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A sindicância e a importância da previsão da pena

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Agenda 04/11/2003 às 00:00

1.Introdução

O tema gerou nosso interesse a partir do momento em que, atuando como Procurador Federal, na área consultiva, pudemos observar que vários procedimentos eram realizados, sob a denominação de "sindicância", de forma inútil e gerando, muitas das vezes, nulidades fáceis de se evitar.

É que, na área federal, como de maneira geral em todas as áreas, a sindicância é sempre vista, até de forma absoluta, sem exceção, como um mero procedimento investigatório, sem forma, sem partes, sem acusação e sem qualquer necessidade de assegurar a ampla defesa e o contraditório. Apesar da regra geral ser esta, existe exceção, que é a sindicância acusatória que pode gerar advertência ou suspensão de até 30 dias, e tal exceção não é muito bem compreendida, de modo que as comissões de sindicância, mesmo gerando prejuízo de toda ordem para a Administração Pública Federal, acabam realizando procedimentos cheios de nulidades ou, quando muito, desnecessários, por falta de um esclarecimento razoavelmente simples.

No mesmo sentido, mesmo que conhecida a exceção, os efeitos da mesma são bem visualizados e compreendidos, o que, significativamente, também pode gerar prejuízos, nulidades e inutilidades, quando do afloramento das faltas funcionais.


2.A Sindicância Investigativa e a Sindicância Punitiva

No âmbito federal, diz o art. 145 da Lei 8.112/90, que da sindicância poderá resultar: a) o arquivamento do processo; b) a aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias; ou c) a instauração de processo disciplinar.

O legislador, ao assim dispor, fez gerar, no âmbito federal, uma grande quantidade de procedimentos nulos ou inúteis, com gastos desnecessários. Explicamos.

Como se sabe, a sindicância é, por sua própria natureza, um procedimento inquisitório de investigação, sem necessidade de ampla defesa e contraditório, onde não há lide, partes ou ordenação seqüencial de atos. Não foi outro motivo que o Ministro Jorge Scartezzini, do STJ, fez questão de apontar esta regra, ao proceder à ementa do ROMS 12680/MS, e afirmar que a sindicância é um procedimento preliminar sumário, instaurada com o fim único de investigação de irregularidades funcionais, que precede ao processo administrativo disciplinar, não se confundindo com este. Sendo, desse modo, prescindível, nesta fase, a observância dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal (DJ de 05.08.2002, p. 357).

Esta regra geral se justifica porque a própria etimologia da palavra assim indica: sindicância vem de síndico, que se derivou de sindicar (examinar, inquirir, tomar informações), e gramaticalmente exprime ação e efeito de sindicar (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Vol. IV, 12a edição, 1996, Ed. Forense, p. 238). Ratificando esta noção geral, a palavra sindicância, como lembrou Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando José Cretela Júnior, in Direito Administrativo, 12ª edição, 2000, Ed. Atlas, p. 498, é formada pelo prefixo syn (junto, com, juntamente com) e dic (mostrar, fazer ver, pôr em evidência), ligando-se este segundo elemento ao verbo deiknymi, cuja acepção é mostrar, fazer ver. Por isso, correto conceituar gramaticalmente a sindicância como "a operação cuja finalidade é trazer à tona, fazer ver, revelar ou mostrar algo, que se acha oculto".

Porém, o legislador, ao dispor que da sindicância poderá resultar penalidade para o servidor, ele criou uma divisão da sindicância, já que, se resultar penalidade para o servidor, ela será acusatória (ou punitiva), e não investigativa tão somente.

Se da sindicância resultar, então, penalidade de advertência ou suspensão de no máximo 30 dias, será ela acusatória; se resultar arquivamento ou abertura de processo administrativo disciplinar, será investigativa.

Observe, então, que a classificação da sindicância é retroativa, e não progressiva, porque será ela investigativa ou punitiva não em função de uma percepção inicial, e sim em função de uma percepção final, após o término da mesma. É dizer: os servidores públicos, membros da comissão de sindicância, encarregados pelo procedimento, só saberão se estão realizando uma investigação ou uma acusação no final dos trabalhos, quando elaborarem o relatório final, até mesmo porque, caso a comissão resolva dar ao procedimento a caracterização de sindicância punitiva (antevendo a possibilidade de punição apenas em advertência e suspensão de até 30 dias), e a autoridade competente entender que a pena deverá, por exemplo, ser de suspensão de 45 dias, a sindicância será caracterizada como meramente investigativa, com necessidade de abertura do processo administrativo disciplinar, independentemente de ter ou não garantido a ampla defesa e o contraditório.

Neste sentido, muito bem destacou o Ministro Moreira Alves, na ementa do Recurso em Mandado de Segurança – RMS n. 22789/RJ, em que foi relator:

Do sistema da Lei 8.112/90 resulta que, sendo a apuração de irregularidade no serviço público feita mediante sindicância ou processo administrativo, assegurada ao acusado ampla defesa (art. 143), um desses dois procedimentos terá de ser adotado para essa apuração, o que implica dizer que o processo administrativo não pressupõe necessariamente a existência de uma sindicância, mas, se o instaurado for a sindicância, é preciso distinguir: se dela resultar a instauração do processo administrativo disciplinar, é ela mero procedimento preparatório deste, e neste é que será imprescindível se dê a ampla defesa do servidor; se, porém, da sindicância decorrer a possibilidade de aplicação de penalidade de advertência ou de suspensão de até 30 dias, essa aplicação só poderá ser feita se for assegurado ao servidor, nesse procedimento, sua ampla defesa (DJ 25.06.99, p. 45, 1ª Turma).


3.A Importância da Previsão da Pena Realizada pelas Comissões

Pode-se perceber, deste modo, que quando a Administração Pública resolve abrir uma sindicância, com nomeação de três servidores estáveis (art. 149, RJU), entrega aos mesmos não só a responsabilidade de apurar os fatos, mas, principalmente, a responsabilidade de antever a penalidade que o servidor irá sofrer, sob pena de se realizar todo um procedimento sem saber a natureza e o objetivo do mesmo, gerando um trabalho inútil ou, em determinados casos, nulo.

A Constituição Federal, ao assegurar o contraditório e a ampla defesa, em processo judicial e administrativo (art. 5º, inciso LV), refere-se aos processos e procedimentos que possam gerar limitação da liberdade ou do patrimônio de alguém em função de uma imputação por ter cometido algum ato punido pela lei, daí porque utiliza a expressão "aos acusados em geral". Tanto é verdade que o STF, desde há muito tempo, já disse que não há contraditório e nem ampla defesa no Inquérito Policial, uma vez que aqui não há acusação contra ninguém.

Na sindicância, da mesma forma, não há, via de regra, acusação contra o servidor público, e sim investigação, afastando o contraditório e a ampla defesa. Porém, quando a sindicância for acusatória, isto é, resultar punição (advertência e suspensão de até 30 dias), haverá, evidentemente, uma acusação, ganhando força a norma constitucional do inciso LV do art. 5º, que assegura a ampla defesa e o contraditório.

Portanto, se a sindicância, depois de todo o trabalho investigativo, revelar que a punição que o servidor deverá sofrer será apenas de advertência ou de suspensão de até 30 dias, tais punições não poderão ser aplicadas se no decorrer do processo não tiverem sido garantidos o contraditório e a ampla defesa, forçando a comissão a relatar e indicar a abertura de outro procedimento, agora o processo administrativo disciplinar. Caso contrário, em se advertindo o servidor ou impondo ao mesmo suspensão de até 30 dias, após uma sindicância investigativa, haverá, com certeza, nulidade.

Não custa lembrar que a sindicância poderá gerar, além da advertência e da suspensão de até 30 dias, também a reposição e a indenização ao erário, nos termos do art. 46, da Lei 8112/90, com redação dada pela MP 2.225-45/2001, a exoneração do servidor em estágio probatório, e, em alguns casos, a desclassificação do candidato depois da investigação da sua visa social, nos concursos públicos, se o órgão público federal entender por bem realizar a sindicância para tais fins. Observa-se que, em muitos casos, a sindicância é aberta e desenvolvida como se fosse processo administrativo disciplinar, daí a razão de inexistência de nulidade, se garantidos o contraditório e a ampla defesa, como adiante demonstrado.

Como, neste contexto, a comissão de sindicância saberá, desde o início, se o procedimento será de acusação ou apenas de investigação? Na verdade, a própria comissão é quem dará a roupagem do procedimento, a partir de uma análise, sensata e razoável, dos fatos a serem investigados, prevendo, após tal análise, se os mesmos revelam falta leve ou grave, isto é, se os fatos a serem revelados a contento sujeitarão o servidor acusado apenas em advertência ou suspensão de até trinta dias, ou em suspensão maior que trinta dias, demissão, cassação da aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão ou de função comissionada (art. 127, II a VI).

Quando a comissão for instituída, a primeira atitude dos seus membros, então, será a realização de uma reunião, onde será debatida, entre outras coisas, a tipificação da conduta do servidor, como se os fatos a serem investigados realmente aconteceram da forma como os indícios apontam. Se eles chegarem à conclusão que os fatos a serem investigados revelam uma conduta leve, que possibilitará à autoridade competente aplicar apenas uma advertência ou uma suspensão mínima, de no máximo 30 dias, começarão a tratar o procedimento como se fosse também de acusação, e não de investigação tão somente.

Nesta reunião, os servidores públicos, membros da Comissão, analisando os fatos, deverão levar em consideração "a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais" (art. 128, Lei 8.112/90), lembrando que a advertência será aplicada nos casos dos incisos I a XIX do art. 117, e de inobservância de dever funcional por ventura previsto em outra lei, regulamento ou em norma interna do órgão, que não justifique a imposição de penalidade mais grave (art. 129), e a suspensão será aplicada em caso de reincidência das faltas punidas com advertência e de violação das demais proibições que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de demissão (art. 130).

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Vale lembrar, por oportuno, que tal reunião deverá atender o disposto no §2º do art. 152, Lei 8.112/90: deverá ser registrada em uma ata, com detalhamento das deliberações adotadas. Entre as deliberações, deverá mencionar a conclusão de que os fatos possibilitam apenas a aplicação de advertência ou suspensão de até 30 dias no servidor.

A conclusão, então, mudará completamente a atitude da comissão, pois terão seus membros a consciência de que, a partir de então, deverão atuar não só como investigadores, mas também como acusadores, dando oportunidade para efetivação do contraditório e da ampla defesa. Para tal efetivação, a comissão deverá, por exemplo, citar o servidor acusado do ato de instauração, intimá-lo para as audiências de inquirição de testemunhas e para as perícias, além de intimá-lo, antes do relatório, para apresentar defesa, dando-lhe vistas do processo, na própria repartição.

Importante lembrar, por oportuno, e para o fim de evitar nulidades, que a comissão, após se reunir e verificar que a sindicância será punitiva, deverá verificar os termos da portaria instauradora da sindicância, pois a autoridade competente, certamente, fará uma evasiva descrição dos fatos, própria para a sindicância investigativa. Neste caso, no despacho para a citação do servidor acusado, a comissão deverá ter o cuidado e detalhar um pouco mais os fatos, para que o acusado saiba, formalmente, com mais nitidez, do que se trata a sindicância e o real grau do seu envolvimento. Na citação, então, deverá ser dada ao servidor acusado a consciência dos fatos que está envolvido, sem necessidade, entretanto, da tipificação, pois o servidor irá se defender dos fatos imputados, e não da tipificação.

Se a comissão, por outro lado, chegar à conclusão de que os fatos revelam uma falta funcional mais grave, isto é, se ensejarem suspensão de mais de 30 dias ou demissão (arts. 130 e 132), obviamente que o procedimento será, de fato e originalmente, investigativo, afastando qualquer formalidade e dando à comissão a liberdade de trabalhar sem a presença do servidor acusado e sem dar atenção às eventuais alegações escritas do mesmo, podendo inclusive mandar desentranhá-las.

Evidentemente que não há qualquer impedimento legal de realizar uma sindicância investigativa sobre fatos que podem gerar punição advertência ou suspensão de até trinta dias, desde que tal sindicância sirva, apenas, para instruir o futuro processo administrativo disciplinar, e não para aplicar qualquer penalidade.

O impedimento, no entanto, será de ordem econômica, pois seria realmente um desperdício constituir uma comissão de sindicância, retirar os servidores das suas funções, gastar com papéis, tintas de impressoras, ocupação de salas, computadores e carros oficiais, pagamento de diárias etc., para novamente realizar outro procedimento, com os mesmos ou maiores gastos, sem que este novo procedimento fosse necessário e muito menos obrigatório.

Se a sindicância for suficiente para aplicar as penalidades de advertência e suspensão de até 30 dias, seria razoável realizar apenas um procedimento, com garantia do contraditório e da ampla defesa, e não mais outro, com o mesmo objetivo.

Apesar da afirmação de que o impedimento será apenas de ordem econômica, necessário lembrar que o princípio da eficiência, agora instado ao nível constitucional pela EC 19/98 (art. 37, caput, CF/88), claramente obriga o servidor público a agir para conseguir resultados, e ainda sem grandes gastos. O princípio da eficiência, por assim dizer, impõe a otimização dos serviços públicos, de modo que, por princípio, é correto falar que a comissão de sindicância está obrigada a antever a punição que o servidor acusado irá sofrer e, a partir de então, realizar um procedimento investigatório ou acusatório. Não custa lembrar que violar um princípio é mais grave que violar uma regra, pois o violador estará desconsiderando uma ordenação legítima de todo o sistema, subvertendo os maiores valores do ordenamento jurídico, aceitos e englobados justamente no princípio.

Pode-se afirmar, então, que o exercício de prever a pena, por parte dos membros da comissão de sindicância, é uma imposição constitucional, derivada do princípio da eficiência.


4.Os Efeitos da Previsão da Pena

As comissões processantes das sindicâncias e dos processos administrativos disciplinares, no âmbito federal, deverão ser compostas de três membros estáveis, sendo que, sendo o servidor público acusado portador de curso superior, deverá o presidente da comissão também ser portador, no mínimo, de curso superior; se o servidor acusado for chefe, o presidente também deve ser; se tiver apenas o 2º grau completo, da mesma forma o presidente (art. 149).

No caso de sindicância, a jurisprudência já firmou o entendimento de que não há necessidade da comissão ser composta de três membros estáveis, e nem do mesmo nível hierárquico ou de escolaridade do servidor acusado. Da mesma forma, está pacificado que no ato de instauração da sindicância, não há necessidade de indicação detalhada dos fatos a serem apurados, e muito menos a tipificação dos mesmos.

Pergunta-se, então: sendo a sindicância acusatória (ou punitiva), haveria necessidade da comissão ser composta de três membros estáveis e ainda por presidente no mesmo ou superior nível hierárquico ou de escolaridade que o servidor acusado? E em relação à instauração da sindicância: seria necessário detalhar os fatos e tipificá-los?

A Lei 8.112/90, em nenhum momento, diz ser possível compor a comissão de sindicância por apenas dois membros, ou a própria realização dela por apenas uma só pessoa, ou ainda a desnecessária presença do presidente com o mesmo ou superior nível do acusado. No entanto, todos os manuais de órgãos públicos, e copiosa doutrina a respeito, deixam aberta a possibilidade da Administração Pública, por meio da autoridade competente, instaurar a sindicância e atribuir os trabalhos para apenas um servidor, ou para uma comissão formada só por dois servidores e até sem necessidade do presidente ter nível de escolaridade e hierarquia igual ou superior ao do acusado.

O motivo de tal possibilidade está no fato de que o art. 149 impõe a presença de três servidores estáveis, e com o presidente no mesmo ou superior nível, para o processo administrativo disciplinar, e não para a sindicância. Porém, o maior fundamento para tal possibilidade, sem dúvida, está no fato de que a sindicância é um procedimento meramente investigativo, sem contraditório, sem ampla defesa, sem partes, sem acusação e sem possibilidade de gerar punição. Isto é: a jurisprudência e a doutrina consideram possível a sindicância ser levada adiante só por um servidor, ou por uma comissão formada por apenas dois, e sem a necessidade do nível igual ou superior ao acusado, porque ela é, via de regra, investigatória.

Como vimos, entretanto, a sindicância punitiva não se consubstancia (ou não deveria se consubstanciar) em procedimento sem ampla defesa e contraditório, de modo que força uma nova interpretação sobre as formalidades a respeito da constituição da comissão: para realidades diferentes, procedimentos diferentes.

Para a análise da questão, essencial analisar sistemática e teleologicamente o art. 149 da Lei 8.112/90 e, precipuamente, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, diante da ausência de solução legal específica.

O art. 149 da Lei 8112/90, ao exigir a composição da comissão do processo administrativo disciplinar por, no mínimo, três membros estáveis, sendo o seu presidente do mesmo ou superior nível escolar ou hierárquico do servidor acusado, baseou-se no fato de que tal processo serve para aplicar penalidade, mas também no fato de que tais penalidades são mais sérias. Deste modo, não é correto imaginar que a sindicância, quando for acusatória, forçando o contraditório e a ampla defesa, por possibilitar a aplicação das penalidades de advertência e suspensão de até 30 dias, deveria ser formalizada da mesma forma que a comissão do processo administrativo disciplinar. E não é correto porque a intenção da lei, ao prever maior formalidade para a comissão dos processos administrativos disciplinares, não levou em consideração apenas e tão somente a possibilidade de punição, mas também a gravidade delas. Ademais, é a própria Lei 8.112/90 que deseja uma apuração rápida e eficiente para faltas funcionais leves, pois estabelece um prazo prescricional bem mais curto (art. 142, II e III), deixando evidente que o tratamento da sindicância, mesmo punitiva, e o do processo administrativo disciplinar, devem ser diferentes, apesar de ambos ensejarem punição ao servidor.

É preciso não olvidar, por outro lado (e ainda corroborando a possibilidade de apenas dois servidores estáveis comporem a comissão de sindicância punitiva), que a efetivação da ampla defesa e do contraditório, neste tipo de sindicância, não precisa ser tão rigorosa quanto no processo administrativo disciplinar. O Tribunal Regional da 1ª Região, por exemplo, entendeu que a referida efetivação será conseguida apenas com a intimação do servidor acusado para se defender:

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SINDICÂNCIA. LEI Nº 8.112/90, ART. 151. INAPLICABILIDADE. AMPLA DEFESA. SATISFAÇÃO. INDICIAÇÃO DO SERVIDOR, ESPECIFICAÇÃO DOS FATOS E PROVAS. DETERMINAÇÃO QUE SE REFERE AO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PRAZO PARA CONCLUSÃO EXTRAPOLADO. MEMBROS DA COMISSÃO. RESPONSABILIDADE. MÉRITO DAS INVESTIGAÇÕES. EXAME. IMPOSSIBILIDADE. 1. A sindicância constitui um procedimento simples - se comparada ao processo administrativo disciplinar -, destinado à aplicação de pena mais branda (suspensão até 30 dias). Logo, não está sujeita à observância de todas as fases descritas nos incisos do art. 151 da Lei nº 8.112/90 e nem, conseqüentemente, ao rito inerente a cada uma delas. 2. A intimação do servidor para se defender é suficiente para se considerar satisfeito o princípio da ampla defesa. Logo, é constitucional a imposição ao Impetrante da pena de suspensão de 30 dias, prevista no art. 145, II da Lei nº 8.112/90, por meio de sindicância. 3. Nos termos do disposto no art. 161, caput, da Lei nº 8.112/90, "tipificada a infração disciplinar, será formulada a indiciação do servidor, com a especificação dos fatos a ele imputados e das respectivas provas." Este dispositivo legal se refere ao inquérito, segunda fase do processo administrativo disciplinar, e não à sindicância. 4. "A extrapolação do prazo para a conclusão do processo administrativo não gera qualquer conseqüência para a validade do mesmo, podendo importar, porém, em responsabilidade administrativa para os membros da comissão" (STJ, ROMS 6.675/PR. Rel. Min. Anselmo Santiago, 6ª Turma, DJU de 12/04/99). 5. Questões relativas à responsabilidade pela publicação de matéria jornalística e outras atinentes ao mérito das investigações não podem ser examinadas em mandado de segurança, cujo rito não admite dilação probatória. 6. Apelação a que se nega provimento (TRF da 1ª Região, AMS – Apelação em Mandado de Segurança n. 1285324/MA, 1ª Turma Suplementar, DJ de 20.10.2001, p. 214, Rel. Juiz Ricardo Machado Rabelo, v. u. Grifos sem originalidade)

Sendo assim, não é correto interpretar diferentes situações para impor a mesma solução. Inexiste, no caso, a mesma ratio. A comissão de sindicância, então, mesmo sendo ela punitiva, poderá sim ser formalizada com apenas dois membros, ratificado pela inexistência legal de composição de três membros, já que a sindicância punitiva visa aplicar penalidade leve, depois de investigar, também, faltas funcionais leves.

Temos, ainda, que no processo administrativo também vige o formalismo moderado e a instrumentalidade das formas, de modo que é correto aceitar uma comissão de sindicância punitiva formada por apenas dois servidores, sendo um estável e o outro, seu presidente, com nível de escolaridade e hierarquia igual ou superior do servidor acusado. Neste sentido, o STJ já se posicionou:

RMS - ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - FISCAL DE TRIBUTOS - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - EXTRAPOLAÇÃO DO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DO RELATÓRIO FINAL - NULIDADE DO PROCESSO - NÃO OCORRÊNCIA - PRESCRIÇÃO PUNITIVA AFASTADA - CONJUGAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. 1 - O princípio da instrumentalidade das formas, no âmbito administrativo, veda o raciocínio simplista e exageradamente positivista. A solução está no formalismo moderado, afinal as formas têm por objetivo gerar segurança e previsibilidade e só nesta medida devem ser preservadas. A liberdade absoluta impossibilitaria a seqüência natural do processo. Sem regras estabelecidas para o tempo, o lugar e o modo de sua prática. Com isso, o processo jamais chegaria ao fim. A garantia da correta outorga da tutela jurisdicional está, precisamente, no conhecimento prévio do caminho a ser percorrido por aquele que busca a solução para uma situação conflituosa. Neste raciocínio, resta evidenciada a preocupação com os resultados e não com formas pré estabelecidas e engessadas com o passar dos tempos. 2- Neste contexto, despicienda a tentativa de anular todo o processo com base na existência de nulidade tida como insanável. A dilação do prazo para entrega do relatório final, em um dia, se deu por conta da complexidade do processo em testilha, oportunidade em que devem ser conjugados os princípios da razoabilidade e instrumentalidade das formas. 3 - Ademais, restando afastada a prescrição punitiva, não há que se falar em nulidade do processo administrativo, afinal "a extrapolação do prazo para a conclusão do processo administrativo não gera qualquer conseqüência para a validade do mesmo, podendo importar, porém, em responsabilidade administrativa para os membros da comissão". Precedentes (RMS 6.757 - PR; RMS 10.464 - MT; RMS 455 - BA e RMS 7.791 - MG). 4 -Recurso conhecido, mas desprovido (STJ, ROMS 8005/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 02.05.2000, p. 150, votação unânime, in JSTJ 17/353. Grifamos)

Ainda existe outro argumento para possibilitar a formação da comissão de sindicância punitiva por apenas dois membros. No processo administrativo disciplinar, de uma forma geral, também vige o princípio do prejuízo, indicando haver nulidade apenas quando a defesa realmente sofrer prejuízo. É a adoção do significado francês "pas de nullité sans grif". Neste sentido:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA - ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – EFEITO INFRINGENTE – EXCEPCIONALIDADE – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - OBSERVÂNCIA - DEFENSOR DATIVO - SERVIDOR IMPEDIDO DE ADVOGAR CONTRA ENTE PÚBLICO - MÚNUS PÚBLICO - ATUAÇÃO RESTRITA AO INTERROGATÓRIO - PREJUÍZO NÃO COMPROVADO. I- Os embargos de declaração devem atender aos seus requisitos, quais sejam, suprir omissão, contradição ou obscuridade. Os efeitos modificativos somente são concedidos ao recurso integrativo em casos excepcionalíssimos, respeitando-se, ainda, os indispensáveis contraditório e ampla defesa. II - O fato de defensor dativo possuir impedimento para advogar contra o Poder Público não gera a nulidade de processo administrativo disciplinar, já que a sua atuação decorre de múnus público. In casu, a atuação da defensora circunscreveu-se, apenas, em acompanhar o indiciado, também Bacharel em Direito, no interrogatório. III - A declaração de nulidade de ato processual exige a respectiva comprovação de prejuízo. Havendo prova robusta do respeito aos princípios constitucionais fundamentais ao caso, devido processo legal, contraditório e ampla defesa, descabida a anulação do compêndio. Aplicável, à espécie, o princípio do "pas de nullité sans grif". IV - Embargos de declaração parcialmente acolhidos, conferindo-lhes o excepcional efeito infringente, para negar provimento ao recurso ordinário. (STJ, EDROMS 10264/PE, DJ 07.10.2002, p. 273, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma. Grifamos. No mesmo sentido, MS 7157/DF, DJ de 10/03/2003, p. 82, Rel. Min. Gilson Dipp, 3a Seção; ROMS 11782/MG, DJ de 18/03/2002, p. 274, Rel. Min. Gilson Dipp, 5a Turma; ROMS 10574/ES, DJ 04.02.2002, p. 414, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª Turma).

Sem grande esforço, pode-se vislumbrar que a ampla defesa e o contraditório, na sindicância punitiva, não serão afetados pela falta de um terceiro membro estável na comissão, sem esquecer que a penalidade é leve.

Como se vê, a manutenção de uma sindicância punitiva por apenas dois servidores estáveis, sendo o seu presidente com o mesmo ou superior nível do servidor acusado, não haverá qualquer problema para atingir os fins da sindicância, sendo uma forma moderadamente considerada para conseguir os objetivos, especialmente para assegurar a ampla defesa e o contraditório. Conclusão diversa ofende o formalismo moderado, e chega às raias do positivismo e da formalidade absolutos.

No entanto, a conclusão não pode ser a mesma no que tange à possibilidade ou não da comissão de sindicância punitiva ser formada por apenas um servidor ou ainda por um presidente com menor nível hierárquico ou escolar que o servidor acusado. A conclusão é diferente porque, aqui, incidem os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, além do princípio específico do Direito Administrativo, que é o da hierarquia.

Realmente, não é razoável imaginar um servidor, sozinho, levar adiante um procedimento (sindicância acusatória), contra outro servidor público, podendo gerar uma punição, mesmo sendo apenas uma sindicância, porque, apesar de sindicância, ela é punitiva. Válida a lembrança de que o princípio da razoabilidade, que tem assento na análise substancial do devido processo legal, também foi adotado expressamente para a Administração Pública, especialmente no que tange aos processos administrativos, nos termos do art. 2º da Lei 9.784/99. Não foi por outro motivo que a própria Lei, no parágrafo único do mesmo art. 2º, incisos II, VI e XIII, diz que nos processos administrativos os fins de interesse geral deverão ser atendidos, sempre com adequação entre os fins e os meios e interpretação da norma administrativa da melhor forma para atender o fim público a que ela se dirige.

Ora, não há como atender ao princípio da razoabilidade se um único servidor leva adiante um procedimento contra outro servidor, com a possibilidade deste ser punido, uma vez que é da própria lógica do sistema impedir que apenas um servidor seja responsável por tais procedimentos. Além de caracterizar uma afronta pessoal, não haveria controle algum e muito menos possibilidade de debate entre aqueles responsáveis pelo procedimento, ferindo o interesse geral e afastando a adequação entre o fim do procedimento com o meio utilizado.

Da mesma forma, não é razoável imaginar este mesmo procedimento sendo presidido por um servidor de nível hierárquico inferior ou de nível de escolaridade abaixo do servidor acusado, mesmo sendo, repita-se, uma sindicância. Além de irrazoável, será ofensivo ao princípio da hierarquia, que deve permear toda a Administração Pública, sendo base para a existência desta, lembrando que a hierarquia preserva também a imparcialidade, a independência e o bom nível das decisões administrativas.

Neste sentido, o STJ, mesmo em se tratando de processo administrativo disciplinar, já teve a oportunidade de destacar a importância do princípio da hierarquia:

ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - PROCURADOR AUTÁRQUICO – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR - COMISSÃO - CONSTITUIÇÃO IRREGULAR (ARTS. 149, C/C 150, LEI 8.112/90) - NULIDADE. 1 - É nulo o processo administrativo disciplinar cuja comissão seja constituída por servidores que, apesar de estáveis, não sejam de grau hierárquico superior ou igual ao indiciado. Preserva-se, com isso, o princípio da hierarquia que rege a Administração Pública, bem como a independência e a imparcialidade do conselho processante, resguardando-se, ainda, a boa técnica processual. Inteligência dos arts. 149 e 150, ambos da Lei nº 8.112/90, com as alterações trazidas pela Lei nº 9.527/97. 2 - Recurso conhecido, porém, desprovido (STJ, REsp. 152224/PB, DJ 07.08.2000, p. 126, Rel. Min. Jorge Scartezzini, in RSTJ 137/564. Sublinhamos).

Em relação à imputação contida no ato de abertura da sindicância, vale ressaltar, novamente, que é pacífico na jurisprudência que nem mesmo na Portaria de instauração do processo administrativo disciplinar, existe necessidade de descrição pormenorizada dos fatos, bastando uma indicação geral, desde que se identifique os seus membros e os qualifique, uma vez que o momento correto para a descrição mais detalhada dos fatos e a tipificação está na segunda fase do processo administrativo disciplinar, que é o indiciamento, nos termos do art. 161 da Lei 8.112/90.

Sendo assim, com muito mais razão, existe a desnecessidade de tipificação e descrição específica dos fatos, no ato da instauração da sindicância. Repita-se, entretanto, que este raciocínio parte da premissa de que a sindicância será meramente investigativa, havendo ainda um outro aspecto a se considerar: na sindicância, seja ela punitiva ou investigativa, não há uma segunda fase para se realizar o indiciamento. Como se vê, novamente torna-se imprescindível uma nova abordagem sobre a formalidade do ato de instauração da sindicância punitiva/acusatória.

Já foi lembrado, alhures, que a autoridade competente, ao instaurar a comissão de sindicância, não tem a mínima idéia se ela será punitiva ou investigativa, cabendo tal roupagem aos membros da comissão, daí porque existe a necessidade destes se reunirem para disporem a respeito. Assim, a autoridade competente, ao baixar portaria instaurando a sindicância e nomeando os membros da comissão, não poderá optar entre uma descrição pormenorizada ou uma mais generalizada, como só acontecer em grande parte dos casos.

Diante da descrição generalizada, pergunta-se: tomando a sindicância a roupagem de punitiva, haveria necessidade de descrição pormenorizada na portaria de abertura, à guisa de respeito à ampla defesa e ao contraditório?

Entendemos que não. Já foi afirmado que a ampla defesa e o contraditório, no âmbito da sindicância, seja ela punitiva ou investigativa, não se efetiva com rigor tão formal quanto no processo administrativo disciplinar, porque aqui, diferente de lá, apura-se faltas funcionais mais graves, além de haver um rito predeterminado e mais definido que na sindicância. Neste diapasão, não custa lembrar que seria impossível, para a autoridade competente, fazer a opção entre uma descrição mais detalhada dos fatos, verdadeira imputação, e entre outra, mais generalizada, se não será ela a responsável pela classificação da sindicância em punitiva ou investigativa. Seria impossível para ela, então, fazer desde logo a imputação, para garantir a ampla defesa e o contraditório.

Como proceder, então, para assegurar estas garantias constitucionais, no caso? Como foi dito, se a comissão, após a discussão do caso, entender por bem processar a sindicância como se punitiva fosse, deverá, logo após tal decisão, mandar citar o servidor acusado, e na citação deverá conter uma descrição mais detalhada dos fatos que eles julgaram ensejadores da punição de advertência ou suspensão de até 30 dias. Sendo assim, deverá constar na notificação (sic: citação), que o servidor deverá comparecer para se defender dos fatos mencionados, isto é, deverá dar conhecimento ao servidor, logo no início do procedimento, por meio da citação, quais os fatos que serão investigados e provavelmente punidos, uma vez que na Portaria de abertura da sindicância não existirá parâmetros para o servidor se defender.

Neste caso, não há necessidade de apontar os dispositivos legais, porque o servidor acusado se defenderá dos fatos, e não dos dispositivos, até mesmo porque os dispositivos legais não indicam qual foi a conduta. É uma parêmia do Direito Processual Penal que cabe perfeitamente no Direito Administrativo Disciplinar: o réu se defende dos fatos narrados, e não dos dispositivos penais apontados.

Só resta lembrar, finalmente que, mesmo a comissão dê a roupagem, desde o início, da sindicância como se fosse ela punitiva, poderá ocorrer duas situações: a) descobre-se, na instrução do procedimento, que o servidor, além da falta funcional que poderá ser punida com advertência ou suspensão de até 30 dias, também cometeu outra falta funcional que poderá ser punida mais gravemente; b) descobre-se que a falta funcional investigada é mais grave do que a originalmente imaginada.

Na primeira hipótese, a comissão deverá indicar a punição de advertência ou suspensão de até 30 dias, para a falta funcional que era objeto do procedimento, e indicar, também, a abertura do processo administrativo disciplinar para a outra falta funcional verificada.

Na segunda, deve-se abrir um parênteses: se todo o procedimento foi realizado como se fosse, por tudo, um processo administrativo disciplinar (com ampla defesa e contraditório, com três servidores estáveis, sendo seu presidente com mesmo ou maior nível que o servidor acusado, dentro dos prazos legais, interrogatório após a inquirição das testemunhas, com inquérito e indiciamento, nos termos dos arts. 148 e ss., o que dificilmente acontece), é razoável entender que a autoridade competente poderá considerar aquela denominação "sindicância" errônea, pois na verdade ocorreu um processo administrativo disciplinar, e passar à fase de julgamento, conforme arts. 167 e seguintes da Lei 8.112/90. Porém, na hipótese mais corriqueira (quando a sindicância punitiva não foi levada como se fosse processo administrativo disciplinar, com todas as suas peculiaridades), e dentro da hipótese "b" acima, a comissão deverá indicar a realização do processo administrativo disciplinar, mesmo tendo sido dada a ampla defesa e o contraditório na sindicância.

Sobre o autor
Bruno Cezar da Luz Pontes

analista processual do Ministério Público Federal de Goiás, advogado, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PONTES, Bruno Cezar Luz. A sindicância e a importância da previsão da pena. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 122, 4 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4240. Acesso em: 23 dez. 2024.

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