A maioria das pessoas se preocupa com a imagem estética e com a autoestima. Para isso, frequentemente, faz uso de tratamento facial, capilar, corporal, dentre outros, com o propósito de atingir a beleza esperada, minimizando marcas de expressões e pequenas imperfeições.
No entanto, até onde a empresa fornecedora do cosmético responde pelo tratamento proposto e pelo resultado não esperado pelo consumidor?
O Poder Judiciário enfrenta ações dessa natureza com certa frequência, em especial quando o consumidor relata que, logo após fazer uso de determinado produto/cosmético, o resultado esperado não apenas deixou de ser alcançado, como surgiram reações adversas, a ponto de lhe causar dano de ordem material, moral e estético.
Como distinguir, por exemplo, uma reação alérgica pontual de um vício do produto/cosmético? O Código de Defesa do Consumidor dispõe, em seu artigo 14, que “O fornecedor de serviço responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
A responsabilidade do fornecedor é objetiva, de modo que, uma vez demonstrado o dano e o nexo de causalidade entre o dano e o serviço colocado à disposição do consumidor, aquele é responsável, exceção feita às hipóteses de excludentes, previstas no artigo 12, parágrafo 3º, do Código de Defesa do Consumidor.
O dano, no mais das vezes, é visível. A partir de então, necessária a realização de prova pericial médica e química - no caso dos cosméticos - para aferir o porquê do dano e qual sua causa. Há (ou não há) uma excludente de responsabilidade do fornecedor?
Atenção! A prova pericial é imprescindível para solução de demandas desta natureza, razão pela qual, por incompatibilidade de Rito, as ações, necessariamente, devem ser distribuídas na Justiça Comum e não nos Juizados Especiais Cíveis[1].
Feito referido parêntese, se a prova pericial não concluir pelo vício do produto/cosmético, o fabricante não será responsabilizado, eis que presente a hipótese prevista no artigo 12, parágrafo 3º, inciso II, do CDC, qual seja: “que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste”.
Importante considerar que, em alguns casos, a prova pericial conclui que o cosmético não apresenta irregularidade/vício, mas sim uma incompatibilidade específica com o tipo de pele do consumidor, que pode ser resultante de fator genético, hormonal, emocional, dentre outros. Estar-se-ia, portanto, diante de uma hipersensibilidade pessoal, que não se espera para a maior parte da população e, por consequência, presente a hipótese de excludente acima mencionada.
Neste sentido:
“Ação de indenização por danos materiais e morais. Danos causados à pele, após uso de creme facial. Sentença de procedência. Reforma. Na dermatite alérgica a anormalidade não é do alérgeno (substâncias capazes de provocar alergias) e sim da resposta do organismo do indivíduo, ao produto e que se manifesta de forma desproporcional a este. Reação causada por hipersensibilidade individual, sem que tal fato possa ser imputado ao produto ou ao fornecedor. Ausência de provas de que a ré descumpriu com o dever de informação. Danos materiais e morais não comprovados. Indenizações afastadas. Inversão do ônus da sucumbência. Recurso provido”. (g.n.) (TJ-SP, Apelação nº 0115378-14.2008.8.26.0005, Rel. Dr. Edson Luiz de Queiroz, j. 30/03/2015)
“Responsabilidade civil. Indenização por danos materiais e morais. Reação alérgica a produto cosmético. Ausência de demonstração do nexo de causalidade entre o dano e o suposto defeito no produto. Improcedência mantida. Recurso a que se nega provimento”. (g.n.) (TJ-SP, Apelação nº 0103188-33.2005.8.26.0002, Rel. Dr. Mauro Conti Machado, j. 30/06/2015)
Assim é que, se o conjunto probatório for apto a demonstrar que o dano experimentado pelo consumidor não foi causado por vício do produto, ou se é resultante de uma hipersensibilidade individual, ausente o nexo causal e, portanto, presente a hipótese de excludente de responsabilidade do fornecedor.
Importante trazer à baila os ensinamentos do doutrinador Sílvio Ferreira da Rocha, afirmando que “na valoração do caráter defeituoso do produto deve-se atender não só as expectativas subjetivas da vítima, à segurança com que ela pessoalmente contava, mas às expectativas objetivas do público em geral, isto é, a segurança esperada e tida por normal do tráfico do respectivo setor de consumo” (Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no Direito Brasileiro, RT, p. 93).
Conclui-se, portanto, que, uma vez ausente o nexo causal, não há falar em indenização por dano material, moral e/ou estético.
A expectativa de segurança que se espera de um cosmético é pautada em um resultado abrangente, relacionado à maior parte da população, vejamos:
“Indenização por danos morais, materiais e estéticos. Autora que utilizou produto para "relaxamento" de cabelos. Hipersensibilidade ao produto. Característica pessoal do consumidor. Alerta de precaução na bula em relação a possível irritação do couro cabeludo e indicação da forma correta de sua utilização. Observância às determinações do CDC. Falha do produto não demonstrada. Ausência de comprovação do dano sustentado. Condição particular que não se mostra suficiente a atribuir responsabilidade pelo dano experimentado pela consumidora. Ausência de defeito ou vício no produto. Dano moral não caracterizado. Sentença devidamente fundamentada. Motivação do decisório adotada como julgamento em segundo grau. Inteligência do art. 252 do RITJ. Recurso não provido”. (g.n., Apelação nº 0009172-10.2006.8.26.0566-TJ/SP, Rel. Dr. Edson Luiz Queiroz, j. 11/05/5015)
“RESPONSABILIDADE CIVIL Fato do produto Alegação de reação alérgica e prejuízo econômico após uso de óleo vitaminado Inexistência de defeito do produto Hipersensibilidade pessoal da autora a determinado componente do cosmético não é passível de configurar ato ilícito ou de gerar direito à indenização Informações e advertências adequadas ao consumidor Ausência dos pressupostos da responsabilidade civil Ação improcedente Recurso provido” (g.n., Apelação nº 0008814-16.2008.8.26.0068, TJ-SP, Rel. Dr. Francisco Loureiro, j. 05/03/2015).
O que se espera de um produto cosmético é que não haja reação adversa por falta de qualidade, até porque são realizados testes dermatológicos e obtidos certificados junto a ANVISA e ao Ministério da Saúde.
Todavia, casos pontuais e inesperados podem ocorrer e, nestas hipóteses, apenas a prova pericial terá o condão de dirimir a questão e apurar se o produto é (ou não) impróprio ao consumo, se apresenta (ou não) vício em sua composição ou se o dano é decorrente de uma hipersensibilidade individual.
O Código de Defesa do Consumidor determina que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não poderão acarretar riscos à saúde e segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e aceitáveis (artigo 9°, do CDC). Rizzato Nunes, em sua obra Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 4ª edição, Editora Saraiva, p. 161, define o “risco norma e previsível” como “A norma está, de fato, tratando de expectativa. Uma espécie de expectativa tanto do consumidor em relação ao uso e consumo regular de algum produto ou o serviço quanto do fornecedor em relação ao mesmo aspecto. A lei aqui se refere à normalidade e previsibilidade do consumidor em relação ao uso e funcionamento rotineiro do produto ou serviço (...)”.
Conclui-se, portanto, que se o produto cosmético não apresenta vício ou defeito, bem assim, se a reação adversa (como alergia, irritação, dentre outras) foi causada por hipersensibilidade individual do consumidor, a fabricante não deve ser responsabilizada e qualquer pedido de natureza indenizatória deve ser rechaçado pelo Poder Judiciário.
Nota
[1] Agravo de Instrumento (TJ-SP), Processo nº 2068056-32.2015.8.26.0000, Rel. Dr. Nogueira Diefenthaler, julgado em 22/07/2015.