Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

As políticas de ação afirmativa e seus reflexos na atual conjuntura

Exibindo página 3 de 3
Agenda 19/08/2015 às 17:00

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante de toda esta exposição, pode-se afirmar que as políticas de ação afirmativa são remédios imprescindíveis para a concretização de direitos fundamentais, já que o ambiente vivido pela humanidade (e o Brasil não foge a regra) é revestido de desigualdade e de intolerância. Estas ações visam dar concretude a anseios expressos nas constituições de forma textual, no que tange à igualdade. Tradições e práticas culturalmente arraigadas no seio dos diferentes grupos sociais merecem de toda coletividade o respeito e a harmoniosa convivência com intuito de se garantir direitos.

A diferença entre igualdade formal e material é algo que deve ser compreendido num primeiro momento, para que a problemática que envolve, sobremaneira, a interpretação e a aplicação do direito seja nitidamente visualizada. Aliás, percebe-se que este problema atravessou a história da humanidade, desde a Grécia de Aristóteles até os dias atuais. O abismo existente entre os diferentes seres humanos (e consequentemente entre os diferentes grupos sociais) apresenta proporções incomensuráveis. Este fato atravessou a Idade Média, a modernidade e foi motivo de grande reflexão nas revoluções liberais, sobressaindo a Revolução Francesa. Todavia, ainda, continua sendo um problema da pós-modernidade ou modernidade líquida, para usar uma expressão de Bauman. Em pleno século XXI, constata-se a prática de atos de intolerância e de “ódio” 34, o que deve ser combatido.

Tais ações de caráter afirmativo não podem estar dissociadas do cotidiano da política e do debate que a ela é peculiar. Se uma sociedade busca a convivência harmoniosa entre os indivíduos que a compõem, faz-se necessário o combate a todo tipo de discriminação, desigualdade ou discurso de ódio. Portanto, o papel do Direito, seja pela produção legislativa ou pela atividade jurisdicional do Estado, é importante para concretização desses ideais. O mundo da globalização é o mundo do estreitamento das relações. Relações que são construídas entre indivíduos e grupos de diferentes origens e culturas.

Ao se tratar de ações afirmativas, a iniciativa que mais é abordada é a promoção da igualdade no acesso à educação superior, por meio do sistema de cotas. Esta característica não se restringe somente ao Brasil, mas é muito evidente nos Estados Unidos, como se constata nos diversos precedentes da Suprema Corte americana (Brown versus Board of education, de 1954; Bakke versus Regents of the University of Califórnia, de 1978; Gratz versus Bollinger, de 2003; e Grutter versus Bollinger, de 2003). Já no Brasil, dentre os casos mais notórios acerca das políticas de ação afirmativa destacam-se a ADPF 186 e o RE 597.285/RS, julgados recentemente pelo Supremo Tribunal Federal.

A sociedade brasileira mostra que há ainda muito a fazer para que se tenha, verdadeiramente, um ambiente social onde a liberdade e a igualdade sejam os alicerces de uma República. Certamente o acesso à educação tem um cunho simbólico ao tratar de ações afirmativas diante da relevância e da importância que a escola e as universidades têm na promoção de políticas de inclusão; seja de forma direta, com sistema de cotas, ou indireta através da formação da opinião pública e na difusão do conhecimento.

Todos os conceitos e abordagens que foram apresentadas no presente texto, leva à conclusão de que as caminhadas das sociedades contemporâneas são duras, complexas e cheias de obstáculos. A tão sonhada igualdade é uma conquista diária, de todo tempo. O que é tão óbvio na retórica, não o é na prática. Nunca é demais lembrar os horrores patrocinados pelo nazismo em Auschwitz – Birkenau ou Mauthausen há pouco mais de sessenta anos. A mentalidade da segregação e do antissemitismo ainda está longe de fazer parte do passado. É algo presente e preocupante. Este anseio por igualdade é, certamente, um dos maiores desafios para o Direito no século XXI.


REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2006.

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

BAUMAN, Zygmund. Capitalismo parasitário. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

_____. Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

_____. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

CIRINO DOS SANTOS. As raízes do crime: um estudo sobre as estruturas e as instituições da violência. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

DWORKIN, Ronald. A Virtude Soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2005.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

FIORAVANTE, Maurizio. Constituición: de la antigüedad a nuestros días. Madrid: Trotta, 2001.

HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro – estudos de teoria política. (Die Einbeziehung des Anderen – Studien zur politischen Theorie). Trad. George Sperber, Milton Camargo Mota e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 1997.

_____. RATZINGER, Joseph. Dialética da secularização: sobre razão e religião. Org. Florian Schüller. Aparecida: Idéias & Letras, 2007.

_____. Teoria do agir comunicativo, 1. Trad. Paulo Astor Soethe; revisão Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal (Einführung in die Grundlagen des Strafrechts). Trad. Pablo Rodrigo Alflen da Silva. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005.

LAFER, Celso. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta, Lenita M. R. Esteves. São Paulo: WMF Martins Fontes, 1997.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.


Notas

1 Com a finalidade de exemplificar a influência de Aristóteles em todo pensamento de São Tomás de Aquino, notadamente acerca da igualdade, a ideia de que a mulher é um “homem inacabado” é na verdade uma herança aristotélica que se estendeu e ganhou força no período medieval. Assim, a mulher era aqui vista como mero receptáculo passivo para a força generativa única do varão, acrescentando ainda São Tomás de Aquino que “a mulher necessita do homem não somente para engendrar, como fazem os animais, mas também para governar, porquanto o homem é mais perfeito por sua razão e mais forte por sua virtude”.

2 ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 108-109.

3 HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro – estudos de teoria política. (Die Einbeziehung des Anderen – Studien zur politischen Theorie). Trad. George Sperber, Milton Camargo Mota e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 1997, p. 22.

4 LAFER, Celso. Hannah Arendt: pensamento, persuasão e poder. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 38.

5 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 64.

6 [...] el principio de igualdad, que – en las constituciones democráticas – tiende a afirmarse más allá de la mera prohibición de la discriminación, situándose en el plano del acceso a los bienes fundamentales de la convivencia civil, tal como la instrucción o el trabajo, poniendo así de mainifiesto la otra gran cuestión de la garantía y de la realización de los derechos sociales. Cf. FIORAVANTE, Maurizio. Constituición: de la antigüedad a nuestros días. Madrid: Trotta, 2001, p. 150.

7 A controvérsia surgiu em 1996, quando Barbara Grutter, uma mulher branca, moradora de Michigan, com notas relativamente altas no teste de admissão para faculdades de direito norte-americanas, não foi aceita na Faculdade de Direito da Universidade daquele Estado. No final de 1997, ingressa em juízo contra a Universidade, sob o argumento de que havia sofrido discriminação racial, o que violaria tanto a cláusula de proteção da igualdade prevista na XIV Emenda à Constituição dos Estados Unidos como no Título VI da Lei de Proteção aos Direitos Civis de 1964 (Civil Rights Act).

8 DWORKIN, Ronald. A Virtude Soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 159.

9 BAUMAN, Zygmund. Modernidade líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

10 O conceito de mundo da vida, Habermas toma de Edmund Husserl e possui três características básicas: é dado aos sujeitos de modo que não pode ser problematizado, mas pode desmoronar; os pontos em comum estão a frente de qualquer dissenso; e a conjuntura muda mas o mundo da vida possui barreiras intransponíveis. Por fim, o agir comunicativo depende de contextos situativos que, se sua parte, representam recortes do mundo da vida concernentes aos participantes da interação. É tão somente esse conceito de mundo da vida – tomado como complementar ao agir comunicativo por conta de análises do saber contextual estimuladas por Wittgenstein – que assegura a ligação entre a teoria da ação e conceitos básicos da teoria social. Cf. HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo, 1. Trad. Paulo Astor Soethe; revisão Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 485.

11 RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. Almiro Pisetta, Lenita M. R. Esteves. São Paulo: WMF Martins Fontes, 1997, p. 3.

12 BAUMAN, Zygmund. Globalização: as consequências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 1999, p. 7.

13 O Brasil terminou Nov/12 com 260 milhões de celulares e 131,99 cel/100 hab. As adições líquidas de 738 mil celulares no mês foram inferiores as de Nov/11 quando foram adicionados 4,5 milhões de celulares, reforçando a tendência de um crescimento menor que 10% em 2012. O pós-pago, com adições líquidas de 588 mil, voltou a superar o pré-pago (158 mil) em novembro. (http://www.teleco.com.br/ncel.asp. Acesso em 7 jan 2013).

14 BAUMAN, Zygmund. Capitalismo parasitário. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2010, p. 33-34.

15 SOUZA, Jessé. Ralé brasileira: quem é e como vive / Jessé Souza ; colaboradores André Grillo ... [et al.] – Belo Horizonte : Editora UFMG, 2009, p. 41.

16 HABERMAS, Jürgen. RATZINGER, Joseph. Dialética da secularização: sobre razão e religião. Org. Florian Schüller. Aparecida: Idéias & Letras, 2007, p. 61-62.

17 SOUZA, Jessé. Ralé brasileira: quem é e como vive / Jessé Souza ; colaboradores André Grillo ... [et al.] – Belo Horizonte : Editora UFMG, 2009, p. 80.

18 A teoria do labeling approach se insere no contexto das teorias do processo social, ao lado das teorias de aprendizagem social e de controle social. Para este grupo de teorias psicosociológicas “o crime é uma função das interações psicossociais do indivíduo e dos diversos processos da sociedade.

19 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002, p. 89.

20 HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal (Einführung in die Grundlagen des Strafrechts). Trad. Pablo Rodrigo Alflen da Silva. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Ed., 2005, p. 101-102.

21 As normas penais que compõem o Direito Penal são as matizes legais da violência institucional concretizada no processo de criminalização, como conjunto de práticas e procedimentos policial, judiciário e prisional delimitados e determinados por aquelas matizes legais. O processo de criminalização representa a forma de existência social concreta do sistema penal, modalidade superestrutural específica constituída de normas penais, que descrevem os caracteres essenciais das ações puníveis e fixam limites penais mínimos e máximos aos autores e fixam limites penais mínimos e máximos aos autores dessas ações (comprovado o conjunto dos pressupostos da pena, como a tipicidade, a antijuridicidade e a reprovabilidade do comportamento, objeto da chamada teoria do crime) e de aparelhos do Estado, que movimentam o processo de criminalização (polícia, justiça e prisão). Se a violência institucional do Direito Penal se concretiza no processo de criminalização, cujas matizes são as normas penais, e cujos órgãos são a polícia, a justiça e a prisão, o estudo do processo de criminalização, deve destacar o modo de integração e a significação real do funcionamento das normas e aparelhos punitivos que o constituem. Cf. CIRINO DOS SANTOS. As raízes do crime: um estudo sobre as estruturas e as instituições da violência. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 102.

22 HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro – estudos de teoria política. (Die Einbeziehung des Anderen – Studien zur politischen Theorie). Trad. George Sperber, Milton Camargo Mota e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 1997, p. 151-152.

23 HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro – estudos de teoria política. (Die Einbeziehung des Anderen – Studien zur politischen Theorie). Trad. George Sperber, Milton Camargo Mota e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 1997, p. 246.

24 DWORKIN, Ronald. A Virtude Soberana: a teoria e a prática da igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. IX-X.

25 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF186RL.pdf (Acesso em 12 jan. 2013).

26 http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF186RL.pdf (Acesso em 12 jan. 2013).

27 É relevante mencionar que os Estatutos da Criança e do Adolescente e do Idoso também são exemplos de ações afirmativas, tendo em vista o seu caráter inclusivo. Além disso, a Constituição no artigo 37, inciso VII, dispõe “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”.

28 HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo, 1. Trad. Paulo Astor Soethe; revisão Flávio Beno Siebeneichler. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012, p. 22.

29 SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 56.

30 Separate but equal. Sob esta doutrina, serviços, instalações e acomodações públicas podiam ser separados por raça, com a condição de que a qualidade dos serviços oferecidos a cada grupo fosse a mesma.

31 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011, p. 421.

32 HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do Outro – estudos de teoria política. (Die Einbeziehung des Anderen – Studien zur politischen Theorie). Trad. George Sperber, Milton Camargo Mota e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 1997, p. 229.

33 HABERMAS, Jürgen. RATZINGER, Joseph. Dialética da secularização: sobre razão e religião. Org. Florian Schüller. Aparecida: Idéias & Letras, 2007, p. 66.

34 A fim de ilustrar a abordagem pode-se citar o chamado “Caso Ellwanger”, em que Siegfried Ellwanger, editor de livros de conteúdo antissemita. Trata-se do HC 82.424, julgado pelo Supremo Tribunal Federal em 2003.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!