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A inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante no Direito brasileiro

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Agenda 02/10/2003 às 00:00

Os que são favoráveis ao efeito vinculante na verdade desejam fechar o Poder Judiciário às lutas populares, desejam acabar com o avanço dos direitos fundamentais e, sobretudo, transformar o Judiciário em mero "braço" do Poder Executivo, convalidando suas ações pouco democráticas.

Palavras-chave: Direito Constitucional; Súmula de Efeito Vinculante; Inconstitucionalidade


1.0 - Introdução

Atualmente, tramita no Congresso Nacional um projeto de emenda constitucional que visa realizar uma ampla reforma no poder judiciário brasileiro. Entre as várias propostas de mudança está a que pretende dar efeito vinculante às súmulas editadas pelos tribunais do país, "...a PEC 54/95, de autoria do Senador Ronaldo Cunha Lima, que dá nova redação ao parágrafo 2º do artigo 102 da Constituição Federal. O objetivo do autor é dar sentido uniforme à prestação jurisdicional, no País, às decisões do STF, as quais são de obediência compulsória pelos aplicadores da Lei no Poder Executivo e demais órgãos da Magistratura nacional, em qualquer grau. De acordo com o senador paraibano, o efeito vinculante evitará transtornos como o caso dos 147% dos aposentados, que recebeu decisões diferentes, mesmo após o STF ter-se pronunciado sobre o assunto." (Matéria "Propostas de reforma do Judiciário", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997.)

"Essa proposta do senador Ronaldo Cunha Lima, tencionava dar ao § 2º do artigo 102 da Constituição a seguinte redação: ‘As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, após sumuladas, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo’." (Sérgio Sérvulo da Cunha, op. cit., pág. 126).

"Dentre as propostas apresentadas pela sociedade, por entidades de classe, intelectuais e membros do Congresso Nacional para solucionar a denominada Crise do Poder Judiciário, sem dúvida alguma, a do Efeito Vinculante das Decisões Judiciais, ou, simplesmente, Súmulas Vinculantes, vislumbra-se como a mais polêmica. Porque o instituto, caso venha ser aprovado na Reforma Constitucional, através de emenda ao texto da Lei Excelsa, embora possa contribuir para o desassoberbamento do Poder Judiciário, é gerador de discussões..." (Matéria "Efeito vinculante: prós e contras", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997).

O assunto é tão polêmico que José Anchieta da Silva lembra que "...oito dos onze membros da Suprema Corte, na sua composição atual (junho de 1997) seriam favoráveis à sua adoção. Os ministros favoráveis seriam: José Paulo Sepúlveda Pertence, Sydney Sanches, Carlos Mário da Silva Vello, Nelson Azevedo Jobim, José Carlos Moreira Alves, Ilmar Nascimento Galvão, José Neri da Silveira, Luiz Octávio Pires e Albuquerque Gallotti. Contrários seriam os ministros José Celso de Melo Filho, Marco Aurélio Mendes de Faria Mello e Maurício José Corrêa. Posteriormente teria o ministro Maurício José Corrêa revisto o seu ponto de vista."[sic] (Op. cit., págs. 25 e 26).

Entre os argumentos favoráveis à adoção de tal mudança está, principalmente, a alegação de que tal medida seria capaz, entre outras coisas, de acelerar o julgamento das milhares de ações judiciais que são propostas diariamente no país, contribuindo, e muito, para a diminuição dos recursos tão comuns no judiciário nacional.

Por outro lado, existe a grande preocupação por parte dos juristas de que a adoção de tal efeito vinculante seria capaz de amordaçar os juizes de primeira instância, fazendo com que estes ficassem submissos aos órgãos superiores, o que impediria uma renovação do entendimento jurisprudencial sobre a lei brasileira, o que culminaria na estagnação do Direito nacional.

Certamente, a priori, ambos argumentos são igualmente válidos, porém, uma análise mais detida sobre o efeito vinculante das súmulas leva, certamente, à conclusão de que sua adoção pelo Direito pátrio é, sem dúvida, inconstitucional.


2.0 - Conceitos

Para a elaboração de um bom trabalho científico, o qual se pretenda compreensível, deve-se, antes de mais nada, definir o objeto em estudo, motivo pelo qual, passa-se à conceituação das chamadas súmulas de efeito vinculante.

2.1 - Súmulas

Antes de se definir súmula de efeito vinculante, é necessário que se tenha em mente o conceito de súmula.

Conforme Sérgio Sérvulo da Cunha, "...as súmulas são enunciados que, sintetizando as decisões assentadas pelo respectivo tribunal em relação a determinados temas específicos de sua jurisprudência, servem de orientação a toda a comunidade jurídica." (Op. cit., pág. 124).

Em seu Dicionário Jurídico, Maria Helena Diniz apresenta o significado de súmula: "1. Direito processual. a) Conjunto de teses jurídicas reveladoras da jurisprudência predominante no tribunal, traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados (Nelson Nery Jr.); b) resumo de decisão judicial colegiada (Othon Sidou); c) ementa reveladora da orientação jurisprudencial de um tribunal para casos análogos (Marcus Cláudio Acquaviva); d) ementa de sentenças ou acórdão (De Plácido e Silva); e) tradução de orientação da jurisprudência predominante do tribunal (José de Moura Rocha)..."[sic] (Op. cit., vocábulo "Súmula", pág. 463), e mais adiante complementa a definição ao trazer o significado de súmula da jurisprudência: "Teoria geral do direito e direito processual. 1. Norma consuetudinária que uniformiza a jurisprudência, constituindo fonte de direito, atuando como norma aplicável aos casos que caírem sob sua égide, enquanto não houver norma que os regule ou uma modificação na orientação jurisprudencial, já que é suscetível de revisão. 2. Enunciado que resume uma tendência sobre determinada matéria, decidida contínua e reiteradamente pelo tribunal; constitui uma forma de expressão jurídica, por dar certeza a determinada maneira de decidir. 3. Condensação de no mínimo três acórdãos do mesmo tribunal, adotando igual interpretação de preceito jurídico em tese, sem efeito obrigatório, mas apenas persuasivo, publicado com numeração em repertórios oficiais do órgão (Othon Sidou)."[sic] (Op. cit., vocábulo "Súmula da Jurisprudência", pág. 463).

A respeito das súmulas dispõe o regimento interno do Supremo Tribunal Federal: "Art. 102. A jurisprudência assentada pelo Tribunal será compendiada na Súmula do Supremo Tribunal Federal. § 1º A inclusão de enunciados na Súmula, bem como a sua alteração ou cancelamento, será deliberada em Plenário, por maioria absoluta. § 2º Os verbetes cancelados ou alterados guardarão a respectiva numeração com a nota correspondente, tomando novos números os que forem modificados. § 3º Os adendos e emendas à Súmula, datados e numerados em séries separadas e sucessivas, serão publicadas três vezes consecutivas no Diário da Justiça. § 4º A citação da Súmula, pelo número correspondente, dispensará, perante o Tribunal, a referência a outros julgados no mesmo sentido. Art. 103. Qualquer dos Ministros pode propor a revisão da jurisprudência assentada em matéria constitucional e da compendiada na Súmula, procedendo-se ao sobrestamento do feito, se necessário" (Conforme Sérgio Sérvulo da Cunha, op. cit., págs. 124 e 125).

Evandro Lins e Silva ensina que "para os não iniciados, para o público em geral, diremos: Súmula foi a expressão de que se valeu Victor Nunes Leal, nos idos de 1963, para definir, em pequenos enunciados, o que o Supremo Tribunal Federal, onde era um dos seus maiores ministros, vinha decidindo de modo reiterado acerca de temas que se repetiam amiudadamente em seus julgamentos. Era uma medida, de natureza regimental, que se destinava, primordialmente, a descongestionar os trabalhos do tribunal, simplificando e tornando mais célere a ação de seus juízes. Ao mesmo tempo, a Súmula servia de informação a todos os magistrados do País e aos advogados, dando a conhecer a orientação da Corte Suprema nas questões mais freqüentes. Houve críticas e resistências à sua implantação sob o temor de que ela provocasse a estagnação da jurisprudência ou que pretendesse atuar com força de lei. Seu criador, Victor Nunes, saiu a campo e, em conferências proferidas na época, explicou e deixou bem claro que a Súmula não tinha caráter impositivo ou obrigatório. Ela era matéria puramente regimental e podia ser alterada a qualquer momento, por sugestão dos ministros ou das partes, através de agravo contra o despacho de arquivamento do recurso extraordinário ou do agravo de instrumento [...] A Súmula é um valioso instrumento, que pode ser invocado pelos advogados como elemento de persuasão, mas não vincula nem mesmo os juízes de primeiro grau. Único sobrevivente dos ministros presentes à sessão de sua criação, reivindico o conhecimento da sua origem, da sua razão de ser, da sua finalidade e das suas limitações." (Matéria "Crime de hermenêutica e súmula vinculante" na Revista Consulex nº 5 de 31/5/1997).

Súmulas são, portanto, entendimentos firmados pelos tribunais que, após reiteradas decisões em um mesmo sentido, sobre determinado tema específico de sua competência, resolvem por editar uma súmula, de forma a demonstrar qual o entendimento da corte sobre o assunto, e que servem de referencial não-obrigatório a todo o mundo jurídico.

Como o direito brasileiro adota o sistema do livre convencimento fundamentado do juiz, este não está obrigado a seguir o entendimento das súmulas editadas pelos tribunais, que somente servem como orientação para os juizes, que podem, ou não, acolher tais entendimentos em seus julgados de inferior instância.

Porém, apesar de não-obrigatórias, o Código de Processo Civil, no artigo 557 (em sua nova redação dada pela lei 9.139/95), afirma que o relator pode negar seguimento a recurso "contrário à súmula do respectivo tribunal ou tribunal superior".

Sobre as súmulas, ensina Evandro Lins e Silva apud Sérgio Sérvulo da Cunha, "...a Súmula resolve com toda a rapidez os casos que sejam repetição de outros julgados, por simples despacho de poucas palavras do relator [...] A ausência de súmulas retira do julgador o instrumento para solucionar, de imediato, o recurso interposto ou a ação proposta. Por outro lado os tribunais e juízes inferiores que, de regra e geralmente, utilizam as súmulas como fundamento de suas decisões, não têm como se valer delas, inclusive para a celeridade de seus pronunciamentos. É muito difícil, deve ser raríssimo o caso de rebeldia contra as súmulas. Ao contrário, os juízes de segunda e primeira instâncias não apenas as respeitam, mas as utilizam, como uma orientação que muito os ajuda em suas decisões..." (Op. cit., pág. 125).

Para Larenz apud Sérgio Sérvulo da Cunha, "o juiz está na nossa ordem jurídica vinculado às leis e ao direito constitucional, mas é livre na interpretação da lei e no desenvolvimento do Direito conforme ao seu sentido. Nessa tarefa só tem de seguir a sua própria convicção, formada conscienciosamente. Daí resulta que o que pode ‘vinculá-lo’ não é o precedente enquanto tal, mas sim e só a interpretação ou concretização ‘correta’ da norma, que nele porventura se exprimam. Se a interpretação ou concretização da lei contida no precedente é correta, porém, é ponto que cada juiz há-de, em princípio, decidir por si próprio e em cada novo caso, visto que o precedente não lhe pode tirar a responsabilidade pela correção da sua decisão. O juiz não tem pois apenas o direito, está até obrigado a divergir de um precedente, sempre que chegue à convicção de que ele traduz uma incorreta interpretação ou desenvolvimento da lei, ou de que a questão, então corretamente resolvida, deve hoje - mercê de uma mudança de significado da norma ou de uma alteração fundamental das circunstâncias relevantes para a sua interpretação - ser resolvida de outro modo." (Op. cit., pág. 134).

2.2 - Súmulas de efeito vinculante

As súmulas de efeito vinculante, são as mesmas súmulas editadas pelos tribunais, porém com um efeito chamado "vinculante", que torna estas súmulas obrigatórias aos juizes de instâncias inferiores ao tribunal que proferiu tal súmula.

Segundo Sérgio Sérvulo da Cunha, "...a ‘súmula vinculante’ outra coisa não é senão o velho ‘assento’, o enunciado judicial com força de lei. A única diferença está em saber se esse enunciado é emitido ao fim do julgamento de um caso ou como síntese de julgamentos idênticos proferidos em vários casos" (Op. cit., pág. 126).

Segundo definição de Maria Helena Diniz, súmula vinculante é "...aquela que, emitida por Tribunais Superiores (STF, STJ, TST, STM, TSE) após reiteradas decisões uniformes sobre um mesmo assunto, torna obrigatório seu cumprimento pelos demais órgãos do Poder Judiciário." (Op. cit., vocábulo "Súmula Vinculante", pág. 464).

Tais súmulas, portanto, vinculariam a decisão dos juizes de instâncias inferiores ao entendimento dos tribunais superiores, obrigando-os a seguirem o entendimento daqueles, uma vez que estas passariam a ter força de lei.


3.0 - Prós e Contras

Para que se possa chegar à conclusão da incosntitucionalidade do efeito vinculante no Direito pátrio, deve-se, primeiramente, analisar algumas opiniões favoráveis e outras contrárias à tal medida, motivo pelo qual passa-se à referida análise.

3.1 - Prós

Como dito logo na introdução deste trabalho, a principal característica positiva da adoção do efeito vinculante é a redução do acúmulo de processos nas instâncias superiores do Poder Judiciário, aliada a uma maior rapidez na solução dos litígios em geral.

O primeiro defensor do efeito vinculante é o ex-Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, o qual afirmou que "efetivamente, a melhor solução para a questão da sobrecarga de trabalho repetitivo nas Cortes Superiores parece residir na adoção de mecanismos de extensão de efeitos das decisões consolidadas do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, desde que se estabeleçam normas claras para revisão do entendimento eventualmente fixado. Ao contrário do que se afirma, o efeito vinculante pode se constituir em grande instrumento de democratização de Justiça à medida que permite a equalização de situações jurídicas independentemente da qualidade de defesa ou da situação peculiar de um outro litigante. Basta pensar na recente extensão dos 28% de reajuste a todo o funcionalismo federal, feita pelo Governo com base em decisão do Supremo Tribunal Federal. Quantos teriam que aguardar anos a fio para receber a vantagem, sujeitos a inúmeros percalços que poderiam inclusive comprometer o sucesso da demanda, e, com o efeito vinculante, já conseguem uma justiça pronta! Por isso, o Governo apoia a Proposta de Emenda Constitucional que está atualmente sendo apreciada pela Câmara dos Deputados, que atribui efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional..." (Entrevista - "A reforma do Judiciário segundo FHC" da Revista Consulex nº 21 de 30/9/1998)

Também são favoráveis à adoção do efeito vinculante, Ermes Pedro Pedrassani, para quem tal efeito seria capaz de reduzir os recursos repetitivos, acelerando o pronunciamento jurisprudencial, sem retirar dos juízes o poder de decidir (Conforme matéria "Tribunal Superior do Trabalho - Solução provisória para julgar resíduo", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997 além da entrevista "Passando a limpo a Justiça do Trabalho", na Revista Consulex nº 9 de 30/9/1997); o Ministro Carlos Mário Veloso, que "...sugeriu o efeito vinculante das decisões do STF (ADIn e RE) e dos tribunais superiores como medida que tornará mais ágil a Justiça..." (Matéria "Efeito vinculante: prós e contras", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997); e Antônio José M. Feu Rosa, Desembargador do TJES, para quem, tal medida encontra resistência, por ser "... medida de Justiça, beneficiando principalmente os fracos e oprimidos..." (Conforme matéria "Súmula vinculante" na Revista Consulex nº 26 de 28/2/1999).

Cumpre lembrar, ainda o Ministro Sepúlveda Pertence, apud Fernando Henrique Cardoso, que, "colocando o dedo na chaga", afirmou "...o problema do efeito vinculante não pode ser tratado como uma guerra de vaidades de juízes de uma instância contra juízes de outra; uma disputa de orgulho intelectual, mas como um problema de Justiça como serviço público e como problema de isonomia." (Entrevista - "A reforma do Judiciário segundo FHC" da Revista Consulex nº 21 de 30/9/1998).

3.2 - Contras

Conforme já salientado, uma das principais características negativas do efeito vinculante das decisões judiciais é o fato de que tais súmulas com efeito vinculante seriam capazes de "amordaçar" os juízes, sobre tudo os de primeira instância, que se veriam obrigados a acatar as decisões dos órgãos superiores, de forma que não passariam de meros aplicadores da "lei", sem possibilidade de criticar as decisões proferidas pelos escalões superiores, impedindo-se assim, a evolução do Direito nacional.

Dentre os que são contra à adoção do efeito vinculante, podemos destacar Adelardo Branco de Carvalho Júnior, Juiz de Direito da Comarca de Oliveira/MG, segundo o qual "a súmula é a extinção de instâncias, a subjugação do oxigênio jurisprudencial, exercido a partir de decisões dos juízes singulares, que habitam com seus jurisdicionados, conhecendo-lhes os nomes e as feições. Não são, os brasileiros dos pequenos centros, multidões acéfalas, informes e meros valores estatísticos. A súmula vinculante, adotada, permitiria, por exemplo, que o seqüestro de bens feito por S.Exa., o ex-presidente da República, Fernando Collor, fosse mantido. Os Srs. Ministros, no caso, entenderiam o seqüestro como necessário, do ponto de vista de Brasília." (Seção de "Cartas" da Revista Consulex nº 9 de 30/9/1997).

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Para o Ministro Marco Aurélio Melo, "a súmula vinculante apresenta mais aspectos negativos do que positivos. Cada processo é um processo e, ao apreciar o conflito de interesses nele estampado, o detentor do ofício judicante há de atuar com a maior independência possível. O homem tende à acomodação; o homem tende à generalização, especialmente quando se defronta com volume de trabalho invencível. Receio que a súmula vinculante acabe por engessar o próprio Direito..." (Em entrevista à Revista Consulex nº 10 de 13/10/1997).

Para Ronaldo Poletti, apesar dos pontos positivos, "...as dificuldades da chamada súmula vinculante, entretanto, são grandes, a par de ela consubstanciar uma cortina de fumaça, não desejável, a ocultar os verdadeiros problemas. A primeira é de ordem prática. Se os juízes continuarem a julgar contra a súmula, às partes restará, tão-somente, a reclamação ou recursos ordinários, com o que as prateleiras e os escaninhos, como Fênix ressurrecta, se preencherão, mais uma vez, com a papelada ensejada pelo nosso praxismo português..." (Idem).

Segundo Dalmo de Abreu Dalari, "a súmula vinculante é péssima em termos de evolução do Direito. Tenho um caso, parte da minha experiência pessoal, que é muito ilustrativo da necessidade que nós temos da possibilidade de divergir, que mostra como, através da jurisprudência – jurisprudência tímida do início –, às vezes através de um voto divergente, se vai abrindo a possibilidade de uma concepção nova, que acaba, no final, mudando toda a jurisprudência, pode mudar até a legislação e mesmo a Constituição do país. O caso de que participei, como advogado, é o seguinte: fui procurado por uma mulher modesta, e isso aconteceu mais ou menos há 40 anos, e essa mulher tinha convivido com um operário durante mais de 30 anos. E vivendo juntos, trabalhando, fizeram um patrimônio que consistia em uma casa modesta que era o patrimônio do casal e onde eles moravam. Quando morreu esse operário, sua companheira que vivia dentro da casa e precisava da mesma porque era o que ela tinha como patrimônio, teve a surpresa de ver aparecer uma antiga esposa de seu marido. Uma mulher que tinha casado com ele e convivido durante menos de 2 anos e, depois disso, se separaram. Mas, esta antiga esposa tinha se casado no cartório e, naquela época, 40 anos atrás, a legislação brasileira não admitia a hipótese da companheira e nem a jurisprudência permitia isso. Então, fui advogado dessa mulher, companheira de mais de 30 anos, tentando fazer que se reconhecesse que ela é que deveria ficar com a casa, porque na verdade ela tinha sido a companheira constante, de muitos anos, e tinha colaborado para a compra da mesma. E, no entanto, fui derrotado porque o juiz que julgou o caso entendeu que a lei não amparava, de qualquer maneira, a minha cliente. E a jurisprudência dos tribunais era terrível, porque quando se alegava direito de companheira, os tribunais chamavam a companheira de concubina e diziam que era imoral querer dar direitos à concubina. E há, mesmo, votos em que o relator pergunta que serviços a concubina presta. Isso com insinuações maliciosas e mesmo humilhantes, para a companheira. Casos como esse que acabo de relatar foram se sucedendo. E, assim como eu, outros advogados foram recorrendo e houve nos tribunais casos de obtenção de votos favoráveis. Quer dizer, no começo nós não ganhamos, mas tivemos votos favoráveis. Eram votos divergentes. A partir desses votos divergentes, foi havendo a adesão de outros desembargadores, de outros juízes e, afinal, a jurisprudência se tornou dominante. Então, dessa maneira, através da jurisprudência, se afirmou a necessidade, a justiça, de reconhecer direitos à concubina. E isso, hoje, consta da legislação brasileira, consta inclusive da Constituição. Mas começou com a jurisprudência divergente. Então, por essa razão, a súmula vinculante é altamente maléfica. É uma fonte de injustiças e de retardamento da evolução do Direito." (Matéria "Efeito vinculante: prós e contras", em especial sobre a Reforma do Judiciário na Revista Consulex nº 3 de 31/3/1997).

Estêvão Mallet, afirma que "a idéia de atribuir força vinculante às decisões de alguns tribunais [...] ganha força no Brasil – é interessante notar – no exato momento em que começa a perder prestígio no exterior..." (Matéria "Algumas linhas sobre o tema das súmulas vinculantes" na Revista Consulex nº 11 de 30/11/1997).

Oportunos os ensinamentos do ex-Ministro Lins e Silva, que afirma: "Faz mais de um século e o assunto se tornou atual em face da anunciada reforma do Poder Judiciário. Nos albores da República, um Juiz de Direito do Rio Grande do Sul considerou inconstitucional e negou aplicação a uma lei estadual, que abolira certas características essenciais à instituição do júri, como o voto secreto e as recusas peremptórias, sem justificação das partes. Os desembargadores do Tribunal de Justiça pensavam de modo contrário, entendiam que a lei era constitucional e resolveram processar o juiz por crime de prevaricação, condenando-o à pena de nove meses de suspensão do emprego. Rui Barbosa, autor que parece não ser muito lido ou do agrado dos nossos neoliberais, tomou a causa do magistrado, principiando por dizer que defendia também ‘dois elementos que no seio das nações modernas constituem a alma e o nervo da liberdade: o júri e a independência da magistratura’ (vide: Os Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal Federal, de Edgard Costa, 1º vol., págs. 68 a 70). À segunda parte da defesa, Rui, com sutil ironia, deu o título de ‘novum crimen e o crime de hermenêutica’, sustentando a tese da autonomia intelectual do juiz, para que não se converta ‘em espelho inerte dos tribunais superiores’, quando a sua existência seria ‘um curso intolerável de humilhações’. Havia duas opiniões, na interpretação da lei, ambas proferidas ‘com a mesma sinceridade’. E Rui sintetiza: ‘A questão, em última análise, se reduz, pois, a isto: um conflito intelectual de duas hermenêuticas, falíveis ambas e ambas convencidas’. A condenação do juiz resultava do ‘delito de interpretação inexata dos textos’, e o Tribunal Superior não tem o dom da infalibilidade: ‘Um parecer subalterno pode ter razão contra julgados supremos, um voto individual contra muitos’. A controvérsia é o cerne dos debates judiciários, em qualquer causa, onde os advogados sustentam posições antagônicas quanto ao direito das partes. Na aplicação da mesma lei varia a opinião dos juízes. E nos tribunais, é freqüente haver votos vencidos, isto é, interpretações diferentes. Rui ainda indaga qual o corretivo a ser dado ao juiz quando o Tribunal reprova o erro da decisão inferior: ‘A reforma da sentença? Ou a punição do juiz? Se, além da reforma da sentença se houvesse de proceder a acusação do magistrado, uma jurisprudência tal negaria à consciência do juiz singular os direitos que reconhecesse, no seu próprio seio, a todos os seus membros’. A liberdade de julgar dos juízes e tribunais inferiores, escritas em 1985, ecoam até hoje como uma advertência e uma lição. O Supremo Tribunal Federal absolveu o juiz, mas não decidiu sobre a inconstitucionalidade da lei em causa, porque mesmo se julgada constitucional, teria havido erro na sua apreciação, mas não delito. O juiz voltou a considerá-la inconstitucional e foi novamente processado e condenado pelo tribunal local. Embora considerando a lei constitucional, o Supremo absolveu de novo o magistrado, que mal a interpretou, mas não cometeu os crimes que lhe foram atribuídos, ‘de desobediência, ou de falta de exação no cumprimento dos deveres do cargo, o abuso de autoridade, ou prevaricação ou outro que se averigúe segundo a prova de intenção do réu’. Esse episódio revela que a tentativa de submeter os juízes à obediência, à submissão, às decisões dos tribunais superiores, não é nova. Vem de longe, é um resíduo castilhista dos começos da República. Que são as ‘súmulas vinculantes’ senão uma repetição dessa força obrigatória que se quer dar às decisões sumuladas pelos tribunais superiores? [...] Nunca se imaginou a possibilidade de conferir à Súmula o poder vinculante ou de cumprimento obrigatório, imutável para o próprio tribunal que a edita ou para as instâncias inferiores. Do contrário teríamos a revivescência dos Assentos do Superior Tribunal de Justiça, na esteira dos Assentos das Casas de Suplicação, considerados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, desde a fundação da República. Súmula ‘vinculante’ seria um novo nome para os velhos Assentos. O grande Ministro Pedro Lessa já estigmatizara a figura do ‘juiz legislador’, não prevista ‘pelos que organizaram e limitaram os nossos poderes políticos’. A Súmula é um valioso instrumento, que pode ser invocado pelos advogados como elemento de persuasão, mas não vincula nem mesmo os juízes de primeiro grau. Único sobrevivente dos ministros presentes à sessão de sua criação, reivindico o conhecimento da sua origem, da sua razão de ser, da sua finalidade e das suas limitações. Em nosso sistema, a fonte primária do direito é sempre a lei, emanada do Poder Legislativo, para isso eleito pelo povo diretamente. Os juízes não têm legitimidade democrática para criar o direito, porque o povo não lhes delegou esse poder. A sua função precípua, na organização estatal, é a de funcionar como árbitros supremos dos conflitos de interesse na aplicação da lei. O efeito vinculante só se aplica às decisões do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional. Declarada a inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, a lei está fulminada, desaparece do ordenamento jurídico. A competência dada ao Senado para suspender a execução no todo ou em parte da lei declarada inconstitucional pelo Supremo é supérflua e excrescente, não tem razão de ser e deve ser suprimida. A idéia das ‘súmulas vinculantes’ tem sua origem em três passagens da Constituição portuguesa, condenadas, desde logo, pela abalizada opinião de Canotilho, que observa: ‘Os assuntos autenticamente interpretativos das normas legais são hoje inconstitucionais, porque são verdadeira legislatio, violando o princípio da tipicidade das leis’. Mais do que isso, ouvimos, agora, na XVI Conferência da OAB, em Fortaleza, do Dr. Júlio de Castro Caldas, bastonário da Ordem dos Advogados de Portugal, que a ‘força obrigatória’ de certos acórdãos foi suprimida da legislação portuguesa. Lá não existem ‘decisões vinculantes’. Segundo as queixas dos eminentes magistrados que compõem o STF e o STJ, o principal fator de obstrução do andamento dos seus trabalhos é o imenso recebimento de feitos repetitivos. Foi justamente essa abundância de causas iguais que inspirou a feitura das Súmulas. A Súmula resolve com toda a rapidez os casos que sejam repetição de outros julgados, por simples despacho de poucas palavras do relator. Faz muito tempo que o Supremo não edita novas súmulas, talvez há mais de doze anos. A ausência de súmulas retira do julgador o instrumento para solucionar, de imediato, o recurso interposto ou a ação proposta. Por outro lado, os tribunais e juízes inferiores, que, de regra e geralmente, utilizam as súmulas como fundamento de suas decisões, não têm como se valer delas, inclusive para a celeridade de seus pronunciamentos. É muito difícil, devem ser raríssimos os casos de rebeldia contra as súmulas. Ao contrário, os juízes de segunda e primeira instâncias não apenas as respeitam, mas as utilizam, como uma orientação que muito os ajuda em suas decisões. Todos sentem falta das súmulas, que se tornaram instrumentos utilíssimos a todos os juízes e aos advogados. Elas, na prática, já são quase vinculantes, pela tendência natural dos juízes em acompanhar os julgados dos tribunais superiores. Torná-las obrigatórias é que não me parece ortodoxo, do ponto de vista da harmonia, independência e separação dos poderes. Todos os juízes devem ter a independência para julgar de acordo com a sua consciência e o seu convencimento, inclusive para divergir da Súmula e pleitear a sua revogação. As minorias dos tribunais, se não concordassem com a maioria que estabeleceu a Súmula, seriam rebeldes, teriam de calar-se, não poderiam mais lutar pela defesa de suas posições. Amanhã, se um juiz decide contrariamente à Súmula, acompanhando um ministro que foi minoritário na sua elaboração, poderia ser punido por tal atitude? Penso que todos nós, como advogados e cidadãos, devemos pôr a imaginação a funcionar, ajudando a debelar a crise do Poder Judiciário para que este possa atender às necessidade e aos reclamos da sociedade. Súmulas, sim, mas não vinculantes, e outras providências que dêem aos ministros do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores os meios de tornar possível e viável o seu funcionamento normal sem sacrifício dos seus juízes. A solução surigirá e ela será encontrada, de modo a impedir o excesso de causas que lhes são afetas em conseqüência da estrutura anacrônica do Poder Judiciário, a partir de sua base. Os Juizados Especiais, agora criados, poderão ser o embrião dessa reforma, tornando expeditas as soluções da maior parte das questões contenciosas, sem sacrificar a cúpula do sistema. Novas súmulas poderão atenuar de muito a aguda crise criada com repetitividade de questões que estão entulhando as prateleiras e os gabinetes dos ministros do Supremo Tribunal Federal e dos demais tribunais superiores." (Matéria "Crime de hermenêutica e súmula vinculante" na Revista Consulex nº 5 de 31/5/1997).

Para José Anchieta da Silva, "...razoável admitir que a nomeação de ministros para o Supremo Tribunal Federal, em futuro próximo, se instalada a obrigatoriedade da súmula vinculante, passará a contar com este componente político, valendo mais ou valendo menos o currículo do candidato à indicação, de acordo com a sua convicção pessoal, a favor ou contrário à admissão da súmula, circunstância que deverá ser considerada de acordo com os interesses do governo da época, se mais interessado ou se menos interessado na edição de tais súmulas de feito vinculante amplo. A partir deste raciocínio parece-nos ainda razoável admitir-se, se se estiver a editar as sempre surpreendentes medidas provisórias, e se delas estiverem a resultar avalanches de súmulas contra os interesses do governo, este próprio haverá de repudiar as súmulas, cuja criação, está a sugerir, por agentes de vários de seus órgãos, em vários escalões. Quem viver verá. Pelo menos num dos projetos legislativos onde incluída está a proposta de criação da súmula de efeito vinculante, fala-se em crime de responsabilidade para o magistrado que não respeitar os ditames do efeito vinculante amplo em seus julgados. A questão merece ser enfocada sobre vários e importantes aspectos. Um deles, no entanto, contém uma curiosidade que nos impõe reflexão prévia. Se para a criação de uma súmula vinculante ampla necessário será o voto de no mínimo dois terços dos ministros integrantes do Supremo Tribunal Federal, é razoável imaginar que determinada súmula viria a ser adotada como tal por, no mínimo, oito votos a favor contra três votos vencidos. Neste caso, o juiz de qualquer instância ou tribunal que se dispusesse a ficar contra a súmula assim estabelecida, estaria na companhia daqueles votos minoritários, na hipótese adotada, em número de três. Qualificadíssima minoria portanto. E então, seria crime pensar e decidir de acordo com a inteligência de três coesos, embora vencidos votos de integrantes da excelsa e Suprema Corte? A lógica do direito está a dizer, certamente, que não. dessa forma, casos haveriam nos quais se teria cometido um inusitado ‘crime de responsabilidade’ (ou de hermenêutica), ao mesmo tempo em que se poderá estar ao lado de confortáveis inteligências minoritárias do próprio Supremo Tribunal Federal. A situação desenhada nada contém de quimérica, já que perfeitamente possível se instalada a vinculação de julgados tal como está redigida e votada a proposta no Congresso Nacional. Dessa forma, em casos como o apresentado, repita-se, perfeitamente possíveis, aos magistrados caberá uma de duas opções, ambas amargas e castradoras: ou submetem-se (os magistrados) à disciplina burra, neste caso, contrariando o seu livre e pessoal convencimento como julgador, ou, assume-se a prática de um crime de responsabilidade, ou de hermenêutica, ainda que em boa companhia..." (Op. cit., págs. 26 a 28).

Pertinentes também são os argumentos de Francisco Antônio de Oliveira, Juiz Togado do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, acerca da "...Medida Provisória nº 1.570/97. O seu objetivo desenganadamente confessado é neutralizar o julgamento da Suprema Corte, que concedeu aumento a onze funcionários com suporte no princípio da isonomia. A iniciativa não se traduz em novidade, uma vez que o Congresso Nacional registra precedente em que legislou concedendo anistia a um senador, neutralizando assim decisão de tribunal superior. Com a edição da Medida, pretende o Governo engessar o Poder Judiciário, em especial os juízes de primeiro grau, retirando-lhes o poder/dever de conceder a tutela antecipada prevista nos arts. 273 e 461 do CPC sem a exigência de garantia real ou fidejussória, sempre ‘que houver possibilidade de a pessoa jurídica de direito público requerida sofrer dano, em virtude da concessão da liminar ou de qualquer outra medida de caráter antecipatório’. Com isso, a medida estaria transferindo o dano para os jurisdicionados num país que registra uma das menores rendas per capita do mundo, transformando em elitista o direito de buscar a prestação jurisdicional. Olvida que ‘o sistema jurídico tem de encontrar mecanismos idôneos para que haja efetividade do direito ou de seu exercício, fazendo-o por meio de liminares tout court, dos writs constitucionais e das medidas cautelares’ (Nery). Vale dizer que o juiz tem por dever de ofício buscar meios para garantir o direito, a exemplo dos juízes anglo-americanos. A medida provisória que até então era editada contra tudo agora também investe contra todos e busca semelhança com o decreto-lei de índole ditatorial. Mas com uma diferença estrutural: o decreto-lei projetava os seus efeitos desde o seu nascimento, não necessitando ser reeditado. A medida provisória, quando não referendada pelo Congresso Nacional, transforma-se no ‘nada jurídico’, não lançando nenhum reflexo pretérito. A medida provisória traz em seu âmbito um fato inconteste. Na primeira oportunidade em que foram sentidos os efeitos de uma ‘súmula vinculante’, o Governo federal tratou de neutralizá-la. Ou será que a ‘súmula vinculante’, de que se fala somente valeria para aqueles casos que não afetam o Poder Público? Há um açodamento legiferante e um estrabismo na medida provisória, no momento em que fala na ‘possibilidade de sofrer dano, em virtude de concessão de liminar ou de qualquer outra medida de caráter antecipatório’. Com vistas à liminar, a matéria está normatizada nos arts. 799 e 826 do CPC. E, no que diz respeito à antecipação da tutela, a execução se alavanca em sede provisória. A medida provisória é simplesmente ociosa. Ela também alterou a redação do art. 16 da Lei nº 7.347/85, que cuida da ação civil pública, remédio processual inspirado para a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, acrescentando ‘nos limites da competência territorial do órgão prolator’. A nova redação se traduz em retrocesso quando pretende circunscrever os efeitos da sentença à base territorial do juízo prolator, dando aos interesses metaindividuais o mesmo tratamento dos direitos individuais, cuidando de forma homogênea de cosias heterogêneas. Na prática, isso significaria que haveria de ser proposta ação em cada comarca em que o dano lançar seus efeitos deletérios, v.g., derramamento de petróleo no mar territorial de Santos que lançasse seus efeitos deletérios por várias outras cidades litorâneas. A medida provisória vem ungida do dom da multiplicação. Oxalá o Congresso Nacional disso se aperceba e não a referende. Mas, se isso não vier a acontecer, os tribunais poderão minimizar os efeitos prejudiciais por meio dos seus regimentos internos, dando a competência funcional originária aos tribunais, alargando, assim, a base territorial." (Matéria "O Planalto e a Súmula Vinculante" da Revista Consulex nº 10 de 31/10/1997).

Outra posição que merece destaque é a de Luiz Flávio Gomes, Juiz de Direito em São Paulo, que afirma: "...muitos ministros, até do STF, com sinceridade, acreditam que ela seria a solução para um dos maiores problemas do Judiciário: o excesso de recursos. Não imaginavam, no entanto, certamente, que a sugestão viria a se transformar, com o substitutivo do deputado Jairo Carneiro, que é o atual Projeto de Reforma do Judiciário, na mais séria e ditatorial ameaça à independência judicial, entendida não como privilégio pessoal ou defesa corporativista, mas como eixo fundamental do estado constitucional e democrático de direito. Por influência da nossa ‘memória histórica’ centralizadora, autoritária e às vezes despótica, o citado substitutivo chega ao extremo de prever que o juiz ‘rebelde’, ao descumprir a súmula, comete crime de responsabilidade e pode perder o cargo. Já a emenda do Senador Ronaldo Cunha Lima é vaga, sem limites, e, por isso mesmo, tendencialmente antidemocrática. Aponta-se como fonte de inspiração dessas iniciativas legislativas que, se prosperassem, colocariam o Brasil num patamar inusitado de surrealismo, o stare decisis norte-americano (que decorreu do rule of precedent, típico da commom law inglesa). Mas há um equívoco clamoroso na concepção do substitutivo, porque naquele sistema não se impede que o juiz abandone o precedente, fixando regra nova. A fonte direta das mencionadas propostas, na verdade, deve ser buscada em sistemas jurídicos ‘fechados’, ‘orwellianos’. Pela sua literalidade, alcance e sentido, está evidente que foi o art. 121 da Constituição cubana que lhes serviu de modelo, sendo certo que Cuba é o único país latino-americano em que os Tribunais Superiores ‘impartem instrucciones de caráter obligatorio’ para os juízes inferiores, visando a impor (‘desde arriba’, obviamente) ‘una práctica judicial uniforme en la interpretación y aplicación de la ley’. Não se discute, como reiterada e enfaticamente vem proclamando o ínclito Ministro Sepúlveda Pertence, que está havendo patente abuso na utilização dos recursos extraordinário e especial (para o STF e STJ). Principalmente, por parte do Poder Público, que é o grande responsável pela multiplicação de causas idênticas, desde que ele mesmo instituiu a vergonhosa ‘mora judicialmente legalizada’ (uso de recursos repetitivos para retardar, o mais possível, o pagamento dos seus débitos judiciais). Urge a imediata solução dessa ‘crise recursal’, mas não é preciso, para tanto, transformar o único Judiciário técnico-burocrático da América Latina em modelo (um modelo que se caracteriza pela falta de independência dos juízes, pelo método da cooptação, pela rígida hierarquia, ferrenha subordinação, castração da liberdade de iniciativa, etc.). Desde que uma brisa de democracia sopre neste país, de modo algum podemos aceitar as súmulas vinculantes, porque: 01) Violam o princípio da independência judicial, que deve ser entendida como independência de cada juiz, uti singuli, no exercício da jurisdição, seja diante de poderes externos (ad extra), seja diante de poderes internos (ad intra), particularmente superiores (CF, art. 2º); 02) Conflitam com o princípio da separação dos poderes (art. 2º e art. 60, § 4º, inc. III da CF), visto que o Judiciário não pode ditar regras gerais e abstratas, com validade universal (non exemplis sed legibus judicatum est), por lhe faltar legitimação democrática para tanto; 03) Fazem tábula rasa do princípio da tipicidade das leis, assim como do juiz natural imparcial (que inexiste nos sistemas de jurisprudência superior vinculante); 04) Iludem o princípio do pluralismo político (art. 1º, inc. V), que é a base das várias interpretações válidas do mesmo texto normativo; 05) Ofendem o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III), à medida que retiram do juiz o que existe de essencial na atividade judicial, que é autodeterminação (tratar o juiz como incapaz de se autodeterminar, aniquilando sua criatividade, resulta em ofensa à sua dignidade). As súmulas dos Tribunais Superiores, uma vez aprovadas por quorum qualificado (dois terços), em matérias criteriosamente selecionadas, isto sim, podem e devem exercer o papel de ‘filtro’ dos recursos extraordinários. Devemos abandonar a idéia da autoritária ‘vinculação’ e trabalhar com um novo ‘système de filtrage’ (requisito de admissibilidade), no sentido de que, quando a decisão recorrida (de segundo grau) dirimiu o conflito de acordo com o enunciado de uma delas, não cabe recurso extraordinário ou especial. Bastaria, para tanto, o acréscimo de dois novos parágrafos ao art. 102 da CF (mutatis mutandis, também ao art. 105), mais ou menos nestes termos: 01) § 1º Não será admitido ou não terá seguimento o recurso extraordinário interposto contra a decisão que tem como fundamento principal ou que dirimiu o conflito de acordo com súmula do Supremo Tribunal Federal, aprovada por dois terços dos seus membros, depois de reiteradas decisões no mesmo sentido, sobre matéria constitucional-previdenciária, acidentária, tributária e econômica; 02) § 2º Não se compreende na proibição do parágrafo anterior o recurso que apresentar fundamentação jurídica razoável ainda não apreciada pelo Tribunal. A proposta em questão tem aptidão para resolver mais racionalmente o problema dos recursos repetitivos, conserva a liberdade do juiz de julgar o caso conforme sua consciência e o Direito, preserva sua independência e imparcialidade, evita o ‘congelamento’ da jurisprudência, afasta o autoritarismo, confere relevância ímpar ao princípio da igualdade (que é fonte de legitimação, economia, celeridade, estabilidade, segurança jurídica e confiança na Justiça), impede o seguimento de recurso idêntico, contribui para o ‘descongestionamento’ dos Tribunais Superiores. Além disso, a solução não quebra a tradição do nosso direito, aproximando-o, salutarmente, do stare decisis (rule of precedent), até onde a Constituição brasileira e especialmente o princípio da igualdade permitem e aconselham, atende ao princípio do duplo grau de jurisdição, respeita a separação dos Poderes e, sobretudo, impede a verticalização do Judiciário brasileiro que, ao lado do de Cuba, seria o único entre países latino-americanos em que a jurisprudência superior passa a ser ‘instrução de caráter obrigatório’, em nome de ‘uma prática judicial uniforme na interpretação e aplicação da lei’. A luta histórica de Edward Coke, no século 17, pela supremacia da lei e contra a ditadura monárquica inglesa, poderia servir de exemplo para nossa irresignação. O caminho jurídico para tanto, corajosamente desfraldado pelo ‘Justice Marshall’, em 1803, é a descentralizada e democrática ‘judicial review’ (possibilidade de qualquer juiz de controlar difusamente a constitucionalidade das leis e das emendas constitucionais). Estão pretendendo levar os juízes ao banco dos réus por causa de um ‘novo crime’, batizado por Rui Barbosa de ‘crime de hermenêutica’. Em pleno terceiro milênio desejam que o pensamento jurídico volte ao tempo das Ordenações. Em vez de progresso, o retrocesso." (Matéria "Súmula Vinculante e Independência Judicial" na Revista Consulex nº 8 de 31/8/1997).

Porém, a mais acertada e perturbadora posição é a assumida por João Baptista Herkenhoff, para quem "querem fechar o Judiciário aos avanços, ao novo, ao desafio de criar; querem podar toda e qualquer tentativa de prática de um Direito mais aberto e mais crítico. Mas tais súmulas vinculantes vão também amordaçar as lutas populares na direção da crescente e dialética ampliação dos direitos humanos. Já temos as súmulas não vinculantes e estas prestam serviço ao Direito. Constituem indicativos para os juizes que, em muitas hipóteses, se servem delas nos seus julgamentos. Bem diferentes serão as súmulas vinculantes, porque retirarão dos juizes parte substancial de seu papel social, em nome de uma eficiência a qualquer custo, mesmo que o preço seja a estagnação do Direito [...] E observe-se que as súmulas são elaboradas pelas cúpulas judiciárias, por tribunais compostos por ministros escolhidos pelo crivo de critérios políticos nem sempre éticos. Os juizes inferiores são pelo menos escolhidos por meio de concurso público. E, freqüentemente, é da primeira instância, é dos juizes de primeiro grau que parte o grito pela renovação do Direito, pela ampliação das franquias, pela aproximação entre Justiça e Povo." (Justiça, Direito do povo, págs. 36 e 37).

Posição esta com a qual concorda Sérgio Sérvulo da Cunha quando afirma que "o chamado ‘efeito vinculante’, portanto, do ponto de vista hermenêutico, não faz mais do que fazem hoje as súmulas: restringe o universo interpretativo aberto às partes e aos juízes, que ficam referenciados por aquela interpretação superior e prévia. Há uma diferença teoricamente relevante entre essas figuras, na concepção, que o efeito vinculante pressupõe, sobre a natureza do Direito. São pertinentes as considerações de Castanheira Neves a propósito dos assentos: ‘Os assentos significam, pois, um legalismo de segundo grau ou elevado a segunda potência’. Seu sentido normativo ‘está vinculado a uma concepção do direito - à concepção que dele hoje havemos de reconhecer como válida. O direito não pode ser já validamente pensado sem uma intenção de normatividade material (de ‘justiça material’), a exigir uma sua [sic] realização e constituição histórico-concretas. A normatividade material de um sistema jurídico intencionalmente aberto e de uma ordem jurídica constitutivamente dinâmica, aliás, aquela que unicamente pode corresponder ao atual Estado de Direito material’ [...] Todavia, a sua diferença prática, de natureza política, é apontada pelo mesmo autor: ‘Não obstante a lei, tiveram-se por necessários os assentos: é que com estes não se pretendeu inserir no sistema mais um tipo de normas que houvesse de sofrer o mesmo destino dogmática e metodologicamente jurídico de quaisquer outras normas do sistema, e sim impor antes um instrumento que pusesse termo à liberdade ou independência dogmática e metodológica de que as outras normas se mostravam objeto e são suscetíveis’ [...] Em outras palavras, o que se pretendeu com os assentos foi cercear a independência jurisdicional concreta. O efeito vinculante funciona plenamente - como bem tinham percebido os autores do pacote de abril - quando acoplado à avocatória. Esta sinaliza previamente a todo o corpo da magistratura: o juiz divergente poderá ser privado da sua jurisdição. Completa-se assim o cerco mecânico do judiciário, em que todo o corpo se transforma em obediente instrumento da cúpula" (Op. cit., págs. 134 e 135), concluindo mais à frente que, "no julgamento dos casos do seu interesse, o governo não quer submeter-se à competição judiciária e à mesma demora a que estão sujeitos os particulares. A adoção do efeito vinculante, ao modo como vem sendo proposta, completa aquilo que já se delineou no ordenamento e na prática: a instituição anti-republicana de dois judiciários, um para o governo, outro para o homem comum; um eficiente, pronto e rápido; o outro lento, moroso e inadimplente." (Idem, pág. 140).

Concorda também, com tais argumentos, Marco Aurélio Costa Moreira de Oliveira, quando afirma que "é certo que a ordem jurídica deve proporcionar aos julgados da Corte Suprema e do Superior Tribunal de Justiça maior eficácia do que às decisões de tribunais de menor hierarquia. No entanto, o efeito vinculante de suas decisões sumuladas não pode ser aceito, se causar paralisia no desenvolvimento de nosso direito e das letras jurídicas do país. Muitos de nossos juristas, inspirados em ânimo nobre, mas equivocados quanto às conseqüências que decorrerão da nova sistemática, apoiam a introdução de um sistema de vinculação dos julgados às súmulas, sob o argumento meramente utilitarista de acelerar a prestação jurisdicional. A grande maioria dos favoráveis ao poder vinculante das súmulas, no entanto, nada mais pretende do que tolher a evolução da ordem jurídica e da própria instituição judicial, inspirados por posições ideologicamente conservadoras. Na verdade, buscam impedir o desejável desenvolvimento da atual fase evolutiva de nosso direito, nascida com a promulgação da Carta Constitucional de 1988, inspirada pelo inderrogável princípio do primado dos direitos individuais. Os favoráveis ao efeito vinculante das súmulas certamente são os mesmos que se demonstram contrários à inquietação das inteligências críticas." (Artigo "As súmulas e o efeito vinculante" in Dominus Cd-Rom Jurídico, julho-agosto de 2001).

Outra posição que merece destaque é a do promotor Evaldo Borges Rodrigues da Costa, que lembra, de maneira lúcida que "a necessária e aspirada reforma do Poder Judiciário não é aquela organizacional ou estrutural a que se referem os artigos 92 e seguintes da Constituição Federal, que tocam diretamente aos órgãos da Justiça, mas sim a atinente ao artigo 22, inciso I, daquela Carta, que diz respeito às próprias normas do processo, do procedimento, ao modo pelo qual ele anda, tramita, podendo torná-lo mais célere, ágil, rápido, de sorte que as normas processuais, que são normas de garantia das partes no processo, efetivamente agasalhem e tutelem os direitos do cidadão em Juízo. Nesse sentido, quando se fala em reforma do Judiciário, na verdade está-se falando em reformulação do processo, de modo que a prestação da tutela jurisdicional seja a entrega de um serviço de resultados positivos, dada a importância de tal função, favorecendo-se não só necessariamente a quem ganha a causa, como também a quem perde a demanda, que tem possibilidade de ver a lide novamente julgada em grau de recurso, ou então simplesmente aceitar o julgado, definindo-se, pelo menos, a situação jurídica concreta posta em juízo, que ninguém quer ver eternizada. [...] Por quantas vezes as fórmulas sacramentais do processo, nas denúncias, em alegações finais, memoriais, razões e contra-razões recursais, as fases do procedimento em geral, os prazos, obrigam os profissionais do Direito a repetir exaustivamente os mesmos fatos e razões jurídicas, nas primeiras e nas demais instâncias, num sem-número de atividades e fases sem fim, enquanto a sociedade, distante, desconhece o que se faz no íntimo do foro e do processo, assistindo aos seus direitos se arrastarem incompreensivelmente pelos anos, ora pensando-se que não se trabalha seriamente na Justiça, ora justificando tal demora na corrupção dos que laboram na liça forense diária. Uma de tais medidas usurpadoras do Direito é a denominada Súmula Vinculante, que se pretende implementar nos julgados da mais alta Corte de Justiça do País, no Supremo Tribunal Federal, em determinadas matérias, ao argumento de se agilizar a Justiça naquela instância, e também nas inferiores. Talvez, o maior prejuízo de tal Súmula Vinculante seja o de hierarquizar o Poder Judiciário entre os magistrados, extrapolando o âmbito administrativo de tal poder, no qual a hierarquia é admissível, para incursionar-se nas decisões jurisdicionais de mérito dos membros do Poder Judiciário, cassando in limine, por assim dizer, a independência e a autonomia do juiz ao julgar, pois, estaria ele atrelado às decisões superiores sumuladas, quase que obrigando-o a assinar em X determinadas matérias. Por conseqüência, não tardaria o surgimento de outras ‘figuras processuais’, tais como as ‘Liminares Vinculantes’ e os ‘Acórdãos Vinculantes’, que, baseados unicamente nas ‘Súmulas Vinculantes’, fariam os Tribunais Superiores do País ditar o direito aplicável aos juízes, e também às partes, até agora ignoradas na nova fórmula, em flagrante afronta ao princípio constitucional da legalidade, conforme o qual ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, inc. II, da CF), e principalmente, o juiz, não se podendo olvidar também da existência das partes, porque como se sabe, o ordenamento jurídico não é norma, mas ‘conjunto de normas’ que integram um sistema normativo, tal como leciona e lembra Bobbio, na sua Teoria do Ordenamento Jurídico, 4a edição, Editora Universidade de Brasília, 1994, páginas 31/71 e seguintes. Assim, com o possível aparecimento das Súmulas Vinculantes, surgiriam as sentenças absolutamente vinculadas. Haveria, em suma, um forte desequilíbrio das partes e do próprio juiz no processo, como se restasse suprimido o primeiro grau de jurisdição. As partes, por outro lado, poderiam convir em não ajuizar ação alguma ante a existência de matéria jurídica indiscutível por ser constante de Súmula Vinculante, porque não se pode amesquinhar a inteligência das partes nesse procedimento, que são, aliás, as principais interessadas na lide, resultando daí o afastamento do Poder Judiciário na solução da controvérsia, impedindo-o de analisar lesão ou ameaça de lesão a direito, que lhe caberia, por disposição Constitucional, julgar (art. 5º, inc. XXXV, da CF). Com isso, ficaria afastada a necessária segurança e estabilidade das decisões judiciais, que produzem coisa julgada como garantia das partes no processo. Seria, sem dúvida, um retrocesso no tempo e no espaço na história da jurisdição. É que, olhando-se para a frente, para a evolução do Direito contemporâneo, para a abertura do ordenamento jurídico, outra conclusão forçosamente se há de conquistar. Se efeito vinculante de qualquer decisão haja de se produzir, é necessário que seja no amplo aspecto das pretensões ajuizadas em nome dos denominados ‘interesses difusos e coletivos’, estes sim, respectivamente, de alcance de um número indeterminado de pessoas, visando a um bem jurídico indivisível, ou de um grupo de pessoas, que tem por metas bens divisíveis, cujos interesses sejam comuns, sob o ponto de vista social e jurídico, hipóteses em que as ações idênticas ajuizadas deveriam ser repelidas por litispendência, pois os efeitos da primeira ação, a par de tornar prevento o Juízo e o tribunal respectivo, teria refletidos os seus efeitos jurídicos a cada situação jurídica concreta e idêntica. Assim, vinculante seria a pretensão deduzida em Juízo, e não a Súmula, que é o aspecto puramente formal do ato, assim como a Liminar e o Acórdão. Disso resulta que o Supremo Tribunal Federal, não necessita recorrer à lei, à guisa de fonte do Direito, ou ao Poder legiferante, para implementar o reconhecimento do efeito vinculante das suas decisões, mas sim, poderá buscá-la na sua própria fonte jurisprudencial, na hipótese em que o Pleno assim declare o Direito, em face da natureza jurídica do interesse coletivo e/ou difuso, tornando vigente e eficaz a decisão vinculante, que se espraiaria como coisa definitivamente julgada para todas as instâncias e Juízos, sob o aspecto formal e material, impedindo-se a repetição das ações em Juízo. A solução e o término dos processos idênticos, na Justiça, estão na jurisprudência, e não, diretamente, na lei hermética e fechada. Está na correta interpretação do Direito. Já se disse com propriedade que, por mais brilhante que seja a inteligência sumular vinculante, por se referir a aspecto formal compulsório de aplicação do Direito, não faria bem à saúde democrática do Estado, no aspecto da tradicional separação, independência e harmonia entre os Poderes da República."( Matéria "Súmula vinculante e interesses difusos" na Resvista Consulex nº 34 de 31/10/1999).

Como contra-argumento àqueles que são favoráveis a adoção desta medida, na tentativa de se evitar e diminuir o acúmulo de processos nas instâncias superiores, pertinente é o argumento de Ronaldo Poletti, segundo o qual "...não se deve, todavia, deixar de considerar que a medida é mero paliativo. O acúmulo que se evitaria decorre, em grande parte, da insistência descabida do próprio Governo, o qual, mesmo convencido da orientação jurisprudencial, na maioria dos casos, resiste e recorre para ganhar tempo, escorado em um decreto do ex-presidente Geisel que proíbe a extensão de decisões judiciais, entre partes, a toda a Administração. Trata-se de uma falácia. O decreto existe para evitar evidente corrupção visando a beneficiar funcionários, quando houver mera decisão isolada, fundada em tese ainda não consolidada..." (Matéria "Reforma da Justiça" na Revista Consulex nº 12 de 31/12/1997).

Também Estêvão Mallet entende que os argumentos favoráveis à adoção da súmula de efeito vinculante, no sentido de se evitar o acumulo de processos nas instâncias superiores, não convencem, pois, segundo ele, "...o certo é que a decisão judicial genericamente obrigatória nem mesmo resolve o problema da morosidade da Justiça. No Direito do trabalho houve, até o início da década de oitenta, decisões que tinham de ser respeitadas genericamente por todos os juízes e nem por isso o processo trabalhista era modelo de eficiência e rapidez. O que torna morosa a Justiça, essencialmente, é o grande número de processos, para os quais não há juízes em proporção adequada. Para que se tenha idéia da magnitude desse número, basta dizer que, segundo dados fornecidos pelo Tribunal Superior do Trabalho, só no ano passado foram propostas, nos juízos trabalhistas de primeiro grau, quase dois milhões de novas ações. A súmula vinculante, no entanto, não enfrenta a causa desse problema, como o faz, por exemplo, a arbitragem. Diante de tudo isso, não se afigura exagerado dizer que a proposta recentemente aprovada pelo Senado Federal, de criação de súmulas vinculantes, sobre ser de legitimidade questionável e estar em descompasso com a tendência verificada em outros países, traz mais problemas do que soluções. Prova que estava certo o grande jurista brasileiro ao afirmar que entre nós ‘muito se legislou e legisla para se retocar; pouco para se resolverem problemas’ (Pontes de Miranda)." (Matéria "Algumas linhas sobre o tema das súmulas vinculantes" na Revista Consulex nº 11 de 30/11/1997).

Bastante completa, e pertinente, é também a posição adotada por Djanira Maria Radamés de Sá, que funda-se no princípio geral de direito do Due process of law, que, segundo a autora encerra "...a garantia de um processo justo, não bastando tenha o cidadão direito a ele, sendo também imperiosa a absoluta regularidade do processo, com atendimento de todos os seus corolários. Esse, então, é o processo basilar, do qual derivam todos os demais que ensejam a garantia de um processo e de uma sentença justos. [...] Em resumo, o princípio do devido legal significa a garantia de participação dos sujeitos da lide na sua composição (através de outras garantias) e do Estado, no exercício de seu poder coativo de composição das lides." (Op. cit. pág. 103). Continua a mesma autora, explicando que "uma das manifestações da dimensão processual do princípio do due process of law, o acesso à justiça é, segundo Mauro Cappelletti ‘...a mais importante expressão de uma radical transformação do pensamento jurídico e das reformas normativas e institucionais’ [...] Cabendo ao Poder Judiciário a exclusividade, pelo menos em regra, da função de proteção à ordem jurídica, é nele que devem se socorrer os cidadãos cujos direitos tenham sido lesados ou ameaçãdos, em busca da justa e necessária recomposição. Sem essa atuação, os direitos restariam abstratamente reconhecidos pela lei, mas não concretamente protegidos pela sentença, deixando de se efetivar o ordenamento. Estariam proclamados, mas não garantidos. Não se pode falar em Estado Democrático de Direito na ausência da possibilidade de provocação da tutela jurisdicional pelo cidadão. [...] Qualquer obstáculo que se oponha à realização dos direitos abstratamente protegidos ou à resolução dos litígios importa em inacessibilidade do cidadão à justiça e, portanto, em transgressão à ordem jurídico-constitucional que, seguindo tendência mundial, privilegia os meios de acesso do cidadão à obtenção da tutela jurisdicional, seja ampliado significativamente a legitimação para a defesa dos interesse [sic] de massa, seja prevendo a criação de mecanismos facilitadores e simplificadores da atividade jurisdicional. A vinculação dos órgãos julgadores submetidos à jurisdição dos tribunais editores de súmulas constitui, sem dúvida, obstáculo interposto entre o cidadão e a justiça, posto que, definida a tese, passam a submeter-se-lhes as questões com ela identificadas. Na prática, isso significa que é inútil buscar a rediscussão do tema, acabando o cidadão por deixar de levar à apreciação do Judiciário os fatos que a ele se reportem. A existência de súmula vinculante agride, assim, o postulado do acesso à justiça, porque inviabiliza a possibilidade de manifestação do Judiciário sobre casos in concreto."[sic] (Op. cit., págs. 104 e 105). Não é só, continua ainda a autora afirmando que "quando a Constituição define, em seu artigo 5º XXXV, que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’, ela garante a necessária tutela estatal aos conflitos ocorrentes na vida em sociedade [...] O que aqui se contempla é o direito de ação, direito público subjetivo exercitável até mesmo contra o Estado, que se caracteriza pelo interesse processual, pela necessidade da tutela jurisdicional para reparação de um direito violado [...] Sem dúvida alguma, o direito de ação, que é direito à efetiva prestação jurisdicional, e o acesso à justiça são as vigas-mestras do due process of law. Se é certo que a súmula vinculante torna inacessível a justiça ao cidadão, não menos certo é que inviabiliza o exercício do direito de ação, isto porque a previsão legal torna impeditiva a apreciação da causa pelo órgão jurisdicional competente para seu julgamento..."[sic] (Op. cit., págs. 105 e 106). Adiante, lembra, ainda que "garante o princípio insculpido no artigo 93, IX, da Constituição Federal, a inviolabilidade dos direitos em face do arbítrio, posto que os órgãos jurisdicionais têm que motivar, sob pena de nulidade, o dispositivo contido na sentença. É exigência, portanto, do Estado de Direito [...] Motivar as decisões significa fundamentá-las, explicitar as razões de fato e de direito que implicam o convencimento do juiz. Toda e qualquer decisão judicial deve ser fundamentada, acarretando a falta a nulidade do ato processual. Não se isentam da obrigatoriedade nem mesmo as sentenças de indeferimento e as que extinguem o processo sem julgamento de mérito. [...] Não basta à fundamentação, lembra Nelson Nery Júnior, que seja meramente formal, sendo ínsita à sua essência que seja substancial, isto é, que o juiz analise as questões deduzidas ‘exteriorizando a base fundamental de sua decisão’. Serão apenas formais as fundamentações vinculantes, porque ao juiz submetido à sua força só restará a subsunção dos fatos à norma posta pelo tribunal, a aplicação mecânica de decisão previamente tida como a única possível porque, repita-se, se o magistrado ousar discordar da súmula, poderá ver cassada sua decisão, o que torna inócuo qualquer esforço interpretativo no sentido de adequação dos fatos concretos à norma legal vista sob a perspectiva do momento de sua aplicação."[sic] (Op. cit., págs. 106 e 107). Por fim, a autora lembra, também, do duplo grau de jurisdição, afirmando que "a fim de garantir a justiça das decisões, diminuindo a margem de erro, as sentenças proferidas por um órgão jurisdicional podem ser revistas por outro, hierarquicamente superior. O princípio, todavia, não constitui garantia constitucional, posto que somente a Carta Política de 1824 sobre ele dispunha expressamente [...] Pelo princípio, são admitidas duas decisões válidas e completas, proferidas por juízes diferentes, prevalecendo sempre a segunda sobre a primeira [...] Uma vez definida tese jurídica em súmula com efeito vinculante, a reapreciação da sentença ditada em caso concreto tenderá, pelos mesmos motivos já expendidos, a ser impossibilitada. De fato, de nada adianta ao cidadão buscar a instância recursal se já conhece, previamente, o resultado que esta se encontra obrigada a expressar. Conspira a situação, então, para que seja desatendido o princípio do duplo grau de jurisdição, garantidor da possibilidade que tem o cidadão de ter revista, por outro órgão jurisdicional, a decisão proferida em instância de competência originária." (Op. cit., págs. 107 e 108).

José Anchieta da Silva afirma que "aqueles que se colocam contra adoção da medida entendem, e com razão, que, partindo-se de tal argumentação sedimentada numa realidade que não pode ser negada, [dados estatísticos sobre o extraordinário volume de processos] se está atacando os efeitos de uma crise instaurada mas não se está atacando a causa. A adoção [...] da súmula de efeito vinculante amplo será um ponto descolorido sobre os termos de uma constituição alvissareiramente chamada de constituição cidadã." (Op. cit., pág. 29).

Sobre o autor
Enéas Castilho Chiarini Júnior

advogado e árbitro em Pouso Alegre (MG), especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC) em parceria com a Faculdade de Direito do Sul de Minas Gerais (FDSM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHIARINI JÚNIOR, Enéas Castilho. A inconstitucionalidade da súmula de efeito vinculante no Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 91, 2 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4248. Acesso em: 16 nov. 2024.

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