RESUMO: O objetivo do presente artigo é estabelecer um diálogo sobre as falhas e vantagens encontradas no sistema de juizados especiais, expondo as opiniões da doutrina especializada, assim como da jurisprudência pátria. Diversos problemas são trabalhados, como o acesso à justiça e a dificuldade de iniciar um processo sem advogado, os princípios dos juizados e as dificuldades de sua implementação, a razoável duração do processo e a complexidade de tal conceito, as decisões por equidade e o fato que cabe maior liberalidade do conceito e a problemática das provas. Um dos temas mais controversos é a realização das audiências que acabaram sendo mais trabalhosas do que o rito comum por não serem unificadas. A execução dos julgados e os recursos cabíveis também são um assunto relevante pelas diferenças com o processo ordinário. O presente estudo aborda todos os juizados especiais, apresentando ao final um comparativo com as diferenças entre os sistemas mais recentes em relação à lei mais antiga. Por fim, é feito um estudo do incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no novo CPC. A conclusão do estudo é a necessidade de revisão de diversos dispositivos que deveria ter sido efetuada junto com o novo CPC, o que ajudaria a manter a harmonia do sistema como um todo.
PALAVRAS-CHAVE: JUIZADO. ESPECIAL. CRÍTICA. PRINCÍPIOS. CONSTITUCIONAIS.
INTRODUÇÃO
Previstos pela CF/88 no art. 98, I, os juizados especiais são oriundos da necessidade de facilitar o acesso à justiça, reduzindo a distância entre a população e o judiciário, e agilizar a resolução de lides pequena complexidade, de acordo com o princípio da razoável duração do processo (este todavia somente foi aposto na CF em 2004, quase 10 anos após a criação dos Juizados modernos com a lei 9099/95). O principal intuito, conforme dizia Teotônio Negrão, “é para que o povo tenha confiança no Direito e na Justiça, é preciso que seja onipresente; que as pequenas violações de direito, tanto quanto as grandes, possam ser reparadas”.[i]
A complexidade das causas no rito ordinário levava muitas lides de pequeno montante a ficarem esquecidas diante da dificuldade do acesso ao Poder Judiciário. Antigamente, existiam os juizados de pequenas causas (que é a nomenclatura que muitos ainda utilizam), que haviam sido criados pela lei 7244/84. O limite desta lei era de 20 salários, não era obrigatório advogado no primeiro grau, mas para interpor recurso sim. Muitas das disposições desta lei são idênticas à lei atual, como por exemplo o fato que os erros materiais podem ser corrigidos de ofício, não existirem custas no primeiro grau mas existem nos recursos, a súmula do julgamento pode servir de acórdão, quando mantido pelos seus fundamentos, a sentença dispensa o relatório, dentre outros, todos de acordo com a simplicidade do processo.
Temos, então, a "necessidade de uma nova Justiça, que ofereça a prestação jurisdicional dentro de uma diversa mentalidade, adequada às exigências emergentes. Entretanto, uma das maiores razões pelas quais o procedimento sumaríssimo, criado pelo CPC de 1973, não teve êxito, na medida em que a competência para processá-lo foi atribuída aos mesmos juízes que continuaram julgando os processos de rito ordinário."[ii] Os juízes continuavam arraigados aos procedimentos antigos e no fim das contas o procedimento continuava complexo e lento, pois muitas decisões procedimentais são discricionárias por parte do magistrado. Entretanto, apesar das melhoras, o mesmo problema persiste nos juizados especiais, pois muitos dos juízes são oriundos da justiça comum e alguns lidam com a designação para o JEC como se fosse uma punição dada a competência reduzida.
O novo diploma legal manteve quase todas as características do anterior. As principais mudanças foram que “as pequenas causas passaram a chamar-se oficialmente causas cíveis de menor complexidade, aumentou-se a competência dos juizados, instituiu-se a execução forçada perante estes e a figura do juiz leigo."[iii] A competência dos juizados cíveis atuais é diferente mas continua bem diminuta, somente abrangendo crimes que vão até 40 salários mínimos, sendo que apenas até 20 salários é que é dispensado o advogado, sendo, todavia, igual a lei anterior no quesito recurso.
Apesar de existirem divergências, é a posição mais lógica que as três leis de juizados especiais perfazem um microssistema e se complementam, ficando evidente diante do disposto na lei 12153/09 que as leis anteriores devem ser utilizadas subsidiariamente. Isto já ficava evidente diante da lei 10259/01, pois o texto enxuto da lei seria extremamente lacunoso se não fosse complementado pela 9099/95. Entretanto, deve-se ter bastante cautela sobre a aplicação das leis posteriores no procedimento da 9099/95, fato que apenas entendo ser possível diante de lacuna da lei mais completa. É o que defende Benardina Pinho, pois após a criação das novas leis vemos que estas vieram “a integrar o “Sistema dos Juizados Especiais”, uma espécie de microssistema, norteada por princípios que garantem maior celeridade e melhor efetividade da prestação jurisdicional.”[iv] Igualmente, vemos a posição de Scarpinella[v]:
Não obstante a divisão proposta para exposição da matéria anunciada pelo número anterior, é correto e desejável entender que os três diplomas legislativos destacados merecem ser lidos e interpretados como formadores de um só sistema — mormente quando se assume como correta a proposta deste Curso de se estudar e entender o direito processual civil a partir da Constituição Federal —, um verdadeiro “microssistema dos Juizados Especiais”, que corresponde a uma forma menos rígida, menos formal e mais econômica de ser prestada tutela jurisdicional pelo Estado-juiz.
Quanto a doutrina temos críticas de todos os jeitos. Um exemplo são as feitas por José Ignácio Botelho de Mesquita[vi] que afirma que o fato da opção entre JEC e Comum é inconstitucional porque apenas o autor pode optar nos juizados estaduais, conforme o enunciado I da FONAJE: “o exercício do direito de ação no Juizado Especial Cível é facultativo para o autor. Assim, fica violada a isonomia, o que não procede a meu ver, já que nenhum dos procedimentos quebra a constituição, ficando a opção a cargo do autor apenas por escolha processual, assim como se dá com o foro em diversos outros processos, não gerando a escolha per si desigualdade entre as partes, pois o simples fato de ter essa opção não gera poder que coloque uma parte acima da outra. Aliás, a escolha do foro pode gerar bem mais desigualdade do que o rito, especialmente pela possibilidade de se processar em seu domicílio alguém por um ilícito cometido em outro Estado da Federação, tornando extremamente custosa a ação para o réu. Mesmo que o réu apenas resida em outra cidade do Estado já torna extremamente difícil. O procedimento ordinário apenas permite o uso do domicílio do autor se este for alimentando, mulher no processo de divórcio ou anulação do casamento, vítima de delito ou acidente de veículos. Já no rito sumaríssimo qualquer indenização vai para o domicílio do autor se este assim quiser, o que é coerente, pois a pessoa além de ter sido lesada ainda terá que despender gastos para ver seu direito satisfeito? De forma pragmática, vemos que é incomum que alguém vá processar alguém de forma contenciosa porque acordou com vontade, usualmente isso ocorre após inúmeras dificuldades e grave resistência ao cumprimento da lei, e ainda se deve beneficiar o réu com a escolha de qual procedimento se adotará? Nos juizados federais e da fazenda pública, a escolha do rito somente pode ocorrer nos locais onde não existir vara instalada, o que viola a coerência do microssistema dos juizados quando avaliado com o sistema estadual. Entretanto, para evitar qualquer desvio da isonomia, por mais mínimo que seja, deveria ser estabelecido também a competência absoluta.
Sem mais delongas, vamos para as disposições constitucionais previstas e suas conexões principiológicas.
1 Os princípios específicos dos juizados e suas relações constitucionais
1.1 Acesso à justiça e os juizados
O acesso à justiça busca satisfazer um determinando número de finalidades. Dentre os principais, temos o rol elencado por Carneiro[vii]:
a) descentralizar a justiça, para que ficasse mais próxima da população em geral;
b) privilegiar a conciliação extrajudicial como meio de resolução de conflitos;
c) ser o palco de resolução de conflitos de pequena monta, que praticamente não eram levados à Justiça tradicional;
d) incentivar a participação da população na administração da Justiça, através da contribuição de pessoas do próprio bairro na resolução de conflitos;
e) ser gratuita, rápida, desburocratizada, informal e efetiva;
f) desafogar a Justiça tradicional
Todavia, temos que apesar da tentativa de efetivar a razoável duração do processo e a justiça como valor supremo[viii] a prática ainda é divergente. E os efeitos disso acabam por impossibilitar a concretização de diversos comandos constitucionais, como o objetivo fundamental de garantir o desenvolvimento nacional, pois a falta de estabilidade e garantia de uma justiça fácil e forte acaba por tornar o Brasil um país menos atraente para investimentos.
Além disso, não basta acesso à justiça, esta deve ser servida em velocidade condizente com a complexidade da celeuma. Neste quesito, vemos várias decisões da Corte Europeia de Direitos Humanos condenando diversos países, como a Romênia[ix] e a Grécia[x].
O problema é, portanto, mais grave do que as aparências levam a indicar. Mesmo países europeus sofrem com o problema da demora, sendo a situação ruim também nos Estados Unidos e em outros países mais desenvolvidos. Os juizados especiais são uma solução interessante para esse tipo de problema, conforme indicam as pesquisas[xi], pois os procedimentos tendem a durar em média menos de dois anos. Ainda é longe de ser o ideal, mas é bem melhor do que a média da justiça ordinária. A justiça funciona de forma mais rápida devido aos critérios tratados adiante.
Em relação ao acesso com advogado, as estatísticas variam de acordo com o Estado. No Ceará, quase a metade dos cidadãos entram nos juizados sem advogado[xii], demonstrando ou uma falta de profissionais que desejem trabalhar com o sistema ou a falta de interesse dos jurisdicionados em ser obrigado a pagar um profissional, já que como não ocorre condenação ao pagamento dos honorários se a parte não apresentar recurso à Turma Recursal, os advogados como regram exigem o pagamento ou antecipado ou uma porção significativa dos ganhos da causa. A porção é ainda maior no Amapá, onde mais de 60% procuram a justiça sem o auxílio de um causídico. Todavia, é impossível precisar qual das duas justificativas é a correta ou se a verdade é um misto, pois outros Estados, como o Rio de Janeiro, menos de um quinto dos processos é que se iniciam de forma autônoma. O método utilizado pelos juizados em que existe alto índice de procura por pessoas sem patrocínio é auxiliar seja diretamente na secretaria, através de modelos, ou encaminhando à Defensoria Pública.
A falta de condenação em honorários é uma vantagem e um prejuízo ao mesmo tempo. A vantagem é que uma eventual condenação é mais vantajosa para o condenado que terá prejuízos menores e pode até resultar em mais ganhos para o reclamante, mas é prejudicial para o autor que ou arrisca entrar de forma autônoma com o processo podendo sofrer graves prejuízos por esse ato ou se vê obrigado a arcar com os custos e diminuir bastante seus ganhos. Na prática, a maioria dos processos são contra litigantes profissionais, e os acordos feitos por pessoas sem o auxílio de um advogado são bastante inferiores aqueles que possuem o acompanhamento de um profissional e acabam recebendo menos do que se tivessem a ajuda necessária.
1.2 A oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade, e o estímulo à conciliação ou à transação
Esse rol de critérios contidos no artigo 2º é feito especificamente para tentar agilizar ao máximo o processo sem ocorrer a perca da ampla defesa e do contraditório. A oralidade reduz o tempo significativamente pois falar em bem mais rápido do que escrever longas peças, e a ausência de obrigatoriedade da transcrição resulta em economia significativa. Além disso poder apresentar verbalmente a inicial auxilia aqueles que não possuem recursos técnicos disponíveis, fora o efeito psicológico de estar diante do magistrado conversando com o mesmo também é relevante, pois sente a parte a presença de um juiz e que esta pode influir em sua decisão. Entretanto, certas cautelas são obrigatórias, como a necessidade do juiz que colheu a prova oral ser o efetivo julgador se não ocorrer a devida transcrição, ou o tempo entre a colheita e o julgamento ser exíguo. Do contrário a prova fica perdida, sendo necessária nova colheita o que violaria a economicidade processual. Nesse sentido temos Pinho[xiii]:
A oralidade deve, porém, ser combinada com outros princípios, só podendo existir quando o magistrado que julga o conflito preside a colheita de provas (identidade física do juiz), quando então será possível ao juiz a recordação do litígio, o que somente ocorrerá se o curso do processo não for interrompido ou, na hipótese de interrupção, que seja através de prazos exíguos
Apesar disso, ainda existem alguns magistrados que digitam tudo, especialmente os mais antigos, que mantem arraigadas as práticas anacrônicas, transformando a audiência em longa e enfadonha.
Já a simplicidade busca evitar que as lides fiquem desnecessariamente complexas, pois não faria sentido criar um procedimento simples se os métodos antigos ficam arraigados. Na prática, entretanto, não é o que se verifica, pois os juízes ainda se valem dos métodos antigos. A falta dos recursos excessivos e da reconvenção previstos no procedimento comum auxilia bastante a velocidade do feito, além de tornar possível que as pessoas sem conhecimento técnico entrem no Juizado sem maiores dificuldades.
Já a informalidade busca suprimir a incessante procura por falhas técnicas irrelevantes nas peças, levando ao máximo o princípio do pas de nullité sans grief (não existe nulidade sem prejuízo), em consonância com a economicidade. Não faz sentido anular todo um processo por um pequeno erro na citação se não ocorreu qualquer prejuízo. Esse excesso formal é que busca se evitar, que usualmente apenas funciona para vedar direitos sem muita justificativa racional, se desapegando da forma que apenas causa prejuízos como regra geral, gerando graves injustiças. Um exemplo é a previsão no artigo 33 da 9099, que determina que todas as provas podem ser produzidas em audiência ainda que não requeridas anteriormente, ao contrário do processo comum.
A economia processual visa garantir o menor custo possível para todas as partes envolvidas, enquanto a celeridade busca fornecer a prestação jurisdicional em um espaço de tempo coerente com a complexidade da causa. Tal tema será avaliado com mais profundidade na próxima seção.
1.3 Direito a razoável duração do processo
Apesar dos critérios acima resultarem em maior agilidade ao processo existem percas também, resultantes do conflito entre a ampla defesa e a celeridade: mesmo os direitos fundamentais são passíveis de limitações. Tais limitações acontecem de forma expressa (realizadas diretamente, pela própria Constituição Federal ou indiretamente, pela Lei) ou de forma tácita (através de limites implícitos ou imanentes).[xiv] Tal limitação é necessária e indispensável, afinal, precisa-se sacrificar um pouco do amplíssimo direito de defesa concedido pelo processo comum (com seus intermináveis recursos) em prol da resolução rápida de conflitos que não possuem graves riscos em caso de falha do sistema, sendo os direitos sacrificados de forma adequada a acelerar o processo e sem desproporção em sentido estrito entre o sacrifício e o benefício. Diversas cautelas devem ser observadas, entretanto, conforme lembra Catalan[xv]:
Não se pode esquecer que é preciso cautela quando se defende processos céleres, pois há de ser considerado que a atividade jurisdicional tem por fim pacificar os espíritos dos litigantes e neste contexto não seriam admitidos erros nas decisões a serem justificados pela rapidez destas. Celeridade é essencial para que as partes acabem com as animosidades surgidas com a lide, entretanto, mais importante para a sociedade certamente é, não apenas segurança, mas justiça e correção nas decisões.
Diante dessa breve exposição, é mister agora nos aprofundarmos no que a doutrina discorre sobre a prática.
2 Disposições doutrinárias práticas
2.1 Decisões por equidade
Desde a lei 7244, existe o seguinte dispositivo, que é o art.6º na lei atual e era o 5º na antiga: “O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.” O que acontece é aqui fica o juiz mais livre para ignorar certas regras que levam injustiças a serem cometidas, em prol do bem comum, sem se ater tanto a formalidades, em consonância com o fato que boa parte das partes podem ir desassistidas e não sabem seguir as regras estritas do processo. Todavia, o fato de não estar na lei a obrigação de julgar conforme a lei não quer dizer que esta não exista e que não se deve seguir estritamente as regras processuais, mas sim que estas devem ser mitigadas, para que não ocorram injustiças apenas para se observar alguns formalismos, não podendo, entretanto, jogar todas as regras pela janela e fazer o que bem entender, como dão a entender alguns hermeneutas radicais. No procedimento ordinário, o tema é bem mais rígido, pois “o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”, conforme o art. 127 do CPC. Ocorre que tal dispositivo deve ser mitigado pelo art. 5º da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro (LINDB) que determina que “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” Não se trata bem de uma decisão por equidade, em que o juiz pega a norma diz que isso ou aquilo seria justo e equânime, e sim algo mais aproximado da necessidade de ser observar a hermenêutica teleológica e o bem maior. Seria uma forma de hermenêutica “sociológica”, um misto da interpretação lógica com a sistemática e a teleológica, em que deve o juiz ponderar a utilidade da lei, seus efeitos no sistema legal e social e ainda a lógica do texto legal. Já na equidade o juiz estaria mais vinculado apenas aos elementos do casos, podendo decidir pelo que é justo no caso sem ter que fazer as considerações acima.
Na prática, entretanto, é comum que os juízes se fixem em formalismos exagerados ao invés de observar os mandamentos legais. Um caso comum é quando uma pessoa jurídica comparece a audiência com o preposto sem o ato constitutivo mas apenas as últimas alterações, acarretando em revelia. Ou quando a procuração é feita incorretamente, com uma pequena falha, como a falta de poderes para transigir, o que não segue o direito do acesso à justiça as pessoas que não possuem conhecimentos jurídicos e efetuam pequenos erros e são sentenciadas injustamente. Por outro lado, frequentemente vemos decisões efetuadas pelos juízes com base em simples achismo, desobedecendo completamente os mandamentos constitucionais expressos, como liminares deferidas sem nenhuma fundamentação[xvi]. O resultado disso é uma sensação generalizada de descrédito na justiça que não segue sequer os mais basilares preceitos.
2.2 Das Provas no Juizado Especial
Na questão probatória, temos o artigo 32 (idêntico ao 33 da lei antiga), que determina que todos os meios de prova são aceitos, ainda que não requisitados especificamente, um bom avanço diante do formalismo exagerado do CPC que impede a prova se não ocorrer a requisição na peça vestibular. Além disso o formalismo do rito comum é extremamente desnecessário e prejudicial, pois basta que o advogado requeira tudo na exordial. Tais formalismos apenas prejudicam o acesso à justiça real, ficando o juiz obrigado a desconsiderar provas em detrimento da verdade real caso não haja o pedido genérico por todos os meios de prova.
Vale citar que a letra da lei 9099/95 exige que o meio seja moralmente legítimo, deixando uma grande abertura para que provas sejam rejeitadas por motivos não inteiramente lógicos, afinal, se a prova não for ilícita deve ser aceita, mesmo que o método pela qual foi obtida seja imoral. Um exemplo comum é gravar uma conversa sem conhecimento de uma das partes, o que muitos entendem ser incorreto mas não é ilícito.
A prova testemunhal não necessita de intimação nem de arrolamento, podendo, todavia, ser requisitada a intimação até 5 dias antes da audiência de instrução e julgamento. Isso porque a apresentação do pedido em prazo inferior a este faria ser extremamente difícil a intimação em tempo hábil, resultando em mais uma medida a ser usada para quem deseje dificultar o andamento do processo. O número é extremamente limitado, podendo ser apenas três, mas não contam-se as referidas nem as que o juiz deseje ouvir. A prova oral não precisa ser transcrita, sendo necessário apenas que os elementos críticos e essenciais sejam referidos na sentença, procedimento extremamente condizente com os princípios da simplicidade e celeridade.
Alguns tribunais entendem que se o meio probatório for inadmissível no sistema do tribunal é tido como indicador de complexidade[xvii], podendo levar à extinção sem julgamento do mérito, conforme o art. 51, II da 9099/95[xviii]. É quase pacífico que “a menor complexidade da causa para a fixação da competência é aferida pelo objeto da prova e não em face do direito material”, conforme o enunciado 54 da FONAJE. Todavia, existem vozes divergentes, que determinam como critério chave o valor da causa, conforme defendeu o ministro Teori Albino Zavascki, na época no STJ, no conflito de competência 97916/SC[xix]:
É certo que a Constituição limitou a competência dos Juizados Federais, em matéria cível, a causas de "menor complexidade" (CF, art. 98, § único). Mas, não se pode ter por inconstitucional o critério para esse fim adotado pelo legislador, baseado no menor valor da causa, com as exceções enunciadas. A necessidade de produção de prova pericial, além de não ser o critério próprio para definir a competência, não é sequer incompatível com o rito dos Juizados Federais, que prevê expressamente a produção dessa espécie de prova (art. 12 da Lei 10.259/01).
2.3 As audiências e a eficiência
Passível de fortes críticas é a metodologia de audiências duplas ao invés de uma una, como se verifica no processo trabalhista de pequeno valor. De acordo com o princípio da oralidade, era de se esperar que como tudo é feito oralmente, inexiste a necessidade de os atos serem separados. Além disso, seria extremamente mais célere concentrar todos os atos processuais ao invés de obrigar as partes a comparecerem 2 vezes aos juizados, o que, diga-se de passagem, já é feito por alguns juízes, apesar da lei que manda que tal ato somente deve ser efetuado se não ocorrer prejuízo para a defesa. O prazo legal que manda que as audiências sejam marcadas nos 15 dias subsequentes à conciliação é raramente seguido, dado a extrema demanda dada aos juizados, que é ampliada pelo tempo a mais gasto em designar e iniciar 2 audiências distintas de forma desnecessária.
O resultado prático é que muitos juízes, em uma interpretação até coerente da lei, designam audiências unas[xx]. Entretanto, segundo o artigo 27 da 9099[xxi], se ocorrer algum prejuízo para a defesa, o procedimento de instrução deve ser adiado, sendo posteriormente realizado no prazo de 15 dias, o que não ocorre comumente na prática quando o juiz designa audiência una. Como este é um prazo impróprio, raramente é seguido. Na prática forense, fica na vontade do juiz, o que acarreta uma grave insegurança, já que se a parte alegar prejuízo e este argumento não for aceito a audiência prosseguirá. Do outro lado, todos os litigantes profissionais alegariam prejuízo para fazer o processo demorar ainda mais.
Nas audiências vemos que a oralidade “consiste no conjunto de subprincípios que interagem entre si, com objetivo de fazer com que seja colhida oralmente a prova e julgada a causa pelo juiz que a colheu. Compõem a oralidade: a) identidade física do juiz. b) a prevalência da palavra sobre a escrita; c) a concentração dos atos processuais na audiência; d) a imediação do juiz na colheita da prova; e) a inapelabilidade, em separado, das decisões interlocutórias"[xxii]. Mas, como já trabalhado na seção anterior específica, algumas provas devem ser datilografadas para garantir a necessária segurança.
2.4 A execução no juizados especiais
Os juizados são competentes para executar os seus próprios julgados. Entretanto, alguns juízes entendem que os valores das multas ou acréscimos dos Juizados Especiais são limitados a 40 salários mínimos, um absurdo diante de seu caráter punitivo, complementar e não integrante do valor da causa. Isso é efetivamente estabelecer um preço fixo em descumprir uma decisão judicial. “A competência do juizado especial é verificada no momento da propositura da ação”, afirmou a ministra Nancy Andrighi. “Se, em sede de execução, o valor ultrapassar o teto, em razão de acréscimo de encargos decorrentes da própria condenação, isso não é motivo para afastar sua competência, tampouco implicará a renúncia do excedente”[xxiii] Do outro lado temos que “Se a obrigação é tida pelo autor, no momento da opção pela via do juizado especial, como de baixa complexidade, a demora em seu cumprimento não deve resultar em valor devido a título de multa superior ao valor da alçada”, definiu a ministra Gallotti. [xxiv] Diversas reclamações ainda estão pendentes de decisão no STJ sobre o tema, em que não pode prosperar o absurdo que é reduzir as multas, afinal, se mesmo com o valor elevado as decisões não são cumpridas, não se espera que reduzindo os valores as partes que ignoram a lei vão criar consciência. O que vai ocorrer com o baixo valor é que as multas aplicadas serão ineficazes para aqueles que possuem elevado poder econômico e são litigantes profissionais, usando a mora processual para dificultar o devido acesso à justiça, particularmente nos casos que os valores sejam próximos do teto e não existe muito a perder. Boa parte dos processos da justiça que correm são devido aos litigantes profissionais (14,7% contra bancos e 8,3% contra telefônicas[xxv]), que ‘‘coincidentemente” são as partes que entraram nas 4 reclamações contra multas além do limite de relatoria da ministra Galloti[xxvi]. A posição que a Ministra defende é que postergar os processos por décadas e não pagar mesmo depois de condenado resulta em absolutamente nada. É uma “excelente” forma de garantir a efetividade da tutela jurisdicional.
Quanto ao valor, nos termos da lei a mora é péssima, já que as correções e juros moratórios se acumulam exponencialmente. Conforme o art. 52, II da 9099, “os cálculos de conversão de índices, de honorários, de juros e de outras parcelas serão efetuados por servidor judicial”. Todavia, na prática, os servidores frequentemente erram os cálculos, olvidando que a citação válida ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor, além das súmulas 43[xxvii] e 54[xxviii] do STJ e não efetuam a correção deste momento[xxix], o que leva à pagamentos menores do que o valor realmente devido. Era interessante que o sistema possuísse um programa de cálculo automático, medida extremamente fácil de ser implementada e que resultaria em maior celeridade e eficiência, afinal a matemática dos cálculos não é muito complexa, mas os operadores do direito, desacostumados com tal ciência frequentemente se confundem e erram os mais elementares cálculos.
2.5 Dos recursos cabíveis
Consoante o princípio da simplicidade, apenas cabem 3 recursos nos juizados especiais estaduais e 4 nos federais e da Fazenda Pública. É inconteste o cabimento em todos do Recurso Inominado (espécime de apelação, mas em vez de ser dirigida à tribunal vai para a Turma Recursal, composta três juízes de primeiro grau), dos embargos de declaração e do Recurso Extraordinário. Entretanto, na falta de previsão fica essa incoerência. Além disso, existe o “recurso“ criado por “jeitinho“ que é a Reclamação, cujo procedimento é determinado por simples Resolução do STJ, em um procedimento no mínimo questionável, como veremos adiante.
Conforme previsão legal expressa na lei 12153/09, em seu artigo 3º e 4º[xxx], assim como na lei 10259/01 nos artigos 4º e 5º, não é cabível recurso de a não ser de sentença, cautelar e antecipação de tutela. Entretanto, uma interpretação das leis como um sistema levaria a crer que isso se aplicaria a todos os juizados. Não foi o que entendeu o Supremo Tribunal Federal, no Embargo de Divergência no segundo Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 696.496/Paraná[xxxi] (decisão em 25 de setembro de 2013) assim como no Recurso Extraordinário 576847/Bahia[xxxii], conforme vemos no voto do Ministro Eros Grau no último citado:
Lei n. 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no processamento e julgamento de causas cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, inarredável. Não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, sob a forma do agravo de instrumento, ou o uso do instituto do mandado de segurança, qual pretende a recorrente.
(…)
Ademais, a opção pelo rito sumaríssimo é faculdade das partes, com as vantagens e limitações que a sua escolha acarreta. Mais, a admissão do mandado de segurança na hipótese dos autos importaria a ampliação da competência dos juizados especiais, que cabe exclusivamente ao Poder Legislativo. De resto, não há na hipótese, afronta ao princípio constitucional da ampla defesa, vez que decisões interlocutórias podem ser impugnadas quando da interposição de recurso inominado. Nego provimento ao recurso extraordinário, para manter a decisão que extinguiu o processo sem julgamento do mérito.”
Apesar da decisão do STF temos que não deve prosperar tal entendimento em casos extremos. O que não pode ocorrer, sem dúvida, é uma banalização do Mandado de Segurança ou do Agravo de Instrumento. A jurisprudência não é pacífica, tendo no passado recente posicionamento diverso, conforme o enunciado nº 02 do I Encontro do Primeiro Colégio Recursal dos Juizados Especiais Cíveis da Capital do Estado de São Paulo assim entendeu, conforme transcrição que segue "é admissível, no caso de lesão grave e difícil reparação, o recurso de agravo de instrumento no juizado especial cível"[xxxiii]. O mesmo entendimento é prolatado por doutrinadores de peso como Humberto Theodoro Júnior:
Como a nova lei que instituiu o Juizado Especial da Fazenda Pública nos Estados procurou englobar todos os Juizados num único sistema (Lei 12.153, art. 1º, parágrafo único), parece-me razoável admitir que as inovações recursais trazidas pelas duas últimas leis devem-se ampliar para todo o sistema, de modo a incluir também os Juizados Civis regulados pela Lei nº 9.099.[xxxiv]
Enfim, vemos que o tema é controverso pela vacância legal, e apesar da lei nova determinar que cabe recurso, o entendimento que os juizados são um sistema não prosperou no Supremo. Do ponto de vista taxativo, sendo determinado que somente cabem os recursos previstos na lei, realmente não deve caber o agravo de instrumento, pois a lei simplesmente não prevê e isto é condizente com a simplicidade necessário do procedimento sumaríssimo. Todavia, é mister suscitar que existem decisões feitas sem o mínimo de legalidade (como a liminar supracitada no processo 032.2012.931.257-8, dada sem nenhum fundamento). Para ataca-las inexiste escolha a não ser esperar pelo recurso inominado, conforme o entendimento prolatado pelo Supremo para os juizados estaduais. E muitas vezes são coisas que podem encerrar completamente o processo, fazendo seu curso ser desnecessário. É necessário um recurso diferenciado para atacar essas decisões teratológicas sem ter a liberalidade de um agravo de instrumento que acabaria por minar a necessária celeridade, para aumentar a segurança e evitar o desperdício de tempo. O uso do agravo de instrumento pelas duas novas leis, apesar de ser um avanço, é conflitante com a celeridade, sendo interessante uma posterior inovação do legislador nesse sentido.
O recurso especial também não é cabível nos JEC, já que a constituição só prevê RESP se o julgamento foi feito por tribunal. Para os juizados federais existe a Turma Nacional de Uniformização, o que não existe para os estaduais, existindo todavia, projeto de lei nesse sentido, pois a ausência de um órgão unificador da interpretação da legislação federal para os juizados especiais estaduais provoca grave insegurança jurídica. Tal insegurança vai diretamente contra princípio implícito na constituição, conforme visível no art. 5º[xxxv] e 103-A, §[xxxvi], demonstrando a preocupação do legislador em assegurar tanto principiologicamente como funcionalmente a segurança jurídica.
Todavia, apesar de não caber RESP cabe Recurso Extraordinário de decisão da Turma Recursal, é cabível em alguns casos Reclamação, que foi aceita pelo STF sua interposição no STJ como mecanismo para sanar a lacuna legal existente, conforme vemos no RE 571.572 QO-ED/BA, de relatoria, da Ministra Ellen Gracie - julgado em 26.08.2009.
Diante da decisão, o STJ decidiu regular as Reclamações oriundas de decisão de Turma Recursal Estadual, na resolução 12/09[xxxvii], podendo inclusive o relator deferir liminar de ofício ou por requerimento da parte para suspender todos os processos similares, em decisão irrecorrível, devendo ser publicado em todos os casos edital com prazo de 30 dias para manifestação dos interessados. Ademais, o processamento possui prioridade com algumas exceções. Todavia, a Resolução é um ato administrativo, sendo de constitucionalidade extremamente duvidosa, já que somente a União pode legislar sobre Direito Processual (mas como quem decide isso são os tribunais que chancelaram a prática é improvável que uma decisão neste sentido ocorra no futuro próximo). Além disso, o excesso de reclamações resulta em sobrecarga do STJ, violando a necessária celeridade do procedimento sumaríssimo sendo um dos fatores que levou ao projeto de lei.
É interessante notar que no sistema dos juizados especiais, o preparo pode ser posterior à interposição do recurso, em 48 horas, independente de intimação. Isso se deve primordialmente ao fato que nos juizados é possível entrar sem advogado na primeira instância, mas é necessário o patrocínio para eventual recurso, sendo concedido prazo maior para a parte adquirir um caso esteja inconformada com as decisões.
4 Peculiaridades das leis novas
Iniciando pelos juizados especiais da fazenda pública, temos o limite de 60 salários mínimos, idêntico ao federal, sendo sua competência igualmente absoluta nos locais onde existir a vara, sem a escolha autorizada para os juizados estaduais. Não podem ser partes Empresas normais, apenas microempresas e empresas de pequeno porte, o que não é grande problema diante do baixo limite do juizado, pois as grandes empresas geralmente possuem causas tributárias em valores extremamente significativos.
Nos Juizados Especiais Federais, podem ser réus os entes lá determinados não cabendo interpretação extensiva do rol arrolado: União, autarquias, fundações e empresas públicas federais. Já nos Juizados da Fazenda Pública, apenas entes da federação inferiores à União podem ser réus, assim como suas autarquias, fundações e empresas públicas. Os autores são os mesmos para todos os três juizados, podendo ser pessoa física, microempresa ou empresa de pequeno porte, com a notória peculiaridade que no juizado cível comum a empresa de pequeno porte não pode propor, mas pode ser réu, podendo, entretanto, propor no juizados federais e da fazenda pública. Além disso no comum e apenas neste podem ser autores as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e as sociedades de crédito ao microempreendedor, figuras que apenas podem propor perante o JEC, mas não perante o JEF e JEFF, pois o rol legal é taxativo e não exemplificativo.
Nestes juizados temos um maior respeito pela isonomia, inexistindo prazos diferenciados, o que ainda é ideal, já que o Estado conta com toda uma enorme estrutura a seu favor, estando em significativa vantagem diante do particular ou pequenas empresas, não existindo justificativa para os prazos serem tão dilatados em favor da fazenda. A ausência de reexame necessário também opera em favor da celeridade processual. Podem ser deferidas cautelares de ofício, cabendo agravo de instrumento das cautelares e antecipatórias deferidas.
Quanto à execução o que não exceder a Requisição de Pequeno Valor deve ser pago em 60 dias sem precatório. Um leve avanço na eliminação dessa aberração jurídica. Em caso de falta de pagamento do valor o sequestro é imediato. A lei que determina o RPV é local, na sua falta 40 SM para o Estado e 30 SM para o Município. Isso leva a um problema pois os municípios podem estabelecer valores pífios para os pagamentos.
Assim como nos juizados federais, também existe no procedimento a previsão do Incidente de Uniformização. A grande diferença é a possibilidade direta do Superior Tribunal de Justiça julgar quando as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes, ou quando a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula, independente de requerimento da parte, sendo este obrigado a julgar, enquanto no procedimento da lei 10259 é uma mera faculdade.
As citações e intimações seguem o CPC, quebrando o padrão mais célere (federal é utilizado carta com aviso de recebimento em mão própria e JEC é qualquer meio hábil para as intimações). Esse método é incoerente com o princípio da celeridade e resulta em desnecessária mora processual. Nos Juizados Especiais Federais, ainda se utiliza o padrão pessoal para a União, que demonstra grave violação da isonomia que os outros artigos seguem.
É ausente qualquer dispositivo na lei sobre a necessidade de advogado. A interpretação sistemática que se faz é que não é necessário dentro dos valores do JEC, assim como nos JEF, sendo todavia obrigatório quando acima de 20 salários.
4.1 O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo CPC e o pedido de uniformização da lei 10.259
Conforme previsão legal expressa, no artigo 985 do CPC, o incidente de resolução de demandas repetitivas previsto no código se aplica expressamente aos juizados (todos) especiais. Tal incidente, vale citar, apesar de que na prática vai ser usado em casos semelhantes, não é igual ao pedido de uniformização presente no artigo 14 da lei 10.259, que não exige a efetiva repetição de demandas e sim a divergência de turmas recursais, enquanto o incidente de resolução de demandas repetitivas não requer per si divergências, bastando o mero risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica, o que na prática também irá ocorrer após as inevitáveis divergências que existem em quase todos os casos. Os efeitos são similares para os feitos em andamento, pois os processos que precisem de uniformização ficarão retidos nos autos e os repetitivos irão ser suspensos.
O início dos incidentes também é diferenciado, pois o pedido de uniformização de divergências requer iniciativa das partes enquanto a resolução de demandas repetitivas pode ter seu início por pedido do Juiz, das partes, do Ministério Público ou da Defensoria Pública. Esta última inovação legal é muito bem vinda, e valoriza um órgão importante que corriqueiramente lida com demandas repetitivas e que no dia 18 de março de 2015 irá possuir uma excelente ferramenta para reduzir sua carga de trabalho.
Como a lei inclui que as decisões feitas no âmbito do incidente de resolução de demandas repetitivas serão aplicáveis aos juizados especiais e a lei 9099/95 expressamente autoriza o uso subsidiário do CPC nada impede que o incidente seja iniciado ou abarque casos dos juizados especiais. Ademais, dada a maior amplitude do incidente, creio que na prática esse será o preferido dos atores que lidam com demandas reiteradas, em detrimento do pedido de uniformização, pois conforme supracitado, as situações fáticas que dão origem à aplicação dos institutos serão semelhantes. O fato que a lei prevê a obrigatoriedade de ampla publicidade mediante registro eletrônico no CNJ para o incidente de resolução de demandas repetitivas, fora a necessidade de criação de bancos de dados, que apesar de ser uma evidente necessidade ainda carece de real implementação desde que ocorreu a criação dos incidentes uniformizadores, deverá auxiliar no sucesso daquele em detrimento deste, sendo ainda obrigatório que tal procedimento seja aplicado aos recursos repetitivos e a repercussão geral.
Um outro fator que irá popularizar ainda mais o incidente é o §2 do artigo 985 do novo CPC, pois caso tenha o feito “por objeto questão relativa a prestação de serviço concedido, permitido ou autorizado, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.“ Tal dispositivo será extremamente útil contra grandes litigantes que desrespeitam incessantemente os direitos dos usuários dos serviços, caso as agências reguladoras atualmente executem a devida fiscalização. Isso será extremamente útil no âmbito dos juizados especiais em que inúmeros processos envolvem tais litigantes.
Durante a suspensão, todos os pedidos de tutela de urgência devem ser dirigidos ao juízo em que corre o incidente. Este inciso, apesar de ajudar na isonomia pode sobrecarregar enormemente o tribunal e acabar dificultando o trabalho principal de julgar. Além disso, dificulta o acesso à justiça das partes ao obrigar que eventual petição de urgência tenha de ser protocolada em um tribunal, que muito provavelmente será no Distrito Federal, acarretando demora que pode ser prejudicial. O ideal seria que o órgão colegiado competente para o julgamento do incidente prolatasse uma decisão com regras gerais que tivessem que obrigatoriamente ser seguidas pelos magistrados que receberam os processos suspensos, o que não violaria a isonomia e aceleraria enormemente o provimento da tutela de urgência.
Conclusão
Diante do exposto, fica evidente que apesar dos juizados serem um grande e necessário avanço no acesso à justiça, especialmente das causas que anteriormente as pessoas não perseguiam por causa das dificuldades, ainda vemos que devido as dificuldades legais e relativo medo das pessoas de entrar na Justiça esse objetivo ainda não é completado. O procedimento que era para ser bastante simples acaba sendo inadvertidamente complicado pelas lacunas legais, que geram aberturas para os advogados protelarem um procedimento que era para ser simplificado. Além disso, os juízes frequentemente ficam presos ao modo de pensar do procedimento ordinário. Um dos graves problemas também é a falta de um recurso intermediário para o sistema estadual, onde o Supremo diante da oportunidade de sanar tal vício que não existe nos juizados federais e da fazenda pública. O problema da execução também é um exemplo de vacância legal que não deveria existir, oriundo da tentativa de simplificar em excesso. O ideal seria uma lei completa e escrita de forma simples e de fácil compreensão, de forma a ser mais acessível para a maioria da população, que acaba optando pelo patrocínio de um advogado e tendo gastos desnecessários. Todavia, não podemos olvidar que a falta de patrocínio pode acabar por fazer a parte cometer erros simples.
O novo CPC foi uma oportunidade do legislador de criar um sistema unificado, mas que foi perdida, trazendo poucas mudanças relevantes para o sistema dos juizados, que é o incidente de resolução de demandas repetitivas e trazendo um desserviço que é a obrigatoriedade do uso do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no novo código, que vai de encontro a necessária simplicidade e celeridade dos juizados, conforme vemos no artigo 1.062. Agora ao invés de uma simples petição seguida de um mero despacho, é necessário um incidente completo, inclusive com nova citação da empresa, fato que vai aumentar ainda mais a usual demora na efetividade da execução quando o réu se recusar a pagar. Todavia, merece uma certa expectativa o incidente de resolução de demandas repetitivas, que se funcionar será uma medida que auxiliará enormemente a desafogar o Poder Judiciário.
Enfim, como um todo o sistema funciona apenas medianamente bem, devido à usual demora processual e as falhas apontadas, combinados com a falta de uma assistência e informação das pessoas que necessitam usar o sistema. Ainda é preciso um grande avanço, não apenas na lei, mas na mentalidade das pessoas para que todos tenham seus direitos reconhecidos e efetivados.
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