurídica firmada. Jamais uma lei formal, processual, pode modificar prazos e aplicações de institutos específicos de direito material, devidamente regrados por ele.

Argumenta-se que o título de crédito prescrito, portanto que não tem força de título executivo, é objeto apto ao embasamento para o ajuizamento da ação monitória.

Ora, o título de crédito é relação de direito material, prescrito em Lei específica, devidamente exeqüível dentro do seu interregno temporal legalmente previsto. Jamais uma ação, prevista por uma lei formal, pode utilizar-se como fulcro para a parte ajuizar um procedimento cognitivo baseado em direito tutelado materialmente mas também materialmente previsto como prescrito.

Expomos uma questão: anteriormente ao advento da Lei 9.079/95, que criou o procedimento monitório, existia alguma ação que se utilizasse para a cobrança do título de crédito prescrito?

Em nosso ainda curto espaço de tempo em contato com a ciência jurídica, e realizando uma minuciosa pesquisa sobre essa situação, desconhecemos qualquer ação desse tipo. Não conseguimos vislumbrar ação que servisse para esse propósito. É evidente que não pode ser utilizada a ação de procedimento monitório para a cobrança de título de crédito prescrito. Estar-se-ia ressuscitando uma relação jurídica coberta com o manto da prescrição processual.


2. A AÇÃO DE PROCEDIMENTO MONITÓRIO

Discorrendo sobre a ação de procedimento monitório, José Rogério Cruz e Tucci, em sua obra Ação Monitória, São Paulo: Saraiva, 1995, explica com muita propriedade que se trata de procedimento cognitivo, criado para agilizar o andamento processual das ações de cobrança, que visem a futura execução; assim, podemos afirmar que jamais pode ser criada nova dívida em relação já prescrita, como é o caso da cobrança do cheque prescrito, pois, antes do advento dessa nova Lei, não existia qualquer procedimento jurídico para esse tipo de cobrança, ou seja, referido título estava prescrito, o que não pode ser aceito é o fato de que uma lei formal ressuscite direito material prescrito.

Menciona o autor supra referido, op. cit., p. 47: "Longe de constituir um novo gênero de processo, Garbagnati adverte que a única peculiaridade emergente do processo de natureza monitória é a de criar mais celeremente, mediante um procedimento especial, o título executivo. Inequívoca, portanto, a sua natureza de processo de conhecimento."

Continua o mesmo jurista, op. cit., p. 48: "A especialidade da estrutura procedimental e da forma do pronunciamento judicial é ditada, nesse caso, exclusivamente pelo escopo de acelerar ao máximo o reconhecimento do direito, visando a formação do título executivo. Na verdade, a única novidade que se vislumbra é a de que o procedimento em apreço encerra, sob a ótica processual, uma espécie de privilégio para o credor, sobretudo no que se refere ao regime das provas e ao caráter diferido e eventual do contraditório."

Independentemente da existência ou não desse novo procedimento (monitório), que relação jurídica tinha ocorrido entre as partes? Evidentemente uma transação comercial que acabou, com a prescrição da dívida. Existindo esse novo procedimento, o que ocorre? Nada de novo, ou seja, a dívida permanece prescrita. Um procedimento processual não pode ter o condão de ressuscitar relação material, comercial, definida em legislação material própria, já prescrita.

Fala-se em agilização do procedimento de conhecimento, do colhimento das provas. Pergunta-se, nos casos de título de crédito prescrito, que provas tem o autor, não se trata de um Título de Crédito? É claro que um Título de Crédito não necessita de comprovação outra, uma vez que a dívida seria líquida, certa, exigível por tempo expresso em lei, que não socorre quem dorme (dormientibus non succurrit jus).

Assim, podermos afirmar que, com relação à ação de procedimento monitório, trata-se de um equívoco, data venia, a aplicação desse procedimento para ressuscitar-se dívida prescrita, título que já teve seu interregno temporal executivo prescrito.


3. ASPECTOS HISTÓRICOS E DIREITO COMPARADO

Com relação, ainda, à ação monitória, analisando a mesma na ordem jurídica e histórica brasileira, é providencial a magistral reflexão de Jhering: (12

"Con el Derecho romano sucedió lo mismo que con la civilización griega: no ejerció toda su influencia hasta después de haber desaparecido. Hay también un derecho hereditario para los pueblos: pueden tardar en aceptar la herencia, pero ninguna herencia valiosa queda sin dueño. El Derecho romano tenía que servir algún día a la humanidad, lo mismo que las obras del arte griego y la filosofía de Platón y Aristóteles. Lo verdaderamente grande nunca acaba en el mundo. Puede ser como la semilla que queda invisible en la tierra hasta que llega el momento oportuno para su germinación."

"En el fondo y en la forma todas las legislaciones modernas se basan en el Derecho romano, que ha llegado a ser para el mundo moderno, como el cristianismo, como la literatura y las artes griegas y romanas, un elemento de civilización cuya influencia no se limita a las instituciones que le hemos pedido, sino que nuestro pensamiento jurídico, nuestro método y nuestra forma de intuición, toda nuestra erudición jurídica en una palabra, son romanos si es que se puede llamar romana una cosa y verdad universal, que los romanos han tenido el mérito de desarrollar hasta su último grado de perfección."

"En algún tiempo las naciones que se daban nuevos Códigos dejaron a un lado el Derecho romano, pero hubieron de volver a él y reanudar la continuidad." (Abreviatura de el espíritu del Derecho Romano, Ed. Revista de Occidente - Buenos Ayres -, 1947, págs. 17 e 18).

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Podemos afirmar que é o que tem acontecido com relativa freqüência, como, p. ex., com a cláusula rebus sic stantibus e o nauticum foenus, sementes adormecidas durante muitos séculos para nascerem sob as formas da teoria da imprevisão e do seguro marítimo, respectivamente, e, no caso, com as regras mestras das ações arbitrárias do direito romano, embriões onde os alemães e austríacos mostraram a seus legisladores os elementos que os levaram à criação dos institutos do procedimento monitório, no ZPO, e da ação monitória, no JNZPO, austríaco.

Os institutos, nessas duas ordens jurídicas, não são idênticos, embora visem a solução semelhante. No ZPO, o procedimento monitório visa a proporcionar ao requerente, para pretensões provavelmente indiscutíveis, sem debate e sem decisão sobre a matéria, um título com força de coisa julgada.

Assim, diante da afirmação unilateral e sem verificar a verdade para provar a afirmação do requerente, o curador de justiça, em caso de pretensões determinadas, decreta a assim chamada intimação de pagamento (ou notificação para pagamento), contra a qual o requerido deve apresentar impugnação. Se ele fizer isso, o procedimento passa ao processo ordinário e o procedimento monitório então foi somente uma forma especial de iniciar o processo; se ele não impugnar, e havendo pedido do requerente, decreta-se a chamada execução forçada, que torna exeqüível a notificação de pagamento e com respeito à impugnabilidade e à sentença de revelia. Tornando-se inimpugnável a intimação, ela se converte numa sentença definitiva, com força de coisa julgada sobre a pretensão, que se baseia na omissão da impugnação. Sem impugnação não é possível uma negativa da pretensão. Sem impugnação não é possível um debate sobre a matéria e decisão do tribunal.

No procedimento monitório, a competência é do curador de justiça (Rechtspfleger), inclusive para a decretação do mandado executivo, sua recusa e remessa para o tribunal competente.

Apesar dos encômios que envolveram a introdução desse novo tipo de procedimento especial de jurisdição contenciosa, notadamente no que toca ao rigorismo técnico de suas normas e à intenção de economia processual que se embute nelas, não se pode fugir de algumas observações.

Salientamos que as ponderações que se lhe façam não têm o propósito de minimizar o valor da iniciativa. Toda e qualquer medida que se adote, visando à eliminação dos males técnicos ou procedimentais que entravam a economia processual, já é, em tese e por si só, digna de ser recebida com louvor e boa vontade, tendo em vista a terrível situação em que nossos Tribunais se encontram nos dias atuais.

Porém, o terrível entrave de nossa burocracia judiciária não está nos maiores ou menores defeitos das normas de processo e de procedimento, ele se assenta, como na maioria das instituições brasileiras, em estruturas arcaicas e carregadas de vícios sedimentados ao longo dos tempos.

Pode ser constatado que, no interior do Brasil, é comum juízes acumulando duas ou três comarcas, como também é comum acumularem, nas sedes das organizações judiciárias, duas ou mais varas; em alguns casos não existe qualquer cumulação, mas temos cartórios com até 11.000 (onze mil) processos; trata-se de tarefa humanamente impossível a condução de tamanha quantia de feitos. Mas, enquanto não se tomarem providências sérias, no âmbito administrativo, que corrijam, ao menos em parte, a dolorosa deficiência, material e humana, que estrangula a máquina judiciária, as mais bem intencionadas medidas e os mais perfeitos textos de lei não passarão nunca de enganosas e frustrantes esperanças, estarão fadadas ao insucesso.

Neste nosso Brasil, é comum a idéia de que uma determinada lei irá corrigir os defeitos decorrentes de toda uma estrutura deficiente, que determinada lei irá resolver tudo, a impunidade, a corrupção, a morosidade da justiça, enfim, todos os graves defeitos de nossa jovem sociedade. Ora, é necessário, em primeiro lugar, deixar de literalmente empurrar a sujeira para debaixo do tapete, ou seja, de achar que com o estalar dos dedos, com a criação de uma ou outra lei, estaremos resolvendo estes problemas. É necessário, com urgência, a contratação de novos funcionários em nossos fóruns, aí incluí-se principalmente juízes; é necessária a urgente informatização (realizada pelo Estado, não por iniciativa de alguns valorosos funcionários), enfim, é necessário investimentos reais em nosso judiciário, em todas as instâncias e fóruns.

Mas, voltando ao procedimento monitório, podemos afirmar, com segurança, que trata-se apenas de um procedimento cognitivo que agiliza o trâmite processual, suprimindo formas mais burocráticas e tornando o processo mais célere. No entanto, jamais poder-se-ia falar (e muito menos aplicar) em novo tipo de processo com o poder de criar novas situações jurídicas em atropelo ao ordenamento material vigente. Em outras palavras, como já fora exposto, jamais poderia uma norma processual invadir a esfera do direito material e criar nova forma de cobrança de título de crédito prescrito.

O procedimento monitório previsto em nosso ordenamento processual não especifica este tipo de prática, nossa jurisprudência (e nossa doutrina), a nosso ver entendendo de forma deturpada a legislação, vem aplicando o procedimento monitório de forma a sobrepor o direito formal ao direito material, sendo que, jamais isto pode ser realizado, pois, aquele é instrumental em relação a este.


4. PARTICULARIDADES DO PROCEDIMENTO MONITÓRIO

Podemos constatar que o art. 1.102a tem redação assemelhada à do § 1º da Lei Monitória austríaca, de 27 de abril de 1873, com uma distinção importante. A lei austríaca limita, prudentemente, a 15.000 shillings o valor da obrigação que pode ser objeto da ação monitória, ou seja se a importância exigida ou se o valor do objeto considerado na pretensão, sem acréscimos de juros e acessórios, não ultrapassar a soma de 15.000 shillings. Este valor equivale mais ou menos a vinte salários mínimos brasileiros.

Podemos realizar uma comparação com a lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, criadora dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, que, no seu art. 3º, inc. I, estabelece:

"O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;",

Parece que, por isso e tendo em vista o procedimento sumário desse instituto, haveria nele, com vantagem, lugar para o que se pretende com a ação monitória.

Quarenta salários mínimos equivalem a R$ 4.400,00, ou seja, R$ 2.400,00 além do limite máximo da lei monitória austríaca. Não seria mais consentâneo adaptar-se às normas desse Juizado regras de procedimento que o habilitassem, também, a alcançar os objetivos do procedimento monitório recém-criado?

Tal orientação talvez trouxesse duas presumíveis vantagens práticas: a) não deixar que se discuta num procedimento, onde o objetivo evidente é a rapidez dos respectivos atos, obrigações de valor ad infinitum, cuja prova será, muitas vezes, um singelo documento; b) utilizar-se de um meio que tem, em sua minudente sistematização, todos os instrumentos procedimentais que pressupõem conduzir a uma real celeridade.

Em algumas comarcas do Estado de São Paulo (v. g. São Manuel) é perfeitamente aceito o procedimento monitório no juizado especial cível, providência esta, pioneira e existente garças à iniciativa dos doutos magistrados locais, que aplaudimos e destacamos como muito bem aplicada no sentido de dar maior celeridade aos procedimentos, objetivo maior da Lei do Juizado Especial Cível.

Todavia, nem sempre a ação monitória transmite a presunção de que a almejada economia processual nela perseguida venha a traduzir-se em realidade. Provavelmente, a construção pretoriana deve adotar a orientação do procedimento monitório alemão, que também não estabelece um valor teto para a obrigação reclamada.

Com relação ao procedimento monitório, consoante o art. 1.102b, se a petição inicial estiver devidamente instruída, o juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de quinze dias.

A sistematização brasileira, também neste momento, difere da alemã e da austríaca, que lhe teriam servido de modelo. No procedimento monitório alemão não é o juiz quem determina a expedição do mandado, mas o administrador da justiça (Rechtspfleger), junto ao juízo e que é um escrivão de hierarquia superior. É, por isso, um mandado de eficácia precária, tanto assim que, se a pretensão for impugnada, cessam seus efeitos e do procedimento monitório, que terá sido, apenas, uma forma especial de início do processo ordinário pertinente.

No entanto, na ação monitória austríaca, embora sua expedição seja determinada pelo juiz, esse mandado é apenas um mandado de pagamento condicionado, que perde sua força se for tempestivamente contestado. O credor pode recorrer ao procedimento monitório para uma ação de cobrança. Nesse caso, o tribunal é obrigado a decretar a ordem de pagamento por meio de uma notificação (Bescheid) para a ação, com a advertência de que, se for contestada, realizar-se-ão os demais procedimentos da ação pertinente, devendo realizar-se audiência. Não se fala em sentença. Não se fala em constituição, de pleno direito, de título executivo judicial, no caso de a contestação ser rejeitada.

A defesa na ação de procedimento monitório é exercida através dos embargos. Segundo os princípios do direito processual brasileiro, embargos indicam meio de defesa de natureza específica. Assim, doutrina JOSÉ DA SILVA PACHECO - Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, Ed. Borsói, v. XX, verbete EMBARGOS: "No plural, a palavra embargos - título deste verbete - reveste-se de diversas acepções. Entre elas, destacam-se:" "II) A de um meio de impugnar a execução de sentença. São os chamados embargos do executado (arts. 1.008 e 1.016 do C.P.C. ‘736 a 747 do CPC de 1973’).

O Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. Folio Bound VIEWS. Rio de Janeiro, 1996. CD-ROM, assim define o termo embargos:

"EMBARGOS, s. m. pl. Diz-se do recurso que a parte oferece, ao juiz ou tribunal, prolator da decisão definitiva, para que, após o seu reexame ou revisão, profira nova sentença reformatória ou declaratória da anterior. Diz-se, também, do remédio legal, em forma articulada, ou não, que se emprega para obstar, ou suspender, certa medida ou ato da causa ou do processo, cuja efetivação se torne prejudicial aos interesses da parte. I - Embargos Auriculares. Diz-se pejorativamente do ato de alguém que cochicha pedidos ao ouvido do juiz. II - Embargos Infringentes. Diz-se de recurso que é oposto, quando não for unânime o julgado proferido em apelação ou em ação rescisória (Cód. de Proc. Civil, arts. 530 a 534). III - Embargos Infringentes ou de Nulidade. Em direito processual penal, diz-se de recurso interponível contra decisão de segundo grau e não unânime, desfavorável ao réu. É, portanto, recurso exclusivo da defesa. IV - Embargos Ofensivos. Diz-se dos que atacam a decisão visando a reformá-la. V - Embargos Protelatórios. Diz-se da interposição de recursos de embargos de declaração, sem qualquer fundamento e com a finalidade única de protelar o feito. VI - Embargos Relevantes. Em linguagem forense, diz-se daqueles que, atendendo às formalidade legais pertinentes à matéria, devem ser conhecidos para exame de mérito. Não se trata de recurso nominado em lei. VII - Embargos à Arrecadação. Diz-se da impugnação de terceiros prejudicados à apreensão judicial de bens de ausentes ou de herança jacente. VIII - Embargos à Arrematação e à Adjudicação. Diz-se da impugnação que o devedor faz, fundada em nulidade da execução, pagamento, novação, transação, ou prescrição, desde que superveniente à penhora. IX - Embargos à Carta Precatória. Diz-se do meio legítimo da parte, ou de terceiro prejudicado, para impedir o seu cumprimento. X - Embargos à Concordata. Em direito falimentar, diz-se de recurso que qualquer interessado pode oferecer contra a sentença homologatória de concordata. XI - Embargos à Execução. Diz-se do remédio legal do executado para obstar ou moderar os efeitos do cumprimento da sentença, alegando, conforme a fase, matéria anterior ou superveniente à penhora. Segundo a ocasião em que ocorram, tais embargos dizem-se: à penhora; à adjudicação; à remissão, etc. XII - Embargos à Penhora. V. Embargos à Execução. XIII - Embargos à Precatória. V. Embargos à Carta Precatória. XIV - Embargos à Primeira. V. Interdito Proibitório. XV - Embargos à Remição. Em direito processual civil, diz-se de meio que o prejudicado em seu direito de remir tem para impugnar a remição requerida por terceiro. XVI - Embargos à Sentença. Ditos, também, embargos de alçada, são os embargos infringentes do julgado e embargos de declaração, únicos recursos admissíveis das sentenças de primeira instância proferidas em executivos fiscais, ou nas lides em que forem interessadas na condição de autoras, assistentes ou opoentes a União, autarquias e empresas públicas federais, em causas de valor igual ou inferior a cinqüenta OTNs (Lei n° 6.830 - Execução Fiscal -, de 22.9.80, art. 34; Lei n° 6.825 - Justiça Federal -, de 22.9.80, art. 4°). XVII - Embargos ao Acórdão. Diz-se do recurso de embargos infringentes, que são opostos à decisão do tribunal, que a prolatou por maioria de votos. XVIII - Embargos de Alçada. Diz-se dos membros infringentes e de declaração opostas contra decisões proferidas pela Justiça Federal sobre causas de determinado valor (Lei nº 6.830/80, art. 4º). Diz-se, também, dos mesmos embargos que são opostos contra decisões de primeira instância proferidas sobre execuções fiscais de determinado valor (Lei nº 6.830/80, art. 34). XIX - Embargos de Declaração. Em direito processual civil, diz-se de recurso que se oferece contra decisão judicial contaminada pelos vícios da obscuridade, da contradição e da omissão. (Código de Processo Civil, arts. 535, I e II, a 538). XX - Embargos de Divergência. Diz-se dos que são interpostos, no Superior Tribunal de Justiça, quando as Turmas divergirem entre si ou de decisão da mesma Seção (Regimento Interno, arts. 266/267). Diz-se, também, dos que se interpõem no Supremo Tribunal Federal contra decisão de Turma, em recurso extraordinário ou em agravo de instrumento, divergente de julgado de outra Turma ou do Plenário na interpretação de direito federal (Regimento Interno, arts. 330/332). XXI - Embargos de Nulidade. Em direito processual antigo, dizia-se de recursos opostos a sentenças de primeira instância, proferidas em ações de pequeno valor ou em outras hipóteses especificamente previstas em lei. Foi suprimido pelo atual Código de Processo Civil. XXII - Embargos de Nulidade e Infringentes de Julgado. No direito processual anterior, dizia-se de recurso oposto contra decisão, por maioria, nos julgamentos de segunda instância sobre apelação ou ação rescisória. É recurso extinto. V. Embargos Infringentes. XXIII - Embargos de Terceiro. Diz-se do meio regular de defesa, oposto por quem não tenha sido parte ativa na lide, mas, julgando-se prejudicado, intervém no feito, ou na execução, para salvaguardar direitos seus sobre os bens penhorados, arrecadados, arrestados, vendidos em praça, ou quaisquer outros sobre os quais recaia indevidamente ação judicial (Cód. de Proc. Civil, arts. 1.046 a 1.054). XXIV - Embargos do Credor. Diz-se dos que opõe o credor hipotecário ou pignoratício para defender a preferência que tem sobre a coisa objeto da garantia. XXV - Embargos do Devedor. Diz-se do que o devedor pode opor contra execução que lhe é movida (Cód. de Proc. Civil, art. 736 e seguintes). V. Embargos à Execução. XXVI - Embargos do Executado. O mesmo que Embargos do Devedor. XXVII - Embargos por Benfeitorias. Diz-se daqueles que o executado opõe, nas ações reais e reipersecutórias, para conservar em seu poder a coisa que é objeto da execução, até que seja pago de benfeitorias necessárias e úteis que nela fez, ou foram feitas por outrem, de que as houve por qualquer título."

Os embargos, na regra do art. 1.102c, têm claramente aquele sentido que lhe atribui DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, Ed. Forense, 4ª ed., Vol. II, pág. 581/582: "Mas, ao rigor da técnica do Direito Processual, é a expressão usada para indicar o recurso judicial, utilizado por uma pessoa, seja ou não parte no feito, para se opor aos efeitos do despacho ou da sentença proferida em uma demanda, mesmo na fase inicial à fase executória.

Assim, os embargos, neste sentido estrito, mostram-se oposição ou impugnação a despacho ou sentença judicial, em virtude dos quais se ofenderam direitos ou interesses de outrem, ocasionando-lhes gravames, que precisam de reparação, ou a mesma oposição ao cumprimento do despacho ou sentença, porque se tenha justo motivo para os não cumprir.

Nesta circunstância, o direito de embargar advém do prejuízo direto e imediato que se tenha sofrido pelo despacho ou pela sentença, ou pelo justo motivo, que se mostre, de poder impedir o cumprimento de quaisquer das decisões judiciais.

O direito de embargo cabe às partes que participaram ou podiam participar da demanda. Mas, também se confere o mesmo direito aos terceiros prejudicados, desde que venham defender a sua posse ou o seu direito, perturbado ou esbulhado pelo decisório judicial.

No entanto, com natureza de peça defensiva e embora muitas vezes recurso, nos embargos não se discutem questões já decididas, salvo se expressamente a lei conceder a liberalidade ou neles se reclame uma reconsideração do despacho ou decisão, em face de alteração de fato na relação jurídica.

Tal princípio se firma na asserção de que nos embargos não cabe discussão de matéria velha, quer dizer, matéria já anteriormente aventada, discutida e resolvida.

Assim, com relação ao procedimento monitório, a principal finalidade dos embargos é a de se oporem aos efeitos do despacho que determinou a expedição liminar do mandado de pagamento ou de entrega da coisa, suspendendo-os.

No entanto, não é assim nos procedimentos monitórios alemão e austríaco, que somente falam, no caso, em contestação, impugnação ou oposição.

Esclarecendo acerca do processamento dos embargos no procedimento monitório, em artigo publicado na Revista do Advogado, doutrina o professor José Rogério Cruz e Tucci - pág. 78: "Todavia, ainda consoante o caput do artigo 1.102c, oferecidos os embargos pelo réu, dentro daquele prazo de 15 (quinze) dias, inaugura-se um procedimento incidental de cognição exauriente, regrado certamente pelas normas do procedimento comum ordinário (artigo 1.102c, parágrafo 2º).

Dessa forma, tratando-se de peça defensiva, nenhuma restrição é imposta ao conteúdo da argumentação a ser desenvolvida pelo embargante. Poderá alegar qualquer matéria de natureza processual ou substancial. Todavia, com a inversão da posição processual que decorre da oferta destes embargos, ao devedor-embargante é imposto o ônus de provar o fato constitutivo do direito deduzido (artigo 333, I), com todas as conseqüências que advêm desse encargo.

Podemos afirmar, portanto, que foi criada uma nova modalidade de embargos ("embargos ao mandado"), que são processados nos próprios autos, que independem de prévia segurança do juízo e que têm o condão de impedir a produção de quaisquer efeitos decorrentes da ordem de pagamento ou de entrega da coisa (artigo 1.102c e parágrafo 3º). Aqui também a decisão liminar pode ser classificada como interlocutória.

Devemos ter a devida atenção para evitar a confusão entre tais "embargos" e a ação incidental, também denominada de embargos, que pode ser ajuizada pelo devedor após a intimação da penhora ou do depósito, quando da conversão do mandado de pagamento ou de entrega em mandado de citação, porque, nesse caso, tal ato processual, como ressaltado, corresponde, em tudo, ao ato citatório da tradicional ação de execução.

Trata-se de verdadeira contestação, até porque inexiste ainda título executivo a ser desconstituído. Assim, não há dúvida de que os "embargos ao mandado", à luz do disposto no artigo 1.102c, correspondem a uma ação incidental sui generis.

O parágrafo 3º dispõe que: "Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial. ..". Assim, uma vez improvidos os embargos, a sentença prolatada reveste-se de força de título executivo judicial, uma vez prolatada em procedimento similar ao cognitivo.

Se os embargos não forem opostos - ou forem opostos tardiamente - ocorrem os efeitos típicos da revelia, constituindo-se, de pleno direito, o mandado inicial em mandado executivo.

Obviamente, contra possível injurisdicidade dessa situação equivalente à revelia, uma vez que, em razão dela, a demanda prosseguirá na forma prevista no Livro II, Título II, Capítulos II e IV, haverá ensejo de impugná-la. É certo que contra tal revelia, poderia, nessa oportunidade, ser argüido o entendimento de que: "Embora recurso, entanto, nos embargos não se discutem questões já decididas, salvo se expressamente a lei conceder a liberalidade ou neles se reclame uma reconsideração do despacho ou decisão, em face de alteração de fato na relação jurídica. Tecnicamente, tal princípio se firma na asserção de que nos embargos não cabe discussão de matéria velha, quer dizer, matéria já anteriormente aventada, discutida e resolvida" (De Plácido e Silva, ob. e loc. cits.).

No procedimento monitório alemão é admitido um recurso - Einspruch -, contra a sentença de revelia, cujo efeito imediato é fazer cessar a competência do juízo que expediu o mandado executivo em razão dela, o qual, de ofício, remete o processo para o tribunal superior competente (§ 700 do ZPO).

Conforme o § 1º do art. 1.102c, se o réu cumprir o mandado, ficará isento das custas e honorários advocatícios. Todos os encargos com o procedimento são da responsabilidade do autor.

No § 2º do art. 1.102c, no que toca ao propósito da economia processual, parece estar o complicador do procedimento monitório. Com efeito, diz este dispositivo que os embargos serão processados nos próprios autos "pelo procedimento ordinário." Então eles produzirão os efeitos da contestação e demais atos que fossem pertinentes à ampla defesa do réu. De pronto, não se pode deixar de admitir a possibilidade de argüição de incidente de falsidade - arts. 390 a 395 - com as tormentosas oscilações da jurisprudência, ad. ex., em torno do recurso cabível contra o indeferimento da inicial ou contra a sentença que venha a ser proferida. As anotações de Theotonio Negrão [13] dão uma idéia bem nítida de como, ante apenas essa ação incidental, o procedimento monitório pode ser envolvido pelos mesmos obstáculos que empolgariam uma ação de procedimento comum ordinário. E toda a esperança de celeridade e economia processual, que inspirara a instituição da ação monitória, se esboroará irremediavelmente.

Podemos afirmar, portanto, que o procedimento monitório trouxe algumas inovações procedimentais, alguma celeridade no interstício processual não havendo oposição do devedor; ocorre que, havendo a efetivação do litígio, os trâmites são quase que idênticos, ou seja, no lugar de contestação teremos os embargos, havendo a possibilidade de recurso de apelação da mesma forma tendo em vista seu improvimento, agilizando-se apenas a formação do litígio com o reconhecimento de simples prova escrita sem eficácia de título executivo e transformando o mandado de citação em mandado de pagamento. Mas, repetimos, essas modificações em nosso direito formal jamais poderiam fulcrar um novo tipo de processo que atropelaria todo um ordenamento de direito material, permitindo a cobrança de título de crédito prescrito, de dívida coberta com o manto da prescrição.

Sobre o autor
José Arnaldo Vitagliano

Advogado. Doutorando em Direito Educacional pela UNINOVE - São Paulo. Mestre em Constituição e Processo pela UNAERP - Ribeirão Preto. Especialista em Direito pela ITE - Bauru. Especialista em Docência do Ensino Universitário pela UNINOVE - São Paulo. Licenciado em Estudos Sociais e História pela UNIFAC - Botucatu. Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Prática Civil. Autor de dois livros pela Editora Juruá, Curitiba: Coisa julgada e ação anulatória (3ª Edição) e Instrumentos processuais de garantia (2ª Edição).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAGLIANO, José Arnaldo. A impossibilidade da cobrança do título de crédito prescrito via procedimento monitório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4160. Acesso em: 23 dez. 2024.

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